Levando em conta as transformações ocorridas nas cidades brasileiras nas últimas décadas, este artigo revisita a discussão sobre a segregação socioespacial e o “efeito território”, analisando seus impactos sobre a produção e reprodução das desigualdades sociais. Com base em dados quantitativos e pesquisas de campo realizadas sobre a cidade de Salvador, são abordadas as características do seu processo de urbanização, os padrões de segregação existentes, a estrutura urbana disponível e as desigualdades, analisadas a partir da qualidade do ambiente urbano, acesso a serviços educacionais, oportunidades de emprego, mobilidade urbana, estigmatização e violência. Abstraindo-se algumas especificidades locais, a realidade de Salvador não difere fundamentalmente do que se verifica em outras grandes cidades do país, evidenciando a articulação entre os padrões de produção, apropriação e fruição do espaço urbano e a reprodução das desigualdades, já que o espaço social, a estratificação e as hierarquias também se traduzem no território.
Palavras-chave: Segregação Socioespacial; Produção do Espaço; Desigualdades Urbanas; Efeito Território; Salvador
Abstract
Considering the changes that have taken place in Brazilian cities in recent decades, this article revisits the discussion on socio-spatial segregation and the “territory effect,” analyzing their impacts on the production and reproduction of social inequalities. Based on quantitative data and field research carried out on the city of Salvador, this article addresses the characteristics of its urbanization process, the existing segregation patterns, the available urban structure, and the inequalities, analyzed from the quality of the urban environment, access to educational services, employment opportunities, urban mobility, stigmatization, and violence. Abstracting some local specificities, the reality of Salvador does not fundamentally differ from what is seen in other large cities in the country, evidencing the articulation between the patterns of production, appropriation, and enjoyment of urban space and the reproduction of inequalities, since the social space, the stratification and the hierarchies are also translated into the territory.
Keywords: Socio-Spatial Segregation; Space Production; Urban Inequalities; Territory Effect; Salvador
Prenant en compte les changements qu’on eu lieu dans les villes brésiliennes au cours des dernières décennies, cet article revisite la discussion sur la ségrégation socio-spatiale et « l’effet territoire », en analysant leurs impacts sur la production et la reproduction des inégalités sociales. Basée sur des données quantitatives et des recherches de terrain menées sur la ville de Salvador, l’article aborde les caractéristiques de son processus d’urbanisation, les schémas de ségrégation existants, la structure urbaine disponible et les inégalités, analysés dès la qualité de l’environnement urbain, l’accès aux services éducatifs, l’emploi, la mobilité urbaine, la stigmatisation et la violence. Abstraction faite de certaines spécificités locales, la réalité de Salvador ne diffère pas des éléments essentiels de ce qui est observé dans d’autres grandes villes du pays, mettant en évidence l’articulation entre les modes de production, d’appropriation et de jouissance de l’espace urbain et la reproduction des inégalités, puisque le espace social, la stratification et les hiérarchies se traduisent également dans le territoire.
Mots clés: Ségrégation Socio-Spatiale; Production Spatiale; Inégalités Urbaines; Effet Territoire; Salvador
INTRODUÇÃO
Levando em conta as transformações ocorridas na estrutura urbana das cidades brasileiras nas últimas décadas, este artigo revisita a discussão sobre a segregação socioespacial e o denominado “efeito território”, analisando seus impactos sobre a produção e reprodução das desigualdades sociais a partir de pesquisas realizadas sobre a cidade de Salvador, primeira capital do Brasil e, atualmente, a quarta maior cidade do país.
Como se sabe, desde os trabalhos de Engels e da Escola de Chicago, o fenômeno da segregação vem sendo abordado pelos estudiosos da questão urbana. O crescimento e a concentração da pobreza nos guetos negros das grandes cidades norte-americanas nas últimas décadas do século XX renovaram o interesse pela sua discussão e, na esteira do clássico estudo de Wilson (1987), multiplicaram-se trabalhos como os de Jargowsky (1996), Small e Newman (2001) e Waccquant, (2008). Análises sobre o referido fenômeno também passaram a se desenvolver na França e em outros países europeus, onde a diferenciação das cidades e a segregação residencial são enfocadas a partir de distintas categorias socioeconômicas. Além disso, o interesse por essa discussão também foi revigorado com a difusão do paradigma das cidades globais e da hipótese da sua tendência à dualização socioespacial.
No Brasil e na América Latina, porém, apesar de todos os debates sobre o processo de urbanização, sobre a “marginalidade urbana”, o “padrão centro/periferia” e as precárias condições de vida dos moradores das áreas periféricas (Kowarick, 1979), o caráter segregado da cidade foi por muito tempo ignorado ou questionado em razão do seu entendimento como uma separação forçada e legalmente estabelecida, como nos casos do gueto judeu, do gueto negro e do apartheid da África do Sul. Discussões mais avançadas e refinadas sobre esse fenômeno, no entanto, mudaram posteriormente esse entendimento, levando a um reconhecimento do seu caráter histórico e plural e de que ele se manifesta e pode ser estudado a partir da proximidade ou da concentração residencial de famílias pertencentes a um mesmo grupo (seja este definido em termos raciais, socioeconômicos, culturais e/ou religiosos) em espaços específicos do território, e da constituição de grandes áreas relativamente homogêneas.
Com essa nova perspectiva, o referido debate vem se desenvolvendo no Brasil e nos demais países latino-americanos. A partir de trabalhos como os de Villaça (1998) e de Caldeira (2000), e da produção de redes de pesquisadores como o Observatório das Metrópoles e o Centro de Estudos da Metrópole, uma produção nacional expressiva já se soma a estudos como os anteriormente citados, além de Bourdieu (1997), Préteceille (2003), Katzman e Retamoso (2005), Seravi (2008), Vignoli (2008), Solis e Puga (2011) ou Ruiz-Tagle (2016).
Essa produção tem constatado que, como expressão das desigualdades e da cultura material das cidades, os espaços onde se concentram os grupos de média e alta renda geralmente se localizam na área central ou em uma direção específica do território urbano, sendo bem providos de infraestrutura, equipamentos e serviços. Aí se localizam os mais importantes estabelecimentos de comércio, saúde e educação, os espaços de cultura e de lazer (como teatros, parques e museus), e amenidades de várias ordens. Suas edificações são adequadas ou até luxuosas e refletem, geralmente, as mudanças e tendências estéticas e arquitetônicas contemporâneas. Já a população de menor renda tende a se aglomerar em moradias precárias localizadas em sítios mais distantes desse vetor mais consolidado, muitas vezes inadequados à ocupação, além de carentes em infraestrutura, equipamentos e serviços básicos. Tal diferenciação tem levado a investigações sobre o que tem sido denominado como “efeitos do lugar”, “efeito bairro” ou “efeito território” (Andrade; Silveira, 2013; Bourdieu, 1997; Sabatini; Wormald; Rassa, 2013), compreendidos como os benefícios ou prejuízos que afetam determinados grupos em função de sua localização residencial no espaço urbano, com repercussões quanto às condições e reprodução da vulnerabilidade, da pobreza e das desigualdades sociais.
Esses estudos tendem a privilegiar diferentes fatores como determinantes principais do referido fenômeno, como o processo de socialização dos jovens, a influência dos seus pares, o isolamento, a exposição à criminalidade e à violência, o acesso aos serviços públicos e às oportunidades de educação e integração ao mercado de trabalho. Apesar dessas diferenças, há um reconhecimento básico de que a aglomeração de grupos despossuídos em espaços relativamente homogêneos e segregados contribui para dificultar seu acesso às diversas oportunidades e a agravar sua despossessão.
No que tange à educação, por exemplo, pesquisas efetuadas em vários países têm constatado a tendência do ensino se diferenciar conforme a composição social das áreas onde estão localizados os equipamentos educacionais, com sérias desvantagens para aquelas que servem aos moradores das áreas periféricas e com alta concentração de pobres (Ainsworth, 2002; Katzman; Retamoso 2006; Marques; Torres, 2005, Ribeiro, 2005; Ribeiro; Katzman, 2009; Ribeiro et al., 2010; Torres et al., 2003; Van Zanten, 2005). Nessas escolas, crianças e jovens apresentam normalmente um desempenho desfavorável e são mais afetadas por problemas como repetência, atraso e evasão escolar. Embora esses problemas não possam ser dissociados das condições e do reduzido capital cultural das famílias, a contribuição do sistema escolar não pode ser menosprezada, já que este não vem propiciando aos alunos o aprendizado e o avanço educacional cada vez mais necessários para a conquista de melhor integração e oportunidades de vida, como será visto posteriormente.
Por outro lado, como, para os trabalhadores de menor escolaridade e renda, informações e o acesso aos postos de trabalho dependem principalmente de contatos e indicações pessoais, a homogeneidade da vizinhança e a estreiteza das redes se somam à visão preconceituosa e ao estigma residencial que atingem certas concentrações populares, dificultando a integração produtiva dos seus moradores, especialmente no caso dos jovens. Em pesquisas realizadas na capital e em outras cidades chilenas, por exemplo, Sabatini, Wormald e Rassa (2013) constataram como o isolamento social é adverso às possibilidades e condições de ocupação, contribuindo para a inatividade, para o trabalho precário, o desemprego e a reprodução da pobreza. Isso ocorre notadamente no caso das mulheres, que têm maiores dificuldades de se deslocar para as áreas onde se concentram as atividades produtivas, em razão de questões como a necessidade de conciliar o trabalho com as responsabilidades domésticas ou dos riscos de se expor a zonas e horários considerados perigosos.
Gomes e Amitrano (2009) também comprovaram que, independentemente de atributos como sexo, cor, juventude ou escolaridade, os moradores de áreas mais pobres eram afetados por maiores taxas de desemprego. Entre outras razões, em decorrência da reduzida oferta de oportunidades de emprego e de obtenção de renda nas referidas áreas, da precariedade e custos do transporte e do tempo necessário para o deslocamento em direção às áreas centrais e mais ricas da cidade, onde aquelas oportunidades são principalmente encontradas. Pesquisas realizadas em grandes metrópoles brasileiras por estudiosos como Silveira (2014), Santos (2018) e Ribeiro e Ribeiro (2021) confirmam, igualmente, a relevância do efeito território para a referida integração.
Além disso, não se pode esquecer que alguns dos espaços em apreço são marcados pela precariedade, pela informalidade e pela reduzida presença do Estado e das instituições de segurança pública (ou por sua ação repressiva e violenta sobre os moradores) e têm se tornado presas do tráfico de drogas e do crime organizado. Associado à superposição de carências, ao crescimento das desigualdades e à falta de perspectivas, isso tem contribuído para a degradação dos padrões de sociabilidade e para um significativo crescimento da violência, agregando maior vulnerabilidade civil (Kowarick, 2002) à vulnerabilidade socioeconômica e vitimando especialmente jovens negros do sexo masculino.
Ao longo das últimas décadas, porém, a ordem espacial das cidades brasileiras vem experimentando algumas mudanças, afetando as características atribuídas tradicionalmente ao denominado padrão centro periferia e provocando questionamentos sobre a relevância analítica desse conceito, assim como sobre os impactos dessa divisão sobre as condições de vida da população.
Há cerca de duas décadas, Marques e Torres (2001) já problematizavam as transformações das periferias metropolitanas, defendendo a existência de espaços heterogêneos e bastante diversos entre elas. Investimentos realizados em décadas anteriores teriam elevado as condições médias de infraestrutura nessas áreas, reduzindo, em muitos casos, os diferenciais urbanos preexistentes. Reportando-se a essas mudanças, Andrade (2016) ressalta como antigas áreas centrais, afetadas por problemas de trânsito, poluição, violência e queda da qualidade de vida, perderam moradores de maior renda e passaram a atrair uma população de mais baixo nível social, e que a precariedade se reduziu em algumas periferias em termos das condições de infraestrutura, atraindo empreendedores imobiliários e grupos de maior renda, ampliando sua heterogeneidade e sua diferenciação. Segundo a autora, a ordem espacial das cidades brasileiras teria mudado nos últimos anos, de modo que o clássico modelo centro-periferia já não é mais suficiente para descrevê-la. Seria preferível falar de periferias no plural e de múltiplas centralidades. Referências a essas mudanças e a uma desejável renovação do arsenal teórico para sua análise também tem ocorrido em eventos acadêmicos, a exemplo do Congresso comemorativo dos 20 anos do Observatório das Metrópoles.2
Contudo, embora as mudanças em apreço não possam ser ignoradas, elas não chegaram a afetar mais significativamente a persistência básica da estrutura urbana historicamente constituída, os padrões de segregação e seus impactos adversos sobre os mais pobres. É verdade que, ao longo do processo de urbanização, algumas das concentrações residenciais de tipo popular se tornaram relativamente mais próximas dos espaços centrais e se consolidaram. Com o processo de redemocratização do país, a proliferação de movimentos e lutas sociais por terra urbana, moradia, infraestrutura e serviços de consumo coletivo, a aprovação do Estatuto das Cidades e a eleição de governantes mais comprometidos com os interesses e demandas populares, foram desenvolvidas políticas e iniciativas no sentido da regularização fundiária, expansão do saneamento, melhoria das habitações e urbanização, que beneficiaram parte das concentrações em apreço e reduziram sua precariedade.
Contudo, com as grandes transformações e a crise econômica, social e política dos últimos anos, o processo de globalização, o avanço do neoliberalismo, a precarização do mundo de trabalho, a fragilização da proteção e o refluxo dos movimentos sociais, isso não foi muito adiante. Como bem assinala Ivo (2008), ações governamentais de caráter mais estrutural, amplo e redistributivo, direcionadas à busca de maior justiça social, foram reconvertidas em iniciativas setoriais, pontuais e focalizadas de gestão da pobreza. No que se refere às políticas urbanas, a promoção do direito à cidade e o respeito aos princípios da função social da propriedade, sustentabilidade e gestão democrática e participativa desses centros deram lugar ao denominado empreendedorismo urbano, com outros princípios e orientações. Como destacaram Ribeiro e Santos Júnior (2013), durante os primeiros anos do século XXI foram implementadas políticas neokeynesianas redistributivas baseadas na ativação da demanda efetiva, expansão do crédito, transferência de renda e aumento real do salário-mínimo. No âmbito urbano, porém, as políticas neoliberais emergiram com toda a força, conformando o que denominaram de keynesianismo neoliberal.
Sem uma alteração mais significativa da sua estrutura e características básicas, as cidades brasileiras persistem segmentadas, segregadas, desiguais e conflitivas, transformando-se no epicentro da crise social do país, com a constituição de uma ordem espacial que afeta as oportunidades de ocupação dos lugares sociais, o acesso à educação, ao mercado de trabalho, a melhores condições de renda, à mobilidade social e às oportunidades e riscos, ampliando a vulnerabilidade socioeconômica e civil. Se uma parte das áreas periféricas já não corresponde às descrições da Sociologia dos anos 1970 e 1980, outra parte se encontra mais degradada, com o crescimento da pobreza, da criminalidade, da violência e de riscos associados às condições ambientais e mudanças climáticas (Torres; Marques, 2001). Nesse último aspecto, não se pode ignorar que muitas dessas áreas de concentração habitacional de grupos de baixa renda estão localizadas em sítios inadequados à ocupação residencial, sujeitos a deslizamentos, inundações e outros desatres urbanos.3
Com base em informações de diversos bancos de dados,4 assim como em pesquisas de campo efetuadas em Salvador, essas questões são abordadas e aprofundadas neste artigo. Ele se encontra estruturado, além desta Introdução, em uma segunda seção sobre as características do processo de urbanização de Salvador, que destaca os padrões de segregação existentes e a estrutura urbana disponível na cidade; e uma terceira seção, que analisa os impactos dessas desigualdades em termos do “efeito território” a partir de algumas dimensões tais como qualidade do ambiente urbano, acesso a serviços educacionais, oportunidades de emprego, mobilidade urbana, estigmatização e violência. Por fim, conclui discutindo os impactos e as possibilidades de mudança da ordem urbana que se desenha em Salvador e nas cidades brasileiras.
SEGREGAÇÃO E ESTRUTURA URBANA EM SALVADOR
Fundada em 1549, com funções comerciais e político-administrativas, tendo como principal fonte de riqueza a produção de açúcar de base escravista, a cidade de Salvador teve uma fase áurea como a primeira capital do país, grande centro comercial e um dos principais portos do continente. Mas, com a transferência da capital para o Rio de Janeiro no século XVIII, a decadência da base agroexportadora local e, já no século XX, a constituição de um mercado nacional unificado, o processo de industrialização e sua concentração na região Centro-Sul, aquela que fora a principal cidade brasileira foi afetada negativamente, experimentando um longo período de declínio e estagnação em termos econômicos, populacionais e urbanos. Em 1950, sua população não passava de 417.235 habitantes, a maioria em precárias condições ocupacionais e sociais. Entre as décadas de 1950 e 1990, contudo, esse quadro se transformou significativamente, com a expansão e diversificação da economia, da dinâmica populacional e da estrutura ocupacional e social da região, associadas à descoberta e exploração de petróleo no Recôncavo Baiano e aos investimentos industriais incentivados principalmente pela política nacional de desenvolvimento regional.
No que tange à estrutura urbana e à moradia, como assinalam Carvalho e Pereira (2014), tradicionalmente os grupos de maior renda ocupavam a área central e as cumeadas do território (marcadamente acidentado) de Salvador, enquanto as moradias populares se localizavam principalmente nas escarpas e fundos de vales da cidade até então pouco acessíveis. Entre as décadas de 1940 e 1950, porém, a área central já se reestruturava, com a substituição de suas funções predominantemente residenciais e o direcionamento da população de maior renda para outros espaços, principalmente na direção da Orla Atlântica. Os grupos de baixa renda passaram a ocupar as antigas edificações e, com o crescimento das migrações decorrentes da crise da agropecuária estadual, ampliou-se bastante a demanda por moradias. Essa demanda levou à expansão e diversificação de bairros populares e da periferia não urbanizada, principalmente pela multiplicação das “invasões”, como passaram a ser chamadas as áreas de habitação popular que se formavam por ocupações espontâneas, diretas e coletivas, à revelia dos proprietários das terras.
Nos anos 1960 e 1970, as mudanças na ordem urbana foram bem mais rápidas, abruptas e radicais, com a realização de grandes obras públicas que acompanharam e induziram os grandes vetores de expansão de Salvador, uma intensa ocupação das áreas periféricas de modo informal pelas famílias pobres e a privatização da maior parte das terras do município, até então de propriedade da prefeitura. Comprometido com uma modernização excludente e com os interesses do capital imobiliário, o poder local passou a reprimir duramente as “invasões” e extirpou do tecido urbano mais central e melhor equipado diversas concentrações populares, transferindo ou expulsando seus moradores para áreas distantes, desvalorizadas e carentes de infraestrutura e serviços básicos; transferiu também órgãos públicos dos espaços urbanos tradicionais estimulando a constituição de uma nova centralidade e tomou outras iniciativas que redirecionaram a expansão da capital baiana e os padrões de ocupação do seu território.
O antigo centro foi esvaziado, a cidade se espraiou principalmente para o norte e para a Orla Atlântica, onde a população mais afluente passou a se aglomerar, enquanto os grupos mais pobres foram sendo empurrados para espaços pouco urbanizados da região central do município, para as bordas da Baía de Todos os Santos e para os limites de Salvador com alguns dos municípios do seu entorno. Essas intervenções, associadas a obras públicas pesadas e seletivas, notadamente na infraestrutura viária, assim como aos investimentos do capital imobiliário, resultaram na conformação de um espaço urbano bastante desigual e segmentado onde, partindo do centro tradicional, subsistiram alguns enclaves e bairros populares mais antigos, se configuraram três vetores de expansão: a Orla Atlântica Norte, o Miolo e o Subúrbio Ferroviário, no litoral da Baía de Todos os Santos.
O primeiro representa a “área nobre” de Salvador, local privilegiado de moradia, comércio, serviços, grandes equipamentos, espaços de lazer e pontos de atração turística, onde se concentram a riqueza, os investimentos públicos e os interesses do capital imobiliário, assim como as oportunidades de trabalho e de obtenção de renda, ainda que estas permaneçam relevantes na área central. O segundo, situado no centro do município (daí sua denominação) começou a ser ocupado por conjuntos habitacionais financiados pelo Banco Nacional de Habitação para a “classe média baixa” nas suas cumeadas. Como grande parte da área foi considerada “não edificável” (por sua grande declividade), sua expansão foi continuada por meio de loteamentos populares e sucessivas “invasões” em condições bastante precárias. Já o Subúrbio Ferroviário teve origem com a implantação de uma linha férrea ligando a capital a outros municípios do norte do interior baiano. A partir da década de 1940, sua ocupação se expandiu por loteamentos populares e ocupações irregulares. Para lá também foram transferidos moradores de assentamentos erradicados pela prefeitura na “área nobre” da cidade, de forma que o Subúrbio se transformou em um dos espaços mais carentes da capital baiana, marcado pela precariedade habitacional, pela deficiência de infraestrutura e serviços básicos, pobreza dos seus moradores e altos índices de violência. A Figura 1 ilustra essa divisão.
Assim, nas últimas décadas do século XX, foi se consolidando um padrão de organização do território no qual a Orla Atlântica se expandiu com a ocupação das camadas de média e alta renda, em uma mancha quase contínua em direção ao norte, onde a abertura da denominada Avenida Paralela passou a representar uma espécie de fronteira entre a “área nobre” e a “área pobre” da cidade. Nessa mancha, também persistiram alguns espaços de ocupação de baixa renda, a exemplo do Nordeste de Amaralina (que se destaca pela sua densidade populacional) e o Bairro da Paz, “invasões” que permaneceram e se consolidaram com a resistência dos seus ocupantes. Os segmentos médios também ocupam esse setor, assim como o centro tradicional e alguns bairros mais antigos da cidade. Nas áreas periféricas do Miolo e do Subúrbio Ferroviário ficou a população mais pobre, alojando-se predominantemente em sítios desfavoráveis e em moradias autoconstruídas e precárias.5
Como em outras grandes metrópoles brasileiras, ao longo dos últimos anos ocorreram algumas mudanças nesse quadro, sem alterar fundamentalmente sua configuração básica. Com a resistência e mobilização dos seus moradores, algumas das antigas “invasões” obtiveram certa melhoria e se consolidaram como bairros populares. As áreas tradicionais de alta renda tenderam a permanecer como tal ou até a se tornarem mais exclusivas, em certos casos com a substituição de velhos casarões por condomínios verticais e com o surgimento de algumas novas concentrações. Equipamentos de grande porte e impacto (como shopping centers, complexos empresariais e condomínios verticais e horizontais fechados) têm se multiplicado, tanto nas áreas centrais como em sítios mais distantes. Com a redução da disponibilidade do solo urbano e seu encarecimento, a cidade vem experimentando uma elevada verticalização, tanto na “área nobre”, associada principalmente aos interesses e pressões do capital imobiliário, quanto naquelas de baixa renda e relativamente mais centrais, especialmente por conta das necessidades habitacionais das famílias ali residentes. Esse processo por vezes agrava as más condições da moradia e do ambiente construído, assim como os problemas de infraestrutura e de acesso aos serviços públicos, com o crescimento da demanda decorrente do adensamento excessivo da população. Paralelamente a esses processos, porém, persiste o macro padrão de diferenciação da estrutura urbana e de segregação constituído com a expansão e modernização da capital baiana, como bem ilustra a Figura 2.
Essa Figura foi elaborada a partir dos dados do último Censo, com a metodologia do Observatório das Metrópoles.6 Nas áreas de tipo médio-superior, registrava-se maior presença de grandes empresários, dirigentes dos setores público e privado e profissionais de nível superior. Naquelas identificadas como de tipo médio superior, esses últimos profissionais se mesclam com pequenos empregadores ou com os que exercem atividades técnicas e nos setores de educação, saúde e similares. Nos espaços de tipo popular, predominam trabalhadores da indústria e do comércio e prestadores de serviços com alguma qualificação, enquanto nas áreas consideradas como popular inferior, se aglomeram prestadores de serviços não qualificados, trabalhadores domésticos, ambulantes e biscateiros. As áreas populares agrícolas concentram ainda alguma proporção de atividades de produção agropastoril, mas são praticamente inexistentes atualmente em Salvador. As áreas de tipo superior, por sua vez, não puderam ser identificadas com os dados do Censo 2010.7
Com base nessa classificação, fica patente a concentração das áreas superiores e médio-superiores na Orla Atlântica, ressalvando-se alguns enclaves de caráter popular. Aí se encontra uma população relativamente mais velha, branca, com maiores níveis de educação e melhores condições de ocupação e habitação. Setores médios com um perfil não tão diverso têm presença também significativa nessas áreas, assim como no centro tradicional e em bairros mais antigos da cidade. Já em alguns poucos assentamentos do tipo popular ou popular inferior que persistem na área central e predominam no Miolo e no Subúrbio, os moradores são geralmente pobres, negros, mais jovens, com poucos anos de estudo, ocupados em atividades informais ou desempregados, além de residentes em sítios desfavoráveis e moradias precárias. Em alguns desses sítios, os domicílios com renda per capita inferior a meio salário-mínimo chegavam ou até ultrapassavam os 75%.
DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS E EFEITO TERRITÓRIO
As condições diferenciadas dos mencionados espaços podem ser observadas por meio de indicadores sintéticos, como o Índice de Bem Estar Urbano (Ibeu),8 construído pelo Observatório das Metrópoles com dados do Censo de 2010, ou o Índice de Qualidade Urbano-Ambiental de Salvador (IQUASalvador).9 Salvador apresentou um Ibeu de 0,772 em 2010, considerado como médio, tendo os serviços de consumo coletivo (água, esgoto, energia e coleta de resíduos sólidos) como sua melhor dimensão, e a infraestrutura urbana (iluminação pública, pavimentação, calçada, meio-fio/guia, bueiro ou boca de lobo, rampa para cadeirantes e logradouros) como a pior. As diferenças internas ao território urbano, contudo, eram muito acentuadas. Alguns bairros tradicionais e mais centrais, como Brotas e Nazaré, e principalmente aqueles pouquíssimos mais elitizados (como a Vitória, Graça, Barra, Pituba e Caminho das Árvores) apresentavam um Ibeu bem mais elevado. Já nas áreas periféricas e de tipo popular, esse indicador podia ser qualificado como ruim ou muito ruim, e as condições de algumas delas se aproximavam do que Torres e Marques (2001) classificaram como hiperperiferia.
O IQUASalvador chegou a conclusões semelhantes quase uma década depois. Numa escala de 0 (qualidade inexistente) e 1 (qualidade máxima), Salvador apresentou média de 0,57. Entre os 160 bairros analisados, somente 4,37% estavam na condição “excelente”; todos eles localizados no vetor de expansão da Orla Atlântica Norte (conforme se pode observar na Figura 3; 11,87% dos bairros estavam na condição “muito boa”: em geral, aqueles localizados no vetor de expansão da Orla Atlântica, mas também no entorno do centro mais consolidado; 30% deles foram qualificados como de “boa” qualidade: em geral, áreas que foram classificadas pela tipologia do Observatório das Metrópoles como de perfil médio, alguns bairros da Orla Atlântica, outros mais tradicionais, do centro e da sua extensão, ou da Península de Itapagipe, e alguns bairros do vetor de expansão do Miolo que, nos últimos anos, incorporaram melhor infraestrutura e melhores condições de vida. O restante dos bairros de Salvador, 53,76%, se enquadraram nas classes “regular”, “ruim” e “muito ruim”, todos eles bairros populares localizados no vetor de expansão do Miolo, do Subúrbio Ferroviário e mesmo agrupamentos populares que permaneceram localizados em meio às zonas mais valorizadas.
Conforme os autores do referido estudo, embora alguns indicadores tenham melhorado bastante nos últimos anos,10 diminuindo o hiato entre as antigas periferias e as zonas mais centrais e valorizadas, permanecem muitas desigualdades de acesso à infraestrutura formal, e ainda mais no que se refere a sua qualidade (Borja et al., 2022).
No que tange à educação, problemas como os baixos níveis de escolaridade da população, a precária qualidade do ensino público e as elevadas taxas de reprovação, atraso e evasão escolar (mais desfavoráveis que em outras capitais brasileiras) constituem marcas básicas de Salvador, mas se diferenciam, como seria de esperar, conforme o tipo de ocupação do território urbano. Confirmando as observações da literatura mencionada em páginas anteriores, esses problemas são agravados nos espaços residenciais de baixa renda que predominam no Miolo e no Subúrbio ou que persistem no centro e nas proximidades dos bairros mais afluentes.
Os estabelecimentos de ensino estão concentrados sobretudo nos espaços centrais, mas a expansão da rede levou escolas públicas a praticamente toda a cidade, ainda que, na maioria dos casos, elas se caracterizem pela precariedade (não dispondo de bibliotecas, quadras de esportes e laboratórios de ciências e informática) e se diferenciam bastante conforme sua localização. Aquelas que dispõem dessas condições, podendo ser consideradas como mais bem equipadas, estão concentradas nos espaços privilegiados do Centro e da Orla, onde a oferta do ensino médio também é mais ampla e qualificada. Além disso, os indicadores relativos à formação do corpo docente, à relação professor/aluno e à disponibilidade de suporte pedagógico são igualmente mais favoráveis às unidades ali localizadas. Aquelas com maior número de docentes sem formação superior completa ou com elevada proporção alunos/professor, por exemplo, praticamente inexistem na área central e na Orla, concentrando-se nos bairros pobres do Miolo e do Subúrbio. Essa proporção se reflete no cotidiano das escolas, com impactos negativos sobre a atenção, acompanhamento e formação de laços subjetivos entre professores e alunos, afetando seu rendimento e suas possibilidades de sucesso em termos educacionais, como destaca o rico trabalho de Silva (2016) sobre os impactos do efeito território nesse campo.
As desigualdades existentes também foram constatadas pelo autor no que se refere à distribuição de coordenadores pedagógicos. As unidades situadas nas coordenações regionais do Subúrbio I, Subúrbio II e do bairro de Cajazeiras (localizado no Miolo), por exemplo, contavam com esses profissionais em apenas 21%, 14% e 13% das suas escolas. Já na coordenação regional do Centro, esse número chegava a 67,5% em 2010, conforme dados da Secretaria de Educação mencionados pela pesquisa de Silva (2016). Além disso, os professores não têm, geralmente, grandes expectativas quanto ao desempenho e ao futuro dos seus discentes. Em resposta a uma indagação da Prova Brasil, mais de metade delas avaliou que estes não iriam além do ensino fundamental, e apenas 12%, que poderiam chegar ao ensino superior. Além disso, as dificuldades de aprendizado constatadas eram atribuídas sobretudo ao desinteresse e à falta de esforço dos alunos, à indisciplina na sala de aula, à influência negativa do meio em que viviam, ao baixo nível cultural dos pais e à carência de acompanhamento e assistência da família na execução das tarefas escolares. Questões institucionais e pedagógicas foram mencionadas em último lugar e, ademais, os professores acreditavam ter pouco poder para enfrentar as dificuldades em discussão.
Considerando que é justamente nos espaços da pobreza que a educação das crianças e jovens demanda maior qualificação e cuidados, os impactos dessa realidade não são de surpreender. Nas áreas de tipo popular inferior que predominam no Miolo e no Subúrbio, um atraso escolar de dois anos entre os sete e os quinze anos era quatro ou cinco vezes mais elevado e o abandono escolar entre os quinze e os dezessete anos, de cinco a seis vezes superior ao que se registrava nas áreas de tipo médio superior existentes na Orla. Os efeitos dessa diferença têm sido constatados em pesquisas como a realizada por Santos (2018) sobre os efeitos do lugar no acesso dos jovens à estrutura de oportunidades em dois bairros populares de Salvador: o Nordeste de Amaralina/Santa Cruz, relativamente central e próximo a áreas de tipo médio e aos diversos equipamentos e serviços urbanos; e o de Nova Brasília, localizado na periferia mais distante e desassistida da cidade. Mesmo no primeiro desses bairros, o acesso a níveis mais elevados de ensino era bastante restrito e, nos raros casos em que ocorria, estava associado a condições diferenciadas em termos de incentivo das famílias, participação em projetos sociais e, principalmente, um grande esforço pessoal dos jovens, envolvendo, em alguns casos, um difícil deslocamento cotidiano para outras áreas da cidade, em busca das poucas escolas públicas de ensino médio mais qualificadas.
Não se pode ignorar também que os moradores dos espaços populares são penalizados pela distribuição dos estabelecimentos de comércio e serviços e das oportunidades de emprego e da obtenção de alguma renda no espaço urbano, bem como por problemas de transporte e mobilidade e por preconceitos e estigmas de caráter racial, social e territorial. Como se sabe, os padrões de urbanização e concentração de renda que marcam o desenvolvimento de países como o Brasil tem se refletido em uma enorme concentração de estabelecimentos, empregos e oportunidades de renda nas áreas centrais e mais afluentes da cidade, o que se soma às desvantagens educacionais, à estreiteza das redes sociais (limitadas, muitas vezes, à família e a vizinhos nas mesmas condições de vulnerabilidade e pobreza) e à discriminação racial e territorial contra os residentes em espaços considerados como degradados e violentos, reforçando os efeitos adversos das condições de segregação.
Na capital baiana, onde os problemas ocupacionais são especialmente acentuados, dados do Ministério do Trabalho sobre a localização dos estabelecimentos empregadores formais em 2010, sistematizados por regiões administrativas e adaptados à tipologia socioespacial antes mencionada, deixam patente como esses problemas se concentram com mais intensidade no Centro e na Orla Atlântica, sendo muito escassos nas regiões densamente povoadas do Miolo e do Subúrbio e nos limites da capital com os municípios vizinhos da região metropolitana.
Conforme estudo de Borges e Carvalho (2017), isso se traduzia em distribuição dos empregos formais de modo bastante desproporcional à da população no território urbano, como ficou patente no indicador postos de trabalho/mil habitantes por regiões administrativas (RA). Na região Centro, área mais antiga, que constituía o centro econômico e administrativo da cidade até os anos 1970, o volume de postos formais de trabalho era superior ao da sua população, configurando a situação comum aos centros urbanos, que em muitos trechos se deterioraram e perderam suas funções residenciais. Tal concentração beneficiava seus moradores e aqueles de áreas próximas ou mais bem servidas de transportes públicos, em detrimento dos que se encontravam nas periferias distantes e sem esse privilégio.
No restante do território urbano, os postos formais de Salvador estavam, sobretudo, nos espaços de tipo médio e médio superior da Orla Atlântica, habitados pelos grupos de média e alta renda. Sua concentração era especialmente acentuada nas atividades de prestação de serviços, que geram a maioria dos empregos formais no município; 65% dessas ocupações se localizavam em apenas quatro das dezoito regiões administrativas da cidade em 2010, conforme dados do Observatório do Trabalho (MT/Rais/Dieese/Setre): os da Pituba/Costa Azul, Centro, Barra e Brotas, que poderiam ser classificados como de tipo médio ou médio superior; 80% em sete delas, quando computadas as RA do Rio Vermelho, Itapuã (onde se concentram os empregos públicos no Centro Administrativo) e Boca do Rio/Patamares, de perfil social similar.
A outra face dessa distribuição ficava visível nas regiões administrativas correspondentes a espaços de tipo popular ou popular inferior, onde os moradores são majoritariamente negros e pobres. Nelas residia 42,9% da população mas era encontrado somente 14,1% dos empregos formais do município, revelando a presença de mercados de trabalho locais restritos e elevados níveis de informalidade. Além disso, os postos ofertados nesses espaços, embora gerassem alguma renda, eram de qualidade bastante precária, como evidencia um dos depoimentos coletados por Santos (2018, p. 168), comparando os referidos postos com os que prevalecem nas áreas centrais: “Tem muita diferença, porque a maioria dos trabalhos oferecidos no bairro são trabalhos que têm uma carga horária muito grande, tem pessoas que entram no supermercado (local) para trabalhar sete horas e saem 10 horas da noite”.
Na ausência do censo de 2020 e com as mudanças no recorte espacial das regiões onde os referidos postos estão situados, não foi possível acompanhar mais estritamente a evolução desse quadro. Contudo tanto a observação empírica mais imediata quanto as informações do Ministério do Trabalho (Rais) tabuladas pelo Observatório do Trabalho do Estado da Bahia deixam evidente a persistência ou até o possível agravamento da concentração territorial das oportunidades ocupacionais. Na área da Prefeitura Bairro Centro/Brotas, por exemplo, em 2018, estavam localizados 147.912 estabelecimentos e 890.129 empregos formais. A Prefeitura Bairro Barra/Pituba, por sua vez, concentrava 29.109 estabelecimentos e 20.474 empregos. Já em Cajazeiras, um dos bairros de tipo popular mais densos da cidade, os estabelecimentos não passavam de 942, os empregos de 6.692 e, no Subúrbio Ferroviário, de 1.553 e de 8.582, respectivamente.
Esse conjunto de desvantagens é amplificado pelas restrições de acesso ao transporte público e pelas contradições e perversidades da mobilidade na metrópole soteropolitana, conforme apontadas pelas pesquisas de Delgado (2014, 2017), para quem a organização do território em Salvador configura um cenário de crescente dispersão nas origens das viagens (os domicílios) e de concentração nos destinos (os locais atratores de viagens).
Em uma primeira dimensão, o autor identificou que os bairros mais densos da cidade, notadamente aqueles situados no Miolo e no Subúrbio Ferroviário, são os que apresentam os menores indicadores de renda e os que mais dependem do transporte público, embora apresentem as maiores carências de infraestrutura e de investimentos em mobilidade de longo prazo. Destacam-se também como polos geradores de viagens bairros populares mais próximos da região mais valorizada da cidade. Associado a isso, Salvador apresenta uma forte concentração e serviços e empregos em dois grandes eixos, o centro tradicional e o subcentro Camaragibe na área de influência do Shopping da Bahia e da Avenida Tancredo Neves, que se configuram com os maiores poderes de atração de viagens de todo o município, em geral concentrados também no tempo. Poucas são as regiões de Salvador que se encontram em um equilíbrio entre atração e produção de viagens, o que demonstra a existência de áreas claramente produtoras de viagens, mais desprovidas de atividades econômicas e infraestrutura pública e privada, e atratoras, áreas mais centrais.
Os padrões de concentração e densidade são, para Delgado (2014, 2017), a base da problemática da mobilidade em Salvador e sua região metropolitana, e isso tem por consequência o aprofundamento da segregação socioespacial. A disponibilidade de ônibus no sentido centro para os usuários no pico da manhã é fortemente desigual e seletiva. Entre as medidas costumeiramente adotadas pelas empresas de ônibus em sistemas de baixa regulamentação, como Salvador, encontram-se a redução da frequência na oferta de serviços, assim como a operação concentrada das rotas em linhas de alta demanda, o que revela distribuição desigual com especial prejuízo para as regiões do Miolo e do Subúrbio, especialmente nos espaços mais distantes.
As desigualdades na mobilidade urbana em Salvador se apresentam ainda nas condições e custos dos deslocamentos. Em 2013, o tempo médio de deslocamento casa-trabalho na RMS era de 34 minutos. Embora não tenha havido grandes diferenças nesse tempo entre os decis de mais baixa e mais alta renda, os dados coletados informam que pessoas que se classificaram como brancas apresentaram, em geral, tempos de deslocamento inferiores aos dos que se classificaram como pretos e pardos. São elas que mais sofrem os impactos dos tempos de viagem casa-trabalho na RMS. Associado a esses dados, é importante ainda acrescentar que 30% de todos os deslocamentos no momento da referida pesquisa eram realizados a pé, seguramente e em grande parte devido à impossibilidade de custeio do transporte público.
Para além da segregada infraestrutura existente, recentemente, novos desafios se impuseram ao serviço de transporte público de Salvador e especialmente aos seus usuários mais pobres. Em 2021, houve a interrupção do serviço de trens do Subúrbio Ferroviário, que percorria 23 km e atendia 13 bairros dessa zona periférica da cidade a uma tarifa de R$ 0,50 por mais de uma década (Pereira et al., 2021). Em seu lugar, será construído um Monotrilho (resultado de parceria público-privada do governo do estado da Bahia com uma empresa de capital majoritariamente chinês), que será integrado ao sistema de transporte da cidade, que atualmente tem uma tarifa de R$ 4,90, obrigando a população dessa área da cidade a utilizar um serviço de transporte pelo menos oito vezes mais custoso do que o de costume. No final de 2019, o Ministério Público da Bahia, em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), elaborou uma pesquisa com os usuários do trem e descobriu que 42% deles auferiam à época menos de um quatro do salário-mínimo e 70% deles afirmaram que deixariam de utilizar a linha ou reduziriam o uso após a mudança do modal.
Em que pese esse conjunto de desvantagens territoriais, há que se levar em conta, também, a presença majoritária dos negros nas áreas populares e periféricas, pois, embora a dimensão racial da segregação urbana tenha sido ignorada por muitos anos, estudos mais recentes, como o de Carvalho e Arantes (2021), têm evidenciado sua relevância no Brasil. No caso de Salvador, conquanto os negros constituam a maioria da população (82,9% segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de domicílios – PNAD de 2018), eles apresentam condições sociais severamente mais precárias: maior taxa de desemprego e maior ocupação em trabalhos de baixo nível de instrução, informais e mais desvalorizados. Como resultado, os brancos ocupados chegaram a auferir, em 2018, rendimentos médios no trabalho principal mais do que duas vezes superior aos dos que se autodeclaravam pardos e quase três vezes aos daqueles que se autodeclaravam pretos.
A segregação sociorracial presente na cidade permanece visível e é uma das dimensões estruturantes do espaço urbano de Salvador. Como ilustraram Carvalho e Arantes (2021), em Salvador os moradores que se classificam como pardos e pretos se localizam basicamente nos vetores de expansão do Subúrbio Ferroviário e do Miolo, em áreas classificadas pela tipologia socioespacial como de perfil, em parte, médio, mas fundamentalmente popular e popular inferior. O vetor da Orla Atlântica Norte, nas áreas de perfil médio superior e superior, é basicamente habitado por uma população que se classifica como branca. Em alguns desses bairros, como a Pituba, a concentração de brancos chega a ser três vezes maior que a média da cidade.
A apropriação do espaço urbano, as condições de urbanidade e as oportunidades propiciadas pela sua vivência são fortemente marcadas pelas desigualdades de classe e de raça, fato ainda reproduzido pelos estigmas e preconceitos territoriais que se afirmam sobre determinadas áreas, em geral de perfil popular e negro. Segundo Wacquant, Slater e Pereira (2014), nas cidades contemporâneas o espaço se transformou numa dimensão de descrédito, projetando “marcas” que conformam uma “estigmatização territorial” que perpassa um conjunto de agentes sociais, como os próprios moradores (que têm sua autoestima corroída, o que dificulta trajetórias individuais de sucesso e diminui sua capacidade de ação coletiva), os empresários (que evitam a contratação de moradores de determinados bairros), os funcionários públicos da chamada burocracia de nível de rua e os especialistas da produção simbólica.
Os bairros populares e periféricos de Salvador, para além da soma de extorsões (Kowarick, 1979) sofridas em termos da infraestrutura urbana e condições de vida, carregam marcas ligadas aos estigmas sobre criminalidade e violência atribuída a eles e intensamente explorada pela mídia, o que termina por contribuir para ampliar as estratégias e mecanismos de distanciamento e de separação física e simbólica. Por isso, mesmo quando condomínios de maior renda são implantados nas vizinhanças de áreas populares, isso não gera maior proximidade entre eles, em termos sociais.
Como destacado por Andrade e Silveira (2013), quando ocorre a proximidade de grupos socialmente distantes, ela vem acompanhada de dispositivos de diferenciação e distanciamento social. A segmentação pelos hábitos e aparências é estratégia de identificação necessária para que o status social dos grupos não seja objeto de dúvida, e isso ocorre levando-se em consideração diversos atributos sociais, entre eles a dimensão racial, conforme também identificado por Treuke (2018). Em pesquisa efetuada em bairros pobres e majoritariamente negros de Salvador situados na vizinhança de áreas residenciais de média e alta renda, com moradores predominantemente brancos, o referido autor constatou que, abstraindo-se as relações empregatícias, a proximidade física está longe de gerar proximidade social, até mesmo no que se refere a espaços públicos existentes entre essas áreas, que eventualmente poderiam ser compartilhados. Conforme declarações de moradores entrevistados:
A gente aqui no bairro é muito discriminada pelos bairros da vizinhança […] primeiro por ser negro, segundo por morar na favela, que a gente mesmo considera isso aqui como uma favela, invasão, e pela situação financeira e social que a gente não tem a renda per capita que eles têm.
Estamos aqui bem localizados, mas existe a desigualdade e separação (os moradores do nosso e dos outros bairros permanecem) cada qual no seu quadrado.
Ademais, em trabalho recentemente publicado, Cardoso e Préteicelle (2021) ressaltam como, em uma sociedade onde o contato entre as classes tradicionalmente se concentra na prestação de serviços sociais baseada em relações marcadas pela hierarquia e subordinação, os preconceitos e estigmas contra as classes populares vêm se ampliando, o que contribui para o maior insulamento da sociabilidade e para a extrema polarização política. Isso se reflete na negação dos grupos e interesses populares, em um desinteresse e descompromisso crescentes com a redução da pobreza e das desigualdades e uma drástica queda da solidariedade social, ampliando ainda mais os “efeitos do território”.
Finalmente, também é preciso levar em conta que, na sociedade brasileira, uma das mais violentas do mundo, com taxas de homicídio superiores às de países em guerra, a concentração de determinados grupos em áreas relativamente homogêneas, precárias e desassistidas, tem ampliado igualmente sua vulnerabilidade civil (Kowarick, 2002), com maior exposição à criminalidade, à violência e à morte precoce. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, o Brasil atingiu o ápice de Mortes Violentas Intencionais (MVI)11 em 2017, quando a taxa chegou a 30,9 para cada grupo de 100 mil habitantes. Os anos de 2018 e 2019 apresentaram reduções sucessivas dessas mortes, tendência que foi revertida em 2020, quando esse número alcançou 23,6 por 100 mil habitantes. A Bahia, por sua vez, apresentou a segunda maior taxa (44,9) de MVI, ficando somente atrás do Ceará (45,2). O estado, inclusive, concentrou 17 dos municípios acima de 100 mil habitantes com taxas de MVI acima da média nacional, quatro deles localizados na região metropolitana de Salvador: a própria capital (54), Lauro de Freitas (44,6), Camaçari (75,9) e Simões Filho (89,8) (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2021).
A cidade de Salvador apresentou crescimento de 31,9% da taxa de MVI entre 2019 e 2020, quando ficou em primeiro lugar entre as capitais brasileiras. Entre as categorias que compõem o MVI, as mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora de serviço representaram 24,5% de todas as MVI em Salvador no referido ano. A capital baiana foi o terceiro município em número absoluto desse tipo de morte violenta no Brasil, ficando atrás somente de Rio de Janeiro e São Paulo, cujas populações são muito maiores.
Apesar de sua difusão, a “sociabilidade violenta” (Silva, 2009) e sua expressão material não se apresentam de maneira igualitária nos territórios das cidades. Segundo Souza (2008), a criminalidade violenta no Brasil urbano se expressa de forma segmentada no tecido metropolitano, conformando uma “geografia do crime” na qual os crimes contra a vida se concentram de maneira mais evidente nos bairros populares, enquanto os bairros mais elitizados lideram principalmente os índices de furtos e roubos. De acordo com Andrade (2016), a concentração da violência letal nas periferias revela outra face perversa das desigualdades socioespaciais que não estava presente na formação desses espaços, e isso tem impactado fortemente as condições de vida dos moradores, bem como suas oportunidades, notadamente por conta dos estigmas gerados.
Muitas vezes, moradores dos bairros pobres e periféricos convivem com uma realidade que se traduz em tiroteios, incursões violentas da polícia, balas perdidas, suspensão de aulas, restrições à mobilidade e um grande número de mortes por causas externas, vitimando principalmente jovens negros, pobres e com baixa escolaridade.12 Em Salvador, como em tantas outras cidades brasileiras, o tráfico de drogas e outras formas de criminalidade têm se apropriado de muitos dos referidos espaços (articulando, a partir dali, sua atuação mais ampla no território da cidade), dominando os residentes locais e passando a recrutar jovens com o perfil assinalado e sem perspectivas para o consumo de drogas e para atividades ilegais. E, como seria de esperar, isso vem contribuindo para a deterioração dos padrões da sociabilidade e, com o avanço atual da crise, para um enorme crescimento da violência nos espaços em discussão. A Figura 4 apresenta a taxa dos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI)13 em Salvador em 2020.
Ela demonstra com evidente clareza a concentração dos CVLI na porção superior do município, mais especificamente nos vetores de expansão do Subúrbio Ferroviário e do Miolo. O vetor de expansão da Orla Atlântica Norte praticamente não apresenta números consideráveis de casos, com exceção de algumas poucas aglomerações populares que aí se localizam, como na Boca do Rio, no Bairro da Paz e Itapoã. Porém, mesmo esses espaços não apresentaram taxas de CVLI como aqueles que se localizam nas periferias mais distantes da cidade, especialmente alguns que fazem divisa com os municípios de Simões Filho e Lauro de Freitas. As diferenças são tamanhas que, enquanto em alguns bairros mais valorizados, como Vitória e Itaigara, não houve nenhum CVLI nos anos de 2019 e 2020, outros bairros, como o Retiro, apresentaram taxa de 1.061,33 casos por 100 mil habitantes nesse último ano.
As desigualdades socioespaciais, no que tange à segurança, são ainda reforçadas pelo tratamento diferenciado dado à população das regiões mais populares. A distribuição do aparato de segurança vem se dando de forma inversa à concentração espacial da criminalidade e da violência. De acordo com uma reportagem publicada pelo jornal Correio da Bahia em 2012, com base em dados oficiais, a região que compreende os bairros mais elitizados da cidade (o Corredor da Vitória, a Graça e a Barra), onde haviam ocorrido apenas três homicídios naquele ano, contava com uma Delegacia Territorial e uma companhia da Polícia Militar para cuidar da segurança dos seus 40.997 habitantes. Já os 374.013 moradores de 22 bairros populares, onde em 2012 já haviam morrido 79 pessoas, tinham direito igualmente a uma delegacia. Outra área crítica da cidade, que abrangia nove bairros pobres, onde residiam 216.260 pessoas, contavam também com uma delegacia e uma companhia policial. A Polícia Militar do Estado da Bahia, embora não disponibilize o número de policiais por unidades, bairros e regiões, apresenta em seu site oficial a geolocalização das Companhias de Polícia, batalhões e unidades. Uma rápida observação é suficiente para notar maior concentração na ponta da península, em sua região sul, em torno do centro tradicional e dos bairros mais valorizados do início de vetor da Orla Atlântica Norte. Os bairros mais ao norte, em torno do vetor do Subúrbio Ferroviário e do Miolo, são claramente menos assistidos em número desses equipamentos.14
Menos assistidas pelos equipamentos de segurança pública, não se pode ignorar, por outro lado, como a violência policial se abate frequentemente sobre as áreas de tipo popular. Como destacaram Machado e Noronha (2002, p. 206), nos bairros populares, muitas vezes, “a ação policial está pautada na omissão, cumplicidade com infratores, preconceito e violência”. Como salientado anteriormente, em 2020, Salvador foi a terceira cidade com o maior número de mortes violentas intencionais ocasionadas por ações policiais. Segundo Ramos et al. (2021), 100% dessas mortes foram de pessoas negras. Recentemente, por exemplo, mais um desses casos foi repercutido pela mídia e debatido pela sociedade soteropolitana após a morte de três jovens numa operação policial no feriado do Carnaval. A Articulação dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo de Salvador e outras 23 entidades se pronunciaram, enfatizando que:
A violência policial permanece como prática corriqueira e naturalizada contra moradores da Gamboa de Baixo. Os depoimentos de testemunhas apontam que as mortes dos jovens não foram decorrentes de resistência e que não houve qualquer reação ou troca de tiros. A polícia não agiu em legítima defesa! Afirmamos que toda pessoa tem direito à vida, ao devido processo legal e a um julgamento imparcial, sendo inadmissíveis execuções arbitrárias como aconteceu. […] A Polícia Militar da Bahia é considerada a mais letal do Nordeste e é líder em mortes por chacinas, segundo dados do relatório “A vida resiste: além dos dados da violência”, da Rede de Observatórios da Segurança. Esses números reforçam a política do estado de genocídio da população negra.15
Para Machado e Noronha (2002), a violência oficial está ligada à violência estrutural que se manifesta nas desigualdades sociorraciais, ainda que não possa ser reduzida a ela, uma vez que a arbitrariedade policial não é um aspecto isolado, mas é parte de um sistema que, abrangendo autoridades e cidadãos, coloca o combate da criminalidade acima da aplicação da lei e proteção da sociedade. Essa “guerra” ao crime, por assim dizer, tem consequências bastante desiguais entre os diversos territórios da cidade, penalizando as áreas populares.16
Em determinadas situações de crise, a vulnerabilidade e as desvantagens associadas ao efeito território tendem a se ampliar, como ocorreu durante a pandemia da Covid-19. Na capital baiana, isso parece ter afetado principalmente moradores de áreas do tipo popular situadas no vetor de expansão do Miolo no que tange ao acesso ao trabalho e obtenção de renda, ao transporte, aos serviços de saúde e educação, e ao próprio tratamento e recuperação dos moradores infectados, conforme dados da PNAD Covid-19 e análises como as de Pereira et al. (2021).
CONCLUSÃO
Abstraindo-se algumas especificidades locais, a realidade de Salvador não difere fundamentalmente do que se verifica em outras grandes cidades do país, evidenciando a estreita articulação entre os padrões de produção, apropriação e de fruição do espaço urbano e a produção das desigualdades, na medida em que o espaço social, a estratificação e as hierarquias também se traduzem no território. Os distintos territórios da cidade são produzidos de maneira bastante diferenciada em termos do meio ambiente construído, ou seja, do acesso à infraestrutura, moradia, equipamentos, serviços e políticas públicas. Isso se expressa na apropriação dos espaços, na medida em que os segmentos que se encontram no topo do espaço social, em decorrência do capital econômico, social e cultural de que são detentores e da sua condição sociorracial, têm a capacidade de se apropriar dos espaços mais seletivos e privilegiados e dos bens e serviços mais raros e desejáveis neles instalados. Já aqueles que estão na base da estrutura e das hierarquias são mantidos à distância desses espaços e obrigados a se instalar em áreas desfavoráveis e desassistidas, onde carências de várias ordens se conjugam e se reforçam.
O território importa, como ficou claro ao longo deste texto, e no Brasil essa relevância vem sendo acrescida pelo caráter excludente do processo de desenvolvimento e urbanização do país e pela constituição de cidades marcadas por enormes desigualdades, pela segmentação e pela segregação socioespacial. Cidades essas onde a vulnerabilidade e a pobreza da maioria da população têm obrigado uma grande parcela a se aglomerar em áreas e condições bastante desfavoráveis, levando à conformação e reprodução de um círculo vicioso que amplia a vulnerabilidade e a despossessão, contribuindo para produção e reprodução das desigualdades.
Transformações mais recentes nos padrões habitacionais e no uso do território urbano, a exemplo da consolidação de algumas periferias ou da edificação de condomínios residenciais fechados para os grupos de maior renda em áreas mais distantes, não deixaram de produzir certas alterações na estrutura urbana, mas não afetaram mais significativamente o círculo vicioso em questão. Conforme destacado por Marques (2017), a política e as políticas do urbano têm caráter ainda mais inercial e dependente de trajetória do que outras políticas, devido justamente à relevância do território e das diversas camadas de intervenção e/ou investimentos inseridos historicamente nele. O território contribui para a manutenção de mecanismos de retorno e retroalimentação que tendem a beneficiar grupos localizados. Bourdieu (1997, p. 161) já havia destacado essa questão ao cunhar a expressão “efeitos de lugar” e destacar que parte da inércia das estruturas do espaço social resulta do fato delas serem inscritas no espaço físico. Isso significa que elas não poderiam ser modificadas senão à custa de uma mudança das coisas “as quais suporiam transformações sociais extremamente difíceis e custosas”.
Atualmente não se vê na sociedade brasileira um esforço coletivo ou um pacto de desenvolvimento social capaz de reverter essas tendências. Ao contrário, as mudanças dos últimos anos têm propiciado seu fortalecimento, como o avanço dos princípios neoliberais e do empreendedorismo urbano na gestão das cidades; do domínio crescente das forças do mercado sobre seu desenvolvimento, da crise da segurança e da exacerbação dos preconceitos e estigmas de classe e de raça contra as camadas e interesses populares, ampliando o desinteresse e o descompromisso com o combate à pobreza e às desigualdades e minando a solidariedade social. Essa realidade, mais uma vez, pauta a questão da ordem urbana e a urgência da sua reforma e profunda transformação.
-
1
Os autores agradecem os comentários atentos e valiosos de Gilberto Corso Pereira e Cláudia Monteiro Fernandes
-
2
Mais precisamente nas Mesas ocorridas nos dias 4 e 5 de dezembro de 2018: “As metrópoles e as classes sociais: os desafios da integração” e “As metrópoles e a igualdade: os desafios da segregação”, compostas respectivamente por Maria do Livramento Clementino, Márcio Pochmann, Ermínia Maricato e André Singer e Luciana Lago, Raquel Rolnik, Michel Misse e Roberto Kant.
-
3
Isso ficou ilustrado pelas tragédias ocorridas no presente ano de 2022, quando fortes chuvas causaram, em fevereiro, ao menos 233 mortes e deixaram mais de três mil famílias desabrigadas em Petrópolis e, em maio, no mínimo 120 mortos e mais de sete mil pessoas desabrigadas na Região Metropolitana de Recife.
-
4
Foram utilizados dados do Censo Demográfico 2010 do Intituto Brasileiro de Geografia e Estatísica (IBGE), da Rais, da Secretaria de Segurança Pública do estado da Bahia, do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, além de dados educacionais e sobre mobilidade. Em geral, as pesquisas sobre as desigualdades intraurbanas no Brasil se beneficiam especialmente do Censo Demográfico do IBGE, que permite uma análise a partir dos diversos setores censitários e da agregação desses setores. Não obstante, o último Censo disponível é de 2010, o que dificultou algumas análises. Ademais, informações relevantes para a análise das desigualdades não são disponibilizadas em uma escala intraurbana, o que levou a pesquisa a recorrer a análises empíricas previamente realizadas pela literatura em Salvador.
-
5
Salvador é marcada por um claro processo de macrossegregação caracterizado pela distância física como expressão da distância social. Contudo ainda persistem algumas ocupações populares em áreas mais valorizadas, em geral por serem de ocupação mais antiga, situadas em sítios mais desfavoráveis ou por terem resistido a processos de realocação, favorecidos especialmente no contexto de democratização dos anos 1980. A população dessas áreas, em geral, convive com esse entorno mais valorizado a partir de processos de microssegregação, ou seja, a partir de certo distanciamento social a despeito da proximidade física, como se discutirá ao longo do deste artigo.
-
6
Essa metodologia envolve o uso dos microdados censitários para classificar a população ocupada em categorias sócio-ocupacionais mais abrangentes (considerando a relevância do trabalho para compreender as hierarquias e a estrutura social) e analisar sua distribuição no espaço urbano, utilizando como recorte territorial áreas definidas por uma agregação de setores censitários utilizadas em 2010 pelo IBGE. Assim é criada uma tipologia socioespacial, na qual os tipos são classificados através de técnicas de Análise Fatorial por Correspondência Binária (para identificar as categorias ocupacionais mais relevantes em cada recorte territorial) e de um Sistema de Classificação Hierárquica Ascendente (que define os agrupamentos a partir dos fatores extraídos da análise anterior, levando em conta a proximidade dos perfis das áreas e sua distância em relação ao perfil médio) (Carvalho; Pereira, 2008). Para uma compreensão mais aprofundada, ver Ribeiro e Ribeiro (2013).
-
7
Na tipologia elaborada com os dados do Censo de 2000, foram encontradas áreas de tipo superior. Porém, depois de algumas mudanças implementadas na malha censitária em 2010 pelo IBGE, esse cluster não foi mais identificado pela análise fatorial.
-
8
A construção desse índice envolveu cinco dimensões: mobilidade urbana, condições ambientais urbanas, atendimento de serviços coletivos urbanos e infraestrutura urbana, expressos numa escala de 0 a 1.
-
9
Baseado em pesquisa direta realizada entre 2018 e 2020, em 160 dos 163 bairros da cidade, com a aplicação de 15.260 questionários, associada a dados secundários do IBGE e dos governos municipal, estadual e federal, o IQUASalvador agrega um conjunto de indicadores articulados em cinco dimensões: físico-natural; socioeconômica; de serviços e infraestrutura; de cultura e cidadania; e de bem-estar (Borja et al., 2022).
-
10
Durante boa parte do século XX, as ocupações populares, especialmente as localizadas em sítios desfavoráveis, fundos de vale e áreas de declividade acentuada, estiveram sujeitas a constantes deslizamentos e inundações. Nos últimos anos, porém, alguns investimentos públicos dos governos municipal e estadual conseguiram mitigar esses riscos, reduzindo a ocorrência desses fenômenos, especialmente os deslizamentos com vítimas.
-
11
Segundo a metodologia do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, essas mortes incluem homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora dele.
-
12
Em 2020, os MVI no Brasil vitimizaram principalmente homens (93,8%), pessoas negras (75,8%) e jovens entre 18 e 29 anos (47,5%) (Fórum Brasileiro de Segurança Púbica, 2021).
-
13
Esse cartograma foi elaborado pela Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia, que utiliza metodologia diferente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mas é a única a disponibilizar dados intraurbanos. Nesse caso, a SSP BA contabiliza os crimes violentos letais intencionais, que envolvem homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte. Não estão presentes, portanto, mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora dele.
-
14
Visualização em Google Maps disponível em: https://bit.ly/3tvLXr3. Acesso em: 22 mar. 2022.
-
15
Disponível em: https://glo.bo/3MzVSDn. Acesso em: 9 mar. 2022.
-
16
No decorrer do estudo efetuado por Cicerelli (2020), comentando as diferenças de condições e os resultados das investigações realizadas em delegacias da área “nobre” e da área “pobre” da cidade, onde trabalhava, uma delegada reconheceu que “afinal, nós trabalhamos com números, elas com nomes…”.
REFERÊNCIAS
- AINSWORTH, J. L. Why does it take a village? Mediation of neighborhood effects on educational achievement. Social Forces, [s. l.], v. 81, n. 1, p. 117-152, 2002.
- ANDRADE, L. T. O espaço metropolitano no Brasil: nova ordem espacial? Caderno CRH, Salvador, v. 29, n. 26., p. 101-118, 2016.
- ANDRADE, L. T.; SILVEIRA, L. S. Efeito território: explorações em torno de um conceito sociológico. Civitas, Porto Alegre, v. 13, n. 2, p. 381-402, 2013.
-
ANGELO, J. R.; LEANDRO, B. B. S.; PERISSÉ, A. R. S (2020). Boletim socioepidemiológico da Covid-19 nas favelas: análise da frequência, incidência, mortalidade e letalidade por Covid-19 em favelas cariocas, número 001/2020. Rio de Janeiro: Fiocruz. Disponível em: https://bit.ly/2Ro4Jgh Acesso em: 9 set. 2020.
» https://bit.ly/2Ro4Jgh - BORGES, Â. M. C.; CARVALHO, I. M. M. Revisitando os efeitos de lugar: segregação e acesso ao mercado de trabalho em uma metrópole brasileira. Caderno CRH, Salvador, v. 30, n. 79, p. 121-135, 2017.
- BORJA, P. C. et al Viver em Salvador: o Índice de Qualidade Urbano-Ambiental de Salvador (IQUASalvador). In: SANTOS, E. et al. (org.). QUALISalvador: qualidade do ambiente urbano na cidade da Bahia. Salvador: EDUFBA, 2022. p. 91-97.
- BOURDIEU, P. Efeitos de lugar. In: BOURDIEU, P. (coord.). A miséria do mundo 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 159-166, 1997.
- CALDEIRA, T. P. R. Cidade dos muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Edusp, 2000.
- CARDOSO, A.; PRÉTECEILLE, E. Classes médias no Brasil: estrutura, mobilidade social e ação política. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2021.
- CARVALHO, I. M. M.; PEREIRA, G. C. Como anda Salvador 2. ed. Salvador: EdUFBA, 2008.
- CARVALHO, I. M. M.; PEREIRA, G. C. Salvador: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2014.
- CARVALHO, I. M. M.; ARANTES, R. A. “Cada qual no seu quadrado”: Segregação socioespacial e desigualdades raciais na Salvador contemporânea. EURE: Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales, Santiago, v. 47, n. 142, p. 49-72, 2021.
- CICERELLI, M. B. S. Como se contam as mortes? Narrativas policiais sobre os homicídios dolosos em Salvador. 2020. Tese (Doutorado em Políticas Sociais e Cidadania) – Universidade Católica de Salvador, Salvador, 2020.
- DELGADO, J. P. M. Circulação. In: PEREIRA, G. C.; SILVA, S. B. M.; CARVALHO, I. M. M. Salvador no século XXI: transformações demográficas, sociais, urbanas e metropolitanas. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2017. p. 73-109.
- DELGADO, J. P. M. Organização social do território e mobilidade urbana. In: CARVALHO, I. M. M.; PEREIRA, G. C. Salvador: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2014. p. 199-235.
-
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário brasileiro de segurança pública São Paulo, 2021. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/10/anuario-15-completo-v7-251021.pdf Acesso em: 7 mar. 2022.
» https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/10/anuario-15-completo-v7-251021.pdf - GOMES, S.; AMITRANO, C. Local de moradia na metrópole e vulnerabilidade ao emprego e desemprego. In: MARQUES, E.; TORRES, H. (org.). São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades sociais São Paulo: Ed. Senac, 2005. p. 169-194.
- IVO, A. B. L. A questão social e a questão urbana: laços imperfeitos. Caderno CRH, Salvador, v. 23, n. 58, p. 17-34, 2010.
-
JARGOWSKY, R. A. Take the money and run: economic segregation In U. S. metropolitan areas. American Sociological Review, [s. l.], n. 61, p. 1-38, 1996. Disponível em: http:/www.jstor.org/stabel/2096304 Acesso em: 14 out. 2014.
» http:/www.jstor.org/stabel/2096304 - KATZMAN, R.; RETAMOSO, A. Segregación espacial, empleo y pobreza em Montevideo. Revista Cepal, [s. l.], v. 85, p. 131-148, 2005.
- KATZMAN, R.; RETAMOSO, A. Segregacion residencial en Montevideo: desafios para la equidad educativa. Santiago de Chile: Comission Economica para America Latina y Caribe, 2006.
- KOWARICK, L. A espoliação urbana Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
- KOWARICK, L. Viver em risco sobre a vulnerabilidade no Brasil Urbano. Novos Estudos Cebrap São Paulo, n. 63, p. 9-30, jul. 2002.
- MACHADO, E. P.; NORONHA, C. V. A polícia dos pobres: violência policial em classes populares urbanas. Sociologias, Porto Alegre, ano 4, n. 7, p. 188-221, 2002..
- MARQUES, E.; TORRES, H. (org.). São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades sociais. São Paulo: Ed. Senac, 2005.
- MARQUES, E. Em busca de um objeto esquecido: a política e as políticas do urbano no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 32, n. 95, p. 1-18, 2017.
- PEREIRA, G. C. et al. Região Metropolitana de Salvador (BA). In: MIRANDA, L. I. B. (org.). As metrópoles e a Covid-19: dossiê nacional. Rio de Janeiro: Observatório das Metrópoles, 2021. p. 277-296.
- PRÉTECEILLE, E. La segregacion ethno raciale at-elle augmenté dans la metrópole parisiense? Revue Française de Sociologie, Paris, v. 50, n. 3, p. 489-519, 2003.
-
RAMOS, S. et al. Pelo alvo: a cor da violência policial. Rio de Janeiro: CESeC, 2021. Disponível em: https://bit.ly/3JeCKcd Acesso em: 9 mar. 2022.
» https://bit.ly/3JeCKcd - RIBEIRO, L. C. Q. Segregação residencial e segmentação social: o “efeito vizinhança” na reprodução de pobreza nas metrópoles brasileiras. Cadernos Metrópole, São Paulo, n. 13, p. 47-70, 1º sem. 2005.
- RIBEIRO, L. C. Q.; KAZTMAN, R. A cidade contra a escola: segregação urbana e desigualdades educacionais nas grandes cidades da América Latina. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2008.
- RIBEIRO, L. C. Q.; RIBEIRO, M. G. Análise social do território: fundamentos teóricos e metodológicos. Rio de Janeiro, Letra Capital, 2013.
- RIBEIRO, L. C. Q.; SANTOS JUNIOR, O. A. Governança empreendedorista e megaeventos esportivos: reflexões em torno da experiência brasileira. O Social em Questão, Rio de Janeiro, n. 29, p. 23-41, 1º sem. 2013.
- RIBEIRO, L. C. Q. et al. (org.). Desigualdades urbanas, desigualdades escolares Rio de Janeiro: Letra Capital, 2010.
- RIBEIRO, M. G.; RIBEIRO, L. C. Q. Segregação sócio-espacial e desigualdades de renda da classe popular no Rio de Janeiro. EURE: Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales, Santiago, v. 47, n. 142, p. 27-48, 2021.
- RUIZ-TAGLE, J. La persistencia de la segregación y la desigualdad en barrios socialmente diversos: un estudio de caso en La Florida, Santiago.EURE: Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales, Santiago, v. 42, n. 125, p. 81-108, 2016.
- SABATINI, F.; WORMALD, G.; RASSE, A. (ed.). Segregación de la Vivenda Social: ocho conjuntos en Santiago. Concepción y Talca. Santiago: Instituto de Estudios Urbanos y Territoriales de Pontifícia Universidad Católica de Chile, 2013.
- SANTOS, L. M. S. As fronteiras do lugar na vida dos jovens: um estudo nos bairros do Nordeste de Amaralina e de Nova Brasília em Itapuã em Salvador-Bahia. 2018. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Federalda Bahia, Salvador, 2018.
- Secretaria de Segurança Pública da Bahia. Anuário de Segurança Pública da Bahia. Salvador : SSP, 2021. v. 1.
- SERAVI, G. A. Mundos aislados: segregación urbana y desigualdad en La ciudad de Mexico. EURE: Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales, Santiago, v. 34, n. 103, p. 93-110, 2008.
- SILVA, D. R. C. Vazios ocultos: dinâmica urbana e acesso à educação básica em Salvador. 2016. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016.
- SILVA, L. A. M. Violência urbana, sociabilidade violenta e agenda pública. In: SILVA, L. A. M. (org.). Vida sob cerco Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
- SILVEIRA, L. S. Segregação residencial e diferencial de renda: estrutura e distribuição geográfica por raça na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 2014. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014.
- SMALL, M. L.; NEWMAN, K. Urban poverty after the truly disadvantaged: the rediscovery of the family, the neighborhood, and culture. Annual Review of Sociology, [s. l.], v. 27, p. 23-45, 2001.
- SOLIS, P.; PUGA, I. Efectos del nivel socioeconomico de la zona residencial sobre el proceso de estratificación social en Monterrey. Estudios Demograficos y Urbanos, Ciudad de Mexico, v. 26, n. 2, p. 233-265, 2011.
- SOUZA, M. L. Fobópole: o medo generalizado e a militarização da questão urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.
- TORRES, H.; MARQUES, E. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, [s. l.], n. 4, p. 49-70, maio 2001.
- TORRES, H. G. et al Pobreza e espaço: padrões de segregação em São Paulo. Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n. 47, p. 97-128, 2003.
- TREUKE, S. Explorando a dimensão espacial de pobreza em três bairros de Salvador, Bahia, Brasil, a partir do efeito território 2018. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.
- VAN ZANTEN, A. L’ecole de la pheriphferie: Scolatrité et segregation en banlieu. Paris: PUF, 2005.
- VIGNOLI, J. R. Movilidad cotidiana, desigualdade social y segregacion residencial em cuatro metropolis de America Latina. EURE: Revista Latinoamericana de Estudios Urbanos Regionales, Santiago, v. 4, n. 103, p. 49-71, 2008.
- VILLAÇA, F. Espaço intraurbano no Brasil São Paulo: Studio Nobel, 1998.
- WACQUANT, L. As duas faces do gueto São Paulo: Boitempo, 2008.
- WACQUANT, L.; SLATER, T.; PEREIRA, V. B. Territorial estigmatization in action. Environment and Planning A: Economic and Space, [s. l.], v. 46, p. 1270-1280, 2014.
- WILSON, W. J. The truly disvantaged. The Inner City, the underclass and Public Policy. Chicago: The University of Chicago Press, 1987.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Dez 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
18 Jun 2022 -
Aceito
29 Jul 2022