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O Enigma do Capital: e as crises do capitalismo

RESENHAS

HARVEY, David. O Enigma do Capital: e as crises do capitalismo. Tradução de João Alexandre Peschanski. São Paulo, SP: Boitempo, 2011. 224p.

Fabiane Santana Previtali

David Harvey, geógrafo e professor de antropologia na City University of New York (Cony), coloca ao alcance de estudiosos e também do grande público uma obra audaciosa, fruto de uma análise crítica e rigorosa sobre o modo pelo qual o capital se movimenta em busca do lucro, buscando superar todas as barreiras que aparecem em seu caminho e submetendo toda a sociabilidade humana à lógica da acumulação.

Para Harvey, o sistema de capital é orientado para a expansão e a acumulação. Daí a necessidade de as empresas capitalistas estarem sempre em busca de novos mercados, redefinindo os espaços e formas de relação com a natureza, visando ao objetivo primeiro de melhor e mais eficiente controle do capital sobre a produção do valor. O resultado é o que ele chama de "compressão do tempo-espaço", isto é, um mundo onde o capital se move cada vez mais rápido e as distancias são compactadas (p. 131).

O autor, como já vem demonstrando em seus últimos trabalhos, entre eles A Condição Pós-Moderna (1992, Loyola), realiza, em sua última obra, um estudo sobre o fluxo do capital que, num processo de mundialização crescente, territorialização e desterritorialização, tenta superar as barreiras a sua própria acumulação.

Harvey parte da discussão da crise econômica de 2008 para demonstrar que ela, assim como as anteriores, é intrínseca e inerente ao modo de produção capitalista. "As crises financeiras servem para racionalizar as irracionalidades do capitalismo." (p. 18). Procede, então, a uma análise das crises no curso da evolução do capitalismo, na tentativa bem sucedida de explicar o processo pelo qual o capital, através delas, realimenta, sempre com novos arranjos temporais e espaciais, sua expansão e acumulação. Destaca que a taxa mínima de crescimento aceitável para uma economia capitalista saudável é de 3%/ano, isto é, com lucro para os capitalistas, segundo analistas econômicos. Ocorre que está se tornando cada vez mais difícil sustentar essa taxa, o que tem levado às crises em função da ascensão do capital financeiro fictício. O autor afirma que, em 2009, um terço do equipamento de capital nos Estados Unidos estava parado, enquanto 17% da força de trabalho estavam desempregados ou parados (p. 175).

A tese central do autor é a de que o capitalismo consiste em um modo de produção voltado para a acumulação e o lucro, sendo, para tanto, necessária a sua continua expansão e inovação. "O capital não é uma coisa, mas um processo em que o dinheiro é perpetuamente enviado em busca de mais dinheiro." (p. 41). Afirma que o capitalismo é um sistema inerentemente contraditório e que evolui de maneira aparentemente incontrolável. Isso porque os princípios que sustentam sua evolução são aparentemente obscuros. Torna-se fundamental, portanto, para se entender o fluxo do capital, compreender a dinâmica evolutiva da acumulação capitalista fundamentalmente a partir da segunda metade do século XVIII, quando se tem a Primeira Revolução Industrial e passa a ser predominante o capital industrial ou de produção.

Harvey, um dos mais atuantes marxistas da atualidade, procede a um rigoroso estudo de como o capital se movimenta em busca do lucro por diferentes esferas de atividades que estão inter-relacionadas. As esferas de atividade são: 1) tecnologias e formas de organização; 2) relações sociais; 3) arranjos institucionais e administrativos; 4) processos de produção e de trabalho; 5) relações com a natureza; 6) reprodução da vida cotidiana e da espécie e 7) concepções mentais do mundo. Destaca que, ao mesmo tempo em que estão interligadas, as esferas de atividade possuem uma lógica própria, evoluindo e se transformando em uma totalidade "socioecológica" complexa e dialética. O fato de as esferas estarem interligadas mas cada uma possuindo uma lógica própria no processo evolutivo humano é o que produz tensões e contradições no capitalismo. "É o que leva, em determinado tempo e lugar, uma esfera a se sobrepor à outra, assumindo o papel de vanguarda." (p.108).

Para demonstrar a inter-relação entre as esferas, o autor afirma que, embora as tecnologias e formas organizacionais sejam cruciais, há situações em que a escassez de oferta de trabalho ou de matéria-prima leva à busca por novas tecnologias e formas organizacionais. Harvey faz duras críticas às concepções teóricas que insistem em explicações monocausais, em detrimento da análise da tensão dialética no modo de produção capitalista. Nesse sentido, para o autor, a ideia de que as novas tecnologias são a resposta para os problemas do mundo nada mais são que fetiches.

Em uma linguagem didática e acessível, Harvey analisa o fluxo do capital, ressaltando seus elementos determinantes, quais sejam: voltado para a acumulação, fundado na exploração do trabalho humano e no dinamismo tecnológico. É um modo de reprodução social destrutivo, e a necessidade política de nosso tempo é encontrar alternativas a ele, as quais estão historicamente associadas aos comunistas e aos socialistas.

Para o autor, os comunistas, como disseram Marx e Engels em sua acepção original apresentada no Manifesto Comunista, não pertencem a partido nenhum. "São aqueles que entendem os limites, as deficiências e as tendências destrutivas da ordem capitalista, bem como suas máscaras ideológicas [...]. São aqueles que trabalham para produzir um futuro diferente do que se anuncia no capitalismo." (p. 209). Afirma ainda que, embora o comunismo institucionalizado esteja morto e enterrado, há, sob essa definição, milhões de pessoas comunistas, dispostas a exercer criativamente imperativos anticapitalistas organizadas no que chama de "Partido da Indignação", em oposição ao "Partido de Wall Street". E, acrescenta Harvey, é fundamental a presença de estudantes nesse movimento de mudança da realidade. Eles constituem a geração que mais tem sido afetada com a crise e com a falta de perspectivas na atual conjuntura, sendo presença marcante nos movimentos de ocupação e manifestações anticapitalistas.

Assim, ao tratar de um tema relevante de forma instigante, Harvey dirige-se a todos que desejam refletir e construir uma alternativa anticapitalista, tornando imprescindível a leitura de sua obra.

(Recebido para publicação em 07 de fevereiro de 2012)

(Aceito em 29 de abril de 2012)

Fabiane Santana Previtali - Doutora em Ciências Sociais (Unicamp, visiting student na Universidade de Manchester/Inglaterra). Professora do Instituto de Ciências Sociais na Universidade Federal de Uberlândia INCIS/UFU e dos Programas de Pós-Graduação em Educação (PPGED/FACED/UFU) e em Ciências Sociais (PPGCS/INCIS/UFU). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Sociedade (GPTES). Pesquisadora FAPEMIG/PPM. Autora do livro "O Controle do Trabalho no Contexto da Reestruturação Produtiva do Capital". Ed. CRV. 2011. fabianesp@netsite.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Fev 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2012
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