Resumos
O objetivo deste artigo é discutir como a questão da política externa apareceu na campanha eleitoral presidencial do Brasil em 2022. Foi feita uma articulação teórica-histórica-empírica, trazendo subsídios bibliográficos de outras campanhas, além do contexto nacional e internacional. O referencial teórico inclui comportamento político, marketing político e política externa. Foi feita uma pesquisa empírica primária de análise de conteúdo dos programas oficiais dos dois principais candidatos e de suas performances no horário gratuito de TV, nos debates de TV e na agenda do Jornal Nacional da TV Globo. Os candidatos têm linhas gerais de política externa que são coerentes com seus programas de governo e suas concepções político-ideológicas, as quais ficaram, em parte, expressas em seus programas oficiais e, em parte, guardadas pela “ambiguidade estratégica”. Por outro lado, o uso da mídia foi guiado por um marketing político-eleitoral imediatista, voltado para a captação do voto racional-pragmático e do voto por valores. Focado na “pequena política”, deixando o debate abrangente praticamente excluído.
Política externa na campanha de 2022; Política externa brasileira; Política externa de Lula e Bolsonaro; Política externa e marketing político; Campanha presidencial de 2022
The objective is to discuss how the issue of foreign policy appeared in the presidential election campaign in Brazil in 2022. A theoretical-historical-empirical articulation was made, bringing bibliographical subsidies from other campaigns, in addition to the national and international context. The theoretical framework includes political behavior, political marketing and foreign policy. A primary empirical research was carried out to analyze the content of the official programs of the two main candidates and their performances in free TV time, in TV debates and in the agenda of Jornal Nacional on TV Globo. The candidates have general lines of foreign policy that are coherent with their government programs and their political-ideological conceptions, which were, in part, expressed in their official programs and, in part, guarded by “strategic ambiguity”. On the other hand, the use of the media was guided by an immediate political-electoral marketing, aimed at capturing the rational-pragmatic vote and the vote for values. Focused on “small politics”, leaving comprehensive debate practically excluded.
Foreign policy in the 2022 campaign; Brazilian foreign policy; Foreign policy of Lula and Bolsonaro; Foreign policy and political marketing; 2022 presidential campaign
L’objectif est de discuter de la manière dont la question de la politique étrangère est apparue dans la campagne électorale présidentielle au Brésil en 2022. Une articulation théorique-historique-empirique a été faite, apportant des subventions bibliographiques d’autres campagnes, en plus du contexte national et international. Le cadre théorique comprend le comportement politique, le marketing politique et la politique étrangère. Une recherche empirique primaire a été réalisée pour analyser le contenu des programmes officiels des deux principaux candidats et leurs performances dans les émissions de télévision gratuit, dans les débats télévisés et dans l’agenda du Jornal Nacional sur TV Globo. Les candidats ont présenté les lignes générales d’une politique étrangère, qui est cohérent avec leurs programmes de gouvernement et leurs conceptions politico-idéologiques, qui a été en partie exprimé dans leur programme officiel et en partie gardé par “l’ambiguïté stratégique”. D’autre part, l’utilisation des médias était guidée par un marketing politico-électoral immédiat, visant à capter le vote rationnel-pragmatique et le vote des valeurs. Centré sur la “petite politique”, laissant le débat d’ensemble pratiquement exclu. D’autre part, l’utilisation des médias a été guidée par un marketing politico-électoral immédiat, visant à capter le vote rationnel-pragmatique et le vote des valeurs. Centré sur la “petite politique”, laissant le débat d’ensemble pratiquement exclu.
Politique étrangère dans la campagne 2022; Politique étrangère brésilienne; Politique étrangère de Lula et Bolsonaro; Politique étrangère et marketing politique; Campagne présidentielle 2022
INTRODUÇÃO
Este artigo discute como a questão da política externa apareceu no processo da campanha eleitoral para presidente da República do Brasil em 2022, especialmente nos discursos das duas principais candidaturas, de Lula da Silva e Jair Bolsonaro.
No levantamento bibliográfico feito, encontramos poucos artigos tratando do tema nas campanhas anteriores. Entre o encontrado, a maioria tem uma base empírica limitada, parte dela exclusivamente sobre os programas formalmente registrados pelas candidaturas. Nesse sentido, este artigo procurou inovar na abordagem da temática na campanha presidencial de 2022 e, além disso, trazer um levantamento de dados provavelmente inédito, por sua abrangência empírica, em eleições presidências brasileiras, sobre a questão da política externa.
Nesse contexto, procuramos: a) investigar o conteúdo dos programas de política externa dos candidatos e se estes foram coerentes com seu programa geral, com a política externa exercida por seus mandatos na presidência e com o programa defendido em campanhas anteriores; b) estudar a importância relativa dada à Política Externa (PE) pelas candidaturas; e c) avaliar se o tema pode ter influenciado, de alguma maneira, a decisão de voto, ao menos de uma parte do eleitorado.
A pesquisa empírica foi primária. Fizemos uma análise de conteúdo, quantitativa e qualitativa, de como os dois principais candidatos, Lula da Silva e Jair Bolsonaro, trataram o tema em diversos espaços e meios de campanha, como o programa oficial dos candidatos registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Horário Eleitoral Gratuito de Televisão (HEGTV), os debates mais importantes na TV e a agenda dos candidatos no Jornal Nacional, da TV Globo. Sem pretensões de abarcar tudo, foi mais abrangente que outros artigos que estudamos.1 1 Pesquisamos os programas oficiais dos dois candidatos, 34 programas do HEGTV, 4 debates e 50 programas do Jornal Nacional.
Desse modo, optamos por um esforço de articulação teórica-histórica-empírica que atendesse à diversidade de questões em discussão e que trouxesse subsídios de um levantamento bibliográfico de outras campanhas, além do contexto nacional e das disputas geopolíticas em nível global. O referencial teórico inclui elementos das relações entre mídia e política, comportamento e marketing políticos e sobre política externa. Mesmo com insuficiências e lacunas e com pouco espaço para um aprofundamento teórico maior, foi o melhor método que encontramos para oferecer uma visão totalizante do objeto.
Sendo o espaço limitado, não foi possível uma exposição dos resultados mais detalhada, de modo a expressar a riqueza dos dados que levantamos. Assim, mesmo com uma certa superficialidade nas descrições, optamos por priorizar a oferta de uma visão panorâmica, porém menos fragmentada e mais dialética entre as várias fontes, para dar uma melhor compreensão da unidade dos discursos dos candidatos dentro da diversidade de formas.
O ESTADO DA ARTE NA BIBLIOGRAFIA DE CAMPANHAS ANTERIORES
Na leitura bibliográfica, vimos duas questões polêmicas principais: 1) se os candidatos dão ou não importância ao tema da PE; e 2) se o assunto influencia nas intenções de voto.
Num artigo que estuda eleições na América Latina – incluindo o Brasil –, Onuki e Oliveira (2006ONUKI, J.; OLIVEIRA, A. Eleições, política externa e integração regional. Política & Sociedade: revista de sociologia política, Florianópolis, n. 27, p. 145-155, 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rsocp/a/STZJNGjrr5MFRSpn89Wsdrv/?lang=pt. Acesso em: 21 jan. 2023.
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, p. 145) concluem que política externa “não dá nem tira votos”:
Diferentemente do que acontece em países desenvolvidos, particularmente nos EUA, a política externa não costuma ser tema central em processos eleitorais nos países latino-americanos. Ainda que seja um tema amplamente discutido ao longo das campanhas, não chega a ser fator determinante direto do voto. Em outros termos, política externa não dá, nem tira voto.
Os autores concluem também que as forças de centro-direita tendem a dar mais ênfase às discussões sobre temas comerciais, enquanto as de centro-esquerda priorizariam a dimensão política nas relações.2 2 Como veremos, não foi bem isso que assistimos na campanha de 2022 no Brasil.
Oliveira e Onuki (2010)OLIVEIRA, A.; ONUKI, J. Eleições, Partidos Políticos e Política Externa no Brasil. Revista Política Hoje, Recife, v. 19, n. 1, p. 144-185, 2010. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5575376/mod_resource/content/1/Oliveira.pdf. Acesso em: 19 jan. 2023
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fizeram um estudo bem rico sobre as propostas dos partidos brasileiros em geral até antes de 2010, concluindo que os partidos têm “capacidade de formulação de propostas”. Entretanto, a pesquisa foi basicamente dos programas formais e não sobre seu uso nos espaços midiáticos das campanhas, não permitindo uma avaliação do espaço real que a temática assume nas estratégias de marketing das candidaturas.
Já Contrera e Hebling (2014, p. 193) fizeram um estudo a partir de uma análise de conteúdo programático dos 11 partidos que apresentaram candidaturas nas eleições presidenciais de 2014, também concluindo que a política externa está presente nos programas de todos os partidos e que “cada vez mais essa temática tem ganhado um espaço importante no debate presidencial”.
Enquanto isso, Lopes e Faria (2014LOPES, D.; FARIA, C. Eleições presidenciais e política externa brasileira. Estudos Internacionais: Revista de Relações Internacionais da PUC Minas, Belo Horizonte, v. 2, n. 2, 139-147, 2014. Disponível em: https://periodicos.pucminas.br/index.php/estudosinternacionais/article/view/9751. Acesso em: 09 mar. 2023.
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, p. 139) reforçam essa opinião, considerando que “Tradicionalmente relegada ao segundo plano das disputas eleitorais, a política externa começou a figurar, nas últimas duas décadas, como elemento importante do temário de candidatos à Presidência da República no Brasil”.
Ressaltaram ainda que, naquele ano, no último debate da Rede Globo, Aécio Neves acusou o governo Dilma de ter financiado o Porto de Mariel (Cuba) através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), significando isso que
há pelo menos a expectativa que a política externa, conquanto incapaz de dar voto, possa minar a imagem e o prestígio de partidos e candidatos [...] o que talvez estejamos testemunhando no Brasil hoje seja a superação definitiva da ideia de irrelevância eleitoral da política externa (Lopes; Faria, 2014LOPES, D.; FARIA, C. Eleições presidenciais e política externa brasileira. Estudos Internacionais: Revista de Relações Internacionais da PUC Minas, Belo Horizonte, v. 2, n. 2, 139-147, 2014. Disponível em: https://periodicos.pucminas.br/index.php/estudosinternacionais/article/view/9751. Acesso em: 09 mar. 2023.
https://periodicos.pucminas.br/index.php... , p. 146).
Porém, numa pesquisa que analisou planos de governo, debates e entrevistas, Vaz (2016) concluiu, de modo diverso, que a política externa continuava como tema secundarizado nos programa dos candidatos à Presidência da República, o mesmo ocorrendo com a imprensa, “despertando pouco interesse no eleitorado” e tendo “fraca influência nos discursos”.
Finalmente, Simão (2014SIMÃO, A. A política externa e o Mercosul nas eleições presidenciais de 2014. Revista Conjuntura Austral, Porto Alegre, v. 5, n. 25, 2014. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/ConjunturaAustral/article/view/49387. Acesso em: 07 dez. 2022.
https://seer.ufrgs.br/index.php/Conjuntu...
, p. 15), num artigo que buscou fazer uma análise de conteúdo dos programas de política externa dos candidatos em 2014, concluiu que houve uma simplificação, pois
em que pese a campanha eleitoral ter trazido ao debate público temas relevantes da política externa, as propostas dos presidenciáveis, iluminadas pela agenda midiática, correm o risco de apresentar à sociedade brasileira uma simplificação da política externa.
Já sobre 2018, Silva e Lahuerta (2021)SILVA, L. G. P.; LAHUERTA, M. Campanha eleitoral no Facebook: as páginas oficiais de Bolsonaro, Haddad e Lula nas eleições de 2018 no Brasil. Revista Internet & Sociedade, [s. l.], v. 2, n. 1, p. 54-94, 2021. Disponível em: https://revista.internetlab.org.br/campanha-eleitoral-no-facebook-as-paginas-oficiais-de-bolsonaro-haddad-e-lula-nas-eleicoes-de-2018-no-brasilnota-id1/. Acesso em: 09 dez. 2022.
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, numa pesquisa sobre as campanhas de Bolsonaro, Lula e Haddad, em suas páginas no Facebook, fizeram uma análise de conteúdo listando os dez temas de maior frequência, nada aparecendo sobre a Política Externa Brasileira (PEB). Além disso, o termo “relações exteriores” só apareceu no artigo uma única vez.
No mesmo ano, o Observatório de Regionalismo (2018OBSERVATÓRIO DE REGIONALISMO. Política externa e regionalismo. Os programas dos presidenciáveis nas eleições de 2018. Cadernos de Regionalismo ODR, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 5-6, 2018., p, p. 6) concluiu que a PE tem pequena relevância nas campanhas para presidente do Brasil diante de outros temas como “economia, segurança, saúde e educação [...] levando à conclusão de que, definitivamente, a política externa não ganha eleições”.
Junqueira e Ferreira (2018JUNQUEIRA, E.; FERREIRA, G. Fernando Haddad. Cadernos de Regionalismo ODR, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 13-18, 2018., p. 16), apesar de notarem um silêncio sobre a República Popular da China (RPC) e a Venezuela, concluíram que a campanha de Haddad em 2018 investiu no retorno da política externa de Lula e Dilma, defendendo a
retomada de uma política externa ativa e altiva [...] em três grandes eixos: América Latina e Integração Regional; Cooperação Sul-Sul; Multilateralismo e BRICS (grupo de cooperação entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) [e] indica a necessidade de reformar os organismos multilaterais, sobretudo a reforma do Conselho de Segurança da ONU e a proposta de transformar o G-8 em G-20.
Segundo Souza e Telarolli (2018)SOUZA, L.; TELAROLLI, M. Jair Bolsonaro. Cadernos de Regionalismo ODR, São Paulo, v. 2, n. 1, 2018., na campanha de Bolsonaro em 2018 não há uma sistematização de política externa, e uma busca feita por termos como “política externa”, “política exterior”, “diplomacia” e “projeção internacional” não encontrou nenhum resultado, enquanto “relações exteriores” e “comércio exterior” só apareceram uma vez. Acrescentam que o programa repudia “regimes ditatoriais” e defende um alinhamento com “democracias importantes destacadas como Estados Unidos, Israel e Itália”, apontando que
a campanha presidencial de Bolsonaro reforça uma tendência geral observada nesse processo eleitoral: nota-se uma queda no número de incursos a temas de política externa. No caso específico do candidato, a política externa é uma pauta praticamente ausente nos debates de televisão e nas propagandas da campanha (Souza; Telarolli, 2018SOUZA, L.; TELAROLLI, M. Jair Bolsonaro. Cadernos de Regionalismo ODR, São Paulo, v. 2, n. 1, 2018., p. 30).
Porém, ainda sobre 2018, Casarões (2019CASARÕES, G. Eleições, política externa e os desafios do novo governo brasileiro. Revista Pensamiento propio, [s. l.], v. 24, p. 231-274, 2019. Disponível em: https://pesquisa-eaesp.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/arquivos/eleicoes.pdf. Acesso em: 08 mar. 2023.
https://pesquisa-eaesp.fgv.br/sites/gvpe...
, p. 231) chega a uma conclusão diferente: “a política externa saiu da cozinha e entrou na sala de estar. Mas, em vez de sentar-se educadamente com os demais, causou transtorno e espanto ao subir em cima da mesa”.
Já Cairo Junqueira (2022JUNQUEIRA, C. Política externa e regionalismo: os programas dos presidenciáveis nas eleições de 2022. Cadernos de Regionalismo ODR, São Paulo, v. 6, p. 5-9, 2022., p. 5) considera que, na campanha de 2018, pode-se dizer que
Antes fatores secundários, questões ligadas à diplomacia e ao regionalismo causaram debates acalorados na corrida presidencial em virtude de polarizações políticas e do novo posicionamento de Jair Bolsonaro que viria a ser o próximo presidente eleito. Bolsonaro causou um rompimento no legado histórico estabelecido pela política externa brasileira, de modo geral, e pela diplomacia, especificamente.
Sobre as eleições de 2022, Guimarães e Dias (2022), analisando a campanha de Lula, e Erthal e Pessoa (2022)ERTHAL, H.; PESSOA, L. Jair Bolsonaro. Cadernos de Regionalismo ODR, São Paulo, v. 6, p. 20-28, 2022. a de Bolsonaro, apresentaram uma análise programática dos candidatos semelhante à que trazemos neste artigo. Porém, suas pesquisas estiveram limitadas aos programas registrados no TSE e declarações na mídia.
O CONTEXTO DA CAMPANHA DE 2022
O contexto da campanha de 2022 foi de forte crise em níveis nacional e internacional. O aprofundamento das políticas ultraneoliberais pelos governos Temer e Bolsonaro, como o teto de gastos, os cortes em políticas públicas sociais, as reformas previdenciária e trabalhista, as privatizações, o arrocho do salário-mínimo, além da inflação, pioraram a crise econômica e social, o desemprego e a queda da renda dos trabalhadores e da “classe média”.
Essa situação agravou as heranças da crise do modelo neodesenvolvimentista implantado no governo Lula (Borges Neto, 2005). Houve uma convergência com a destruição de empresas nacionais resultante da Operação Lava Jato e das medidas neoliberais tomadas no início do segundo mandato de Dilma Rousseff. O clima de crise econômica e social e o desgaste de grande parte das elites políticas que vinham ocupando o centro da cena governo/oposição desde 1994 (Partido da Social Democracia Brasileira /Partido dos Trabalhadores – PSDB/PT) criaram condições para a emergência de um “salvador da pátria” com um perfil neofascista que, ajudado pela Lava Jato, pelo golpe do impeachment de Rousseff e a prisão de Lula da Silva, acabou ocupando o espaço eleitoral da direita liberal e vencendo as eleições de 2018, com um discurso explicitamente de direita, conservador, autoritário e regressivo em direitos sociais, humanos e ambientais.
Bolsonaro atacou a limitada democracia liberal representativa, os direitos sociais e a soberania nacional, num contexto de aprofundamento da crise econômica mundial, agora em convergência com a pandemia da covid-19, que foi enfrentada pelo governo de modo negacionista, trazendo 700 mil mortes e outras consequências nefastas. Enfim, a campanha ocorreu num período de reforço da hegemonia burguesa (Gramsci, 2000GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2000.), de fraqueza dos movimentos de resistência popular, de ameaças e apelos a golpes de Estado e de tutela das Forças Armadas, de setores empresariais, do Parlamento e do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o governo Bolsonaro, além de um extremo abuso da máquina do Estado para fazer marketing governamental.
O Brasil – país historicamente dependente do imperialismo, principalmente dos Estados Unidos da América (EUA), até o início do século XXI – a partir do governo Lula (2009), passou a ter a China como principal parceiro comercial bilateral – em detrimento dos EUA, da União Europeia (UE) e do Mercado Comum do Sul (Mercosul) –, aprofundando uma relação estratégica na qual a China aproveitou o Padrão de Reprodução do Capital já existente (Filgueiras, 2018FILGUEIRAS, L. Padrão de reprodução do capital e capitalismo dependente no Brasil atual. Caderno CRH, Salvador, v. 31, n. 84, p. 519-534, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ccrh/a/prNZGxT4CTRnq5B7yQxbp7P/abstract/?lang=pt. Acesso em: 24 fev. 2023.
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; Osorio, 2012OSORIO, J. Padrão de reprodução do capital: uma proposta teórica. In: FERREIRA, C.; OSORIO, J.; LUCE, M. (org.) Padrão de reprodução do capital. São Paulo: Boitempo, 2012. cap. 2, p. 37-86.) permissivo à penetração de seus capitais.
Apesar dos discursos pró-EUA e anti-China de Bolsonaro e seus aliados ideológicos e dos atritos diplomáticos criados nos dois primeiros anos do seu governo, o comércio com a RPC bateu seguidos recordes anuais durante todo o seu governo e, em 2021, o Brasil foi o país do mundo que mais recebeu investimentos diretos de capitais chineses (Cariello, 2022CARIELLO, T. Investimentos chineses no Brasil 2021 – um ano de retomada. [S. l.]: Bradesco: CEBC, 2022. Disponível em: https://www.cebc.org.br/2022/08/31/estudo-inedito-investimentos-chineses-no-brasil-2021/. Acesso em: 12 dez. 2022.
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).
Os quatro anos do governo Bolsonaro também coincidiram com uma crise na ordem mundial devido à consolidação de uma bipolarização geopolítica, agravada pela guerra na Ucrânia, tendo, de um lado, os EUA e do outro China/Rússia, cada qual com seus aliados.
Os anos dos governos do PT foram de grande impulso da presença chinesa no Brasil e coincidiram com a consolidação da conversão da China ao capitalismo (Shi, 2018; Souza, 2018SOUZA, R. Estado e Capital na China. Salvador: Edufba, 2018.). Já no governo Bolsonaro houve uma consolidação da expansão chinesa como potência mundial, do enfraquecimento relativo dos EUA, de uma bipolarização de tipo imperialista e maior dependência (Marini, 2011MARINI, R. M. Dialética da Dependência e Sobre a Dialética da Dependência. In: MARINI, R. M. Ruy Mauro Marini, Vida e Obra. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p. 131-185.) do Brasil e dos países da América Latina em relação à China (Almeida, 2022b; Osorio, 2015OSORIO, J. América Latina en la valorización mundial del capital. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, Niterói, v. 67, n. 105, p. 36-52, 2015. Disponível em: https://revistadigital.uce.edu.ec/index.php/ECONOMIA/article/view/1992. Acesso em: 15 dez. 2022.
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), que se tornaram palco da disputa EUA versus China.
Numa campanha na qual a disputa de projetos estivesse acima do imediatismo do marketing manipulativo, o esperado seria ver essas questões, em suas relações com a PEB, tendo ênfase no discurso dos candidatos. Veremos mais adiante como isso aconteceu.
LINHAS GERAIS DA POLÍTICA EXTERNA NOS GOVERNOS DE LULA E BOLSONARO
Na bibliografia aqui citada, predomina a opinião de que a PEB tem algumas características e pilares históricos (Ramanzini Júnior, 2010), especialmente durante o período republicano (Pinheiro, 2004PINHEIRO, L. Política Externa Brasileira (1889-2002). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.) que, segundo Celso Amorim3
3
Celso Amorim foi ministro das Relações Exteriores do Brasil durante os mandatos dos presidentes Itamar Franco e Lula da Silva e ministro da Defesa no governo Dilma Rousseff.
([200-?] apudPortari; Garcia, 2010PORTARI, D.; GARCIA, J. C. Política externa é uma política pública como as demais. Está sujeita à expressão das urnas. IPEA: desafios do desenvolvimento, Brasília, DF, ano 7, 13 jul. 2010. Entrevista com Celso Amorim. Disponível: https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=25:entrevista-celso-amorim&catid=30&Itemid=23. Acesso em: 13 dez. 2022.
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, p. 2),
orientam tradicionalmente a política externa brasileira: não-intervenção nos assuntos internos de outros Estados, respeito às soberanias nacionais e ao direito internacional, defesa da autodeterminação dos povos, entre outros. Estes são princípios também consagrados na Constituição de 1988.
O multilateralismo é outra característica da PEB que se manifestou ao longo do século XX (Pinheiro, 2004PINHEIRO, L. Política Externa Brasileira (1889-2002). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.), assim como o institucionalismo pragmático, o universalismo e a autonomia (Ramanzini Junior, 2010) e, conforme Junqueira (2022JUNQUEIRA, C. Política externa e regionalismo: os programas dos presidenciáveis nas eleições de 2022. Cadernos de Regionalismo ODR, São Paulo, v. 6, p. 5-9, 2022., p. 6),
Práticas zelosas, universalistas, pacifistas, cooperativas e orientadas ao desenvolvimento são características centrais das relações internacionais brasileiras. Princípios estabelecidos como autodeterminação, respeito às tratativas internacionais, multilateralismo, cooperação internacional, solução pacífica de controvérsias, pragmatismo e cordialidade com vizinhos regionais são nossas marcas consagradas.
Mas, ainda de acordo com Celso Amorim ([200-?] apudPortari; Garcia, 2010PORTARI, D.; GARCIA, J. C. Política externa é uma política pública como as demais. Está sujeita à expressão das urnas. IPEA: desafios do desenvolvimento, Brasília, DF, ano 7, 13 jul. 2010. Entrevista com Celso Amorim. Disponível: https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=25:entrevista-celso-amorim&catid=30&Itemid=23. Acesso em: 13 dez. 2022.
https://www.ipea.gov.br/desafios/index.p...
, p. 2), “a política externa é uma política pública como as demais. Está sujeita à expressão das urnas e da opinião pública. Os princípios são os mesmos, mas as prioridades e agendas podem mudar”.
Portanto, sendo políticas públicas que estão sujeitas a disputas dentro e fora de Estado, é ilusório supor que isso se dá por interesses nacionais abstratos e se efetiva por obra de uma única instituição ou lideranças “carismáticas” (Milani; Pinheiro, 2013MILANI, C.; PINHEIRO, L. Política Externa Brasileira: Os Desafios de sua Caracterização como Política Pública. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 35, n. 1, p. 11-41, 2013.).
A partir de referenciais diferentes, isso é, grosso modo, a conclusão semelhante de Berringer (2015)BERRINGER, T. A burguesia brasileira e a política externa nos governos FHC e Lula. Curitiba: Ed. APPRIS, 2015. de que, mais importante do que as dinâmicas institucionais e de grupos e partidos governantes ou supostos interesses nacionais, está a força das frações hegemônicas do capital na determinação da política externa do Estado em cada momento histórico.
Enfim, o entendimento que orienta este artigo é o de que a política externa é resultado da luta entre classes e frações de classes e suas respectivas expressões entre as elites políticas nos governos e parlamentos nacionais, assim como de interesses externos ao país, especialmente das potências que, em cada momento histórico, tiveram força – econômica, política, diplomática ou militar – para pressionar, barganhar ou impor seus interesses através de seus monopólios e Estados, particularmente no período imperialista do capitalismo (Boron, 2015). São situações que expressam a hegemonia de classe existente na sociedade (Gramsci, 2000GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2000.) e como esta se expressa no Estado, como condensação de relações de força (Osorio, 2014OSORIO, J. O Estado no Centro da Mundialização. São Paulo: Outras Expressões, 2014.; Poulantzas, 1977POULANTZAS, Nicos. As transformações atuais do Estado, a crise política e a crise do Estado. In: POULANTZAS, N. (org.). O Estado em crise. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1977. p. 3-41.).
Segundo Celso Amorim ([20--?] apudPortari; Garcia, 2010PORTARI, D.; GARCIA, J. C. Política externa é uma política pública como as demais. Está sujeita à expressão das urnas. IPEA: desafios do desenvolvimento, Brasília, DF, ano 7, 13 jul. 2010. Entrevista com Celso Amorim. Disponível: https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=25:entrevista-celso-amorim&catid=30&Itemid=23. Acesso em: 13 dez. 2022.
https://www.ipea.gov.br/desafios/index.p...
, p. 2), o governo Lula “foi fiel aos princípios históricos” da PEB, porém com agenda e prioridades próprias no seu governo, que além do multilateralismo, houve
uma tentativa do Brasil visando aumentar o seu peso nos órgãos internacionais tradicionais, como ONU (Organização das Nações Unidas), OMC e FMI (Fundo Monetário Internacional), buscando modificar as estruturas que consolidaram hierarquias no sistema internacional (Ramanzini Júnior, 2010, p. 61).
A PEB do governo Lula expressou sua política interna neodesenvolvimentista que, apesar de não romper o tripé macroeconômico neoliberal – controle da inflação, equilíbrio fiscal e câmbio flutuante –, teve o Estado mais ativo para incentivar o processo econômico, com ações moderadas de estímulo ao mercado interno, financiamento e apoio a uma parte do empresariado nacional e a sua internacionalização, seja para exportação de mercadorias – principalmente do setor primário exportador –, seja, em algum modo, para investimentos no exterior, especialmente das empresas de infraestrutura, com apoio da diplomacia e dos bancos estatais.
Priorizou as relações chamadas “Sul-Sul”, tanto com países dependentes – especialmente da América Latina e da África – (Onuki; Oliveira, 2006ONUKI, J.; OLIVEIRA, A. Eleições, política externa e integração regional. Política & Sociedade: revista de sociologia política, Florianópolis, n. 27, p. 145-155, 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rsocp/a/STZJNGjrr5MFRSpn89Wsdrv/?lang=pt. Acesso em: 21 jan. 2023.
https://www.scielo.br/j/rsocp/a/STZJNGjr...
), como a China, mas longe de ser uma política anti-imperialista, visando romper a dependência e a subsoberania (Osorio, 2014OSORIO, J. O Estado no Centro da Mundialização. São Paulo: Outras Expressões, 2014.).
Tanto as alterações da política externa do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) para o de Lula, como deste para o de Bolsonaro, refletiram alterações na correlação de forças na sociedade e no Estado, o que inclui tanto os interesses materiais das principais frações do grande capital presentes no Brasil, como as mudanças nas elites políticas governantes, além das relações desses capitais e elites políticas nacionais com capitais e estados/elites políticas estrangeiros.4 4 Conforme as referências teóricas trabalhadas anteriormente.
Há um consenso de uma grande mudança a partir do governo Bolsonaro, além de muitas contradições discursivas do próprio presidente, entre discursos e fatos e entre as relações diplomáticas realizadas nos mandatos dos seus dois ministros de Relações Exteriores.
Com Bolsonaro, o consenso grande capital/elites sobre o aprofundamento das políticas ultraneoliberais conviveu com fortes contradições na política externa, especialmente nos dois primeiros anos de governo, pois o discurso predominante no núcleo ideológico mais próximo do presidente era contraditório com os interesses das frações hegemônicas do capital, as quais acabaram se impondo, inclusive contra alguns interesses estratégicos dos EUA.5 5 Como no caso da rejeição do Brasil às tentativas da Central Intelligence Agency (CIA) e do Pentágono, nos governos Trump e Biden, de impor o banimento da chinesa Huawei da Internet 5G brasileira (Almeida, 2022b). Isso acabou, finalmente, provocando a exoneração do ministro Ernesto Araújo, a queda de Eduardo Bolsonaro da presidência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e tirando da cena o discurso anti-China de Bolsonaro e membros de seu governo e base política.
Além das confusões na relação com a China, os principais destaques na PE de Bolsonaro foram o pedido de ingresso na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que exige maior liberalização da economia brasileira e seu enfraquecimento em detrimento dos europeus (Azzi, 2021AZZI, D. Subordinação pela adesão: o pleito do Brasil a membro pleno da OCDE. In: MARINGONI, G.; ROMANO, G.; BERRINGER, T. (org.). As bases da política externa bolsonarista: relações internacionais em um mundo em transformação. Santo André: EdUFABC, 2021. p. 61-71.) e o anúncio do Acordo Mercosul-UE, que tende a aprofundar a “especialização em exportação de matérias-primas” (Romano, 2021ROMANO, G. Acordo União Europeia – Mercosul: falsas promessas de crescimento e sustentabilidade. In: MARINGONI, G.; ROMANO, G.; BERRINGER, T. (org.). As bases da política externa bolsonarista: relações internacionais em um mundo em transformação. Santo André: EdUFABC, 2021. p. 39 a 60., p. 58).
Em relação aos EUA, especialmente no governo Trump, houve uma “subordinação passiva explícita” às narrativas “pan-nacionalista, pró-ocidental, cristã-conservadora-xenófoba” e neofascista, contrária ao nacional desenvolvimentismo (Berringer et al., 2021). A PEB incluiu um afastamento da Unasul, exclusão da Venezuela do Mercosul, afastamento de Cuba, Bolívia, da Argentina e da África e prioridade nas relações com Israel no Oriente Médio. Além de uma posição de “pária na diplomacia ambiental”, na desconstrução dos direitos humanos e na facilitação da entrada de oligopólios no Brasil (Maringoni; Romano; Berringer, 2021).
Entretanto, os interesses materiais concretos das frações hegemônicas do grande capital predominaram em relação ao discurso ideológico do presidente, reforçando a hipótese colocada mais acima de que a política externa não é monopólio de instituições estatais.
O COMPORTAMENTO POLÍTICO-ELEITORAL
Existem muitas interpretações e fundamentos teóricos sobre o comportamento eleitoral no Brasil. Nos baseamos aqui em estudos que têm demonstrado que o comportamento político-eleitoral dos brasileiros está ligado principalmente a uma combinação entre o voto com eixo numa racionalidade pragmática e o voto por valores ideológicos – no sentido amplo do termo. Esse último é relacionado a elementos subjetivos, vinculados a uma visão de mundo, que vão desde valores morais, éticos e religiosos até elementos de compreensão abstrata e polissêmica, como nação, democracia, igualdade, liberdade, justiça, paz etc. Relaciona-se, portanto, a visões mais abrangentes ou à chamada pauta de costumes que podem predominar “mesmo na eventualidade de consequências pessoais, negativas, mais imediatas” (Almeida, 2008ALMEIDA, J. Apelos eleitorais dos candidatos presidenciais do Brasil em 2006. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 39, n. 2, p. 44-60, 2008. Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/revcienso/article/view/507. Acesso em: 13 mar. 2023.
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, p. 45).
Já o voto baseado na racionalidade pragmática se sustenta na maneira como os grupos sociais e pessoas se situam diante de personalidades políticas, partidos políticos ou governos e votam com base em estímulos racionais mais imediatistas. Não significa necessariamente uma racionalidade fundada em profundos e sistemáticos conhecimentos sobre a realidade. Tampouco significa necessariamente que as pessoas têm uma visão abrangente ou que receberam informações diversificadas e profundas sobre o contexto político e sobre a essência das questões em jogo entre as candidaturas em disputa. Devido essas limitações, é chamada de racionalidade pragmática.6 6 Essa conceituação, entretanto, difere metodologicamente da chamada “Teoria da Escolha Racional”, pois esta última tem como fundamento o individualismo metodológico e uma racionalidade instrumental que desconsidera uma racionalidade estratégica, o voto por valores, as emoções e um voto não individualista baseado em identificações de classe e outros grupos sociais (Figueiredo, 1991).
Além disso, tanto o voto por valores como o baseado na racionalidade pragmática estão transversalizados, em maior ou menor grau, por emoções, sentimentos e intuições.
Esse comportamento político-eleitoral foi identificado em algumas eleições presidenciais brasileiras anteriores (Almeida, 2008ALMEIDA, J. Apelos eleitorais dos candidatos presidenciais do Brasil em 2006. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 39, n. 2, p. 44-60, 2008. Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/revcienso/article/view/507. Acesso em: 13 mar. 2023.
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), sendo que o maior ou menor peso eleitoral do voto por valores ou do racional-pragmático depende do contexto, do nível de crise social e econômica, da presença de cada força política, da imagem que cada candidato carrega e da experiência anterior do eleitorado. Enfim, depende da correlação de forças e da conjuntura da hegemonia política, o que tem implícito o nível de consciência das classes e grupos sociais e como isso se expressa na sociedade civil, no Estado e na estrutura econômica.
Por outro lado, também é difícil fazer uma separação completa entre racionalidade e emoção, pois há diversas razões que provocam emoções nas pessoas, classes e grupos sociais. Apesar disso, segundo Gramsci (2000)GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2000., a paixão estimula o intelecto, o que significa dizer que a emoção presente em processos eleitorais não é necessariamente negativa ou positiva, podendo obstruir a capacidade racional das pessoas ou, ao contrário, incentivá-la. A razão também pode estimular maior emoção política, independentemente de manipulações emocionais pelo marketing político-eleitoral.
Uma das eleições de maior motivação emocional na história brasileira até 2022 foi a campanha de 1989, entre Lula e Collor, quando apareceram fortes diferenças entre as candidaturas e razões mais fortes para tomada da decisão provocaram maior emoção política. Depois de 1989, nossa hipótese é que, provavelmente, a eleição de 2022 foi a que trouxe maior carga emocional, também por ter aparecido uma maior diferença entre as duas candidaturas, tanto por razões pragmáticas como nas preferências por valores.
Tanto nas duas eleições de FHC, como as anteriores de Lula da Silva e Dilma Rousseff, a racionalidade pragmática predominou na decisão política devido a um cálculo de “custo-benefício” feito pelos eleitores. Votaram em FHC para colocar em prática o Plano Real que parecia melhorar as condições de vida, e foi o fracasso material desse plano e uma posterior avaliação positiva dos mandatos do PT (Almeida, 2008ALMEIDA, J. Apelos eleitorais dos candidatos presidenciais do Brasil em 2006. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 39, n. 2, p. 44-60, 2008. Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/revcienso/article/view/507. Acesso em: 13 mar. 2023.
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) que reforçaram uma expectativa de melhora da vida econômica e social com Lula da Silva e Dilma Rousseff na presidência.
Depois disso, por iniciativa das forças da direita, os valores vieram para o centro da pauta eleitoral com temas morais, éticos, religiosos e de costumes em geral, mas sem esquecer que isso ganhou vulto a partir de um novo agravamento das condições econômicas e sociais de vida do povo e um forte desgaste das forças políticas que dividiam a disputa política no Brasil – PT e PSDB. Há, portanto, uma combinação de fatores e dos tipos de voto.
Mais adiante veremos como esses elementos – racionalidade, valores e emoções – surgiram nos apelos de voto sobre PE no marketing político-eleitoral das campanhas em 2022.
O MARKETING POLÍTICO-ELEITORAL
O marketing político-eleitoral é um composto de ações que se utiliza de ferramentas do marketing empresarial (Kotler; Armstrong, 1999KOTLER, P.; ARMSTRONG, G. Princípios de Marketing. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos Ed., 1999.), cujas ações incluem: a realização de pesquisas objetivas tanto para entender o cenário econômico, social e político do país, como para identificar a subjetividade presente nas representações sociais da política do eleitorado ou “opinião pública”; o planejamento; e chega à ativação do marketing, que não é somente o discurso e a comunicação midiática, mas também o uso de recursos políticos da sociedade civil, do Estado – principalmente no caso de quem governa –, do poder econômico e da mídia em geral. Inclui também informação, contrainformação, guerra subterrânea e construção de alianças políticas e sociais de classes e frações de classes. Portanto, o que aparece mais na campanha é principalmente a sua superfície mais ou menos pública.
Em disputas mais importantes, especialmente majoritárias em grandes centros e particularmente nacionais, um marketing eleitoral de sucesso não pode se separar de um marketing político de médio e longo prazos. O marketing eleitoral é inseparável do marketing político e mesmo do marketing governamental, pois, na prática da ação política, o marketing político em geral (longo prazo) e o governamental, como parte dele, estão a serviço do marketing eleitoral, e este depende daqueles. Portanto, são momentos diferenciados de uma mesma intervenção no processo de disputa de hegemonia que se dá a partir de instâncias diferentes (Almeida, 2002ALMEIDA, J. Marketing político, hegemonia e contra-hegemonia. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo e Xamã Ed., 2002., p. 230).
A capacidade maior ou menor de persuasão, influência, sedução ou manipulação de corações e mentes durante a campanha depende do acúmulo de marketing político anterior, seja do ponto de vista material seja na imagem simbólica dos candidatos, governos e partidos. Portanto, o uso do marketing – e suas diversas ferramentas – se tornou indispensável nas campanhas massivas. Simplificando um pouco, suas ações visam fundamentalmente construir a credibilidade do programa e do candidato e uma emoção positiva. E, por outro lado, desqualificar a credibilidade e o programa dos adversários, provocando uma emoção negativa em relação a eles (Almeida, 2002ALMEIDA, J. Marketing político, hegemonia e contra-hegemonia. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo e Xamã Ed., 2002.).
No Brasil, as campanhas presidenciais, na maioria dos casos, teve forte presença do Estado como instrumento fundamental de vitória. Foi o caso de FHC em 1994 e 1998, da reeleição de Lula em 2006 e da eleição e reeleição de Dilma em 2010 e 2014. Diferentes casos foram as vitórias de Collor em 1989 e Lula 2002, que foram campanhas de oposição e sem apoio do governo em exercício.
Bolsonaro, em 2018, conseguiu centrar todo discurso contra o governo e todas as instituições estatais existentes e, ao mesmo tempo, só foi eleito pela ação do próprio Estado – Judiciário, Ministério Público, Legislativo e Executivo – através do impeachment de Dilma Rousseff e da prisão de Lula da Silva e, na reta final, se favorecendo da máquina federal e da maioria dos parlamentares.
Para vencer as eleições de 2014, a campanha de Dilma, ao lado de apresentar argumentos racional-pragmáticos – resultados positivos do seu governo –, usou o Estado para melhorar conjunturalmente o cenário econômico e social do país no ano eleitoral – melhorando sua credibilidade – e conseguiu promover um marketing para destruir a credibilidade e aumentar a rejeição de Marina Silva e Aécio Neves.
Em 2022, Bolsonaro levou isso ao mais alto grau, combinando os apelos eleitorais por valores conservadores com argumentos racional-pragmáticos. Para isso, não aceitou nenhum limite no uso da máquina do Estado para melhorar o cenário pré-eleitoral e promover ações ilegais para obstruir a campanha do adversário, assim como usar as fake news para destruir a imagem deles, afinal, como já dizia Manhanelli (1988MANHANELLI, C. A. Estratégia eleitorais: marketing político. São Paulo: Summus Editorial, 1988., p. 21), antes da campanha de Fernando Collor, “Em política, a estratégia deve ser utilizada como se utilizam os generais em tempo de guerra, pois a única ação vergonhosa em campanha eleitoral é perdê-la [e assim] o puritanismo não tem lugar nem hora em uma guerra e nem em uma eleição”.
Parece até que o autor estava imaginando o que aconteceria em 2022. As novas ferramentas, via algoritmos, para obter informações – pesquisa – do eleitorado e agir sobre ele para ganhar o voto, potencializaram a capacidade de manipulação do marketing político-eleitoral, mas seus fundamentos e suas regras gerais, no essencial, continuam os mesmos.
A POLÍTICA EXTERNA NA CAMPANHA PRESIDENCIAL DE 2022
A seguir, apresentaremos os resultados da pesquisa empírica primária que realizamos nos programas oficiais dos candidatos registrados no TSE, no Horário Eleitoral Gratuito de TV, na agenda dos candidatos do Jornal Nacional e nos debates na TV.
Análise dos programas oficiais de Lula e Bolsonaro registrados no TSE
Na introdução do programa oficial de Lula da Silva7 7 Intitulado “Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil” (2023), o programa de Lula tem 34 páginas, 4 capítulos e 121 parágrafos. está o objetivo de “reinserção do Brasil como protagonista global” (Brasil, 2022b, p. 4) pois, segundo ele:
Temos posição e peso estratégicos na geopolítica e na geoeconomia mundiais. Apesar das desastrosas políticas ambiental e externa do atual governo, não será difícil recuperar nossas credenciais internacionais, decorrentes de um histórico de cooperação multilateral em defesa da autodeterminação dos povos e da não intervenção em nações soberanas (Brasil, 2022b, p. 6).
No entanto, é no capítulo 4, “Democracia e Reconstrução do Estado e da Soberania”, onde afirma-se que “nossa soberania e nossa democracia vêm sendo constantemente atacadas pela política irresponsável e criminosa do atual governo” (Brasil, 2022b, p. 27), que aparece uma proposta de política externa mais articulada, porém resumida. São basicamente quatro parágrafos com afirmações genéricas, que trazem de modo panorâmico os compromissos de:
recuperar a política externa ativa e altiva [que] contribuía para o desenvolvimento dos países pobres, por meio de cooperação, investimento e transferência de tecnologia, [a] cooperação internacional Sul-Sul com América Latina e África [e] a ampliação da participação do Brasil nos assentos dos organismos multilaterais (Brasil, 2022b, p. 28).
Isso se traduz, como prioridades, na defesa da
integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe [fortalecimento do] Mercosul, a Unasul, a Celac e os Brics, [e] trabalhar pela construção de uma nova ordem global comprometida com o multilateralismo [...] e a sustentabilidade ambiental (Brasil, 2022b, p. 28).
Defende ainda políticas de defesa nacional e inteligência, com a Forças Armadas atuando nos marcos da Constituição. No capítulo 3,8 8 “Desenvolvimento Econômico e Sustentabilidade Socioambiental e Climática”. a política externa também aparece com a promessa de “restabelecer um ambiente de estabilidade” (Brasil, 2022b, p. 15) para atrair investimentos de capitais e para constituir um agronegócio “de alta competitividade mundial” (Brasil, 2022b, p. 21).
A questão ambiental, frequentemente ligada à política externa, aparece com o objetivo de cumprir os compromissos que “o país assumiu na Conferência de 2015 em Paris” (Brasil, 2022b, p. 25).
O programa de Jair Bolsonaro9 9 Intitulado “Pelo bem do Brasil” (2022b), o programa de Bolsonaro tem 48 páginas e 4 capítulos antecedidos de uma introdução e uma apresentação. é mais extenso e detalhado do que o de Lula da Silva e mais rico em citações de questões relacionadas à situação internacional e a uma política externa, que estão distribuídas ao longo do texto.10 10 A política externa está principalmente concentrada no capítulo 3, seção 3.6 “Governança e Geopolítica”, letra f) “Política Externa e Defesa Nacional”. Numa perspectiva liberal, do livre mercado e contra economias planificadas, consideradas “obsoletas”, defende a
interação robusta com nações democráticas, em equilíbrio com nossa vocação universalista, com a soberania nacional e com o primado constitucional do Direito Internacional [e buscando] mercados, fontes de investimento e parcerias de cooperação com países de todo o mundo, sobretudo [...] aqueles com quem mantemos tradicionalmente fortes laços culturais e históricos; e com nosso entorno geográfico nas Américas e no Atlântico Sul, [porém com] pragmatismo (Brasil, 2022ª, p. 45).
Além disso, destaca o “grande relevo” do Brasil, “como defensor histórico de uma ordem global multipolar, do ‘direito internacional’ e da ‘Carta das Nações Unidas’” e “parte incontornável da solução dos principais desafios do planeta, tais como a segurança alimentar, a mudança do clima, a saúde global, a segurança energética, o desenvolvimento sustentável” (Brasil, 2022ª, p. 44).
Promete, ainda, criar “condições para atrair investimentos internacionais”, reduzir as “dependências e vulnerabilidades externas” e melhorar a capacitação das Forças Armadas diante de “potenciais ameaças” à soberania nacional. Destaca problemas de “tensão socioeconômica e geopolítica, como a pandemia e o conflito entre a Federação da Rússia e a Ucrânia11 11 Temas repetidos inúmeras vezes, com vistas a justificar dificuldades internas no Brasil e valorizar as respostas dadas pelo seu governo. “Pandemia” foi citada 34 vezes, “Ucrânia” 10, “Rússia” 9, “guerra” 5, “paz” 4. Já o programa de Lula da Silva não citou a Ucrânia, a Rússia ou “guerra” nem uma vez. Citou “pandemia” quatro vezes e “paz” uma vez. ” (Brasil, 2022ª, p. 46).
Quanto à “Sustentabilidade Ambiental” (Brasil, 2022ª, p. 37), assume o compromisso com os desafios do planeta, com o programa da Organização das Nações Unidas (ONU) “Década da Restauração”, onde a soberania “deve ser fator importante”, assim como o “combate aos crimes nacionais e transnacionais” (Brasil, 2022ª, p. 41).
Esse perfil se expressa na presença do Brasil em fóruns como a ONU, BRICS, G20, Organização Mundial do Comércio (OMC), FMI, em missões de paz e na busca de acessão na OCDE. Entretanto, silencia sobre o tratado Mercosul-UE, que o seu governo estava negociando.
Note-se que, nem o programa de Lula da Silva nem o de Bolsonaro apresentam qualquer proposta sobre relações com os EUA e a China – sujeitos ocultos em quase toda a campanha –, nem com UE, Rússia, Eurásia, Ásia e conflitos internacionais.12 12 Além disso, Bolsonaro nada citou sobre Mercosul, Unasul, Celac, África, Caribe, nem acerca dos países que seriam muito atacados por ele, como veremos, na campanha midiática – Venezuela, Cuba, Nicarágua, Argentina, Chile e Colômbia. Lula da Silva nada falou sobre dependência, OCDE, OMC, ONU, FMI. Completo silêncio de ambos sobre globalização, capitalismo, imperialismo, socialismo e comunismo.
Como vimos, o programa oficial de Lula da Silva, apesar dos silenciamentos registrados, guarda coerência com sua política geral do neodesenvolvimentismo dependente e integrado à ordem mundial e com as linhas gerais da PEB de seus governos e de outras campanhas do PT, ao menos desde 2006. Já o de Bolsonaro, é coerente com seu ultraneoliberalismo, mas, na medida em que expressa linhas gerais da PE histórica do Brasil republicano, é contraditório com seu programa de campanha de 2018 e da média de seu governo.
A campanha no Horário Eleitoral Gratuito de Televisão (HEGTV)
A importância de investigarmos os programas do Horário Eleitoral Gratuito de Televisão (HEGTV) está principalmente em dois fatores: 1) é o meio mais amplo e aberto disponível para os candidatos durante as campanhas; e 2) estão sob controle das candidaturas, sendo previamente editados, a partir das suas estratégias de marketing e sem edição de terceiros como os noticiários e mesmo entrevistas e debates ao vivo, que estão sujeitos a perguntas e comentários de jornalistas e outros candidatos (Almeida, 2002ALMEIDA, J. Marketing político, hegemonia e contra-hegemonia. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo e Xamã Ed., 2002.).
O HEGTV perdeu parte da sua importância relativamente às primeiras campanhas presidenciais, pois teve seu tempo de duração diminuído e passou a ter a concorrência da TV por assinatura e da propaganda na internet. Entretanto, continua sendo o principal meio para analisar o conteúdo do que os candidatos querem propagandear de modo mais amplo.13 13 No primeiro turno, os programas foram veiculados de 27/08/2022 a 29/09, às terças, quintas e sábados, das 13:00h às 13h12m20s e das 20h30 às 20h42m20s, sendo 15 programas em cada horário. No 1º turno, o tempo foi definido a partir da representação de cada coligação na Câmara Federal. Lula teve 3’39” e Bolsonaro 2’38’’, em cada horário. No 2º turno, foi de 07 a 28/10, diariamente, exceto aos domingos, totalizando 19 programas de 5 minutos para cada candidato.
Na nossa pesquisa primária tipo análise de conteúdo de todos os programas noturnos,14 14 Os programas estão disponíveis em: https://www.youtube.com/results?search_query=Hor%C3%A1rio+POl%C3%ADrtico+na+TV+de+Lula+e+Bolsonaro. nem Lula da Silva nem Bolsonaro apresentaram suas propostas de PE que constavam em seus programas registrados no TSE, em nenhum dos 15 programas do 1º turno e 19 do 2º turno.
Em nove dos 15 programas de Lula no 1º turno, nenhum tema relacionado ao “mundo” foi abordado. Em outros seis, foram feitas algumas abordagens indiretas como a afirmação de que, com Lula, o Brasil “prosperou e chegou à sexta maior economia do mundo” (13/09/22), com imagens de Lula com lideranças mundiais reconhecidas pelo mainstream, como Barack Obama, Angela Merkel, Papa Francisco, Rainha Elizabeth II e Mandela. O objetivo não foi apresentar propostas, mas ressaltar a imagem do ex-presidente e de seu reconhecimento mundial. Em outro exemplo (06/09) houve uma defesa da “soberania nacional”.
No caso de Bolsonaro, foram 13 programas sem menções a questões extranacionais e duas para valorizar sua imagem: Numa delas, um locutor afirma que “O Jair está mostrando pro mundo que a melhor forma de combater a fome é gerando empregos” (tendo ao fundo, imagens de Bolsonaro sendo recebido por árabes em um aeroporto indefinido) (03/09/2022).
No 2º turno, em 15 dos 19 programas de Lula não houve qualquer tipo de menção extranacional. Em outros quatro, houve cinco menções, sendo duas para ressaltar seus governos, afirmando que o Brasil foi a “6ª economia do mundo”, o pagamento das dívidas com o FMI e 380 milhões de dólares “em caixa” – junto a imagens com as lideranças mundiais já citadas. Além disso, houve três menções em peças de ataque a Bolsonaro, como:
O Brasil sempre foi respeitado no mundo e os brasileiros queridos por todos. Mas, Bolsonaro vem fazendo a gente passar vergonha [...] Nosso país está cada vez mais distante das lideranças mundiais. Pelo terceiro ano seguido o Brasil não participou da reunião do G7. O país virou alvo de protestos pela maneira como Bolsonaro está destruindo o meio ambiente. Até o papa já criticou essa postura irresponsável [...] A postura de Bolsonaro prejudica a atração de investimentos externos e derruba nossa economia (Programa de 8/10/2022).
Quanto a Bolsonaro, foram 17 programas sem citações a questões extranacionais. Em dois deles, houve ataques a Lula, ligando-o a “ditadores amigos”: “Os governos do PT, do Lula e da Dilma mandaram dinheiro do Brasil para ditadores amigos. E o pior, eles deram calote no Brasil [...] O PT preferiu fazer o metrô da Venezuela [...] o porto em Cuba [...]” (Programa de 21/10/2022), ao invés de fazer obras no Brasil – tendo ao fundo imagens de Evo Morales, Nicolas Maduro e Fidel Castro.
Note-se que esses ataques mútuos se relacionam com maior ênfase, em geral, no segundo turno. Enfim, considerando as características do HEGTV, a ausência completa da apresentação de propostas de política externa e o uso de algumas questões internacionais de modo puramente instrumental – para valorizar a imagem política pessoal do candidato e/ou atacar o adversário) –, demonstram que isso foi uma opção de estratégia de marketing de ambas as candidaturas. Nossa hipótese é que o objetivo foi evitar o assunto e/ou dar espaço a outros temas considerados prioritários pelas pesquisas de marketing internas.
Agenda dos candidatos no Jornal Nacional da TV Globo
Foi feita uma pesquisa primária tipo análise de conteúdo da agenda dos candidatos no Jornal Nacional (JN) da TV Globo15 15 O JN é o noticiário de maior audiência do país e vai ao ar à noite, diariamente, exceto aos domingos. durante 50 dias.16 16 Os programas do Jornal Nacional estão disponíveis no Globoplay: https://globoplay.globo.com/v/11028944/ O JN divulgou os principais eventos das candidaturas e, portanto, pode ajudar a verificar nosso objeto dentro da agenda.17 17 Durante a campanha, o JN teve uma duração média de 50 minutos. No 1º turno, cada candidato teve um minuto de cobertura. Nos primeiros dias do 2º turno, foram cerca de quatro a cinco minutos para cada um, tempo que foi reduzido para cerca de dois minutos a partir do dia 10/10. A pauta da campanha eleitoral dominou o jornal, envolvendo um grande leque de assuntos, incluindo a agenda dos candidatos, noticiando os principais eventos promovidos por eles ou outros nos quais participaram, trazendo suas imagens e áudios.18 18 Começamos a observação em 27/08, data do início do HEGTV, indo até a véspera da votação do 2º turno, dia 29/10. Foi um total de 50 programas, sendo 26 no 1º turno e 24 no segundo.
Em nossa análise de todos os programas destacamos três tipos de conteúdo: 1) propostas concretas de política externa do futuro governo; 2) qualquer tipo de referência ao mundo, mesmo que indireta, que pudesse indicar alguma posição do candidato e do Brasil no contexto mundial; e 3) nenhuma referência ao assunto.
Aqui é necessário um comentário metodológico. Acompanhar a agenda dos candidatos é importante, pois, como regra geral, ela é organizada dentro de suas estratégias de marketing e os discursos proferidos são relativamente autônomos dos sujeitos. Porém, aqui, nossa observação está mediada por um noticiário submetido a vários enquadramentos jornalísticos feitos por uma grande empresa privada19
19
Não há espaço aqui para uma discussão teórica mais aprofundada sobre essa questão. Mas, no caso concreto, nossa hipótese é que o JN, mesmo que pontualmente, não poderia deixar de registrar os eventos relevantes da agenda. Por outro lado, discursos dos candidatos sobre política externa no meio de outros eventos podem ter sido omitidos.
(Campos; Araújo, 2020CAMPOS, F.; ARAÚJO, B. Enquadramentos da Reforma da Previdência: uma análise de editoriais dos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo sobre a PEC 287. Revista Compolítica, [Brasília, DF], v. 10, n. 1, 2020. Disponível em: https://compolitica.org/revista/index.php/revista/article/view/294. Acesso em: 17 mar. 2023
https://compolitica.org/revista/index.ph...
; Motta, 2010MOTTA, L.G. Enquadramentos lúdico-dramáticos no jornalismo: mapas culturais para organizar narrativamente os conflitos políticos. In: MIGUEL, L.F.; BIROLI, F. (org.). Mídia, representações e democracia. São Paulo: Hucitec, 2010. P. 137-161.; Porto, 2004PORTO, M. Enquadramentos da mídia e política. In: RUBIM, A. A. C. (org.). Comunicação e Política: conceitos e abordagens. São Paulo: Ed. UNESP; Salvador: Edufba, 2004. p. 73-104.). Portanto, essa parte do nosso levantamento de dados é válida para dar uma visão geral, mas está sujeita a falhas devido aos enquadramentos e à superficialidade do noticiário. Porém, o relevo dado à política externa na agenda anunciada pelo JN tem sintonia com o resultado obtido em outras fontes.20
20
Para um desenvolvimento futuro dessa pesquisa, pode-se recorrer a um conjunto mais abrangente de fontes sobre a agenda que poderão mostrar um quadro mais rico de informações.
A política externa teve uma presença muito pequena na agenda dos candidatos. Na campanha de Lula encontramos apenas dois eventos onde a questão teve tratamento destacado, entre os 50 programas. Em 29/08, quando se encontrou com deputados social-democratas do parlamento europeu, ressaltou a importância de um diálogo do Brasil com outras comunidades, defendeu a modernização da governança da ONU e prometeu ampliar as relações do Brasil com a UE em diversas áreas, principalmente na preservação da Amazônia:
A gente não quer transformar a Amazônia num santuário da humanidade. A gente quer explorar na Amazônia aquilo que a biodiversidade pode oferecer, seja do ponto de vista da indústria de fármacos, seja do ponto de vista da indústria de cosméticos (JN, 29/08).
Em 29/10, véspera da votação do 2º turno, se encontrou com o ex-presidente do Uruguai, José Mujica. Ao seu lado, disse que o Brasil está isolado internacionalmente e que vai trabalhar para mudar essa relação. Foi a única vez que as duas principais potências, EUA e China, foram citadas no JN e um raro momento identificado no conjunto da pesquisa:
Tentarei fazer uma viagem para restabelecer as relações com a querida América do Sul, com os Estados Unidos, com a União Europeia, com a China. Esse país é muito grande, esse país é muito importante, esse país já foi protagonista internacional (JN, 29/10).
Em seis outros momentos, a questão internacional apareceu superficialmente, como em 12/09, ao receber o apoio formal de Marina Silva, quando disse que o Brasil será “protagonista internacional na questão do clima”21 21 No dia 05/09, se encontrou com o presidente da Bolívia, Luis Alberto Arce. Supõem-se que foram tratados temas das relações bilaterais entre os países, mas o JN não registrou os assuntos. (JN 12/09).
No caso de Bolsonaro, não observamos nenhum momento em que o JN tenha registrado uma fala que possa ser considerada de propostas de PE. Anotamos dez momentos em que ele fala sobre o Brasil no mundo, porém o tema é instrumentalizado para dizer que os problemas do Brasil se devem a duas causas externas – pandemia e guerra na Ucrânia –, mas que, mesmo assim, a situação do Brasil está melhor do que “lá fora”. Por exemplo, em 27/08, disse que
passamos momentos difíceis com a pandemia e a guerra. Mas o Brasil emergiu e hoje os números da economia são os melhores do mundo. E cada vez mais o mundo olha para nós [...] A gasolina do Brasil é uma das mais baratas do mundo. Estamos em negociação final com a Rússia e países do Golfo. Para importarmos petróleo (JN, 14/09).
Outros sete momentos os quais, ao menos simbolicamente, esteve presente a questão de política externa, aconteceram com Bolsonaro na função de Presidente da República e não em eventos formalmente de campanha. Entre eles, em 20/09, produziu o tradicional discurso anual dos presidentes da República do Brasil na abertura da Assembleia Geral da ONU – no caso, a 77ª –, em Nova York, quando, durante 20 minutos, destoando do esperado em sua função, deu ênfase a supostos feitos do seu governo dentro do Brasil, para reforçar sua campanha. Na ocasião, fez fotos com o Secretário Geral da ONU – António Guterres – e teve encontros com os presidentes do Equador e da Polônia22 22 Supostamente, nesses encontros bilaterais pode ter havido alguma discussão sobre relações internacionais. Entretanto, isso não foi registrado pelo JN. Além disso, em Sete de Setembro, no ato oficial dos 200 anos da Independência do Brasil, esteve ao lado dos presidentes de Portugal, Cabo Verde e Guiné-Bissau. Em 12/09, esteve na embaixada do Reino Unido levando as condolências do governo brasileiro pelo falecimento da Rainha Elizabeth II e em 19/09 foi ao seu funeral em Londres e fez um discurso para apoiadores que se manifestavam na rua. . Estes últimos foram eventos de governo, que podem ser questionados por sua legalidade e legitimidade, mas cujo marketing também é parte do marketing político-eleitoral em geral (Almeida, 2002ALMEIDA, J. Marketing político, hegemonia e contra-hegemonia. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo e Xamã Ed., 2002.).
Síntese dos debates na TV
Foi feita uma análise de conteúdo dos quatro debates que tiveram a participação dos dois candidatos, dois no 1º turno e dois no 2º turno, encabeçados pela TV Bandeirantes (Band)23 23 Esses foram debates em pool da Rede Bandeirantes, TV Cultura, Folha de São Paulo e portal UOL. e Rede Globo.24 24 No primeiro turno, como houve a participação de vários candidatos, parte do debate não foi entre os dois. Abstraímos aqui as falas dos demais candidatos sobre o tema. O tema das relações exteriores esteve muito presente em todos eles, mas, apesar do formato dos debates ter sido bem flexível, permitindo aos candidatos tomar a inciativa de inserir temas e administrar seus respectivos tempos, em nenhum foi apresentada uma proposta sistemática de PE. Pela limitação do espaço, apresentaremos uma síntese analítica global.25 25 O debate na Band no 1º turno está em https://www.youtube.com/watch?v=WwdgWl_nmKI. O debate do 2º turno na Band está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=iYVk1CeIs60. O debate da Globo no 1º turno está em https://globoplay.globo.com/v/10979025/. O debate da Globo no 2º turno está em https://globoplay.globo.com/v/11072315/?s=0s.
Bolsonaro manteve uma linha geral, abordando a questão principalmente de três maneiras: 1) para fazer autopropaganda, ao fomentar a narrativa de que a pandemia e a guerra na Ucrânia eram os únicos responsáveis pelos problemas do mundo e do Brasil e que, diante disso, a situação do Brasil, graças a ele, estaria melhor do que em outros países; 2) para atacar os governos anteriores do PT, por ter financiado e ou/apoiado governos supostamente de “esquerda”, “ditatoriais”, “corruptos” e “incompetentes” na gestão econômica,26 26 De modo alternado, foram citados Venezuela, Nicarágua, Cuba, Argentina, Chile e Colômbia e lideranças como Chávez, Maduro, Fernández, Fidel Castro, Boric, Petro e Ortega. usando dinheiro público brasileiro (do BNDES), enquanto faltava dinheiro para obras dentro do Brasil; e 3) diante dos ataques de Lula, listar algumas ações de pequena monta, supervalorizando-as, ou seja, o tema foi usado exclusivamente como marketing eleitoral instrumental, para sua defesa e autopromoção ou ataque ao adversário.
Lula da Silva, em linhas gerais, também tratou do tema de três modos: 1) para fazer autopropaganda, valorizando suas ações nos mandatos anteriores e sua condição de melhor interlocutor para inserir o Brasil internacionalmente e trazer benefícios econômicos, inclusive na crise climática e política ambiental, que recebeu destaque relativo em suas falas nos debates; 2) para atacar Bolsonaro por seu isolamento no mundo, a destruição ambiental e a piora da imagem do Brasil, dificultando investimentos estrangeiros; e 3) para se defender dos ataques de Bolsonaro, desviando para sua autopropaganda.27 27 Anotamos duas exceções: quando Lula defendeu a revolução nicaraguense de 1979 e fez uma crítica indireta à situação atual, mas disse que, se Ortega e Maduro estão errados, que o povo de seus países os puna; e quando defendeu os médicos cubanos do programa “Mais Médicos”.
Mas, enfim, nenhum dos dois apresentou um “programa” de política externa.
Além disso, os principais sujeitos da polarização internacional que o mundo assiste – EUA e China e seus aliados mais próximos, UE e Rússia –, continuaram como sujeitos ocultos, não citados ou citados apenas en passant.
Por outro lado, tanto em forma como em conteúdo, os debates pareceram mais um “bate-boca” – em parte atiçado pelas provocações de Bolsonaro –, de múltiplos e repetidos ataques e contra-ataques – e defesas do tipo “eu fiz melhor” –, onde dominou aquilo que Gramsci (2000)GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2000. chamou de “pequena política”, em contraposição à “grande política” da afirmação de projetos abrangentes, orgânicos, totalizantes e que disputam hegemonia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso levantamento bibliográfico mostrou que existem polêmicas e análises contraditórias feitas por outros autores sobre a importância da política externa nas campanhas anteriores, assim como sobre sua possível influência na decisão do voto.
Analisando o conjunto do material recolhido em nossa pesquisa, algumas conclusões parecem claras e outras são hipóteses que levantamos aqui.
Em nossa pesquisa, a questão apareceu de modo diferenciado nos programas oficiais registrados no TSE pelos candidatos e nos três espaços midiáticos que pesquisamos: HEGTV, agenda dos candidatos no JN da TV Globo e debates na TV. Nos programas oficiais, ambos os candidatos deram um espaço secundário, mas reservaram uma sessão onde é possível identificar uma linha geral de Política Externa para o Brasil, ou, ao menos, um esboço, apesar de pouco consistente e limitado, para a importância que a política externa tem tido ou precisa ter no conjunto das ações de governo e Estado no Brasil.
A proposta de política externa oficialmente apresentada por Lula da Silva é coerente com a linha neodesenvolvimentista dependente mais geral do seu programa, assim como com os programas das candidaturas do PT à Presidência da República apresentadas pelo menos desde 2006. Tem também razoável coerência com a política externa aplicada nos quatro mandatos anteriores do PT na Presidência da República.
Enquanto isso, a política externa apresentada por Bolsonaro também guarda coerência com a linha liberal conservadora de seu programa geral, mas tem contradições com o seu programa de 2018, pois, agora, se apresentou prometendo aplicar parâmetros mais históricos da PEB, como multilateralismo, universalismo e respeito às instituições internacionais, questões que ele desconsiderava ou combatia. Como o seu governo teve uma PE contraditória, seu programa eleitoral se aproxima mais de sua segunda fase, após as pressões do grande capital que levaram à queda do ministro Ernesto Araújo e a supressão do discurso anti-China.
Destacamos o silêncio de ambos sobre os EUA, a China e outros países, já apontado no texto. Assim, China e EUA, foram sujeitos ocultos, aparecendo rara e marginalmente, num momento em que há uma bipolarização mundial (Almeida, 2022a) e onde o Brasil é um dos importantes espaços de disputa entre as duas potências. No debate das relações internacionais existe o conceito de “ambiguidade estratégica”, discurso intencionalmente polissêmico também existente no marketing político-eleitoral. Teríamos, então, um caso de combinação de ambos.
Contudo, os programas oficiais não expressam o que realmente aconteceu na campanha. Nos espaços midiáticos pesquisados, pouco pode ser considerado, a rigor, como “Política Externa”, haja vista que as questões extranacionais apareceram ainda com menor incidência e de modo mais fragmentado e instrumental do que no programa oficial. Em outras palavras, quando apareceu teve o objetivo eleitoral de construir uma imagem de credibilidade para o candidato e desqualificar o adversário, e não para apresentar um programa de ação governamental em política externa.
O reduzido espaço-tempo dedicado pelos candidatos para o tema de política externa, comparando com outros assuntos, e os importantes silenciamentos são empiricamente muito fortes nos quatro meios que investigamos.
Considerando a discussão que fizemos sobre comportamento e marketing políticos, nossa hipótese é de que isso aconteceu por uma escolha baseada numa estratégia de marketing informada pelo uso intensivo de pesquisas internas, quantitativas e qualitativas de ambas as candidaturas, as quais certamente indicavam quais temas estavam entre as principais preocupações e demandas do eleitorado, assim como quais seriam os pontos fortes e fracos de cada candidato sobre o tema. Provavelmente, elas orientaram tanto o pequeno espaço dedicado à política externa, como a melhor maneira de instrumentalizá-la para a autoconstrução de credibilidade do candidato e desqualificação do adversário.
Nesse sentido, o uso do tema política externa teria alguma influência no voto? É muito difícil dar uma resposta objetiva e conclusiva sobre isso, sem pesquisas eleitorais e de recepção midiática específicas. Ficamos, entretanto, com a hipótese de que alguma importância deve ter tido na decisão de voto do eleitorado – para votar ou deixar de votar em determinado candidato – se não para ganhar votos, ao menos para tirar. Por isso, o tema não ficou totalmente fora da pauta dos candidatos e, em grande parte da sua utilização, ocorreu na forma de peças de ataque, indicando um potencial efeito de “tirar votos”. E essa possível influência, mesmo pequena, deve ter ganhado importância na disputadíssima reta final de campanha.
Em resumo, os candidatos apresentaram diretrizes de política externa, ao menos em suas linhas gerais, que são coerentes e guiadas pelo seu programa geral de governo e suas concepções político-ideológicas. Política externa que, em parte, ficou expressa no seu programa oficial e em parte foi resguardada pela “ambiguidade estratégica”.
Por outro lado, a maneira como a questão foi tratada na campanha midiática foi guiada pela estratégia de marketing político-eleitoral de cada candidatura e voltada para a captação do voto racional-pragmático e do voto por valores, focando na pequena política e deixando o debate de projeto global praticamente excluído.
Finalmente, é difícil saber até que ponto a política externa ocupou um maior espaço em 2022 do que em campanhas anteriores e se isso é uma tendência. A dificuldade ocorre porque as pesquisas anteriores que estudamos utilizaram metodologias diferentes e fontes empíricas limitadas, tornando arriscado fazer comparações seguras. Se será uma tendência para o futuro, somente o desenvolvimento das contradições e da luta social e política, nacional e internacionalmente, até as próximas campanhas, poderá dizer.
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1
Pesquisamos os programas oficiais dos dois candidatos, 34 programas do HEGTV, 4 debates e 50 programas do Jornal Nacional.
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2
Como veremos, não foi bem isso que assistimos na campanha de 2022 no Brasil.
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3
Celso Amorim foi ministro das Relações Exteriores do Brasil durante os mandatos dos presidentes Itamar Franco e Lula da Silva e ministro da Defesa no governo Dilma Rousseff.
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4
Conforme as referências teóricas trabalhadas anteriormente.
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5
Como no caso da rejeição do Brasil às tentativas da Central Intelligence Agency (CIA) e do Pentágono, nos governos Trump e Biden, de impor o banimento da chinesa Huawei da Internet 5G brasileira (Almeida, 2022b).
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6
Essa conceituação, entretanto, difere metodologicamente da chamada “Teoria da Escolha Racional”, pois esta última tem como fundamento o individualismo metodológico e uma racionalidade instrumental que desconsidera uma racionalidade estratégica, o voto por valores, as emoções e um voto não individualista baseado em identificações de classe e outros grupos sociais (Figueiredo, 1991FIGUEIREDO, M. A decisão do Voto: democracia e racionalidade. São Paulo: Ed. Sumaré: IDESP, 1991.).
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7
Intitulado “Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil” (2023), o programa de Lula tem 34 páginas, 4 capítulos e 121 parágrafos.
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8
“Desenvolvimento Econômico e Sustentabilidade Socioambiental e Climática”.
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9
Intitulado “Pelo bem do Brasil” (2022b), o programa de Bolsonaro tem 48 páginas e 4 capítulos antecedidos de uma introdução e uma apresentação.
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10
A política externa está principalmente concentrada no capítulo 3, seção 3.6 “Governança e Geopolítica”, letra f) “Política Externa e Defesa Nacional”.
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11
Temas repetidos inúmeras vezes, com vistas a justificar dificuldades internas no Brasil e valorizar as respostas dadas pelo seu governo. “Pandemia” foi citada 34 vezes, “Ucrânia” 10, “Rússia” 9, “guerra” 5, “paz” 4. Já o programa de Lula da Silva não citou a Ucrânia, a Rússia ou “guerra” nem uma vez. Citou “pandemia” quatro vezes e “paz” uma vez.
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Além disso, Bolsonaro nada citou sobre Mercosul, Unasul, Celac, África, Caribe, nem acerca dos países que seriam muito atacados por ele, como veremos, na campanha midiática – Venezuela, Cuba, Nicarágua, Argentina, Chile e Colômbia. Lula da Silva nada falou sobre dependência, OCDE, OMC, ONU, FMI. Completo silêncio de ambos sobre globalização, capitalismo, imperialismo, socialismo e comunismo.
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No primeiro turno, os programas foram veiculados de 27/08/2022 a 29/09, às terças, quintas e sábados, das 13:00h às 13h12m20s e das 20h30 às 20h42m20s, sendo 15 programas em cada horário. No 1º turno, o tempo foi definido a partir da representação de cada coligação na Câmara Federal. Lula teve 3’39” e Bolsonaro 2’38’’, em cada horário. No 2º turno, foi de 07 a 28/10, diariamente, exceto aos domingos, totalizando 19 programas de 5 minutos para cada candidato.
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Os programas estão disponíveis em: https://www.youtube.com/results?search_query=Hor%C3%A1rio+POl%C3%ADrtico+na+TV+de+Lula+e+Bolsonaro.
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O JN é o noticiário de maior audiência do país e vai ao ar à noite, diariamente, exceto aos domingos.
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Os programas do Jornal Nacional estão disponíveis no Globoplay: https://globoplay.globo.com/v/11028944/
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Durante a campanha, o JN teve uma duração média de 50 minutos. No 1º turno, cada candidato teve um minuto de cobertura. Nos primeiros dias do 2º turno, foram cerca de quatro a cinco minutos para cada um, tempo que foi reduzido para cerca de dois minutos a partir do dia 10/10.
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Começamos a observação em 27/08, data do início do HEGTV, indo até a véspera da votação do 2º turno, dia 29/10. Foi um total de 50 programas, sendo 26 no 1º turno e 24 no segundo.
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Não há espaço aqui para uma discussão teórica mais aprofundada sobre essa questão. Mas, no caso concreto, nossa hipótese é que o JN, mesmo que pontualmente, não poderia deixar de registrar os eventos relevantes da agenda. Por outro lado, discursos dos candidatos sobre política externa no meio de outros eventos podem ter sido omitidos.
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Para um desenvolvimento futuro dessa pesquisa, pode-se recorrer a um conjunto mais abrangente de fontes sobre a agenda que poderão mostrar um quadro mais rico de informações.
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No dia 05/09, se encontrou com o presidente da Bolívia, Luis Alberto Arce. Supõem-se que foram tratados temas das relações bilaterais entre os países, mas o JN não registrou os assuntos.
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Supostamente, nesses encontros bilaterais pode ter havido alguma discussão sobre relações internacionais. Entretanto, isso não foi registrado pelo JN. Além disso, em Sete de Setembro, no ato oficial dos 200 anos da Independência do Brasil, esteve ao lado dos presidentes de Portugal, Cabo Verde e Guiné-Bissau. Em 12/09, esteve na embaixada do Reino Unido levando as condolências do governo brasileiro pelo falecimento da Rainha Elizabeth II e em 19/09 foi ao seu funeral em Londres e fez um discurso para apoiadores que se manifestavam na rua.
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Esses foram debates em pool da Rede Bandeirantes, TV Cultura, Folha de São Paulo e portal UOL.
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No primeiro turno, como houve a participação de vários candidatos, parte do debate não foi entre os dois. Abstraímos aqui as falas dos demais candidatos sobre o tema.
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O debate na Band no 1º turno está em https://www.youtube.com/watch?v=WwdgWl_nmKI. O debate do 2º turno na Band está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=iYVk1CeIs60. O debate da Globo no 1º turno está em https://globoplay.globo.com/v/10979025/. O debate da Globo no 2º turno está em https://globoplay.globo.com/v/11072315/?s=0s.
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De modo alternado, foram citados Venezuela, Nicarágua, Cuba, Argentina, Chile e Colômbia e lideranças como Chávez, Maduro, Fernández, Fidel Castro, Boric, Petro e Ortega.
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Anotamos duas exceções: quando Lula defendeu a revolução nicaraguense de 1979 e fez uma crítica indireta à situação atual, mas disse que, se Ortega e Maduro estão errados, que o povo de seus países os puna; e quando defendeu os médicos cubanos do programa “Mais Médicos”.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
12 Fev 2024 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
10 Jul 2023 -
Aceito
27 Nov 2023