Open-access Política energética

ENTREVISTA

Política energética

Ildo Sauer

Ildo Sauer – @ – illsauer@iee.usp.br

Gaúcho de Campina das Missões (RS), onde foi Secretário do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (1971-74) Ildo Sauer é graduado em Engenharia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com mestrado

em Engenharia Nuclear e Planejamento Energético pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e doutorado em Engenharia Nuclear pelo Massachusetts Institute of Technology. Em 2004, obteve sua livre-docência pela Universidade de São Paulo. É servidor público da USP desde 1991, professor titular e atual diretor do Instituto de Energia e Ambiente (antigo Instituto de Eletrotécnica e Energia), tendo exercido os mandatos de diretor da Divisão de Ensino e Pesquisa e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Energia até 2011. Entre suas publicações, destaca-se a organização com outros autores do livro A reconstrução do setor elétrico brasileiro (Paz e Terra/Editora da UFMS, 2003).

Na entrevista que segue, o professor Ildo Sauer apresenta um panorama geral da questão energética no Brasil, apontando seus rumos e descaminhos, bem como alternativas viáveis e esperadas, avaliando de dentro os processos políticos envolvidos nas decisões para o setor e seu desenvolvimento no país.

Estudos Avançados agradece ao Dr. Sérgio Leitão, advogado e diretor de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, a colaboração que prestou à entrevista formulando o esquema geral das questões sobre a política energética brasileira. (Alfredo Bosi)

Estudos Avançados – Prof. Ildo Sauer, do Instituto de Energia e Ambiente, antigo Instituto de Eletrotécnica e Energia, nossa primeira pergunta diz respeito à situação presente das usinas nucleares. Sabe-se que houve uma desativação parcial em alguns lugares e há mal-estar em outros: o senhor poderia nos dar algumas informações sobre o que aconteceu em alguns países que optaram por diminuir o peso da energia nuclear?

Ildo Sauer – A energia nuclear já vem sendo questionada há muito tempo. Foi criada na década de 1950, depois da Segunda Guerra Mundial, como potencialmente tão barata de produzir que seria mais barato produzir do que medi-la, e seria um bem público disponível a todos, como anunciou o então presidente da Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos. Na década de 1950, à medida que ela foi se concretizando, grande parte de tecnologia adaptada para geração de energia elétrica civil veio de dois programas militares: para bombas e, especialmente, para propulsão naval para submarinos. Os reatores mais populares do mundo foram desenvolvidos originalmente para propulsão naval, o que os tornou tecnologicamente adaptados para essa função; porém deixaram embutidos no contexto tecnológico um conjunto de planos que viriam a se revelar mais adiante, que são os sistemas de segurança. Mas poderiam ser concebidos de outra maneira. À medida que os acidentes foram prosseguindo, tivemos dois problemas no mundo: o primeiro, dos acidentes em si, e suas consequências radiológicas exigiram que progressivamente cada vez mais sistemas de segurança fossem embutidos, o que levou ao segundo problema, que é o do custo enorme. Trata-se, portanto, de um dos maiores fiascos tecnológicos da história da humanidade. Normalmente, desde a Revolução Industrial para cá, as tecnologias têm ganhado escala e escopo e têm reduzido seus custos unitários, o que é identificado na organização industrial como ganhos de escala e aprendizado. Mas a indústria nuclear no mundo é uma das que, ao contrário, teve ganhos negativos, mercê dessas condições específicas.

Dois grandes episódios

Three Mile Island, o reator que em 1978 sofreu um acidente que não gerou vítimas radiológicas, mas gerou vítimas financeiras, fez que a indústria nuclear fosse repensada em termos econômico-financeiros como opção de geração elétrica. O carvão passou a ocupar lugar, principalmente, nos Estados Unidos. O acidente de Chernobyl cuja concepção do reator era bem diferente, com um sistema de segurança bem mais frágil que o dos outros, provocou uma comoção mundial.

Quanto à indústria mundial, ensaiava um retorno em grande parte em razão do debate das questões de emissões do gás efeito estufa: havia um grande otimismo, inclusive no repensar da tecnologia que então se desprenderia da origem da indústria voltada para submarinos nucleares e porta-aviões e teria uma concepção autônoma com sistemas de segurança capazes de remover o calor depois do desligamento do reator. Esse foi um grande problema, garantir a integridade, porque depois de desligado o reator, ele continua produzindo calor; se não for retirado adequadamente, esse calor funde os elementos combustíveis e libera a radioatividade pelo ambiente. Nesse contexto surgiu o acidente de Fukushima.

Os reatores avançados europeus e americanos não chegaram a ser construí- dos e aconteceu Fukushima, que coloca em questão duas grandes problemáticas. A primeira, da segurança intrínseca, e a segunda, da credibilidade dos gestores da indústria nuclear do mundo, mas uma vez em Fukushima o paradigma, que não é o único no Japão, constatou-se que os encarregados da gestão nem sempre seguiam os procedimentos que eles mesmos diziam que estavam seguindo. Comprovou-se que muitas vezes, só baseados em grafia de soldas, documentos comprobatórios eram reproduzidos indevidamente de outros equipamentos. De maneira que depois de Fukushima, o Japão entrou em comoção, revelou-se a fragilidade intrínseca de uma das questões que agora muitos propagam.

Há uma dificuldade enorme de garantir segurança absoluta de sistemas complexos, como são os sistemas nucleares, e isso fez, exceto na França (onde também houve um longo debate), os países envolvidos reverem-nos. A Rússia continua ainda com a Rosatom, inclusive fazendo propaganda aqui no Brasil em favor de reatores, oferecendo opções. Então ficou essa dicotomia: de um lado, visão benevolente de que a energia nuclear, por ser neutra ou quase neutra do ponto de vista das emissões de gás efeito estufa, era vista de um jeito por esse grupo de pensamento; e do outro lado, uma ameaça concreta, brutal, com suas consequências verificadas em Fukushima não bastando as anteriores, por exemplo, de Chernobyl, que deixaram consequências além de acidentes e incidentes em vários processos na Inglaterra, nos Estados Unidos e todo o material radioativo remanescente dos programas nucleares para fins bélicos, especialmente para fazer plutônio e urânio enriquecido, nos Estados Unidos, na Europa e na própria antiga União Soviética, que deixaram uma herança com a qual o mundo ainda não lidou. A grande quantidade de material radioativo que pode, se não for tratado definitivamente, adentrar a biosfera e deixar consequências.

De maneira que o quadro mundial hoje é esse. A Alemanha decidiu que iria abandonar, depois houve uma tentativa de recomeço por parte do governo. A Suécia há muito tempo tinha decidido que a energia nuclear sairia e daria lugar a outras fontes.

EA – E a Itália?

IS – A Itália fez um plebiscito e decidiu que rejeita a energia nuclear como opção de expansão. Só lamentavelmente no Brasil que nós decidimos mesmo nesse contexto ressuscitar um projeto que é daquela segunda geração de reatores que tiveram um desempenho até razoável nos Estado Unidos e na própria Alemanha, do ponto de vista técnico, mas que inclui o reator de Three Mile Island, por exemplo. O Brasil decidiu embarcar na década de 1960 no afã político estratégico de que quem não adentrasse o clube nuclear estaria fora do centro de decisões. Sinalizava-se que o impacto que teve a apropriação social do carvão na 1ª fase da Revolução Industrial, sucedido pela tecnologia elétrica de várias fontes, mas principalmente a mobilidade a partir do petróleo, a 2ª fase da Revolução Industrial, fins do século XIX começo do século XX, seria sucedido agora pela Era Nuclear. Os países que não se juntassem a isso teriam suas perspectivas de produção, de organização da vida completamente aniquiladas. Também de outra parte havia, sempre especialmente no Brasil, durante o regime militar, a perspectiva de que o domínio do ciclo dos combustíveis para fins tanto de navegação, submarinos, quanto especialmente o potencial de ter uma bomba colocaria o país em outro patamar, por isso se fez o acordo de 1968 com o governo americano para comprar a Usina de Angra I da Westinghouse.

Com a ameaça do presidente Carter de não suprir de combustível enriquecido àqueles países que não se submetessem ao discriminatório tratado de não proliferação, o governo Geisel decidiu embarcar no acordo com a Alemanha, acordo nuclear que se revelou muito mais comercial, financeiro, do que de transferência tecnológica. O Brasil ascendeu ao controle do enriquecimento do urânio em um projeto autônomo liderado pela Marinha em conjunto com várias instituições de pesquisa, mas esse acordo nuclear megalomaníaco previa que no ano 2000 nós teríamos 40 reatores nucleares operando no Brasil: em 2010 muito mais, talvez 150 mil megawatts, mais do que é hoje a capacidade que está instalada no Brasil, e isso era a previsão daqueles anos, final dos anos 1970, anos 1980 e 1990. Daí, formou-se o grande programa de investimentos na área nuclear.

Herança disso tudo: uma imensa dívida financeira que passou a fazer parte da dívida brasileira que entrou em colapso no anos 1980 e uma usina nuclear americana Westinghouse Angra I, 626 megawatts; Angra II foi concluída quase depois de 18 anos. Supreendente e paradoxalmente, o governo anterior decide ressuscitar o reator daquele mesmo padrão tecnológico, já inteiramente superado em função das novas perspectivas em um contexto em que os investimentos já feitos, para comprar os equipamentos, para começar uma construção do sítio em Angra III, em um lugar inapropriado, já tinham engolido grande parte do financiamento. Quando anunciada a retomada do projeto previu-se o gasto de 10 bilhões de reais adicionais para construir um reator de 1.343 megawatts, em função da parada de pouco mais de quarenta e poucos dias sempre necessários para recarga de combustível, o que dá uma produção média de um pouco mais de 1.000 megawatts.

No Brasil, qualquer combinação de outras fontes como a eólica, a hidráulica em lugares apropriados do ponto de vista socioambiental e mesmo outras fontes como a cogeração com gás natural, bagaço de cana, pode produzir essa mesma quantidade de energia por aproximadamente a metade do custo financeiro. E sem deixar herança de qualquer reator desses, além dos riscos típicos da operação, e com a história que a operação dos reatores no mundo tem revelado. Ninguém pode garantir segurança absoluta. Fukushima é a última testemunha, até o momento, pelo menos, disso. Nós temos o risco operacional durante os 30 ou 40 anos da vida útil de operação da usina, bem como a manipulação grande de material radioativo de baixo e médio nível de atividade que tem que ser tratado apropriadamente. Mas, acima de tudo, a produção de mais ou menos ao longo da vida útil 1.000 toneladas de combustível irradiado que, se reprocessado, exige cuidado dos produtos de fissão, como o césio 137, que deu origem à tragédia radiológica de Goiânia por 300 a 400 anos para se tornar inofensivo. O transurânicos são produzidos por absorção de nêutrons pelo urânio, são elementos mais pesados que o urânio, como o plutônio, amerício etc., alguns deles exigindo cuidados da ordem de dois milênios.

De maneira que parece absolutamente irracional alguém optar por uma solução que tem uma alternativa com custo bem inferior, que gera uma cadeia produtiva de melhor impacto em termos de emprego, que é muito mais amena em termos de impactos ambientais e sociais, que podem ser negociados adequadamente, e que não deixa nenhum risco operacional, muito menos a herança milenar dos rejeitos. Que dirão de nós as gerações futuras? Esse é um problema ético. Tendo essas alternativas, optamos pelo caminho de maior custo e deixamos como herança para as gerações futuras a necessidade de cuidar de rejeitos radioativos entre 300 anos e dois mil anos por termos usufruído efemeramente durante 30 a 40 anos de uma quantidade pequena de energia.

De maneira que é absolutamente paradoxal que um governo que teoricamente nasceu como democrático e popular tome uma decisão tão inadequada do ponto de vista econômico e inadequada do ponto de vista dos conceitos básicos de proteção ambiental, baseado no princípio da precaução, que é aquele princípio que diz que as ações sobre o meio ambiente só podem ser tomadas se houver a demonstração de que elas são seguras, se o risco é aceitável, desde que necessário; nesse caso, ainda que as duas primeiras ações pudessem ser demonstradas, a última não é, e essa não é uma opção necessária para gerar energia no Brasil.

EA – O senhor gostaria de acrescentar alguma consideração ou já foi dito o suficiente sobre os rejeitos? O que está acontecendo com os rejeitos aqui no Brasil atualmente?

IS – Essa é a questão fundamental, e acho que em escala global também: dizer que a energia nuclear é limpa é um eufemismo inadequado porque não se pode dizer que é limpa uma energia que ocasionou mortes e deixa sequelas. Tenho visto argumentos absolutamente inverídicos de que as mortes em Fukushima não foram causadas pela radioatividade, mas sim por explosões químicas, mas todos nós sabemos que a dose radioativa necessária para matar, fulminar instantaneamente uma pessoa, é extremamente elevada, mas também está em toda a ciência, da genética, da área nuclear, a demonstrar que os efeitos da radioatividade sobre os organismos se fazem presentes a médio e longo prazos, e que as mutações genéticas, induzidas nas células pela radioatividade, pelas radiações ionizantes, deixam sequelas e é sempre um problema probabilístico; há uma probabilidade e há cálculos que indicam que uma certa quantidade de problemas serão induzidos toda vez que uma certa quantidade de radioatividade adentrar a biosfera e passar a participar do processo em que as pessoas vivem, especialmente na alimentação. De maneira que não se pode proclamar como limpa uma fonte de energia que, embora parcial ou substancialmente neutra do ponto de vista dos gases de efeito estufa, deixa esse tipo de consequência, ameaça que é permanente. Outra questão sobre os rejeitos radioativos é o problema da não proliferação mundial. Eu entendo que o Tratado de Não Proliferação imposto aos países sem capacidade nuclear por parte dos países que têm capacidade nuclear é discriminatório e não pode ser aceito pelos pacifistas da humanidade.

O Brasil aderiu a ele, na minha opinião, de maneira equivocada no governo Fernando Henrique Cardoso, porque eu acho que países como o Brasil e outros que se mantinham reticentes defenderam a tese de que nenhum país do mundo pode ter o direito às armas nucleares, porque as consequências das bombas primitivas como as de Hiroshima e Nagasaki, primitivas em função do seu padrão tecnológico, já foram tão dramáticas. Imaginem-se então as bombas de hidrogênio que estão aí com arsenais imensos.

Eu defendo a tese de que países como o Brasil devam liderar um programa segundo o qual dá-se um prazo de uma década ou um pouco menos para ver progresso significativo de desmantelamento de todos os arsenais nucleares; e que na indústria nuclear que ainda venha existir no mundo para fins de geração de energia ou enriquecimento da produção de plutônio seja controlada a partir de uma agência internacional sob a supervisão da ONU.

Essa mesma proposta vale para aqueles países que ainda acham que a energia nuclear é necessária, como a França, a China e outros. Que todo o ciclo do combustível seja produzido a partir de uma indústria controlada internacionalmente, de maneira que nenhum país soberanamente possa dispor livremente da tecnologia dos materiais necessários para ameaçar as outras sociedades. Nós todos sabemos que no sistema de produção hegemônico no mundo, a força militar tem sido uma espécie de retaguarda para impor decisões geopolíticas e econômicas às demais nações, basta ver a forma como são tratados nos fóruns internacionais, especialmente no âmbito da ONU etc., países que se declaram Estados nucleares, que têm arsenais nucleares, isto é uma ameaça à paz da humanidade. Eu acho que nós precisamos encaminhar, nesse caso, as duas questões que se referem à produção da energia nuclear. Na minha opinião, é possível conquistar outro padrão tecnológico em outras condições do controle do ciclo de combustível da tecnologia para aqueles países que não podem dela prescindir para atender a seu sistema de produção. Há situações concretas nesse sentido, o novo patamar tecnológico deve ser buscado, e acima de tudo um novo quadro institucional em escala mundial deve ser buscado para que isso possa ser feito com segurança a todos. Não é o caso brasileiro, volto a repetir, que tem opções energéticas...

EA – Quais seriam as opções energéticas, em médio prazo, no Brasil?

IS – A previsão, os estudos que nós publicamos em revistas científicas internacionais, nos asseguram o seguinte: o Brasil hoje tem um potencial hidráulico total da ordem de 250 mil megawatts, dos quais 100 mil já foram desenvolvidos ou estão em desenvolvimento.

A energia eólica no mundo teve um progresso extraordinário nas últimas décadas, com ganhos de escala e aprendizado; hoje, além de ter custo inteiramente competitivo com a própria hidráulica, permite torres da altura entre 100 e 120 metros; já no caso brasileiro, só no continente, sem considerar o potencial no oceano, o chamado off shore, nós temos assegurada uma estimativa da ordem de 300 mil megawatts.

EA – Quais seriam as regiões mais acessíveis para a eólica?

IS – Ela está espalhada por muitas regiões do Brasil, mas o principal potencial mesmo está no litoral, no sertão nordestino e no sul, mas também não é desprezível de potencial mesmo no Estado de São Paulo, onde velocidades de ventos são menores, mas também aproveitáveis.

Temos um potencial de 300 Gigawatts na eólica; 250, na hidráulica. Fazendo uma conta, o IBGE nos garante que a população brasileira, a continuar o ritmo atual do processo de urbanização e de industrialização, nível de natalidade, mortalidade etc., deve estabilizar em torno de 220 milhões de habitantes em 2043, declinando um pouco depois disso. Essa é a previsão atual.

O consumo per capita brasileiro hoje de energia é de 2,5 megawatts.hora por ano por habitante, o padrão europeu situa-se entre 5 e 7,5 megawatts hora por habitante ano incluindo todo o consumo que permeia todo o sistema econômico, não só as residências, o sistema de serviços, sistema industrial, sistema urbano em geral.

Se nós dobrarmos o consumo per capita brasileiro com aquela população prevista para 2043, bastaria usar apenas um percentual na ordem de 60%, 70% do potencial, já conhecido, hidráulico e eólico, para atender a isso e ainda sobrar energia que poderia permitir a substituição de combustíveis líquidos no sistema urbano de transportes para reduzir a carga ambiental da combustão, que hoje é hegemônica para o transporte individual e coletivo nas cidades brasileiras.

Além disso, nós temos o potencial da biomassa, que pode ser usado para fazer cogeração, principalmente bagaço de cana, mas outras fontes, que também têm outras destinações, as indústrias, o setor de serviços que exige calor de processo, várias aplicações de higienização e o sistema industrial que em geral usa combustíveis fósseis para fazê-lo, especialmente agora o gás natural, o combustível da biomassa e também o óleo combustível.

Quem conhece termodinâmica sabe que é possível queimar esses combustíveis, principalmente o gás natural, e obter a temperatura de queima mais elevada, converter a etapa mais elevada da temperatura, expandiando-a em máquinas, motores e turbinas para gerar movimento e eletricidade. Cerca de 30% são convertidos em eletricidade, e os gases de exaustão se situam sempre entre 400 ºC e 500 ºC. Quase a totalidade da demanda da energia térmica que nós temos para fazer calor também pode ser usada para fazer frio, pelo sistema de absorção, abaixo de 200 ºC, de modo que a cogeração se utiliza da energia nobre para fazer movimento, gera eletricidade e depois se aproveita o calor que normalmente seria perdido nas grandes usinas termoelétricas e nos veículos para atender à demanda de calor, o que é uma forma mais racional de utilizar recurso.

Há, portanto, a cogeração do bagaço de cana, com gás natural, o potencial hidráulico, eólico, e agora recentemente no Brasil e no mundo, como aqui na USP, já há a possibilidade de usar painéis fotovoltaicos no próprio ponto de uso da energia, que são as residências. Já são essas opções de painéis fotovoltaicos com a atual taxa de juros, com o atual custo da tarifa brasileira que já é competitiva com a energia que vem da rede. O Brasil tem enorme vantagem tanto para viabilizar a energia eólica como a fotovoltaica.

O Brasil dispõe de um sistema de transmissão extraordinário que cobriria uma distância de Lisboa até Moscou, e agora está aumentando com a interligação de Manaus, de maneira que as nossas bacias hidrográficas com diversidade hidrológica e o sistema de transmissão permitem coisas que para os outros países são ainda impossíveis, pois eles usam bateria para acumular a fotovoltaica, mas a nossa bateria é o sistema hidráulico construído desde a década de 1930, e especialmente 1960. De maneira que essa configuração que o Brasil dispõe de recursos, capacidade tecnológica, recursos humanos e uma diversidade de fontes, hoje permite um bom impacto do ponto de vista da cadeia produtiva; se grande parte desses componentes forem fabricados no Brasil, isso iria gerar emprego e renda que utiliza recursos tecnológicos e humanos nacionais para a fotovoltaica, e para a eólica, que certamente estará ocupando lugar em função de seus custos.

Basta ver seus resultados concretos dos últimos leilões de eólica, ela teve custos da ordem de R$ 100 o megawatt/hora, que é menos da metade da nuclear.

A nuclear no Brasil em comparação com a eólica tem um custo da ordem do dobro em bases de investimento, mesma taxa de remuneração de capital; chegamos a números em que a eólica tende a custar menos da metade da nuclear sem deixar rejeitos. De maneira que o quadro brasileiro é muito confortável. É evidente que nós cometemos grandes equívocos nos últimos anos no Brasil.

Esperava-se que depois do apagão, do racionamento de 2001, nós retomássemos o planejamento voltado para o interesse público, buscando aquelas alternativas de menor impacto ambiental, e de menores repercussões sociais em populações atingidas por empreendimentos; isso exigiria que de 2003 em diante nós mapeássemos todos os recursos naturais, revisássemos os potenciais hidráulicos que já haviam sido mapeados anteriormente do ponto de vista do mérito técnico e econômico para incluir nele os outros dois atributos essenciais, a compatibilidade ambiental e a compatibilidade e aceitação social desses empreendimentos, no país como um todo. E que incluíssemos as novas fontes emergentes como a eólica e a fotovoltaica, usássemos o potencial de uso racional de energia que permite reduzir o consumo mantendo o mesmo nível de conforto e o mesmo nível de produção com ganhos econômicos. É verdade também, que no sistema capitalista normalmente quando se aumenta a capacidade social de utilização de um recurso ele tende a ser reutilizado mediante o incremento da produção; é o chamado efeito boomerang, mas de qualquer maneira é uma opção. A cogeração com as várias fontes deveria ser colocada e ranqueada segundo seu mérito e aí promover a expansão da oferta de energia segundo esses critérios.

EA – Isso seria um grande plano energético de governo?

IS – Mas esse era o plano de governo prometido em 2002, quando várias pessoas contribuíram, incluindo nós, uma liderança do grupo integrado por Pinguelli Rosa, grupo da USP e outros. Inclusive a atual presidente da República fazia parte desse grupo. Se o plano tivesse sido realizado, nós poderíamos ter evitado, por exemplo, as enormes polêmicas em torno de Belo Monte, em torno de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira, usinas que têm atributos técnicos relevantes e não desprezíveis, mas do ponto de vista social, ambiental, estão se revelando um verdadeiro desastre que poderia ser evitado mediante essa proposta. Ranquear, organizar e ordenar segundo atributos todas as opções, avaliar o impacto delas do ponto de vista social e ambiental, que são dois atributos essenciais, além do técnico e do econômico, avaliar o impacto a montante e a jusante das cadeias produtivas decorrentes dessas opções, importantes na sociedade que tem de gerar emprego e ocupar adequadamente sua população e aí também avaliar a expansão e a demanda, porque também a quantidade de energia necessária depende do padrão de desenvolvimento. A demanda de energia não é matéria de destino, é matéria de escolha segundo o padrão que a sociedade pretende organizar para produzir e viver. Opções por indústrias energointensivas, por exemplo, ferroligas, alumínio, cloro-soda, exigem a construção de grande quantidade de usinas gerando o valor agregado muitas vezes com baixo nível de emprego. Em contrapartida, outras indústrias de várias naturezas menos energotensivas geram mais empregos, geram o mesmo valor agregado ou mais, permitindo opções, isso é questão de estratégia política industrial, de política urbana. Nós não podemos fazer uma espécie de ilhamento do planejamento energético como está sendo feito hoje mesmo depois da tardia criação da empresa de pesquisa energética, olhando só para o mercado do jeito que eles próprios o constroem.

O planejamento científico e tecnológico está vinculado à criação de novas opções para aproveitamento de fontes energéticas, a política industrial na cadeia energética em geral que usa a energia para produzir, o sistema urbano, o modelo de circulação de pessoas, de organização da vida urbana, tudo isso tem a ver com o uso da energia. Quem permite o metabolismo dessas atividades econômicas e sociais é a apropriação social da energia sob suas várias fontes, isso tudo é objeto de ação do governo, que deixa o mercado operar em algumas esferas, mas teria a obrigação de estrategicamente interferir para que as outras opções pudessem ser viabilizadas e materializadas, inclusive pela razão da proteção ambiental e outras mais. De maneira que, na última década, apesar do enorme fracasso que o modelo neoliberal nos trouxe, e que culminou com o racionamento que destruiu as perspectivas de crescimento econômico daquela opção, não obstante essa lição dramática, nós não aprendemos tudo ainda. Continuamos em 2013; este ano estamos assustadoramente queimando cerca de R$ 12 bilhões desde outubro de 2012 e nos manteremos assim até dezembro desde ano para permitir que não haja um ameaça forte ao desabastecimento.

Repetindo algo que aconteceu em 2001, foi o racionamento, são as termoelétricas queimando combustível, muitas vezes importado a alto custo, que estão conduzindo o país a esse desastre econômico financeiro e também ambiental. Estamos poluindo muito mais do que necessário, tudo porque não planejamos a tempo usinas que poderiam operar com vento e água que são gratuitos. Dependemos agora das termoelétricas operando o ano inteiro com combustível caríssimo, muitas vezes importado, como o gás natural liquefeito ou o próprio óleo diesel que foi queimado por algum tempo e agora já não se queima mais. Tudo isso é fruto da falta da sintonia dos vários objetivos e da política energética improvisada que é a política que tem sido implementada, não obstante o problema de 2001 e 2002 e a promessa de um novo encaminhamento. A política energética tem sido ditada a partir dos interesses de grupos econômicos presentes; por exemplo, o lobby de Angra III evidentemente se manifesta em todas as esferas do governo e de várias maneiras e tem a presença clara do grupo internacional mais interessado que é o Grupo Areva. Este exemplo está presente em outras formas, uma enorme contratação de usinas termoelétricas a carvão e a óleo combustível que o governo fez durante a última década, quando haveria outras opções mais adequadas em regiões mais aceitáveis do que Belo Monte e do que o rio Madeira, até porque tanto o rio Madeira como Belo Monte estão a uma distância de quase 2.000 km dos principais centros de consumo; e entre esses centros de consumo e aquelas usinas lá distantes há outras opções que poderiam ter sido mobilizadas. De maneira que a conjuntura hoje do planejamento que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) faz tem sido completamente aleatória, no sentido que todo o plano aponta para outras opções, em geral aquelas que têm, interesses concretos na base econômica, na base política do governo. Para contratar essas opções, fazem leilões específicos, leilões gerais e essa é a trajetória que temos seguido. Acho que há espaço para uma profunda melhoria no processo de planejamento e de organização da expansão da oferta de energia, a começar, como já foi dito, do modelo econômico social de desenvolvimento. A primeira questão é olhar a sociedade do futuro e ver como ela vai operar para saber qual a necessidade energética para atender àquela forma de viver; daí partir para as opções necessárias.

EA – Em relação às perguntas, talvez uma parte já tenha sido respondida; o senhor fique à vontade para acrescentar o que achar conveniente.

IS – Em 2002, acreditava-se que a existência do sistema Eletrobras, do remanescente sistema estadual de energia especialmente de Minas Gerais, São Paulo, Paraná e outros Estados, que o governo anterior não conseguiu privatizar, seria um instrumento importante ao lado na área de petróleo da Petrobras para organizar a indústria de energia no país.

A resistência que os movimentos sociais, sindicais e acadêmicos fizeram à privatização selvagem que o governo Fernando Henrique Cardoso tentou impor à infraestrutura em geral e à energia em particular conseguiu segurar, não obstante a tentativa de mudar o nome para Petrobrax para torná-la mais vendável. Mas a Petrobras ficou em pé, Fernando Henrique vendeu apenas 30% do capital por US$ 5 bilhões na bolsa de Nova York.

O setor elétrico, com o sistema Eletrobras e o BNDES como grande financiador, permaneceu. Supreendentemente, o governo atual agora simplesmente esterilizou o sistema Eletrobras. Por quê? É reconhecido no mundo que no Brasil (não obstante ser detentor de um conjunto de recursos naturais, tecnológicos e humanos muito favoráveis), as tarifas de energia elétrica aumentaram extraordinariamente mesmo a partir de 2002, tornando-se das mais caras do mundo, gerando uma reclamação geral dos setores econômicos, pois esse fato estaria reduzindo a competitividade da produção brasileira no mercado internacional, o que é substancialmente verdadeiro.

Mas a razão das tarifas serem tão caras, no Brasil, tem a ver com o modelo, a forma de contratar, a forma de escolher os vencedores, a forma de fazer os contratos, a forma como os riscos são percebidos por esses agentes individuais, e depois em cadeia são transferidos para as tarifas e a criação no Brasil do mercado dito livre de energia que se beneficiou de uma falsa sobra de energia decorrente do racionamento em 2002 quando a demanda caiu mais de 20%. O governo atual manteve a descontratação, então ficou um bolsão de energia sob controle estatal a ser vendido no mercado spot, especulativco, de curto prazo, com preços da ordem de 10% a 20% do seu custo.

Ao longo de mais ou menos oito anos os grandes consumidores brasileiros foram para esse mercado comprar energia que era do poder público, principalmente, por 20% do custo. Chegado os anos 2008/2009, quando a demanda de oferta voltou a ser equilibrada, a tarifa passou a afetar esses grupos porque essa energia não estava mais lá, criou-se uma grande campanha nacional de desinformação comandada a partir da Fiesp. E qual foi a resposta do governo? Ao invés de reorganizar o modelo como um todo para estruturalmente reduzir os custos e daí os preços dos riscos, pegou-se a energia que seria agora da população brasileira, porque o regime de exploração dos recursos naturais no Brasil, na área hidráulica, se faz a partir de concessões. Grande parte das usinas construídas nas gerações anteriores, a partir dos anos 1930, mas em 1957 com Furnas, e posteriormente, já teria suas concessões encerrando entre 2012 e 2015. O governo passaria a herdar cerca de 22 mil megawatts, mais ou menos, um quarto de toda a capacidade de produção de energia do Brasil passaria inteiramente ao Tesouro Nacional, que poderia então relicitar, como querem os neoliberais, ou operá-la publicamente e colocar no mercado essa energia por um preço entre o custo médio e o custo das novas usinas. Daria o benefício aos consumidores; a diferença entre o custo de produção e esse preço poderia fazer um fundo público, que teria uma geração de caixa de R$ 8 bilhões por ano que poderia financiar a educação pública e a saúde pública.

A Constituição diz que esses recursos naturais pertencem à população como um todo, 2,5 milhões de brasileiros ainda vivem às escuras, muitos mais não têm acesso à educação pública, nem à saúde pública, que seriam coisas essenciais.

Então, o valor gerado a partir desse recurso natural, que já foi apropriado ao longo de várias décadas, pelo sistema econômico hegemônico poderia dar em retribuição esse valor. O que fez o governo? Esterilizou os principais ativos das empresas como Furnas Centrais Eletricas e Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco), as estatais sob o mando do governo federal. As estaduais são comando de outros partidos, como a Copel, Cemig e Cesp, e não aceitaram a renovação das concessões nestas bases, e não deveriam aceitar mesmo, a imposição unilateral. O que fez o governo? Criou uma tarifa de venda da energia da ordem de R$ 8 a R$ 10 por megawatthora + impostos, que chega a R$ 20, R$ 28, e esses R$ 8 não garantem sequer o custo de operação adequado das usinas, muito menos a necessária manutenção de longo prazo. Promoveu a renovação das concessões a cerca de 15 mil megawatts, especialmente 9 mil megawatts da Chesf, parte significativa de Furnas e de outras; com isso Chesf está aniquilada técnica e financeiramente, implementando um Programa de Demissão Voluntária, com técnicos de alta capacitação saindo; assim em Furnas, assim no sistema Eletrobras como um todo.

O que o governo fez foi causar o enfraquecimento de um aparato institucional que teria um papel extremamente relevante, que deveria ser fortalecido e melhorado, e não ser usado continuamente, como tem sido até agora como leilão de espaço para base de apoio do governo político e econômico, leiloando os cargos de gestão dessas empresas, muitas vezes transformados em despachantes de interesse. O aparato elétrico criado ao longo de mais de meio século, inclusive nos governos militares, poderia ser um grande instrumento de melhorar a produção de energia no Brasil, porque a essencialidade da capacidade de formular projetos, de gerir projetos é indubitável, quem faz isso são instituições. Portanto, no Brasil, para que recursos naturais possam ser convertidos em soluções concretas, precisamos do aparato institucional, que pode ser, como querem os neoliberais, inteiramente privado, dando espaço a que eles tenham enormes ganhos, e isso é notório nos Estados Unidos. Lá grande parte já é privada, mas há dois tipos de regulação, uma pelo custo de serviço e outra pela noção de mercado e competitividade. Onde se instalaram, como na Califórnia e outros Estados, mercados competitivos, houve racionamento em alguns casos e as tarifas explodiram; mas nos outros, onde a estrutura de organização da indústria é voltada para o custo do interesse público, as tarifas permanecem mais baixas. No Brasil, o governo veio optando por dar primazia apenas aos grupos privados na medida em que esteriliza ou apenas usa o aparato estatal, como usou em Belo Monte, como usou nas usinas de Santo Antônio de Jirau, no rio Madeira, e outras associações como uma muleta para absorver os riscos e as ameaças que os sócios privados têm. Veja o caso de Belo Monte; em Belo Monte o governo obrigou a Eletrobras a se comprometer a comprar, a garantir a compra de cerca de 30% da energia que virá de Belo Monte a R$ 120 e revendê-la ao mercado livre que não comprará por esse preço; então, a equação econômico-financeira que permitiu ao governo anunciar que Belo Monte é um sucesso financeiro, na verdade é feita à custa de dois riscos para o poder público; um, a Eletrobras não conseguir revender energia pelo preço que ela contratou do consórcio; outro, o grande financiador de tudo é o BNDES que é abastecido com dinheiro que vem do Tesouro Nacional via endividamento público, de maneira que é uma forma obtusa de privatizar os benefícios.

Não vejo grande diferença entre privatizar empresas e o controle dos benefícios que a apropriação dos recursos naturais permite diretamente ou usar o aparato estatal para transferir o excedente econômico para os grupos privados, especialmente nesse caso. E o mais grave, a promessa de redução de tarifa em 20% ao consumidor residencial e 30% para o industrial já está sendo esterilizada na medida em que os contratos de concessão que têm cláusulas de reajuste para a tarifa já comeu em alguns casos 6% ou 7% dessa doação que o governo fez.

De maneira que a gestão do sistema elétrico brasileiro e do sistema energético geral está absolutamente comprometida contra o interesse público que deveria viabilizar o desenvolvimento das opções aceitáveis do ponto de vista ambiental, aceitáveis do ponto de vista da negociação das repercussões sociais, que tivessem o menor custo e que o benefício da apropriação desses recursos fosse retribuído àqueles que são os verdadeiros donatários, a população em geral, e os consumidores de maneira mais ampla, não apenas os grupos de investidores, que vêm sendo contemplados, ou apenas aqueles grandes consumidores que são menos de mil que consomem quase 30% da eletricidade brasileira e que têm se beneficiado de subsídios extraordinários ao longo da trajetória. De maneira que essa é uma tragédia na área de energia elétrica, pois compromete o andamento futuro que permita optar pelas melhores soluções que estão aí, disponíveis. Eu acho que só uma mobilização popular, um debate público dessas questões poderá iluminar o novo caminho.

Petróleo

Algo semelhante está acontecendo na área do petróleo que tem gerado polêmicas, por quê? O petróleo no mundo foi erigido com uma fonte de maior flexibilidade na concentração de energia ao longo da 2ª fase da Revolução Industrial, especialmente a partir dos anos 1900 e 1910, porque tem características que o tornam vantajoso em relação a outros recursos energéticos: além de concentrar em um pequeno peso e volume uma quantidade enorme de energia, pode ser facilmente transportado, manuseado e fracionado. Tudo isso o torna altamente flexível dentro da cadeia produtiva. O petróleo contribuiu para que a população mundial, que no começo da 1ª fase da Revolução Industrial estava na ordem de 700 milhões de habitantes, aumentasse em um bilhão de habitantes, chegando a 1 bilhão e 700 milhões. Na era da eletricidade com o sistema de atender às necessidades do sistema urbano e industrial parcialmente, e o petróleo como motor principal da mobilidade de pessoas e mercadorias em escala e em velocidade global sem precedentes, nós conseguimos abandonar o trem e o navio, e com o automóvel e o avião chegamos ao ano 2000 com 6,7 bilhões de habitantes, portanto aumentamos em 5 bilhões. O petróleo permitiu várias coisas, esse aumento extraordinário da população, grandes conflitos, grandes assimetrias dentro e fora da sociedade, mas ao mesmo tempo é inegável que houve um progresso técnico e uma estrutura produtiva extraordinária, ancorada substancialmente no petróleo e nas outras fontes de eletricidade. Ele permanece hoje com custo muito baixo. Por exemplo, o petróleo encontrado e produzido na Arábia Saudita custa, em termos de capital e trabalho direto, menos de US$ 1; no Brasil esse custo está em torno de US$ 10, no máximo US$ 15 no caso do Pré-Sal, sem impostos e transferências como royalties e participações especiais.

EA – Por quê?

IS – O preço do petróleo (é importante entender, o sistema capitalista consegue perceber isso) está na ordem de US$ 100 e há uma razão técnica e econômica para que esteja entre US$ 80 e US$ 100; a única fonte que poderia substituí-lo em escala como ele hoje está situado no mundo seria a liquefação do carvão, que teria um impacto ambiental muito maior que o próprio petróleo; e o custo do barril de carvão liquefeito está na ordem de US$ 80 a US$ 100. O preço do petróleo no mercado é o valor da alternativa energética mais viável em condições de substituí-lo mantendo os atuais níveis de produtividade do sistema econômico. A diferença entre este preço do petróleo no mercado e os custos para produzi-lo fornece o excedente apropriado pelos produtores de petróleo.

Até os anos 1960, 84% dos recursos naturais de petróleo estavam nas mãos das chamadas Sete Irmãs, originárias do fracionamento da Standard Oil, de Rockfeller, que em 1911, por ordem da Suprema Corte Americana, gerou cinco, e as duas primas British Petroleum e Royal Dutch Shell. Elas dominavam o mundo geopoliticamente, e sem dúvida nenhuma o processo de descolonização da Ásia, do Oriente, e da África foi marcado por nova estratégia, a partir de 1960. Quando da criação da Opep, 84% das reservas de petróleo estavam nas mãos dessas empresas, 14% da União Soviética e o restante estavam sob controle de Estados e governos nacionais. Progressivamente com a ação da Opep, houve uma inversão no controle das reservas. Em 2010 mais de 90% de recursos de petróleo no mundo estavam nas mãos de empresas estatais puras ou híbridas como a Petrobras. As grandes multinacionais do petróleo não têm mais acesso ao controle de recursos, por isso elas disputam avidamente o acesso às três novas fronteiras do petróleo mundial, que são a Ásia Central, especialmente o Cazaquistão; várias regiões da África, Angola, Nigéria, Guiné Equatorial e Moçambique; e agora o Brasil. Esse é o contexto em que nos encontramos.

A Opep conseguiu coordenar a produção de petróleo de maneira apenas a atender à demanda, mas o grande pulmão é a Arábia Saudita, que tem ajustado a produção [da Opep] a cerca de 95 milhões de barris por dia.

EA – E a Venezuela?

IS – A Venezuela tem uma produção importante, ela contribui com mais ou menos 2,5 milhões de barris por dia de exportação; a Arábia Saudita, em torno de 10, e há outro ator muito importante, é a Rússia, que não está na Opep, mas opera em coordenação com a Opep. É interessante notar, a pergunta que poderia ser feita é a seguinte: se a partir de 1960 progressivamente os governos nacionais passaram a controlar o recurso, por que, apesar do choque do petróleo em 1973, em 1979, nos anos 1980 e 1990 o petróleo sucumbiu a algo como US$ 15 a US$ 20 o barril até 2005 quando ele reemergiu, por que então essa teoria não se sustenta? Há uma explicação, a antiga União Soviética, digamos assim, cerceada no acesso a certos recursos tecnológicos mundiais, era uma exportadora de petróleo para fazer caixa forte e poder comprar o que precisava, apesar do bloqueio da guerra fria comandado pelos Estados Unidos. O México também vendia fora da Opep. A Opep também era fragilizada por disputas, e só voltou a ocupar esse espaço com essa lógica, que é a lógica do sistema capitalista que procura se apropriar de rendas excedentes, a partir de 2005. É nesse contexto que no Brasil, em 2005, a Petrobras decidiu reentrar em um poço, o de Tupi, que havia sido feito que deu seco até o sal para furar a camada de sal e aí comprovar aquilo que geologicamente na Petrobras já era estudado há mais de uma década, a possibilidade de uma imensa quantidade de petróleo abaixo da camada de sal. Petróleo que teria se originado há cerca de 130 milhões de anos, quando a América e a África estavam juntas, formando um supercontinente, e começaram a se separar. A partir de então, a energia do Sol, capturada pela fotossíntese, formando matéria orgânica que foi acumulada debaixo do sal, dentro de uma rocha geradora, e depois migrou, sendo contida pelo próprio sal, impermeável. Parte desse petróleo mais próximo da costa brasileira, quando a camada de sal se rompeu, migrou para camadas mais altas e ficou preso em outras rochas impermeáveis , dando origem aos reservatórios do Pós-Sal, que chegou a proporcionar efêmera autossuficiência ao Brasil em 2006, muito festejada mas logo depois desfeita.

De maneira que o Brasil, nesse contexto, encontrou uma nova província petrolífera, a maior descoberta dos últimos 30 anos do mundo do petróleo, em uma época na qual a estimativa é de que existam cerca de 3 trilhões de barris de petróleo convencional na crosta terrestre, dos quais 1,3 trilhão de barris já foram produzidos, restando 1,7 para produzir, o que daria um horizonte de petróleo convencional na ordem de quatro, talvez cinco décadas, dependendo do que acontecer com a população mundial e com o sistema econômico.

Nesse contexto, a Petrobras conseguiu cumprir uma missão que lhe foi dada na década de 1950, quando ela foi criada, e o povo dizia que o petróleo é nosso. Mas somente existiam esperança e expectativa, a partir do que ela construiu um aparato tecnológico, a capacitação, as alianças necessárias interna e externamente no país com centro de pesquisas com empresas para permitir essa capacitação. A Petrobras retribuiu o apoio com uma riqueza maior, e a capacitação para encontrar e produzir o petróleo, que é um valor maior do que o próprio petróleo. Mas nós assistimos com absoluta perplexidade à falta de visão estratégica geopolítica do governo brasileiro em lidar com essa nova realidade. O modelo das concessões que o governo Fernando Henrique tinha imposto só interessava aos grupos estrangeiros; o modelo de partilha, que poderia se implementar e que foi proposto em 2002, seria outro se o nível de risco, de dificuldade, para encontrar o petróleo fosse grande; então em parte se justifica. Agora, depois que o modelo geológico do Pré-Sal foi comprovado, a única decisão razoável do governo que preza valorizar o recurso que pertence à população brasileira seria quantificar o volume de petróleo que de fato existe.

Hoje pelas perfurações que a Petrobras fez estão asseguradas em torno de 50 bilhões de barris de petróleo. Para ter uma ideia do que isso significa, desde 1953 até o Pré-Sal, a Petrobras teria encontrado 20 bilhões e produzido 5, havia reservas da ordem de 15 bilhões de barris de reserva. A maior reserva mundial de petróleo convencional é a da Arábia Saudita com cerca de 264 bilhões de barris; a Venezuela tem uma reserva de petróleo convencional de 80 bilhões, mas se contar o petróleo ultrapesado ela pode ultrapassar a Arábia Saudita. Os outros países, todos os grandes, entre 50 bilhões de barris, como a Líbia, e 110, 120 bilhões como o Irã, o Iraque e os Emirados Árabes etc.

Então no Brasil já estão confirmados 50 bilhões de barris, talvez tenhamos 300 bilhões, talvez 200, talvez tenhamos 100 bilhões de barris. Cada uma dessas realidades permite opções distintas do ponto de vista geopolítico e estratégico. Há dois grandes problemas que o governo precisa compreender: primeiro, a manutenção do preço do petróleo no patamar em que ele se encontra hoje, sustentável no sistema capitalista, mas que só vai se manter se houver uma coordenação do nível de produção sob a liderança da Opep. Há um esforço em sentido contrário, visando reduzir o preço do petróleo, liderado pelos EUA com apoio da China. Isso inclui a difusão das tecnologias e processos de produção de óleo e gás de folhelho (shale), em franca atividade nos EUA e em expansão em outras regiões do mundo. Se voltarmos a ter mulas-sem-cabeça atuando aleatoriamente no mercado – e o Brasil, mantido o seu modelo atual, é um candidato a isso –, diminuirá o excedente econômico apropriado pelos países produtores. O governo já concedeu, nas 11 rodadas de licitação uma enorme quantidade de blocos, leiloados com base na geofísica do Pós-Sal, mas abaixo dos quais também existe Pré-Sal, sem se saber. Portanto foram comprados como sendo petróleo convencional e o governo permitiu que eles continuassem a explorar também na camada do Pré-Sal, muito mais abaixo. Até a teoria da imprevisão poderia autorizar, com base no código civil o governo dizer "não", vocês vão produzir só no Pós-Sal, o Pré-Sal é uma outra realidade não prevista na licitação, coisa que o ministro de Minas e Energia chegou a propor, mas o governo logo retrocedeu. Os governos anterior e atual outorgaram em área e quantidade muito mais blocos aos grupos privados não-Petrobras do que o próprio governo Fernando Henrique Cardoso, que foi iniciador do modelo. Não sabemos hoje quanto petróleo está acumulado nas concessões já feitas, portanto, esses contratos de concessão e os futuros de partilha induzem, sob a lógica microeconômica do contrato, que o produtor concessionário arranque (assim que confirmada a reserva) todo o petróleo e o converta em moeda. Já há previsão de que com as concessões, Pré-Sal e Pós-Sal, ainda sem os controles de partilha, em 2019 o Brasil esteja exportando entre dois e três milhões de barris por dia, mais que a Venezuela exporta hoje. Tudo sem coordenação estratégica e geopolítica, pois os contratos de concessão se resolvem por si, apenas pela lógica microeconômica, visando produzir o máximo no menor prazo possível. Esse cenário se agrava substancialmente caso não seja cancelado o leilão do campo de Libra, pelo processo de partilha, que, com reservas em torno de 15 bilhões de barris, permitirá a exportação adicional de até dois milhões de barris por dia, durante 20 anos, após o início da produção dentro de cinco anos. Está na ordem do dia uma reflexão profunda sobre esse caminho.

Toda a construção histórica nos outros países da Opep é de que o Estado nacional decida a estratégia para coordenar. Aqui no Brasil é ao contrário, e agora o governo ainda fala em leiloar o campo de Libra descoberto pela Petrobras que provavelmente tenha 15 bilhões de barris ou mais. Leiloá-lo agora, quando? A que preço? Para que isso tudo? Eu entendo que a melhor política brasileira para a área do petróleo seria rever totalmente o modelo; nós temos dois grandes valores, um, o petróleo e o modelo geológico já confirmado; o segundo, a Petrobras como empresa, a organização social, capaz de intervir sobre a natureza em condições tão complexas e produzir resultados. São duas construções que pertencem genuinamente à sociedade brasileira, não ao governo de plantão. Eu acho que a primeira coisa que devemos fazer é contratar a Petrobras para concluir o processo exploratório; fazer cerca de 100 poços exploratórios de Santa Catarina até o Espírito Santo e delimitar o volume de petróleo, sabendo quanto petróleo nós temos, definir uma estratégia brasileira para o Pré-Sal. Primeiro definir um plano nacional de desenvolvimento econômico social, baseado em um debate sobre que sociedade queremos ser.

Se as nossas carências de educação pública e saúde pública não são satisfeitas por falta de dinheiro, essa é uma oportunidade, assim como com as usinas hidráulicas podem gerar excelente econômico pequeno, no petróleo se nós tivermos 300 bilhões de barris e quisermos produzi-lo em 40 anos e quisermos considerar apenas um excedente de US$ 60 por barril, bem inferior aos US$ 100 atuais, assumindo que fosse vendido a 75 US$/barril e US$ 15 como custo direto, apenas capital e trabalho, teremos um excedente de US$ 60 assim por barril. Produzir, portanto, uma reserva de 300 bilhões em 40 anos nos deixaria com um excedente econômico de uma ordem de R$ 900 bilhões por ano. Sendo a reserva de 200 ou 100 bilhões de barris, o excedente anual seria de 600 ou 300 bilhões de reais por ano!

O governo contrataria a Petrobras, pagaria a ela cerca de US$ 15 a US$ 25 por barril produzido, liberaria de impostos e transferências e esse excedente econômico iria para o país.

A arrecadação pública hoje, que vai para todas as esferas de governo está da ordem da R$ 800 a R$ 900 bilhões que é entre 37% e 40% do PIB brasileiro.

Só parte ínfima disso vai para investimentos em melhorias, o resto é custeio da máquina. Com a perspectiva do Petróleo, que pela Constituição Federal, junto com os potenciais hídricos e os demais recursos minerais, pertence à Nação, poderíamos fazer um plano nacional de saúde pública, de educação pública, de reforma urbana, de reforma da mobilidade, que privilegie o transporte coletivo, de reforma agrária, de proteção ambiental, de ciência e tecnologia, de transição energética para fontes renováveis. Assim usaríamos a riqueza da Nação, segundo o artigo 20 da Constituição, para resgatar os direitos sociais, assegurados pelo artigo 5º da mesma Constituição, mas jamais cumpridos, sob a alegação da falta de recursos...

A reforma agrária, sim, que ainda é necessária, apesar das objeções dos governos anterior e atual. Há a necessidade de melhorar a infraestrutura brasileira, de um plano de proteção ambiental, de um plano de ciência e tecnologia para o país, e financiar tudo isso, só com uma fração de petróleo que seja exportado. Atende-se à demanda interna, exporta-se só o mínimo necessário para financiar esses planos e a exportação do ritmo necessário para formar um fundo público de curto prazo para financiá-lo, e ainda mais buscar a cooperação de países importadores como é a China, a própria Índia e outros países de petróleo para trazer os fatores de produção e tecnológico necessários para fazer reformas todas aqui. Isso é possível ser feito aqui. E não é isso que o governo está fazendo. A Petrobras passaria a operar sob o regime de prestação de serviço: receberia entre 15 e 25 dólares por barril produzido, livre de impostos e transferências, o restante, entre 60 e 85 dólares por barril iria para o fundo público de desenvolvimento econômico e social.

Ao invés disto o que o governo vem fazendo? Criou um debate absolutamente fratricida e menor em torno de royalties, que no sistema de concessão vai de 5% a 10% do valor do petróleo produzido na partilha e poderá chegar a 15%. Ao invés de debater o 100% do valor do petróleo, criou-se uma conflagração entre Estados e alguns Municípios, paralisou-se o Congresso Nacional, o Poder Judiciário, para debater o que fazer com 15% em um regime subordinado aos interesses microeconômicos que são os dos contratos, não da estratégia global. E o pior de tudo, com risco de o Brasil contribuir para desestabilizar os preços elevados do petróleo, permitindo a geração de excedente, como querem os produtores de petróleo do mundo sob liderança da Opep. É importante lembrar que na Rússia, depois do desmonte a União Soviética sob Ieltsin, o petróleo foi usado para criar uma oligarquia, num autêntico processo de acumulação primitiva de capital, pois se tratou de apropriação privada de riqueza coletiva já constituída. O Brasil também está nesse caminho, o debate público agora em torno do Pré-Sal, e do petróleo convencional, dizendo que a Petrobras é muito grande, que precisa abrir espaço, precisa produzir o petróleo logo. Assim surgiram a chamadas petroleiras privadas nacionais, ancoradas na capacitação gerada pela Petrobras e na generosiade do governo, para com os neo-oligarcas brasileiros. Chegaram a dizer outro dia que o Brasil não tem autossuficiência por falta de leilões. Ora, se nós temos mais que 50 bilhões de barris de petróleo já assegurados e vamos consumindo o máximo por ano hoje, cerca de 700 a 800 milhões de barris por ano, nós temos petróleo já conhecido para mais de 60 anos da necessidade daqui para frente. Não há pressa sob essa perspectiva de continuar. Além disso, a ideia de arrancar o petróleo e o converter em moeda, a pergunta que se faz é a seguinte, em que moeda? No Yuan? no Yene? Euro? Dólar? Porque quando se converte o petróleo em mercadoria, ele vai para o mercado e vira moeda e a moeda vai para o sistema financeiro. Vão criar um fundo de investimentos multibilionário, lá no exterior, com gestão feita por um Conselho nomeado a partir das barganhas de Brasília; talvez, ironicamente, o melhor investimento com esse dinheiro seria tentar assegurar a reservas de petróleo na Nigéria, e no Cazaquistão! Por que fazê-lo? É mais inteligente delimitar as reservas, deixá-las aqui embaixo da terra, com a Petrobras apta para produzir no ritmo necessário para um plano estratégico nacional, porque elas têm tendências, enquanto o petróleo não se exaurir definitivamente. Quanto mais próximo o tempo da exaustão chegar e as novas alternativas não se materializarem, vão ser exigidos investimentos para a transição energética para as fontes renováveis, e parte do dinheiro desse processo pode financiar o Brasil daqui, e precisa financiar, pois a Petrobras vai completar 100 anos em 2053 e com muito pouco petróleo, mas ela vai continuar sendo uma instituição necessária para operar a cidade brasileira nesse campo de energia.

Com outras fontes, especialmente muitas renováveis, então todo esse quadro me faz dizer: mas por que essa pressa em fazer leilões, por que entregar 15 bilhões de barris de petróleo descoberto pela Petrobras quase que gratuitamente pelo governo federal, no caso do campo de Libra e outros que o governo anunciou junto com a decisão de colocar em leilão? Por que fazer com que duas coisas que são patrimônio histórico do povo sejam colocadas a serviço de interesses financeiros? Note bem, pela Lei da Partilha a Petrobras é obrigada a operar, significa que ela é que detém a tecnologia, ela que assume os riscos, ela que tem que organizar a produção, o papel do sócio é só prover dinheiro, nada mais; provavelmente muitos sócios nacionais vão buscar o dinheiro no BNDES, para onde o endividamento público vai. Não existe falta de crédito de financiamento para quem tenha reservas asseguradas: qualquer banco do mundo, se houvesse necessidade financeira, forneceria crédito para quem tem recursos de petróleo como garantia. A Petrobras deveria sim ser reestruturada, fortalecida, retirar lá de dentro todas as incrustações que atendem a pressões da base econômica e política, para reorganizá-la nos moldes como a corporação se vê. A corporação Petrobras tem uma visão estratégica de país, de nação, da contribuição que pode dar para a transformação social. O problema lá sempre foram todos os governos, que intervêm sobre ela às vezes com estratégias que se aproximam do assédio moral para impor interesses escusos, outras vezes nomeando despachantes de interesse para cargos. Isso tem acontecido em todos os governos e recrudeceu agora recentemente a partir de 2007.

De maneira que nesse quadro, me parece que a "campanha do petróleo tem que ser nosso" tem tido dificuldades enormes de ir às ruas porque partidos políticos inteiros mancomunados com essa estratégia (antigamente se diziam nacionalistas) estão defendendo essa estratégia, que, no fundo, vem de dois grupos de pressão. Há aqueles grupos nacionais que arrancaram capacitação tecnológica de dentro da Petrobras, criaram empresas nacionais, e há os grupos estrangeiros, as grandes multinacionais que não têm para onde ir, pois não há recurso no mundo inteiro. O controle da produção foi nacionalizado pelos países produtores tradicionais, começando pela Arábia Saudita, Venezuela, Líbia, Irã, Emirados Árabes, Iraque, todos eles. De forma que só o Brasil está assumindo uma postura não estratégica, subalterna, nessa questão.

Há um último ponto que é muito importante nessa questão, o acidente catastrófico do Golfo do México, a explosão da plataforma de Macondo, os avisos dos acidentes de vazamento de petróleo, aqui no Brasil, com Chevron, indicam claramente que em nenhum lugar do mundo hoje a indústria do petróleo está preparada a dar garantias como exige o princípio da precaução pelo qual a estrutura de produção de petróleo hoje é segura do ponto de vista ambiental. No Brasil há duas questões fundamentais de estratégica: que valor é esse do petróleo, e como ele pode ser transformado em uma estratégia de não converter o país em um país de meramente rentistas que vivem de excedente do petróleo, destruindo as demais cadeias produtivas, um país que pode usar parte para financiar um novo plano nacional e, de outro lado, dar tempo.

EA – Para quê?

IS – São requeridos novos protocolos de segurança para que os governos nacionais possam acompanhar e saber e acompanhar transparentemente as operações de exploração e produção. No caso do Brasil, o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama, assim como o de Minas e Energia e a Agência Nacional de Petróleo, não estão aparelhadas com os recursos necessários para dar garantias de que Macondo não vai acontecer aqui, como prenunciado pelos vazamentos dos poços da Chevron.

É preciso revistar, e aí sim a indústria nuclear pode prover lições. A indústria nuclear, ao tentar evitar aplicar o princípio da precaução de dar garantias de que os riscos são mínimos ou aceitáveis, teve que inaugurar protocolos de projetos de rastreabilidade de materiais, de controles sobre a cadeia produtiva. Apesar de o processo de garantia de qualidade exigido, a indústria nuclear, mesmo assim, não conseguiu evitar Fukushima, Three Mile Island. Mas há uma metodologia que garante verificação independente; na área de petróleo isso ainda não é feito. Quem garantia a verificação da conformidade tecnológica das plataformas eram as seguradoras. Depois de Macondo, muitas seguradoras não asseguram mais plataformas, o que permitiu o único controle, que era financeiro, mas que tinha um benefício colateral com a sociedade, no Brasil. E o Brasil, de longe é o maior detentor de plataformas operando em águas profundas e ultraprofundas. São essas as razões pelas quais é preciso buscar imediatamente uma revisão geral do modelo de petróleo. Primeiro, não sucumbir às pressões das multinacionais e dos grupos internos que todos eles, os bancos, também, todos eles vão ganhar uma fatia do excedente; e à medida que o petróleo for arrancado de baixo da terra e convertido em moeda, o único perdedor é a sociedade brasileira. Mesmo tendo uma fração dessa moeda em fundo público do exterior, isto ocorreria. Suponhamos que exista um fundo no exterior de US$ 2 trilhões, controlado por um grupo gestor, nomeado a partir desses acordos. E quem investiria isso? O Fundo de Garantia até nos dá lições; o Fundo de Amparo ao Trabalho também nos dá lições; os patrimônios dos Fundos de Pensão das estatais também, mostrando as tendências nesse modelo de acumulação. E, como eu disse, estrategicamente o petróleo tende a se valorizar mais debaixo da terra do que fora, como moeda, em qualquer investimento, mesmo com ações dos EUA e China para desestabilizar seu preço.

E a segunda razão, obviamente, é essa: a Petrobras pode organizar essa produção. Agora, precisa de um plano estratégico, ritmo de produção, para coordená-la com o mercado internacional e também para dar tempo de criar no Brasil um mecanismo de segurança ambiental capaz de nos dar mais conforto do que temos hoje, para impedir então esse açodamento do governo de entregar o quanto antes e converter a Petrobras em uma muleta, como fez com o sistema Eletrobras no setor elétrico. Que direito tem esse governo, que é efêmero, ainda que democrático, de comprometer o recurso natural que pertence a gerações futuras, tanto nos benefícios que ele pode proporcionar como nas consequências do seu uso, pois nenhum recurso energético e natural é utilizado sem consequências. O petróleo, afora as poluições locais, tem o problema da poluição global. Há movimentos ambientalistas que defendem a retirada do petróleo do sistema produtivo. Mas aí eu vejo uma dificuldade econômica, o sistema capitalista mundial já opera com base de excedentes econômicos; a retirada do petróleo da matriz exigiria gastar muito mais capital e trabalho para produzir a mesma quantidade de energia que hoje é usada, reduzindo a produtividade e a taxa de acumulação do sistema internacional.

Para se ter uma ideia, no mundo hoje nós consumimos cerca de 30 bilhões de barris de petróleo por ano com excedente econômico próximo a US$ 100 por barril, isso dá um excedente econômico da ordem de US$ 3 trilhões em um PIB mundial de US$ 65 trilhões. Portanto, esse excedente econômico é disputado avidamente pelas forças militares, geopolíticas, políticas etc. em todo o mundo. São os governos, são as empresas, são os exércitos que buscam abocanhar uma fatia da cadeia do petróleo em torno disso.

EA – Verifica-se hoje uma campanha meio concertada contra o agigantamento da Petrobras e os impostos excessivos. Qual é a sua posição em relação a isso? Agora mesmo os postos dizem que vão baixar o preço da gasolina para não pagar os impostos. Há uma tensão entre essa oposição e o que o governo está fazendo, pelo menos em curto prazo?

IS – A sua pergunta é muito importante, e tem uma resposta sim. Permita-me dizer o que é uma disputa intercapitalista pelo controle da Petrobras e do petróleo. Explico. De um lado, os acionistas querem que a Petrobras dê o máximo de lucro possível porque assim a Petrobras é um instrumento deles, aqueles US$ 5 bilhões que Fernando Henrique arrecadou ao vender 30% da Petrobras. Quando eu saí da Petrobras em 2007, esses 30% valiam mais de US$ 115 bilhões, porque a Petrobras chegou a valer US$ 250 bilhões na bolsa. Mas isso representa uma óptica capitalista, os acionistas querem que a capacitação tecnológica e o acesso ao recurso natural se convertam em lucro para eles. Existe outro grupo que também tem a ver com esse, são os consumidores, especialmente os grandes consumidores industriais, o pessoal de transporte, e a classe média, que se beneficia entre aspas com o transporte individual. Eles preferem que o derivado de petróleo tenha um preço muito mais baixo, são dois grupos disputando uma capacitação tecnológica em um mesmo recurso. Eu tenho me aliado com o terceiro grupo, que é a população brasileira que é dona da Petrobras, dona do petróleo e gostaria que esse petróleo fosse usado parcimoniosamente, com maior eficiência possível pela Petrobras, para gerar riquezas e renda e para melhorar as condições de vida da população em geral. Entre os capitalistas estão os grupos financeiros, estão os grupos que vendem insumos à Petrobras, participam da produção de plataformas etc., eles também querem que o máximo de intensidade da produção seja feita. Então há uma tentativa de desmoralizar a Petrobras, feita pelo próprio governo e pela oposição, duplamente, paradoxal, mas é isso que está acontecendo.

O governo resolveu de 2006 para cá não cumprir a lei, que é uma lei péssima, mas está em vigor, que é a lei de política energética de Fernando Henrique Cardoso, que diz que os derivados de petróleo do Brasil devem acompanhar preços competitivos internacionalmente, isto é, o valor do litro de gasolina na refinaria, ou do diesel ou GLP, deve ser quanto custaria importá-lo e colocá-lo na mesma posição logística. A partir daí é evidente que aqui no Brasil o setor de derivados de petróleo tem uma enorme carga tributária que beneficia os municípios e estados, principalmente pelo ICMS (em alguns estados é de 25%). Então o derivado chega ao consumidor com preço relativamente elevado por causa dos impostos. Mas o que o governo fez recentemente, o que fez a Petrobras, depois que perdeu a capacidade de produzir todo o petróleo brasileiro, pelo problema dos derivados, por culpa da descoordenação do governo em outro campo, o campo do etanol? A Petrobras passou a importar gasolina a R$ 1,30 e vender a R$ 1,05 por um período, agora um pouco mais, acumulando prejuízos, retirando a formação de caixa. Ao mesmo tempo, o governo abre um leilão, como recentemente, a 11ª rodada, onde a Petrobras de um lado comprometida com plano de investimento da ordem de US$ 250 bilhões em cinco anos, tem de ficar fazendo caixa para isso, ficando sem condições de competir com os grupos privados nacionais, internacionais pelo petróleo que o governo coloca em leilão.

Em grande parte, a dificuldade da Petrobras em abastecer o mercado de gasolina e diesel no Brasil tem a ver com a descoordenação do governo na era dos biocombustíveis para fugir da crise de 2008. Ao invés de fazer um plano de investimentos que poderia ter gerado mais trabalho e renda do que a indústria automobilística voltada para o transporte individual, o governo poderia ter usado o Ministério do Planejamento para planejar a mobilidade coletiva, o sistema, a criação, por exemplo, da Metrobras. A experiência na Petrobras me fez ver como era na Eletrobras, e como empresas de grande porte e capacitação de construir o aparato tecnológico, financeiro, gerencial e jurídico são instrumento mais hábil do que pequenas empresas. Se, por exemplo, fundíssemos todos os metrôs nacionais, teríamos uma Petrobras dos metrôs, que teria como trazer a melhor das tecnologias, buscar financiamento, em função da perspectiva de receita da venda do serviço de transporte e nova qualidade.

É um exemplo, outros valeriam, o governo preferiu simplesmente usar plástico, vidro, aço, os computadores, a mão de obra para fazer carro individual, passando a imagem de que cada um que comprasse um carro teria o combustível, que seria etanol, especialmente o flex. Note bem, o flex é um veículo que destrói termodinamicamente o rendimento e emite mais, só para que o consumidor possa optar por um combustível ou outro, e não ficar refém, como não ficou, o proprietário do veículo puramente a álcool por ocasião do desabastecimento do etanol nos anos de 1989, 1990, 1991, por aí. Então o consumidor conhece o sacrifício de ter um carro que polui mais, e consome mais, e o verdadeiro flex passou a ser só o usineiro, que agora pode converter a cana em açúcar ou etanol, no mercado interno, e externo.

Como a gasolina está no Brasil no patamar abaixo do internacional, o etanol brasileiro tem mais valor lá fora, e com um outro problema. A Environmental Protection Agency americana outorgou ao etanol brasileiro um selo ambiental superior ao etanol americano porque a cadeia produtiva do etanol brasileiro é mais eficiente, e emite menos, então nós estamos fazendo turismo do etanol. Nós exportamos etanol brasileiro para os Estados Unidos se beneficiarem desse fator, e as empresas brasileiras, que são obrigadas a comprar etanol para misturar à gasolina 20% a 25%, importam etanol americano. Em termos de emissões globais isso não é muito inteligente, porque, há um custo logístico e de emissões associado a isso.

O fato de o governo ter sinalizado que todos esses carros teriam combustível e não ter organizado em paralelo um incentivo para produzir o etanol fez que desequilibrasse a Petrobras totalmente. Até 2008 havia excedente de gasolina, precisava-se buscar mercados na África e América Central e melhorar nossa gasolina para poder exportar para os Estados Unidos. Depois via-se na contingência de inverter a lógica, com prejuízo. Tudo isso é falta de coordenação de governo. Usando mais ou menos o sistema estatal, mais ou menos o setor privado, é possível planejar a expansão da oferta e demanda da energia elétrica, da oferta e demanda de gás, da oferta e demanda de combustíveis líquidos, e organizar a produção interna e externamente. O etanol, sem dúvida nenhuma, mesmo com a agricultura familiar, poderia ter uma participação, que nunca teve, porque houve, desde o começo, a hegemonia absoluta da elite agrária agroindustrial paulista, e antigamente da elite agrária nordestina, que impôs o etanol desde a década de 1930 como combustível obrigatório misturado ao combustível líquido, a gasolina. Mas o objetivo principal sempre foi o de garantir uma minimização de riscos e mais opções para eles.

Agora a cana se valoriza mais, ela pode virar açúcar, para o mercado interno e externo, e pode virar etanol, pois nos períodos de baixa do açúcar o governo absorve o etanol; isso vai sempre ocorrer. Esse jogo de interesses existe. No sistema capitalista é assim que se opera. Mas o governo tem que ter outro papel, de planejamento das necessidades, de coordenar usando o aparato que que dispõe o BNDES, sistema Petrobras, biocombustíveis e toda a indústria sucroalcooleira brasileira para reorganizar essa produção.

Incrivelmente, a Petrobras, que foi penalizada, profundamente, com essa desestruturação da coordenação do mercado de combustíveis líquidos, ainda é vilipendiada perante a opinião pública como a responsável por isso, quando na verdade é a vítima.

De maneira que essa campanha de desacreditar a Petrobras é uma campanha contra o interesse da população brasileira. A Petrobras constitui-se, na minha leitura, como a organização historicamente construída de maior valor da história brasileira pela capacidade de ser ao mesmo tempo grande e complexa, capaz de intervir na natureza, em vários campos, não só do petróleo, mas da eletricidade, dos biocombustíveis e converter recursos em respostas às necessidades sociais. E ela é pequena. A Sinopec, a CNPC da China, e a PetroChina são três empresas do porte semelhante à Petrobras, três estatais chinesas, têm algumas delas mais de um milhão de funcionários, porque elas atuam na cadeia inteira, não subcontratam, como a Petrobras.

A Petrobras tem hoje cerca de 75 mil funcionários diretos e uma orla muito grande de terceirizados, muitas vezes inadequadamente, que às vezes chega perto de 150 a 200 mil em várias etapas. Então, há um problema trabalhista sério que deve ser corrigido, de maneira que a Petrobras é pequena, não é grande, ela precisa ser valorizada e fortalecida e usada estrategicamente, para cumprir essa missão para a qual o povo clamava nos anos 1950, como a Maria Augusta Tibiriçá, que agora do alto de sua juventude, de 94 anos, ainda está clamando...

EA – Quem?

IS – Maria Augusta Tibiriçá foi uma estudante de Medicina que secretariou a campanha que o "Petróleo é Nosso". E quem participou foram o pai e o tio de FHC, os generais Cardoso. Ela agora ainda está atuante, trabalhando pela preservação da Petrobras e do petróleo, eu tive a honra de receber pelas mãos dela o Título de Engenheiro Honorário da Petrobras, outorgado pela AEPET.

Que mensagem nós vamos deixar para as novas gerações? Maria Augusta nos disse um dia, "nos anos 1990 eu achei que toda a nossa luta estava perdida, e que o neoliberalismo haveria de destruir a Petrobras. Agora com o Pré-Sal eu vejo que a nossa luta valeu a pena, eu tenho orgulho da nossa luta e a herança que nós vamos deixar para vocês. Eu dizia então: o que podemos nós dizer para as gerações futuras, para os nossos filhos e netos, se nós herdamos uma Petrobras e o petróleo desse montante, nessas possibilidades? Que compromisso político tem nossa geração, em garantir que daqui 50, 60 anos as nossas gerações futuras possam se lembrar de nós, que a geração que, na área elétrica, na área dos biocombustíveis, na área da energia eólica, na área do gás natural, mas especialmente do petróleo deixou um legado que permitiu com instrumentos concretos transformar a realidade e a sociedade brasileira".

Essa possibilidade existe, está no horizonte, só que está se esvaindo em debates estéreis, superficiais, que, na verdade, sob o interesse público, atende aos interesses muito fortemente estabelecidos dos grupos internacionais de petróleo, dos grupos nacionais, do setor financeiro e de uma ala conservadora do espaço político que acredita em outros dogmas, que são dogmas, pois a realidade concreta se faz com produção mais eficiente, que proteja mais o meio ambiente, distribua melhor o produto do trabalho social entre todos os participantes da sociedade e a área de apropriação dos recursos naturais como é o caso do petróleo, dos potenciais hidráulicos do gás natural e da energia eólica etc., da própria agricultura como fonte de alimentos e biocombustíveis. Esse dilema é muito grande; precisa haver uma coordenação política forte à medida que se anestesia a população com debates estéreis como esse dos royalties, cria uma guerra fraticida entre estados. Não há estado produtor de petróleo no Brasil, o Estado produtor é o nacional.

EA – Aquele problema do empréstimo, não entendi bem; quando a Alemanha deixou de financiar a contratação de Angra III, então a Caixa Econômica supriu isto?

IS – Sim

EA – Está acontecendo? Vai acontecer?

IS – Veja, lamentavelmente foi a Alemanha que decidiu não continuar e, ao contrário, desmantelar em médio prazo as usinas nucleares que estava negociando com o Brasil (Angra III), por pressão da antiga KWU/Siemens, que agora está incorporada à Areva, francesa. Mas houve uma pressão muito forte dos movimentos do Brasil, movimentos contra as usinas nucleares que conseguiram depoimentos aqui, e lá, e fizeram um parlamento alemão repensar, com a proposta feita por muitos de nós, de que, se o governo alemão está abandonando as opções nucleares lá, e quer financiar no Brasil, junto com o financiamento deveria vir a garantia de que, havendo consequências em Angra III, o povo e o governo alemão seriam os responsáveis pela indenização. Essa foi à proposta que foi levada para o parlamento alemão. Por essas e outras razões aparentemente o governo alemão não está financiando Angra III. É uma conquista importante do movimento. Agora surpreendentemente o governo brasileiro está querendo usar a Caixa Econômica Federal e talvez o BNDES catando recursos mediante um crescimento da dívida pública, que como o país tem déficit, só assim ele consegue capitalizar suas estatais. Seja BNDES, seja Caixa Econômica Federal se endividam para passar o dinheiro, para depois construir uma usina que vai custar o dobro da outra alternativa que poderia ser eólica ou hidráulica, que custa metade e não deixa uma herança de mil toneladas de combustíveis. O risco é a operação de 40 anos da usina e as mil toneladas de combustíveis irradiados que exigirão cuidados das gerações futuras.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2015
  • Data do Fascículo
    2013
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