Open-access Fatores prognósticos em pacientes graves com meningite bacteriana adquirida na comunidade e lesão renal aguda

RESUMO

Objetivo:  Investigar os fatores prognósticos em pacientes graves com meningite bacteriana adquirida na comunidade e lesão renal aguda.

Métodos:  Estudo retrospectivo com inclusão de pacientes em um hospital terciário dedicado a doenças infecciosas localizado em Fortaleza (CE), com diagnóstico de meningite bacteriana adquirida na comunidade complicada por lesão renal aguda. Investigaram-se os fatores associados a óbito, ventilação mecânica e uso de vasopressores.

Resultados:  Incluíram-se 41 pacientes, com média de idade de 41,6 ± 15,5 anos, 56% dos quais do sexo masculino. O tempo médio entre a admissão à unidade de terapia intensiva e o diagnóstico de lesão renal aguda foi de 5,8 ± 10,6 dias. A mortalidade global foi de 53,7%. Segundo os critérios KDIGO, 10 pacientes foram classificados como estágio 1 (24,4%), 18 como estágio 2 (43,9%) e 13 como estágio 3 (31,7%). A classificação em estágio KDIGO 3 aumentou de forma significante a mortalidade (OR = 6,67; IC95% = 1,23 - 36,23; p = 0,028). A presença de trombocitopenia não se associou com aumento da mortalidade, porém foi um fator de risco para a ocorrência da classificação KDIGO 3 (OR = 5,67; IC95% = 1,25 - 25,61; p = 0,024) e para necessidade de utilizar ventilação mecânica (OR = 6,25; IC95% = 1,33 - 29,37; p = 0,02). Os pacientes que necessitaram de ventilação mecânica 48 horas após o diagnóstico de lesão renal aguda tiveram níveis mais elevados de ureia (44,6 versus 74mg/dL; p = 0,039) e sódio (138,6 versus 144,1mEq/L; p = 0,036).

Conclusão:  A mortalidade de pacientes graves com meningite bacteriana adquirida na comunidade e lesão renal aguda é alta. A severidade da lesão renal aguda se associou com mortalidade ainda mais elevada. A presença de trombocitopenia se associou com lesão renal aguda mais grave. Níveis mais elevados de ureia podem prever mais precocemente a ocorrência de lesão renal aguda de maior gravidade.

Descritores: Meningite; Lesão renal aguda; Prognóstico; Mortalidade; Cuidados críticos

ABSTRACT

Objective:  To investigate prognostic factors among critically ill patients with community-acquired bacterial meningitis and acute kidney injury.

Methods:  A retrospective study including patients admitted to a tertiary infectious disease hospital in Fortaleza, Brazil diagnosed with community-acquired bacterial meningitis complicated with acute kidney injury. Factors associated with death, mechanical ventilation and use of vasopressors were investigated.

Results:  Forty-one patients were included, with a mean age of 41.6 ± 15.5 years; 56% were males. Mean time between intensive care unit admission and acute kidney injury diagnosis was 5.8 ± 10.6 days. Overall mortality was 53.7%. According to KDIGO criteria, 10 patients were classified as stage 1 (24.4%), 18 as stage 2 (43.9%) and 13 as stage 3 (31.7%). KDIGO 3 significantly increased mortality (OR = 6.67; 95%CI = 1.23 - 36.23; p = 0.028). Thrombocytopenia was not associated with higher mortality, but it was a risk factor for KDIGO 3 (OR = 5.67; 95%CI = 1.25 - 25.61; p = 0.024) and for mechanical ventilation (OR = 6.25; 95%CI = 1.33 - 29.37; p = 0.02). Patients who needed mechanical ventilation by 48 hours from acute kidney injury diagnosis had higher urea (44.6 versus 74mg/dL, p = 0.039) and sodium (138.6 versus 144.1mEq/L; p = 0.036).

Conclusion:  Mortality among critically ill patients with community-acquired bacterial meningitis and acute kidney injury is high. Acute kidney injury severity was associated with even higher mortality. Thrombocytopenia was associated with severer acute kidney injury. Higher urea was an earlier predictor of severer acute kidney injury than was creatinine.

Keywords: Meningitis; Acute kidney injury; Prognosis; Mortality; Critical care

INTRODUÇÃO

Meningite bacteriana adquirida na comunidade (MBAC) é uma doença grave e com elevada mortalidade, que aumenta ainda mais quando a antibioticoterapia é adiada. Assim, esta condição é considerada uma emergência médica.(1,2) Os principais agentes etiológicos envolvidos com a MBAC são Streptococcus pneumoniae e Neisseria meningitidis.(3,4) O Haemophilus influenzae já foi um importante patógeno na MBAC em crianças. No entanto, em consequência do uso de vacinação, o H. influenzae atualmente é uma rara causa de MBAC. Além disso, como resultado da ampla utilização de vacinação, a MBAC se tornou mais frequente em adultos do que em crianças.(5) Listeria monocytogenes é outro agente etiológico, porém seu papel na MBAC é, em geral, restrito aos extremos etários e a pacientes imunocomprometidos.(6)

A clássica tríade de alteração, que inclui condições mentais, rigidez cervical e febre, vem sendo gradualmente substituída por uma tétrade, ao abranger a cefaleia. Embora poucos pacientes apresentem todos estes achados clássicos, pelo menos dois deles estarão presentes em 95% dos casos.(3) A confirmação diagnóstica depende da análise do líquido cefalorraquidiano (LCR), porém nenhum procedimento diagnóstico deve postergar o tratamento precoce dos casos suspeitos.

A mortalidade geral da MBAC varia entre 8,5 e 25%.(7-10) Os pacientes podem demandar admissão à terapia intensiva, principalmente em razão do comprometimento do nível de consciência, choque séptico e falência de órgãos.(10) Neste grupo de pacientes, a mortalidade sobe para 40 - 56%.(11,12) Entre os pacientes sépticos, a mortalidade pode chegar a 77,4%.(13)

A lesão renal aguda (LRA) tem prevalência importante (6 - 23%) nas unidades de terapia intensiva (UTI)(14,15) e é também importante determinante dos desfechos neste grupo de pacientes.(16,17) No entanto, são poucos os estudos que avaliam a LRA em pacientes graves com meningite. O objetivo deste estudo foi investigar os preditores de desfechos desfavoráveis em pacientes graves com MBAC e LRA.

MÉTODOS

Este é um estudo retrospectivo que incluiu pacientes admitidos à UTI de um hospital terciário especializado em moléstias infecciosas, localizado no município de Fortaleza (CE), com diagnóstico confirmado de MBAC complicada por LRA no período entre janeiro de 2003 e dezembro de 2015. O presente estudo foi revisado e aprovado pelo Comitê de Ética Médica do Hospital São José de Doenças Infecciosas (CAAE: 12565613.4.0000.5054).

Diagnosticou-se MBAC por meio da análise do LCR. Excluíram-se do estudo os pacientes com doença renal prévia, ou que utilizaram fármacos nefrotóxicos não relacionados à presente hospitalização. Diagnosticou-se LRA segundo definido pelos critérios de classificação Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO).(18) Para determinar o impacto da infecção da MBAC sobre o rim, a função renal foi avaliada por meio de exames de ureia e creatinina séricas, assim como por meio da quantificação do débito urinário. Outros dados dos pacientes incluíram as informações demográficas, o uso de fármacos e a sobrevivência no hospital. Coletaram-se também, no presente estudo, amostras de sangue para os seguintes exames: hemoglobina, hematócrito, contagem de leucócitos, contagem de plaquetas, níveis de sódio, potássio, aminotransferase aspartato (AST), aminotransferase alanina (ALT) e gasometria arterial.

Os dados clínicos e laboratoriais foram comparados entre grupos como: sobreviventes versus não sobreviventes; LRA grave versus não grave (KDIGO 3 versus KDIGO não-3); uso de vasopressores versus não uso de vasopressores; e uso de ventilação mecânica (VM) versus não uso de VM. Os parâmetros na admissão e o diagnóstico de LRA foram também correlacionados com desfecho desfavorável nas 48 horas seguintes.

As análises estatísticas foram conduzidas utilizando-se o programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 20.0 para Windows (IBM, EUA). Aplicou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov para separar as variáveis contínuas, que seguiram distribuição normal, das variáveis que não acompanham uma curva de Gauss. O teste t de Student ou o teste de Mann-Whitney foi aplicado, conforme apropriado. Igualmente, utilizou-se o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher para comparar as variáveis categóricas dos diferentes grupos de pacientes. As variáveis que apresentaram relação no teste do qui-quadrado ou teste exato de Fisher (p < 0,05) foram submetidas à análise multivariada por regressão logística binária. As variáveis contínuas foram convertidas em variáveis categóricas, sendo possível utilizar o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher e, em caso de identificação de significância estatística, conduziu-se a regressão logística binária. Estabeleceu-se o nível de 5% (p < 0,05) como de significância. Para o desfecho óbito, as variáveis que entraram na regressão logística foram: "necessidade de utilizar vasopressores" e "KDIGO 3"; para o desfecho respiratório, analisaram-se as variáveis "trombocitopenia" e "níveis de sódio acima de 140mEq/L"; para o desfecho renal, "trombocitopenia" foi incluída na análise de regressão e, para o desfecho circulatório (necessidade de utilizar vasopressores), analisou-se a variável "hematócrito acima de 35%".

RESULTADOS

Foram incluídos no estudo 41 pacientes, com média de idade de 41,6 ± 15,5 anos; 56% eram do sexo masculino. O tempo médio entre a admissão à UTI e o diagnóstico de LRA foi de 5,8 ± 10,6 dias. A mortalidade global foi de 53,7%. Não houve diferença estatisticamente significante entre os sobreviventes e os não sobreviventes, com relação à idade (42,72 ± 19,09 versus 41,76 ± 11,84 anos; p = 0,855). A comorbidade mais comum foi diabetes mellitus (22%), seguida por hipertensão arterial (14,6%) e hepatopatia (7,3%). Um paciente tinha histórico pregresso de câncer (2,4%).

Os não sobreviventes demandaram uso de vasopressores na UTI mais frequentemente do que os que sobreviveram (p = 0,001) e, na análise multivariada, a necessidade de utilizar vasopressores se revelou um fator de risco para óbito (odds ratio - OR = 12,5; intervalo de confiança de 95% - IC95% = 2,23 - 70,19; p = 0,004). Entretanto, os pacientes que utilizaram fármacos vasopressores nas primeiras 48 horas após o diagnóstico de LRA não tiveram aumento da mortalidade (p = 0,220).

Administrou-se vancomicina a 24 pacientes (58,5%), ceftriaxona a 32 (78%), furosemida a 9 (22%), polimixina B a 6 (14,6%) e aminoglicosídeos a 4 (9,8%). Necessitaram de vasopressores 29 (70,7%) pacientes. Vancomicina (p = 0,678), ceftriaxona (p = 0,113), polimixina B (p = 0,645) e aminoglicosídeos (p = 1,00) não se correlacionaram com a ocorrência de LRA mais grave (KDIGO 3). Nenhum destes fármacos se associou com maior ou menor mortalidade.

Segundo os critérios KDIGO, 10 pacientes foram classificados como estágio 1 (24,4%), 18 como estágio 2 (43,9%) e 13 como estágio 3 (31,7%). O estágio KDIGO 3 se associou com maior mortalidade (p = 0,018), mas não com aumento da necessidade de utilizar vasopressores (p = 0,276), nem com utilização de ventilação invasiva (p = 0,458). Na análise multivariada, a classificação da LRA como KDIGO 3 aumentou de forma significante o risco de óbito (OR = 6,67, IC95% = 1,23 - 36,23; p = 0,028). Não houve diferença estatisticamente significante em termos etários entre os pacientes que desenvolveram e os que não desenvolveram lesão renal KDIGO 3 (43,08 ± 13,51 versus 41 ± 16,66 anos; p = 0,698). Necessitaram de hemodiálise 7 (17,1%) pacientes.

Os pacientes que desenvolveram LRA precoce (nas primeiras 24 horas após admissão à UTI) não tiveram mortalidade mais alta (p = 1,00), mas necessitaram de VM nos primeiros 2 dias após o diagnóstico de LRA mais frequentemente do que os que tiveram o desenvolvimento de LRA mais tarde (p = 0,029). Igualmente, pacientes que necessitaram de VM após 48 horas de diagnóstico da LRA tiveram níveis mais altos de ureia (44,62 ± 27,30 versus 74,05 ± 33,69mg/dL; p = 0,039) e de sódio (138,62 ± 3,50 versus 144,11 ± 6,54mEq/L; p = 0,036), assim como tendência a níveis mais elevados de AST (50 ± 44,62 versus 330,82 ± 754,61UI/L; p = 0,052). Níveis de ureia acima de 85mg/dL ao diagnóstico de LRA tenderam a prever a necessidade de utilizar VM em 48 horas (p = 0,061). Na análise multivariada, níveis de sódio acima de 140mEq/L por ocasião do diagnóstico da LRA mostraram tendência a aumento do risco de necessidade de VM em 48 horas (OR = 6, IC95% = 0,92 - 39,18; p = 0,061). Não houve diferença estatisticamente significante em termos etários com relação aos pacientes que necessitaram de intubação e os que não necessitaram (41,67 ± 14,54 versus 41,7 ± 19,19 anos; p = 0,995).

As tabelas 1 a 4 mostram os valores laboratoriais médios no momento da admissão à UTI e do diagnóstico de LRA, e os correlacionam a desfechos desfavoráveis. Pacientes que desenvolveram LRA KDIGO 3 tiveram níveis mais elevados de sódio na admissão à UTI, como mostra a tabela 2. No momento do diagnóstico de LRA, o único parâmetro que foi significativamente diferente no grupo KDIGO 3, além de creatinina e ureia, foi a contagem de plaquetas, como mostra a tabela 4. Entretanto, os pacientes que desenvolveram trombocitopenia (contagem de plaquetas inferior a 150.000/mm3) durante a permanência na UTI não tiveram aumento da mortalidade (p = 1,00).

Tabela 1
Comparação entre parâmetros laboratoriais médios na admissão à unidade de terapia intensiva de pacientes que necessitaram e dos que não necessitaram de ventilação mecânica invasiva ou utilização de fármacos vasopressores
Tabela 2
Comparação dos parâmetros laboratoriais médios na admissão à unidade de terapia intensiva de pacientes que morreram ou sobreviveram, e desenvolveram ou não desenvolveram lesão renal aguda estágio 3 segundo a classificação Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO)
Tabela 3
Comparação dos parâmetros laboratoriais médios no diagnóstico de lesão renal aguda dos pacientes que necessitaram e aqueles que não necessitaram de ventilação invasiva e vasopressores
Tabela 4
Comparação dos valores laboratoriais médios no diagnóstico de lesão renal aguda de pacientes que morreram ou sobreviveram, e desenvolveram ou não desenvolveram lesão renal aguda estágio 3, segundo a classificação Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO)

Por ocasião do diagnóstico de LRA, a trombocitopenia se associou com maior incidência de KDIGO 3 (p = 0,018) e necessidade de diálise (p = 0,044). Na análise multivariada, foi fator de risco para KDIGO 3 (OR = 5,67; IC95% = 1,25 - 25,61; p = 0,024) e tendeu a aumentar o risco de necessitar diálise (OR = 8,77; IC95% = 0,94 - 81,67; p = 0,057). Na análise multivariada, trombocitopenia em qualquer momento da permanência na UTI foi um fator de risco para utilização de suporte ventilatório invasivo (OR = 6,25; IC95% = 1,33 - 29,37; p = 0,02).

Hematócrito acima de 35% no momento do diagnóstico de LRA se correlacionou com maior necessidade de utilizar fármacos vasopressores (p = 0,041), assim como na análise multivariada aumentou o risco de necessitar utilizar vasopressores (OR = 4,75, IC95% = 1,11 - 20,39; p = 0,036). Não ocorreram diferenças etárias estatisticamente significantes entre os pacientes que necessitaram este tipo de fármacos e os que não necessitaram (41, 9 ± 13,1 versus 41 ± 20,8 anos; p = 0,860).

DISCUSSÃO

A LRA é uma complicação ainda pouco estudada em pacientes com MBAC e, no presente estudo, associou-se com elevada mortalidade - ainda mais alta que a descrita na literatura.(11,12) Estudo realizado em outra cidade brasileira, que incluiu 294 pacientes de MBAC, tanto na UTI quanto na enfermaria geral, salientou aumento de três vezes na mortalidade entre os pacientes com trombocitopenia ou com hemocultura positiva.(19) Contagens baixas de plaquetas também aumentaram a mortalidade em pacientes sépticos.(20) A trombocitopenia foi um importante fator prognóstico também para este estudo, mas não foi preditiva de mortalidade. Isto pode ser explicado pelas notáveis diferenças entre as amostras de ambos os estudos. No entanto, o fato de que a trombocitopenia foi um fator de risco para intubação e, quando do diagnóstico de LRA, de LRA mais grave e diálise, corrobora que o médico deve ser cuidadoso ao avaliar variações na contagem de plaquetas. Estudo realizado por Hollestelle et al. sugeriu que coagulação intravascular disseminada e consumo do fator de von Willebrand e granzima-B podem estar envolvidos no mecanismo de trombocitopenia da MBAC.(21)

A trombocitopenia tem sido associada à LRA grave em várias condições, como colapso por calor, infecção por hantavírus, e outras moléstias infecciosas, inclusive leptospirose, dengue e malária.(22-24) O mecanismo para esta associação ainda não foi descrito. O presente estudo sugere que a MBAC segue o mesmo padrão, já que a trombocitopenia, no momento do diagnóstico de LRA, aumentou em quase seis vezes o risco de LRA KDIGO 3, assim como apresentou tendência a ser um fator de risco para diálise.

Níveis mais elevados de creatinina sérica ao diagnóstico de LRA se correlacionaram com desfecho renal pior, enquanto níveis mais elevados de ureia sérica puderam prever a ocorrência de LRA KDIGO 3 quando mensurados tanto no momento da admissão quanto no momento do diagnóstico de LRA Como os critérios diagnósticos KDIGO para LRA se baseiam fundamentalmente nos níveis séricos de creatinina, ao invés de nos níveis de ureia, espera-se que o diagnóstico de LRA seja feito perante a elevação da creatinina no soro. Entretanto, nossos resultados observados na tabela 2 mostram que pacientes que eventualmente desenvolveram LRA KDIGO 3 já tinham níveis mais altos de ureia na admissão à UTI, ainda antes que ocorresse a elevação dos níveis séricos de creatinina. Este achado sugere um aumento mais rápido nos níveis séricos de ureia do que dos de creatinina.

Outro estudo comparou LRA precoce e tardia na mesma UTI, mas em época diferente do presente estudo. Este incluiu 147 pacientes com diversas moléstias infecciosas que desenvolveram LRA e concluiu que o surgimento tardio de LRA predisse a necessidade de utilizar VM, com tendência à maior mortalidade, embora os pacientes que tenham desenvolvido LRA precoce tivessem escores APACHE II mais altos.(25) Não se observou esta tendência no presente estudo, e a LRA se associou com intubação dentro de 48 horas após o diagnóstico de LRA.

Idade mais avançada não predisse a ocorrência de LRA grave, óbito ou necessidade de utilizar vasopressores ou suporte ventilatório invasivo. No entanto, um estudo que incluiu 65 pacientes graves com MBAC (com ou sem desenvolvimento de LRA) mostrou que pacientes que tiveram "desfechos clínicos adversos" (por exemplo, sequelas neurológicas ou óbito) eram mais idosos do que os que não as apresentaram.(11)

O S. pneumoniae tem a capacidade de elevar os níveis do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) no LCR. Isto poderia estar envolvido na patogênese do edema cerebral de alguns pacientes com MBAC, por meio do aumento da permeabilidade vascular, embora a inibição do VEGF não tenha diminuído o edema cerebral.(26,27) Entretanto, o estímulo da produção de VEGF não se limita ao LCR, já que foi primeiramente demonstrado que o S. pneumoniae tem a capacidade de induzir a produção de VEGF por neutrófilos humanos no sangue periférico.(28) Este fenômeno pode ser um mecanismo para hipotensão, por meio do aumento da permeabilidade vascular e da perda de fluido para o terceiro espaço. Esta proposição é coerente com o achado de que um hematócrito maior no diagnóstico de LRA elevou em quase cinco vezes o risco de necessitar de vasopressores.

Algumas variáveis laboratoriais encontradas no momento do diagnóstico de LRA pareceram prever a ocorrência de intubação dentro de 48 horas, como níveis mais elevados de ureia e sódio. Existem, na literatura, estudos que propõem uma associação entre níveis elevados de ureia e maior necessidade de suporte ventilatório.(29,30) Recente estudo prospectivo apontou níveis de ureia acima de 49,25mg/dL como fator independente de risco para reintubação em UTI cirúrgica.(27) Clark e Lettieri(30) desenvolveram um modelo clínico de alta especificidade para prever intubação prolongada em pacientes nos quais níveis de ureia acima de 25mg/dL aumentaram o risco de necessitar de VM por mais que 14 dias. Um estudo prévio conduzido por Milhaud et al.(12) também demonstrou que níveis mais altos de ureia são importante fator prognóstico em pacientes com MBAC.

Muitas das limitações deste estudo derivam de sua natureza retrospectiva, assim como da amostra de tamanho pequeno. Os dados relativos ao diagnóstico etiológico dos agentes causadores de MBAC não estão disponíveis. O estudo foi realizado em apenas uma região do Brasil, de forma que o padrão da enfermidade pode ser diferente em outras regiões do mundo.

CONCLUSÃO

A mortalidade em pacientes graves com meningite bacteriana adquirida na comunidade, complicada por lesão renal aguda, é muito elevada, e, para melhora da assistência, o médico deve ser particularmente cuidadoso com relação aos fatores prognósticos. Níveis elevados de hematócrito, ureia sérica e trombocitopenia se associaram com desfechos piores no ponto de vista hemodinâmico, ventilatório e renal, respectivamente. Baixos níveis de sódio no momento do diagnóstico de lesão renal aguda também podem ser um importante fator prognóstico neste grupo de pacientes. Em comparação aos níveis séricos de creatinina, níveis mais altos de ureia sérica foram preditores mais precoces de um pior desfecho renal.

  • Pesquisa realizada com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

AGRADECIMENTOS

À equipe de médicos, residentes, e alunos de Medicina e Enfermagem do Hospital São José de Doenças Infecciosas, pela assistência proporcionada aos pacientes e pelo suporte dado ao desenvolvimento desta pesquisa.

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Editado por

  • Editor responsável: Felipe Dal Pizzol

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2018
  • Data do Fascículo
    Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2017
  • Aceito
    10 Jan 2018
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