Open-access A economia brasileira em livros: um comentário sobre Luna & Klein, The economic and social history of Brazil since 1889

The Brazilian economy in books: a commentary on Luna & Klein's The Economic and Social History of Brazil since 1889

LUNA, Francisco V.; KLEIN, Herbert S.. 2014. The Economic and Social History of Brazil since 1889. New York: Cambridge University Press, 454

Nas palavras do poeta, "o Brasil não é para iniciantes". Nesse sentido, escrever uma obra que aborde a história econômica e social do Brasil republicano não é tarefa nada trivial. Mais difícil ainda quando este texto, ao ser escrito em inglês, alcança um amplo público para além de nossas fronteiras e que, por isso mesmo, nem sempre é versado numa sociedade tão complexa como a nossa. O desafio de Francisco Vidal Luna e Herbert Klein, ao escrever The economic and social history of Brazil since 1889, era, portanto, o de reunir fatos, personagens e aspectos específicos da história do Brasil, para quase um século e meio de História, mas que permitisse, ao mesmo tempo, a compreensão dos movimentos gerais das transformações da sociedade brasileira.1 O equilíbrio alcançado pelo livro entre o evento e a estrutura, entre os personagens e as coalizões políticas, entre a política econômica e as transformações da sociedade e, finalmente, entre a conjuntura e a dinâmica econômica mais ampla, não somente é uma das grandes qualidades da obra, como também foi obtido de maneira bastante original, o que lhe confere o caráter possivelmente particular de uma história realmente econômica e social do Brasil republicano.

A parceria de Luna e Klein não é nova e na última década tem-se mostrado incrivelmente frutífera. Somente no que diz respeito aos livros redigidos conjuntamente, em 2005 publicaram no Brasil Evolução da sociedade e economia escravista de São Paulo, livro originalmente editado em inglês pela Stanford University Press. Em 2007, foi a vez da tradução do livro O Brasil desde 1980, lançado pela Cambridge University Press em 2006. Finalmente, em 2010, foi publicado O escravismo no Brasil, obra que consolida décadas de estudos dos autores sobre a temática da escravidão brasileira. Essas obras têm em comum com este The economic and social history of Brazil since 1889 a sensibilidade dos autores para apresentar uma narrativa que compreende a trajetória de nossa história amplamente, em que os aspectos econômicos e sociais são tratados como partes de um todo, isto é, da sociedade brasileira.

O livro está organizado em quatro longos capítulos. Conforme os autores afirmam na introdução, tal divisão foi fundamentada nas mudanças políticas do Brasil republicano de longo prazo, quais sejam: a "República Velha (1889-1930)", a "Era Vargas (1930-1945)", as "Democracias em formação e o interregno militar (1945-1985)" e, finalmente, a "Consolidação da democracia desde 1985". Ainda que estejamos de acordo com a variável política como instrumento cronológico para a divisão dos capítulos, dois comentários podem ser levantados para as escolhas sobre a organização da obra.

Nosso primeiro comentário tem um caráter mais no sentido da própria estrutura do livro. Pensando especialmente para fins didáticos, os longos capítulos acabam abarcando naturalmente diversos assuntos e dimensões da realidade, o que pode dificultar a aplicação do material em cursos de graduação. O capítulo 3, por exemplo, possui uma estrutura que facilmente poderia receber subtítulos no sentido de delimitação de temas mais circunscritos. O texto do capítulo já está dividido em dois períodos bastante distintos - as democracias populistas e a ditadura militar -, e, mesmo nas sessenta páginas relativas à ditadura militar, há uma divisão interna do capítulo bastante evidente. Assim, o que chamamos de segunda parte do capítulo, relativa ao período do governo militar, inicia-se com uma avaliação da trajetória política do período entre Castelo Branco e Ernesto Geisel, para uma análise dos aspectos da política econômica entre tais governos, segmentada em temas como a agricultura, o financiamento, o endividamento, etc., para finalmente concluir o capítulo com os anos finais do período militar, durante o governo Figueiredo, atentando para a dimensão da crise da dívida e do início do processo inflacionário. Na forma como se apresenta, com grandes períodos políticos, sendo subdividido por temas e não governos presidenciais, o livro poderia subsidiar uma organização não muito comum e possivelmente bastante atraente para a montagem de cursos de Formação Econômica do Brasil e de Economia Brasileira.

O segundo comentário, relacionado à organização dos capítulos, é sobre a reunião de dois períodos bastante distintos numa mesma seção, como tratado acima. Neste caso, ao reunir os governos democráticos do pós-Segunda Guerra com os governos militares, ao que parece, o critério não foi exatamente o político, mas talvez de uma dimensão mais ampla presente na perspectiva de um projeto de transformação da economia brasileira, via industrialização, existente nos dois períodos. Mesmo assim, as diferenças do modelo de industrialização e sua repercussão para a sociedade entre os governos populistas e os militares são marcantes e ressaltadas pelos próprios autores: no governo militar, o crescimento econômico e o aprofundamento da industrialização fundaram-se num processo de concentração de renda, resultado, dentre outros fatores, da política salarial restritiva. Outro elemento bastante distinto que marcou a industrialização ocorrida antes e durante o governo militar foi o caráter do endividamento externo do país, também consequência do novo ambiente internacional, em que o acesso ao crédito nos anos 1970 se viabilizou por meio de bancos privados e de taxas de juros flutuantes e mais elevadas (Luna; Klein, 2014, p. 198-9). A incorporação de controvérsias interpretativas não foi um caminho escolhido pelos autores para narrar a trajetória da economia brasileira, mas certamente o uso de autores como Celso Furtado para discutir o que ele chamou de Análise do modelo brasileiro poderia qualificar melhor os dois modelos de industrialização durante os quarenta anos abarcados pelo capítulo, em especial para os leitores que possuem menor conhecimento no tema.2

Como ressaltamos acima, entretanto, a originalidade do livro, tanto no que diz respeito àqueles livros publicados no exterior como àqueles publicados no Brasil, é o de apresentar uma história do Brasil de maneira equilibrada entre elementos da política econômica, com elementos que retratam as transformações da sociedade brasileira. Victor Bulmer-Thomas, em sua resenha de Luna e Klein para The Economic History Review, considera que o livro é mais do que uma síntese da literatura existente, uma vez que apresenta significativas informações que avançam aos aspectos puramente econômicos, como mediante o uso de dados demográficos, que são, em suas palavras, "essenciais para um livro que lida com história social" (2015, p. 1102).

Mais do que essa reunião e sistematização de dados demográficos, o livro apresenta a trajetória da sociedade brasileira também segundo indicadores educacionais - levando em consideração aspectos raciais e de gênero -; exibe comparações desses indicadores sociais entre todas as regiões brasileiras; e analisa dados econômicos sobre a estrutura produtiva, renda, salários, preços, dentre outros, estes últimos dados mais comumente explorados em outros livros de economia brasileira. Especialmente por conta desses dados demográficos, educacionais e regionais, o livro consegue construir um painel amplo e original para indicar alguns dos aspectos centrais das mudanças da sociedade brasileira no último século. Por exemplo, como ressaltam os autores logo nas primeiras páginas, apesar de uma relevante atividade econômica em comparação com os países latino-americanos, no início do século XX, o Brasil ainda educava uma "surpreendentemente baixa percentagem de sua população", possuía elevada mortalidade, e, por isso, registrava também baixa expectativa de vida (Luna; Klein, 2014, p. 4). No século XXI, por outro lado, a taxa de alfabetização brasileira se elevou substancialmente, em especial depois da década de 1980, alcançando 98,5% para crianças entre 7 e 14 anos, e quase 85% para jovens entre 15 e 17 anos, conforme o censo de 2010 (Luna; Klein, 2014, p. 340-1). Para os dados de mortalidade infantil, a queda das impressionantes 200 mortes por mil nascimentos, existentes em 1940, para 18 mortes por mil nascimentos, conforme dados de 2008, ainda que apresente significativo declínio da mortalidade infantil, mantém o país distante das marcas da Europa Ocidental e dos Estados Unidos (Luna; Klein, 2014, p. 317-8).

Outra significativa mudança da sociedade nas últimas décadas, destacada na obra, foi da tendência de redução das desigualdades tanto sociais quanto regionais. Para os autores, especialmente a partir de fins dos anos 1990, verificou-se no país uma expansão do que se chamou das classes B e C, reduzindo a parcela da população mais pobre da sociedade. Nesse movimento, a malnutrição foi eliminada, o forte contraste entre a vida urbana e rural foi reduzido, e os brasileiros passaram a ter maior acesso ao sistema público de saúde (Luna; Klein, 2014, p. 309). No mercado de trabalho, os ganhos salariais reais e o crescimento do número de trabalhadores formais reforçaram a tendência de expansão de um novo grupo social, reduzindo a participação da população pobre na população (Luna; Klein, 2014, p. 332-4). O resultado desse processo de transformação social, cujos pressupostos estavam devidamente defendidos pela Constituição cidadã de 1988, culminou com a redução da desigualdade na última década. Conforme os autores:

Reduzindo indigência e pobreza, aumentando o acesso à educação e provendo assistência médica universal, combinado com a incorporação da maioria dos trabalhadores no mercado de trabalho formal, foram elementos que contribuíram para reduzir o índice de Gini para a desigualdade social (Luna; Klein, 2014, p. 348).

Por outro lado, no que diz respeito às desigualdades regionais, mesmo com a insistente disparidade demográfica entre Norte e Sul do Brasil, tanto para os números de nascimento quanto para os de mortalidade, nas últimas décadas os dados para as regiões Nordeste e Norte seguem uma trajetória de convergência com os das outras regiões brasileiras. Classe, raça e região ainda são determinantes que definem o perfil da desigualdade no país, mas, a partir dos anos 1990, a polarização entre o Norte atrasado e o Sul industrial se reduziu, numa tendência de construção de um padrão efetivamente nacional de acesso à educação e à saúde (Luna; Klein, 2014, p.349). Nas palavras dos autores: "Industrialização, urbanização, e modernização da agricultura em todos os lugares reduziu a diferença entre as regiões e consequentemente diminuiu os elevados fluxos de brasileiros entre as regiões" (Luna; Klein, 2014, p. 309).

Para subsidiar a análise da evolução demográfica, educacional e regional do Brasil, os autores recorreram a uma ampla gama de referências bibliográficas, nem sempre comuns em livros de história econômica do Brasil, que serve de guia para possíveis leitores interessados nos temas mais variados.3 Todavia, é possível afirmar que a obra de Luna e Klein acaba por trazer duas perspectivas de análise da literatura sobre economia brasileira para dentro de sua narrativa sobre a dinâmica econômica do país: de um lado, daquelas interpretações da formação econômica do Brasil, de trabalhos publicados entre os anos 1950 e 1970, que partiam dos marcos lançados pela interpretação cepalina, no sentido de pensar a especificidade de nossa economia e, de outro lado, das sínteses da política econômica de cada governo presidencial presente em importantes livros publicados nas últimas décadas.4 Nosso propósito é, enfim, o de indicar possíveis diálogos estabelecidos entre a obra e a literatura comumente adotada nos cursos de graduação.

Em relação aos dois primeiros capítulos, aqueles voltados para a compreensão da República Velha e da Era Vargas, é possível identificar ainda o peso das interpretações do primeiro grupo de autores, em especial, da leitura de Celso Furtado em Formação econômica do Brasil. Afinal, tendo como objeto a transição de uma economia agrário-exportadora para um processo de industrialização, uma análise mais estrutural do que factual parece mais adequada. Assim, a discussão sobre a dinâmica da economia cafeeira nas primeiras décadas republicanas segue a estrutura mais geral da tese de Furtado, tendo o período como uma fase de construção do mercado interno nacional, mas ainda esse subordinado pela "tendência ao desequilíbrio externo", isto é, a dependência da renda, do câmbio e do balanço de pagamentos perante o comércio de café (Luna; Klein, 2014, p. 40-1).5 O mesmo vale para a compreensão dos efeitos da crise de 1929 na economia brasileira: seguindo a ideia do "deslocamento do centro dinâmico", o texto destaca os mecanismos anticíclicos empreendidos por Getúlio Vargas, que, ao sustentar o nível de emprego e renda num cenário de depressão do comércio internacional, permitiu o desenvolvimento da industrialização (Luna; Klein, 2014, p. 89-94).

Industrialização é um dos grandes temas dos capítulos sobre a Era Vargas, bem como sobre as democracias em formação e a ditadura militar. Novamente a influência das leituras cepalinas se faz presente, com a reprodução de alguma discussão lançada por autores como Carlos Lessa e Maria da Conceição Tavares para avaliar a industrialização por substituição de importações. Afinal, essas análises da história econômica dominantes até os anos 1970 estiveram intimamente ligadas à necessidade de responder aos dilemas do desenvolvimento econômico brasileiro vividos naquele momento. Temas como o processo de industrialização, a estrutura dual da mão de obra, a ligação da economia nacional com o mercado internacional, dentre outros, eram temas que se faziam presentes como projetos políticos dos autores, ultrapassando o âmbito puramente acadêmico e dialogando diretamente com os problemas nacionais. Nesse sentido, obras como as de Celso Furtado olhavam para as especificidades da formação histórica brasileira a fim de compreender os possíveis caminhos para a superação de nosso atraso econômico - que se tratava de desafios estruturais da maior amplitude. Essas questões continuaram povoando o pensamento dos pesquisadores que, entre os anos 1960 e 1970, viam na particularidade do capitalismo brasileiro, fosse pela herança da escravidão, fosse pela desarticulação do mercado interno, fosse pelo caráter atrasado da indústria nacional ou da dependência do capital internacional, uma possível resposta para os problemas da economia naquele período (Saes, 1976, p. 243-4; Saes, 2013). Mas vale reforçar: não é preocupação de Luna e Klein nesse livro reconstruir os debates teóricos e interpretativos sobre os grandes temas de nossa história; todavia, não é o caso de se concordar com a resenha de Bulmer-Thomas de que o livro aceita alguns resultados de pesquisa de forma pouco crítica (2015, p. 1103).

O segundo grupo de textos que acaba dialogando com o livro de Luna e Klein diz respeito aos artigos que compõem coletâneas sobre a economia brasileira que se consolidaram como referência nos cursos de graduação de economia nas últimas décadas. Em relação a esses textos, a ênfase dada é para uma sistematização detalhada da formulação e da implementação de políticas econômicas no Brasil, seguindo a análise governo a governo como instrumento de avaliação das continuidades e rupturas da economia brasileira. O mais emblemático livro desse grupo é a coletânea A ordem do progresso, organizada por Marcelo de Paiva Abreu e publicado em 1989.6 Mais recentemente, outro livro representante dessa perspectiva é, seguindo uma estrutura relativamente semelhante de apresentar a história econômica brasileira, a Economia brasileira contemporânea, de organização de Fábio Giambiagi et al.(2011).

Essa leitura, preocupada com o detalhamento da política econômica de cada governo, tendo como ênfase uma análise voltada aos aspectos mais técnicos das medidas econômicas, acabou por sobrepujar as teses mais interpretativas, dando mais espaço para a descrição das políticas econômicas em vez da problematização do processo histórico. Tal perspectiva reproduzia uma tendência do desenvolvimento do conhecimento acadêmico dos anos 1980, quando a Ciência Econômica no Brasil caminharia numa trajetória de distanciamento, de maneira geral, das Ciências Humanas, buscando um olhar mais instrumental para o objeto econômico.

Naturalmente o diálogo com esse segundo grupo no The economic and social history of Brazil since 1889 se intensifica conforme os trabalhos de matriz cepalina, publicados até os anos 1970, não mais abordam os temas e eventos mais recentes de nossa história econômica. Por isso, já no terceiro capítulo, e em particularmente no quarto capítulo, há partes em que a descrição da política econômica em cada mandato recebe algumas páginas, aproximando-se desse formato de discussão presente nos artigos de A ordem do progresso. A obra de Luna e Klein, todavia, consegue sustentar uma leitura mais de longo prazo ao apresentar como síntese de cada capítulo os movimentos gerais da sociedade mediante a análise dos indicadores sociais, como destacado anteriormente.

Isso fica evidente com a sistematização das transformações da sociedade brasileira realizada no último capítulo do livro. Num tom bastante otimista, os autores mostram, por meio da melhora de indicadores sociais, como, ao longo de um século, o país tem conseguido superar velhos dilemas de nosso desenvolvimento (Luna; Klein, 2014, p. 353-4). Identificam que as profundas alterações dos indicadores sociais alcançadas na última década devem ser remetidas às reformas estruturais realizadas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. A estabilização da economia, a reforma do Estado e do sistema financeiro, os pioneiros programas de distribuição de renda, a tendência de elevação do salário mínimo real, que teriam nascidos sob o manto de FHC. Legados esses ao governo Lula, que deu o tom de continuidade em seu governo e se beneficiou da estabilidade conquistada pelo governo anterior para reduzir a desigualdade social. Em sua resenha, Bulmer-Thomas questiona se os autores não poderiam hoje se arrepender desse otimismo que marca a análise final do livro, tanto por conta dos escândalos de corrupção como pela estagnação econômica que marcou os anos de governo Dilma.

Minha pergunta, por outro lado, é se a análise na verdade não se esqueceu de variáveis mais estruturais, que colocam o desafio do desenvolvimento de maneira mais vulnerável e instável para os países subdesenvolvidos, como ainda é o nosso. Talvez, por isso mesmo, conforme pesquisa realizada sobre as disciplinas de história econômica em cursos de economia, autores como Caio Prado Jr. e Celso Furtado ainda permaneçam nos programas, reforçando a necessidade de se colocar esse olhar mais estrutural para os desafios do desenvolvimento: a questão hoje, possivelmente, seria de atualizar o debate para o contexto do século XXI.

***

Lançado em 2014, The economic and social history of Brazil since 1889 é, em suma, uma importante referência para quem busca compreender a trajetória de transformação da sociedade brasileira no último século e meio. Como ressaltam os autores, ao longo das últimas décadas, o país teria passado de uma sociedade significativamente subdesenvolvida, com uma maioria da população rural e iletrada, para um país com indicadores de uma sociedade moderna. O elevado grau de urbanização, a ampliação do atendimento da população com serviços básicos como o sistema de saúde, de educação e de pensão nacionais, com a redução da pobreza e complexificação de sua estrutura produtiva, mostram que, mesmo sem deixar de ser uma das sociedades mais desiguais do mundo, o Brasil certamente deve ser considerado como um país bastante diferente daquele de outrora (Luna; Klein, 2014, p. xv-xvi).

A obra de Luna e Klein oferece, nesse sentido, munição para leitores interessados na sociedade brasileira, dos curiosos aos estudiosos. Um interesse que parece ser renovado no exterior de tempos em tempos, tanto pelas especificidades dessa economia persistentemente desigual quanto pelo seu mercado interno e estrutura produtiva que oferece expressivos potenciais econômicos. E, de fato, nos últimos 10-15 anos, o Brasil voltou a ser tema de interesse para um amplo público. Assim como foi para a geração de transição das décadas de 1960 para 1970,7 enquanto eram construídos alguns dos cursos de pós-graduação de economia no Brasil, o Brasil voltou ao debate internacional como o país do futuro. Nos anos 1970, parecia que estávamos próximos de completar nosso parque industrial para, a partir de então, poder desfrutar dos benefícios da dinâmica econômica dos países desenvolvidos. Na última década, por outro lado, o otimismo disseminado pelos bons indicadores econômicos e sociais dos anos de governo Lula também levou alguns comentaristas a advogar que teríamos encontrado uma receita ideal para o desenvolvimento. Por meio da nova inserção do país na economia internacional e pela capacidade de transformação da sociedade brasileira mediante a disseminação de um padrão de consumo moderno, sentíamos que, quase naturalmente, poderíamos superar os desafios legados por nossas heranças econômicas e sociais de uma sociedade extremamente desigual.

Tal otimismo jogou o debate de mais longo prazo, da análise estrutural, para escanteio. Prevalece hoje entre os economistas a discussão conjuntural, que se concentra na análise da política econômica, em especial em seus erros e acertos. O otimismo sobre nossa economia durante a última década, todavia, assim como o existente nos anos 1970, parece ter desaguado numa nova crise, cuja compreensão talvez deva ir além de possíveis erros de política econômica, identificando os desafios que uma economia globalizada coloca aos países periféricos, tanto como fora o perfil daquela crise dos anos 1980. Será que vivemos um novo momento de uma construção interrompida? Quem sabe, por isso mesmo, a velha tradição de uma história econômica interpretativa e, por que não, propositiva, deve ser recuperada para recolocar-nos projetos de país para o futuro.

Referências

  • ABREU, Marcelo de Paiva (Org.).A ordem do progresso. Cem anos de política econômica republicana, 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
  • ABREU, Marcelo de Paiva (Org.).A ordem do progresso. Dois séculos de política econômica no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
  • BULMER-THOMAS,Victor. Book review of Francisco Vidal Luna & Herbert S. Klein. The economic and social history of Brazil since 1889. Economic History Review, 68(3), 2015, p. 1102-3.
  • DELFIM NETTO, Antonio. O problema do café no Brasil. São Paulo: FEA/USP, 1959.
  • FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1959.
  • FURTADO, Celso. Análise do "modelo" brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
  • FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
  • GIAMBIAGI, Fábio et al. Economia brasileira contemporânea, 1945-2010. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
  • LUNA, Francisco Vidal; KLEIN, Herbert S. The economic and social history of Brazil since 1889. New York: Cambridge University Press, 2014.
  • SAES, Flávio. A história econômica vista sob a perspectiva das revistas de economia. Revista brasileira de economia, Rio de Janeiro, v. 30, n. 2, 1976.
  • SAES, Flávio. Os rumos das pesquisas sobre a história econômica do Brasil. Leituras de economia política. Número 21, Campinas: IE/Unicamp, julho 2013.
  • SAES, Alexandre; MANZATTO, Rômulo; SOUSA, Euler. Ensino e pesquisa em história econômica: perfil docente e das disciplinas de história econômica nos cursos de graduação de economia no Brasil. Revista história econômica & história de empresas, [s/l], v. 18, n. 2, 2015.
  • 1
    The economic and social history of Brazil since 1889 foi publicado em 2014 em inglês pela Cambridge University Press e receberá uma versão em português em 2016 pela Editora Saraiva.
  • 2
    Nesse sentido, os livros de Celso Furtado publicados no início dos anos 1970, A análise do "modelo" brasileiro (1972) e O mito do desenvolvimento econômico (1974), poderiam dar um caráter mais qualitativo para a transformação da economia entre os dois períodos em destaque.
  • 3
    Vale reforçar que a bibliografia do livro é bastante completa, não somente para incorporar debates sobre temas menos comuns nos livros de história econômica, como, por exemplo, sobre a questão demográfica, mas também, mesmo para temas clássicos, como sobre a industrialização e a questão do financiamento da economia, em que os autores se valem de amplo referencial, inclusive de trabalhos recém-publicados como de teses e dissertações há pouco defendidas. Dispostas em notas, as referências são muito mais indicações de bibliografia para os temas do que uma descrição dos argumentos de cada perspectiva.
  • 4
    Esse levantamento da bibliografia dos cursos de Economia Brasileira nos cursos de graduação foi feito em Saes, Manzatto e Sousa (2015).
  • 5
    A descrição da política de valorização do café, por outro lado, recupera os argumentos de Antonio Delfim Netto em O problema do café no Brasil. Furtado e Delfim Netto são dois autores que ainda hoje compõem argumento na análise do período da Primeira República nos cursos de graduação de Economia. Cf. Furtado (1959) e Delfim Netto (1959).
  • 6
    Nas palavras do organizador: "Esta coletânea de artigos, ao avaliar de forma sistemática a formulação e a implementação de políticas econômicas no Brasil, destaca as continuidades e rupturas, fornecendo subsídios para a compreensão das origens dos principais problemas enfrentados hoje pela economia". A análise da trajetória da economia assume, assim, uma perspectiva dicotômica de "avaliação dos erros a acertos na condução da política econômica" (Abreu, 1989, introdução). Em sua avaliação sobre a política econômica dos governos do PT, presente na introdução à segunda edição de 2014, o organizador reforça essa perspectiva: "Com a vitória da oposição, a transição em 2002-2003 revelou-se menos problemática do que se temia, com o Partido dos Trabalhadores abandonando às pressas os seus excessos mais impetuosos como o repúdio das dívidas interna e externa. Parecia que se assistia ao fim de ideias equivocadas em matéria de política econômica. Ledo engano" (Abreu, 2014, p. xiii-xiv).
  • 7
    Por meio de convênios como MEC-USAID e Fundação Ford, o Brasil recebeu professores dos Estados Unidos, como Werner Baer e Albert Fishlow. Ambos possuem livros sobre a economia brasileira, sendo que o primeiro ficou reconhecido sobre seus estudos sobre a industrialização por substituição de importações, enquanto o segundo, ainda nos anos 1970, lançou importantes questões sobre a trajetória de desigualdade do governo militar.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2015
  • Aceito
    23 Out 2015
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