50 ANOS DO GOLPE DE 1964
Cenas do golpe de 1964 em cinco documentários
Paulo Roberto Ramos
Instituto Itaú Cultural, Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil
Nos créditos iniciais de Anos JK uma trajetória política (1980), Silvio Tendler insere uma frase de Ivan Lessa: "De 15 em 15 anos o Brasil esquece tudo que aconteceu nos últimos 15 anos".
Ao realizar sua biografia de Juscelino Kubitschek, uma das propostas do cineasta é relatar a situação precária da República brasileira, abalada por golpes de Estado que interrompem o Estado de direito constitucional. Outra, revelada pela citação de Lessa, traz para o primeiro plano a relação entre história e memória no país, marcada pela presença constante do esquecimento.
As imagens apresentadas neste artigo foram retiradas, além do filme sobre Juscelino e de outras fontes, das seguintes realizações: Jango: como, quando e porque se depõe um presidente da República (Tendler, 1984); Cidadão Boilesen (Chaim Litewski, 2009); Diário de uma busca (Flavia Castro, 2010); e O dia que durou 21 anos (Camilo Tavares, 2012).
As duas obras de Tendler concentram-se nos dois presidentes que tiveram seus direitos políticos cassados pelo regime civil-militar que tomou o poder em 1964. Goulart morreu no exílio em 1976. Kubitschek faleceu em um acidente na Via Dutra, também em 1976.
O cidadão da película de Litewski é Henning Boilesen, presidente da Ultragaz que participou ativamente no apoio à ditadura civil-militar no Brasil, chegando a presenciar sessões de torturas na sede do DOI-Codi, em São Paulo. O empresário da companhia de gás é a figura mais visível da relação entre empresários e a ditadura outros colaboraram e sobre esses paira o silêncio. Boilesen foi assassinado pela guerrilha em 1971.
Flávia Castro, com seu filme, procura traçar a história de vida e morte de Celso Castro seu pai. Jornalista com longa história de militância política na esquerda brasileira, ele foi encontrado morto em um apartamento de um ex-nazista, num prédio em Porto Alegre. Ao narrar a história de seu pai, Flávia mostra um aspecto importante do impacto de um regime de exceção na vida privada dos indivíduos a mudança constante durante o exílio para escapar das ditaduras latino-americanas dos anos 1970 Chile, Argentina, as brincadeiras infantis marcadas pela vida clandestina.
Camilo Tavares volta sua atenção para a participação ativa dos Estados Unidos no apoio ao golpe de Estado. O cineasta baseou sua investigação nos documentos secretos, liberados pelo Departamento de Estado americano, sobre a atuação dos Estados Unidos na deposição de Goulart e no apoio dado a seus opositores civis e militares.
As doses excessivas de memórias e esquecimentos é um fato que incomodava Paul Ricoeur. A intenção do pensador francês era encontrar a política da justa memória. Os eventos em torno do golpe de Estado de 1964 são marcados pelo movimento pendular em busca da recordação e do apagamento dos rastros causado pelo esquecimento. Esses filmes, resultado do diálogo entre seus criadores e a história, podem ser tomados como uma tentativa de estabelecer essa justa memória de que fala Ricoeur.
Recebido em 10.2.2014 e aceito em 20.2.2014.
Paulo Roberto Ramos é pesquisador da Universidade de São Paulo e do Instituto Itaú Cultural; é pós-doutor em Literatura brasileira pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia, ambos da USP. @ paulo@iee.usp.br
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
02 Abr 2014 -
Data do Fascículo
Abr 2014