Open-access Influência da presença de profissionais em odontologia e protocolos para assistência à saúde bucal na equipe de enfermagem da unidade de terapia intensiva. Estudo de levantamento

INTRODUÇÃO

Os pacientes admitidos às unidades de terapia intensiva (UTI) frequentemente não contam com assistência à saúde bucal,(1-3) o que provoca um incremento direto nos problemas de saúde bucal relacionados com morbidade e mortalidade mais elevadas. Uma má saúde bucal pode levar a problemas clínicos, como a disseminação local de infecções, infecções do trato respiratório, maiores custos da admissão à UTI, maior utilização de medicamentos como antibióticos, o que favorece o estabelecimento de resistência bacteriana e infecções oportunistas.(3-8)

Considerando o valor da saúde bucal na prevenção de complicações para pacientes de UTI, é importante implantar, nestas unidades, protocolos de saúde bucal. Este estudo teve como objetivo avaliar a influência da utilização de protocolos de saúde bucal, a ação rotineira de profissionais em odontologia, e o conhecimento de saúde bucal por parte da equipe da UTI, assim como os métodos utilizados para proporcionar este tipo de cuidado aos pacientes de UTI. Testamos a hipótese de que a utilização de protocolos de saúde bucal e o treinamento afetam de forma positiva as práticas de cuidados de saúde bucal na UTI.

MÉTODOS

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Passo Fundo, sob número 1.879.807, e conduzido em conformidade com os padrões éticos estabelecidos pela Declaração de Helsinque. Este estudo transversal descritivo de levantamento utilizou um questionário autoadministrado que foi aplicado a 231 membros da equipe de nove UTI de três hospitais localizados na Região Sul do Brasil. Uma UTI pertencia a um hospital privado, uma a um hospital filantrópico e sete pertenciam a hospitais públicos. O estudo foi realizado entre março e agosto de 2015.

O questionário autoadministrado teve como objetivo obter respostas fechadas com a utilização de uma escala de Likert de cinco níveis e demarcação de frequência de procedimentos de cuidado bucal. A equipe de enfermagem da UTI (enfermeiros e técnicos) recebeu um questionário adaptado ao idioma desenvolvido com base na publicação de Binkley et al.,(2) e com foco na percepção dos profissionais em relação à importância da odontologia na UTI, práticas de higiene bucal, treinamento da equipe, protocolos de saúde bucal e presença rotineira de profissionais em odontologia na UTI.

Os dados foram submetidos a uma análise estatística descritiva com utilização do Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 20 (IBM). Utilizou-se análise descritiva de frequência para descrever os dados quantitativos e qualitativos, e o teste de correlação de Spearman para analisar as questões pertinentes à escala de Likert de cinco níveis. Utilizou-se nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Dentre os 231 participantes, 182 eram técnicos em enfermagem e 49 enfermeiros. A tabela 1 resume as características da população do estudo.

Tabela 1
Características dos participantes do estudo (equipe da unidade de terapia intensiva)

Em sua maioria (99,6%), os participantes concordaram com a importância dos cuidados bucais para pacientes em UTI, e 88,3% da equipe concordou que os problemas de saúde bucal são comuns na terapia intensiva.

Em relação à higiene bucal, 32% da equipe respondeu que é uma tarefa desagradável para desempenhar em pacientes de UTI, e 69,3% relataram ter dificuldades para realizar a tarefa. Ainda, 22,1% referiram não receber treinamento apropriado para realizar higiene bucal dos pacientes da UTI. Mais frequentemente (87%), os materiais e instrumentos se encontravam disponíveis para a tarefa, e apenas 19,5% da equipe declarou que não existia tempo suficiente para realizar higiene bucal nos pacientes de UTI.

Cerca de um quarto (27,7%) da equipe não concordou com a existência de um protocolo adequado de higiene bucal para pacientes de UTI, e quando ocorreu um problema bucal, apenas 65,4% da equipe sabia como proceder. Finalmente, 52,8% da equipe relatou a ausência de um profissional em odontologia (dentista) para avaliação de questões pertinentes à saúde bucal dos pacientes na UTI.

O uso de materiais de higiene pela equipe da UTI variou. A maioria dos participantes (74,1%) nunca utilizou swabs de espuma. Enxaguantes bucais eram utilizados comum e frequentemente para higiene bucal dos pacientes de UTI. Encontrou-se grande variabilidade quanto ao uso de escova dental e dentifrícios. A tabela 2 resume a frequência de uso dos instrumentos e materiais para higiene bucal.

Tabela 2
Frequência de uso de materiais e instrumentos para higiene bucal

Os profissionais que achavam a higiene bucal uma tarefa desagradável tenderam a considerar esta tarefa difícil, com uma correlação moderada (rs = 0,42, p < 0,001). A ausência de um protocolo adequado de saúde bucal pareceu ter correlação muito fraca (rs = 0,13, p < 0,05) com os profissionais que perceberam a higiene bucal como uma tarefa difícil. A indisponibilidade de materiais e a falta de tempo suficiente também aumentaram a dificuldade para a higiene bucal (r = 0,18, p < 0,05; e r = 0,25, p < 0,001, respectivamente).

A ausência de um protocolo adequado para a assistência bucal e a falta de programas de treinamento tiveram correlação moderada com a incapacidade da equipe para solucionar problemas relativos à saúde bucal (r = 0,47, p < 0,001; e r = 0,43, p < 0,001, respectivamente). A presença de um profissional em odontologia, responsável pela avaliação das questões de saúde bucal dos pacientes na UTI, correlacionou-se de forma fraca com o treinamento da equipe (r = 0,32, p < 0,001), assegurar a adesão a protocolos de saúde bucal (r = 0,31, p < 0,001) e o aumento do conhecimento da equipe em relação aos problemas orais (r = 0,25, p < 0,001).

DISCUSSÃO

Os questionários são uma forma importante para avaliação de hábitos e procedimentos, e para quantificar as necessidades e expectativas da equipe da UTI. Binkley et al. avaliaram os cuidados à saúde bucal proporcionados nas UTI dos Estados Unidos com a utilização de um método de levantamento. Os autores identificaram que os métodos de cuidados bucais não eram uniformes e sugeriram a utilização de protocolos com base em evidência, para melhorar a qualidade dos cuidados e proporcionar cuidados à saúde bucal mais coerentes.(2) Outro estudo avaliou, com utilização de questionários, o conhecimento da enfermagem, suas atitudes e práticas em relação à higiene bucal em hospitais, e sugere maior prática da enfermagem com algum tipo de cuidado à saúde bucal, embora estes não sejam padronizados entre as diferentes instituições;(9) isto concorda com nossos resultados. O método de implantação dos protocolos também desempenha um papel na prática; recomenda-se que a participação ativa da equipe de enfermagem resulta em melhor adesão ao protocolo.(8) Sem treinamento, acesso adequado a materiais e motivação, a qualidade dos cuidados à saúde bucal na UTI fica comprometida.(2,8-12)

A presença de um profissional da odontologia ajuda a manter a adesão aos protocolos de saúde bucal, além de apoiar e dar assistência à equipe para enfrentar as eventuais dificuldades durante os cuidados ao paciente. É também importante salientar a associação entre treinamento adequado da equipe e a presença de um profissional em odontologia na rotina da UTI. Tais resultados são consonantes com outros estudos.(11-13)

Identificamos grande variabilidade do uso de materiais de higiene bucal, mesmo entre os profissionais de uma única UTI. Isto enfatiza a ausência de protocolos, ou a falta de adesão aos protocolos presentes. Utilizam-se frequentemente enxaguantes bucais, provavelmente em razão das orientações de diversas diretrizes para prevenção de pneumonia associada ao ventilador (PAV).(1,13-15) A grande variabilidade no uso de escova dental e dentifrícios concorda com estudos prévios.(2,10,12)

CONCLUSÕES

A saúde bucal e seus cuidados contribuem para a saúde geral dos pacientes da unidade de terapia intensiva, porém a equipe da unidade de terapia intensiva frequentemente acha complicado proporcionar este tipo de cuidados, principalmente por conta da ausência de treinamento e de protocolos adequados. A falta de um protocolo de cuidados à saúde bucal bem estabelecido e de programas de treinamento leva a equipe de enfermagem à incapacidade para enfrentar os problemas de saúde bucal. A presença de um profissional em odontologia (cirurgião-dentista) para avaliar as questões de saúde bucal nos pacientes da unidade de terapia intensiva poderia minimizar tais problemas.

O presente estudo sugere que a presença de um dentista na rotina da unidade de terapia intensiva e a implantação de protocolos institucionais com adequado treinamento da equipe podem influenciar positivamente em sua atitude e levar a uma prática mais coerente de cuidados bucais na unidade de terapia intensiva.

  • Editor responsável: Thiago Costa Lisboa

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2017
  • Aceito
    27 Abr 2017
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