Open-access Movimento da taxa de lucro e mundialização do capital: a exportação do capital-produtivo na dinâmica da valorização imperfeita

The profit rate movement and mundialization of capital: the export of productive capital in the dynamics of imperfect valorization

Resumo

Este artigo explora a relação entre a dinâmica da lucratividade e o processo de exportação de capital, especialmente do capital-produtivo na forma de investimento estrangeiro direto. Essa tarefa é realizada em seus aspectos teóricos e empíricos. Retomam-se principalmente os estudos de Henryk Grossman, que, partindo de Marx, expõe o movimento de expansão internacional do capital como saída para o capital ocioso que se forma com a queda na taxa de lucro. Argumenta-se que apesar de a formação do mercado mundial estar contida na própria lógica do capital, sua manifestação mais recente esteve intimamente ligada aos problemas de lucratividade, em especial nos países de capitalismo avançado. Para esse movimento, a formação de capital ocioso é compreendida como elemento ainda mais fundamental do que os diferenciais internacionais de lucratividade. A análise empírica é realizada para os Estados Unidos, tanto pela maior disponibilidade de dados quanto pela sua posição na economia mundial.

Palavras-chave: taxa de lucro; capital ocioso; exportação de capital; mundialização do capital

Abstract

The article explores the relationship between the dynamics of profitability and the process of capital exportation, especially productive capital in the form of Foreign Direct Investment. This task is accomplished in its theoretical and empirical aspects. The studies of Henryk Grossman are resumed, who, starting from Marx, exposes the movement of international expansion of capital as an exit to the idle capital that is formed with the fall in the rate of profit. In this sense, it is argued that although the formation of the world market is contained in the logic of capital, its most recent manifestation is closely linked to the problems of profitability, especially in advanced capitalist countries. The formation of idle capital is understood with an even more fundamental element than the international differentials of profitability, for this movement. The empirical analysis is performed for the US, both by the greater availability of data and by its position in the world economy.

Key words: profit rate; idle capital; capital export; mundialization of capital

1 Introdução

As relações entre o movimento da taxa de lucro e os fluxos de comércio exterior e de capitais têm sido um tema clássico das abordagens marxistas da economia capitalista. Desde a formulação original de Marx, o qual, partindo de David Ricardo e ampliando seu argumento, sustentou que tais fluxos podem se apresentar como causa contrariante à queda da taxa de lucro (MARX, 1986). Na tradição da economia política marxiana, destacou-se o trabalho de Grossman (1992), que abordou os processos cíclicos e as crises na dinâmica da economia capitalista, relacionando-os com a formação de capitais ociosos, especulação mercantil e financeira e exportações de capital (comércio e investimento). Para Grossman, a exportação de capital torna-se uma necessidade imediata nos períodos de superacumulação, oferecendo destino para a valorização do capital que não encontra aplicação interna.

Neste artigo, busca-se retomar a argumentação dessa tradição acerca das relações entre as exportações de capital, especialmente na forma de capital produtivo, e o movimento da taxa de lucro, compreendido a partir das categorias marxianas de análise. A exportação na forma de capital produtivo é explicada a partir das tendências imanentes do capital, como forma específica da riqueza social, levando em conta as determinações desenvolvidas por Marx para a produção (livro primeiro) e a circulação (livro segundo) do capital industrial, bem como para a apropriação da mais-valia nas formas de lucro e juro. A retomada de alguns desses argumentos e determinações é feita brevemente na seção dois, a seguir, mas também se desenrola nas seções seguintes.

A tendência expansiva do capital redunda nos movimentos de exportação/importação de mercadorias e de investimentos e acumulação no exterior, mas isso transcorre de formas específicas conforme circunstâncias históricas que diferenciam e hierarquizam os espaços territoriais da acumulação capitalista. Em vista disso, tratamos de aplicar os argumentos da teoria marxiana à análise empírica das economias capitalistas avançadas nas últimas décadas, especialmente para a economia dos Estados Unidos (EUA), para a qual dispomos de informações detalhadas.

Na seção três, examinamos os fluxos de saída de capitais das economias avançadas, em sua relação com o movimento da taxa de lucro. Com dados para os EUA, averiguamos a tendência crescente dos fluxos de saída de investimento estrangeiro direto (IED) em relação à formação bruta de capital fixo (FBKF) na economia doméstica, assim como também do estoque de IED sobre estoque de capital fixo. Observamos, igualmente, um crescimento relativo da massa de rendimentos dos IEDs frente à massa do lucro operacional líquido doméstico. Analisamos a composição dos ativos do setor corporativo, destacando a importância relativa do capital fixo doméstico, dos estoques, das aplicações financeiras e dos IEDs.

Na seção quatro, estimamos as taxas de lucro sobre o patrimônio líquido e sobre os IEDs, para investigar se há ou não convergência, se os diferenciais são significativos, se modificam-se no tempo e se podem explicar o crescente peso do IED na acumulação de capital. A pletora de capital ocioso é outra explicação plausível na tradição marxiana, cabendo, nessa perspectiva, relevância menor para os eventuais diferenciais de rentabilidade. Fazendo uso de literatura atualizada sobre a taxa de lucro nos EUA e nos países de capitalismo avançado, discutimos nessa seção o comportamento das exportações de capitais e suas relações com o investimento doméstico, buscando explicar por que se observou uma estagnação neste último, mesmo quando a rentabilidade se recuperou. A seção final apresenta as conclusões do estudo realizado.

2 A exportação de capital na dinâmica da acumulação

Na concepção marxiana, “[a] tendência de criar o mercado mundial está imediatamente dada no próprio conceito de capital” (Marx, 2011, p. 265). Sua existência como valor que se valoriza supõe que o processo contínuo de produção, distribuição e consumo assuma, também, uma característica expansiva. Uma das formas como essa se revela é por meio da busca por novos mercados e regiões aptas não apenas a consumir, mas a aumentar a massa de valor produzida.

Pelo lado do valor, o processo de acumulação significa o reinvestimento periódico de parte da mais-valia gerada nos períodos anteriores. Desse modo, a magnitude dos capitais - ao menos daqueles que sobrevivem ao processo concorrencial - aumenta de maneira mais ou menos contínua. Massas maiores de capital se concentram como capitais individuais e unidades empresariais. Esse processo também se reflete numa expansão na quantidade de valores de uso produzidos, os quais são os portadores do valor e devem ser vendidos para que o capital se valorize. Acumulação e concentração do capital supõem, assim, a produção e venda em massa das mercadorias produzidas em escala crescente.

Segundo Grossman (1992, p. 168), a capacidade de produzir e vender essa magnitude de mercadorias torna-se questão de “vida ou morte para o capitalismo no estágio avançado da acumulação de capital”. Esse movimento gera a necessidade de expansão, conquista e controle de novos mercados para os capitais individuais. Por um lado, expressa-se no processo contínuo de concorrência e centralização do capital, por outro, na expansão internacional rumo a novos mercados.

O funcionamento da concorrência se relaciona de modo ainda mais estreito com a tendência de expansão global dos mercados. Isso porque uma das formas assumidas pela dinâmica concorrencial é o aumento da produtividade, o que ocasiona redução dos custos de produção e expansão da quantidade de mercadorias por unidade de tempo de trabalho. O desenvolvimento tecnológico permite que magnitudes dadas de valor se materializem em quantidades crescentes de valores de uso. Desse modo, a expansão da massa de mercadorias a serem vendidas pode ser ainda mais acelerada que a da própria acumulação de capital. Ou seja, o crescimento da massa de valores de uso responde tanto à acumulação de capital quanto ao desenvolvimento tecnológico e ao aumento da produtividade.

Essas forças, que implicam uma expansão do quantum de mercadorias de modo mais acelerado do que o progresso da acumulação, estão na base de um fenômeno que acompanha a história do modo de produção capitalista. Nesse caso, o aumento mais acelerado do comércio mundial em relação à produção global (Giussani, 1996; Ortiz-Ospina; Roser, 2018). Tomando-se como exemplo uma economia nacional, o ritmo de produção interna de mercadorias reflete tanto o nível de sua acumulação de capital quanto o desenvolvimento de suas forças produtivas e, portanto, o aumento da produtividade interna. No entanto, a capacidade local de absorção dessas mercadorias não cresce, necessariamente, na mesma proporção de sua produção física, aumentando as pressões para realizá-las no mercado internacional.

Para uma mercadoria específica, por exemplo, se a capacidade produtiva dobrar pelo efeito da acumulação e da produtividade, em determinado período, o mesmo não deve ocorrer com a capacidade e intenção de consumo dessa mercadoria na esfera nacional. Mesmo com redução dos preços de venda, nada implica um ritmo de expansão do consumo interno proporcional ao de sua produção. Engels, na introdução feita ao discurso de Marx sobre o livre-comércio diante da Associação Democrática de Bruxelas em 1848, identifica o funcionamento desse processo:

The moment a branch of national industry has completely conquered the home market, that moment exportation becomes a necessity to it. Under capitalist conditions, an industry either expands or wanes. A trade cannot remain stationary; stoppage of expansion is incipient ruin; the progress of mechanical and chemical invention, by constantly superseding human labor, and ever more rapidly increasing and concentrating capital, creates in every stagnant industry a glut both of workers and of capital, a glut which finds no vent anywhere, because the same process is taking place in all other industries. Thus, the passage from a home to an export trade becomes a question of life and death for the industries concerned (…)(Engels, apud Marx, 2000, p. 10).

No entanto, mesmo existindo como tendência imanente ao processo de acumulação de capital, o movimento de expansão e formação do mercado mundial não ocorre de maneira linear. Segundo Giussani (1996), houve períodos de retração nessa tendência e outros de crescimento mais ou menos acelerado. Um dos fatores que parece ter relação com essa dinâmica, o qual é apontado tanto por Marx quanto por Grossman, é o movimento da taxa de lucro. Como indicado por Engels na citação anterior, essa necessidade de expansão está relacionada com a própria formação de um excesso de capital. Grossman define essa situação como períodos de “sobreacumulação, escassez de oportunidades de investimentos, em suma, [existência de] grandes magnitudes de capital disponível” (1992, p. 116). Tal situação não significa, porém, um excesso absoluto de mais-valia e capital, mas apenas em relação às possibilidades imediatas de valorização (Grossman, 1992, p. 166). Nesses períodos, o capital adicional só encontra oportunidade de valorizar-se, dentro das condições existentes, ao custo de deslocar capital já empregado.1 Marx também define a existência de capital ocioso ou em alqueive, como aquele que “teria primeiro de deslocar de sua posição o capital já em funcionamento para se valorizar ao todo” (Marx, 1986, p. 190). Em tal situação haveria um acirramento nas tensões concorrenciais, dada a possibilidade limitada de valorização da totalidade do valor em busca de expansão. A necessidade do capital ocioso de deslocar o capital empregado para sua valorização implicaria, consequentemente, destruição de parte do valor existente e, portanto, em situações de crise econômica. Na ausência de destruição de capital, seja de sua parte aplicada, seja de sua parte ociosa, o resultado seria uma queda ainda maior nas taxas de lucro. Segundo Marx (1986, p. 190):

(...) está claro que essa desvalorização factual do capital antigo não poderia ocorrer sem luta, que o capital adicional ΔC não poderia funcionar como capital sem luta. A taxa de lucro não cairia por causa de concorrência devido à superprodução de capital. Mas, pelo contrário, porque a taxa de lucro diminuída e a superprodução de capital se originam das mesmas circunstâncias, agora se desencadearia a luta concorrencial. A parte de ΔC que se encontraria nas mãos dos capitalistas antigos em funcionamento seria deixada por eles mais ou menos em alqueive, para não desvalorizar seu próprio capital original e não estreitar seu lugar dentro do campo de produção, ou eles iriam empregá-la para, mesmo com perdas momentâneas, transferir a colocação em alqueive do capital adicional aos novos intrusos e, em geral, a seus concorrentes.

A exportação de capital torna-se uma necessidade imediata nesses períodos, oferecendo destino para a valorização do capital que não encontra aplicação interna. Considera-se, portanto, que existe uma relação histórica aparente entre o movimento da taxa de lucro, a formação de capital excedente e a expansão de seus fluxos na esfera internacional. Para investigar esse mecanismo são apresentadas na seção seguinte algumas evidências dessa relação, em especial considerando-se o capital-produtivo na forma de IED e particularmente para a economia dos EUA.

Vale ressaltar, antes, que apesar de nem todo fluxo de IED se materializar em novos investimentos produtivos, esse é o que pode ser melhor comparado com o investimento em capital-produtivo doméstico. Outras formas de aplicação, como os investimentos em carteira e em derivativos, detêm lógicas de valorização mais ligadas a ganhos de capital e especulativos, ou seja, de apropriação, e não de geração de valor. No entanto, mesmo esses movimentos de IED têm adquirido de modo crescente caráter também especulativo2 (Petras; Veltmeyer, 2007). Análises empíricas para o Brasil (Souza; Corrêa, 2017), por exemplo, apontam que a volatilidade desses fluxos que entram no país é próxima àquela observada nos investimentos estrangeiros em carteira, indicando uma lógica de valorização similar do IED. Outra característica, quando se analisa a saída do investimento estrangeiro direto nos EUA, é seu direcionamento em grande medida para paraísos fiscais e uma dominância do IED na forma de fusões e aquisições, em comparação aos novos investimentos produtivos (greenfield).

Mesmo com tais ressalvas, investigamos o movimento de IED como característica importante do capitalismo após a crise dos anos de 1980. Os processos de expansão das cadeias globais de valor, transformações dos fluxos comerciais e ascensão de novos centros produtivos globais se relacionam a esse tipo de movimento de capital (Milberg, 2013). Uma vez que pelo menos parte dele se materializa em novas unidades produtivas, ou mesmo em aquisição de unidades existentes, esses capitais passam a contribuir para a geração de valor na esfera global e a disputar sua valorização através das distintas taxas de lucro que vigoram em cada local em que se instalam.

Uma análise pormenorizada sobre o caráter especulativo e real desses movimentos excederia o escopo deste trabalho. Seu objetivo é uma aproximação da abordagem de Grossman como explicativa dos fluxos de IED no capitalismo contemporâneo. Qual seja, a relação entre excedente de capital, valorização imperfeita e exportação de capital. A hipótese central que buscamos fundamentar é a de que, apesar da tendência do capital em se generalizar globalmente, esse movimento é dinamizado em períodos de baixa lucratividade. Esse fenômeno foi característico do capitalismo contemporâneo, especialmente nas economias avançadas.

3 Movimento da taxa de lucro e a exportação de capital na forma de Investimento Estrangeiro Direto.

Uma das características da economia mundial desde a recuperação da crise dos anos de 1970-1980 foi o movimento crescente do capital na esfera internacional, em todas as suas formas. Tanto o comércio internacional, quanto os fluxos financeiros e de investimentos estrangeiros diretos, apresentaram uma dinâmica muito mais acelerada de crescimento do que a produção mundial. Nesta seção, é analisado de modo mais detalhado o fluxo de IED. A escolha por essa forma de capital deve-se a dois motivos principais. Em primeiro lugar, porque suas características estão mais diretamente ligadas à expansão do novo valor criado em escala global ou à sua apropriação pelo processo de centralização. Em segundo lugar, porque seu movimento tem apresentado um comportamento oposto ao nível da acumulação doméstica nas economias avançadas (Durand; Gueuder, 2016). As evidências apresentadas nesta seção e na próxima apontam que esses fluxos mantiveram uma relação estreita com a recuperação limitada da lucratividade, em especial quando se analisa a economia dos EUA.3 Ou seja, o investimento estrangeiro direto apresentou-se, no período estudado, como uma saída importante para aquela parcela do capital que não encontrava oportunidades adequadas de valorização na esfera doméstica.

O movimento dessa forma de capital tem um impacto sobre a taxa de lucro distinto daquele decorrente do capital-mercadoria. A principal diferença está no fato de que é o investimento estrangeiro direto que em parte se materializa em nova capacidade produtiva, em parte na aquisição de capacidade existente, formando ou se apropriando de um estoque de capital no local a que se destina. Esse estoque participará do processo de produção e/ou apropriação da mais-valia ao longo de sua existência e, assim, terá um efeito mais duradouro sobre a taxa de lucro. Nesse sentido, tanto o fluxo quanto o estoque de investimento estrangeiro direto contribuem para a lucratividade. O primeiro, por proporcionar um destino aos capitais que não encontram oportunidades internas de valorização. O segundo, por possibilitar um aumento na massa de valor que é produzida e circula globalmente.

A existência de capital excedente ou ocioso é, para Gossman (1992), o fator principal na aceleração de seu movimento de internacionalização. Segundo o autor, conforme a superacumulação deixa de ser um fenômeno meramente passageiro (Grossman, 1992), a expansão para a esfera internacional torna-se característica necessária do modo de produção capitalista. Dessa forma, a superacumulação transforma a tendência à formação do mercado mundial - tanto em seus aspectos quantitativos quanto qualitativos - em uma necessidade histórica. Para Grossman (1992, p. 190): “The limit of overaccumulation is broken through by the credit system, that is, by export of capital and the additional surplus value obtained by means of it. It is in this specific sense that the late stage of accumulation is characterized by the export of capital.”

A tendência, dentro da abordagem de Grossman, é que nos estágios de superacumulação os investimentos externos cresçam mais rapidamente do que os investimentos internos. Esse fenômeno deve ser mais acentuado nas economias avançadas, nas quais o desenvolvimento maior das forças produtivas se reflete primeiro em tal situação. Analisando-se a relação entre o investimento interno (formação bruta de capital fixo) e o fluxo de saída de investimento estrangeiro direto, percebe-se que esse movimento é bastante evidente para essas economias (Figura 1). Em todas aquelas analisadas, a relação entre investimento estrangeiro direto e investimento doméstico foi praticamente constante entre 1970 e o início da década de 1980. Entre esse período e meados dos anos de 1990 os fluxos de IED passaram a crescer de forma mais acelerada, porém ainda em uma trajetória suave. No entanto, a partir de então seu movimento tornou-se bastante volátil, expandindo-se rapidamente nos períodos que antecederam as crises de 2001 e de 2008, caindo imediatamente após esses eventos e voltando a crescer de forma intensa em seguida.

Figura 1
Saída de IED como percentual da FBKF: economias avançadas - 1970-2015

Essa figura pode, no entanto, subestimar o movimento de troca de acumulação interna por externa. Dado que considera o total na economia, o investimento doméstico inclui aqueles setores que não participam dos fluxos internacionais. Se tomarmos, assim, apenas as empresas multinacionais esse processo fica ainda mais evidente. Apesar de os dados para os EUA estarem disponíveis somente a partir de 1997, é possível comparar a evolução do total de ativos das empresas matrizes com o das filiais que são majoritariamente possuídas por essas mesmas matrizes.4 No início desse período, os ativos dessas filiais correspondiam a aproximadamente 33,5% dos ativos das matrizes. Entre 1997 e 2008 essa relação apresentou rápida aceleração, chegando a 68% nesse último ano. A partir da crise de 2008 a participação se estabilizou, caindo levemente após 2013 e alcançando em 2015 o patamar de quase 63% (BEA, 2017).

Para uma perspectiva de mais longo prazo, é possível analisar a relação entre o estoque de ativos na forma de investimento estrangeiro direto e o estoque de capital fixo do setor corporativo não financeiro (Figura 2). Essa apresentou, nos EUA, trajetória contínua de crescimento entre 1945 e 1980. Seu movimento foi interrompido com a crise dos anos de 1970/1980 e retomado de maneira acelerada na segunda metade da década de 1990. Desde então, o processo de acumulação, para as empresas não financeiras dos EUA, foi muito mais dinâmico na esfera internacional do que na esfera doméstica.

Figura 2
Relação entre estoque de investimento estrangeiro direto e o estoque de capital fixo do setor corporativo não financeiro: EUA - 1945-2016

Durand e Gueuder (2016) também investigam essa relação entre investimento interno e externo e identificam uma troca, por parte das empresas não financeiras dos EUA, em favor do segundo. Os autores analisam três linhas de explicação para a queda do investimento doméstico no país, sendo duas ligadas ao fenômeno da financeirização e uma ao da “globalização”. A primeira identifica como causa dessa redução o possível dreno promovido pelas finanças em relação aos lucros auferidos pelas empresas não financeiras - hipótese da vingança dos rentistas. Dessa forma, essas teriam parte de seus recursos disponíveis para investimentos canalizados para essa esfera. A segunda linha aponta que essa diminuição é resultado do aumento dos ganhos financeiros por parte dessas empresas não financeiras - hipótese da virada financeira da acumulação. Esse movimento teria gerado uma substituição do investimento produtivo pelo investimento nas finanças. A terceira identifica uma mudança por parte das companhias em favor dos investimentos produtivos no exterior, os quais haveriam substituído as inversões domésticas - hipótese da globalização. Com isso, as empresas não financeiras teriam adquirido a possibilidade de aumentar suas margens de lucro pela compra de insumos e mercadorias mais baratas, ao mesmo tempo que novas oportunidades para aplicação de seus capitais se abririam. A partir das evidências encontradas, os autores concluem que:

We have presented stylized facts that support these three narratives. However, a parallel examination of the three narratives, the theoretical discussion and the econometric analysis suggest that their plausibility is uneven. The Revenge of the Rentiers narrative is dismissed by our study. This is not the case for the Financial Turn of Accumulation narrative, but evidence is weak and ambivalent at this stage. Contrastingly, the Globalization narrative appears to be the most convincing on theoretical and empirical grounds. It suggests that non-financial corporations of rich economies have been able to capture gains from the dynamism of developing economies and, at the same time, that investment opportunities in the developing world have discouraged domestic investment (DURAND; GUEUDER, 2016, p. 24).

Seguindo a narrativa da virada financeira da acumulação, Fiebiger (2016) apresenta certas ressalvas sobre a extensão da dependência dos ganhos financeiros para as empresas não financeiras. Para o autor, magnitude importante desses ganhos são dividendos pagos pelas filiais, ou seja, parte do lucro auferido em suas operações internacionais, que são, porém, contabilizados como receitas financeiras. Duménil e Levy (2004) levantam questionamentos similares e ponderam esses rendimentos na mensuração dos lucros financeiros.

A narrativa da globalização, apresentada por Durand e Gueder (2016), sobre as maiores oportunidades de investimento no exterior pode, porém, ser entendida de duas formas principais. A primeira, relacionada à possibilidade das empresas de auferirem maiores lucros no exterior e, assim, optarem por esse tipo de aplicação para seus capitais. A segunda, mais próxima de Grossman, ligada à existência de capital excedente que não encontra oportunidades internas de inversão, e que é, então, exportado. Essas duas questões podem estar conectadas, de forma que a relação entre elas é de difícil identificação. Como exposto nos dados anteriormente, desde meados da década de 1990, nas economias avançadas os investimentos externos cresceram mais rapidamente do que os investimentos internos. O efeito esperado desse movimento sobre os lucros é que cresça também a participação dos rendimentos estrangeiros nos rendimentos totais. Dessa forma, a maior dependência em relação aos retornos externos pode aparecer mais como efeito do que causa desse movimento.

4 Diferenciais de lucratividade e capital ocioso no movimento do IED

Quando se analisa a relação entre os rendimentos gerados pelos investimentos diretos externos (dividendos recebidos pelo IED e lucros reinvestidos) e o lucro operacional líquido doméstico, assim como o comportamento dos estoques de IED sobre o Produto Interno Bruto (PIB), percebe-se que essas variáveis cresceram de maneira conjunta em praticamente todos os períodos (Figura 3). Ou seja, a massa de lucro auferida no exterior expandiu-se mais rapidamente do que a massa de lucro doméstica, ao mesmo tempo que a acumulação externa cresceu mais rapidamente que a interna. Tal comportamento só foi quebrado após a crise de 2008, momento em que os rendimentos obtidos pelos investimentos externos caíram em relação ao lucro doméstico. Ambas as variáveis apresentaram uma expansão acelerada a partir de 1998, período em que a taxa de lucro sobre patrimônio líquido (Figura 4) reverteu sua trajetória de recuperação desde a crise dos anos de 1970/1980 e passou a cair.

Figura 3
Rendimentos do IED como percentual do lucro operacional líquido e estoques de IED como percentual do PIB: EUA - 1948-2016 (setor corporativo)

Como já observado por Marx, os capitais aplicados na esfera internacional, em especial em locais de menor desenvolvimento das forças produtivas, podem auferir uma lucratividade maior por dois motivos principais. Em primeiro lugar, porque encontram nesses locais uma composição orgânica menor, e, assim, taxas de lucros maiores. Em segundo lugar, porque competem com capitais de tecnologia defasada, detendo, assim, vantagens competitivas e auferindo lucros extraordinários. Maito (2014) e Roberts (2012) procuram evidências para essas diferenças e encontram resultados que corroboram as afirmações de Marx. De acordo com os dados de Maito (2014, p. 14), apesar de uma trajetória similar de queda nas taxas de lucro, seu nível foi superior nos países atrasados em comparação com os adiantados, em todos os períodos analisados.

Para os EUA é possível comparar o movimento da lucratividade sobre o patrimônio líquido na esfera doméstica e a lucratividade sobre o estoque de investimento estrangeiro direto (Figura 4). Ambas apresentaram, desde 1948, uma trajetória similar de queda, porém com taxa de lucro maior para os investimentos na esfera internacional em praticamente todos os períodos. Esses diferenciais eram elevados no imediato pós-guerra, caindo nas décadas seguintes e alcançando um mínimo em meados de 1960. Após esse período voltaram a crescer, tendo um pico em 1974, possivelmente pelo efeito distinto sobre os rendimentos internos e externos causado pela crise do petróleo. Durante os anos de 1990, a taxa de lucro sobre IED permaneceu mais elevada do que a doméstica, porém em um nível estável. Esses diferenciais acentuaram-se entre 2002 e 2008 e se reduziram de forma mais ou menos contínua desde a última crise.

Figura 4
Taxa de lucro sobre patrimônio líquido (rPL1), sobre estoque de IED (rE) e diferenciais de taxa de lucro (rE - rPL1): EUA - 1948-2016

Os maiores lucros externos detêm, assim, importância no sentido de elevar a lucratividade geral do capital. Num primeiro momento, os investimentos estrangeiros podem até mesmo aumentar a taxa de lucro vigente nas regiões a que se destinam. Dado que esses investimentos transformam as técnicas produtivas locais e incorporam no circuito do capital setores até então fora do processo de acumulação capitalista, eles expandem a massa de riqueza que circula como valor. No entanto, segundo Grossman (1992, p. 197): “With the progress of accumulation the number of countries grows in which accumulation approaches absolute limits.” Nesse sentido, a exportação de capital também generaliza a forma contraditória com que a valorização e acumulação se expressam. Por mais que possam ser distintas, portanto, as taxas de lucros que os capitais auferem na esfera doméstica e na esfera internacional mantêm uma vinculação.5 Essa pode ser percebida nos dados expostos no Figura 4.

Uma vez que que o próprio fluxo internacional de capitais atua para a vinculação das taxas de lucro entre as diferentes regiões, os diferenciais de lucratividade tendem a perder força como motor desse movimento. Sua relação com esses fluxos está determinada pelo próprio comportamento da dinâmica concorrencial. Como exposto por Marx, uma das formas como o processo de concorrência se expressa é nos movimentos dos capitais dos setores de menor lucratividade para os de maior. Tais fluxos geram uma tendência de equalização das taxas de lucro intersetoriais. A dinâmica e a intensidade desses movimentos e, portanto, dessa tendência dependem de uma série de fatores. Entre eles estão o tempo de maturação dos investimentos, a proporção em que o capital se distribui em suas várias formas, o desenvolvimento do sistema de crédito etc. (Semmler, 1983). Segundo Maldonado (1989, p. 253), inúmeras condições se somam, fazendo com que esse processo tendencial de equalização se manifeste em movimentos de diferenciação:

(...) a existência de uma tendência à equalização das taxas de lucro não implica, segundo Marx, que essa uniformidade seja de fato obtida. A própria concorrência, a mudança tecnológica, os diferenciais de risco, etc. são fatores que, permanentemente, fazem com que as taxas intersetoriais de lucro sejam diferentes. Ou seja, existe uma multiplicidade de fatores que atuam sobre os preços de mercado e, por conseguinte, sobre as taxas de lucro, fazendo com que, em qualquer momento, existam diferenciais de lucratividade. Segundo Marx, "(...) a taxa de lucro não é mais do que uma tendência, um processo, para equalizar taxas de lucros específicas".

A persistência dos diferenciais de lucratividade dos capitais na esfera doméstica e externa, sem uma tendência clara de diminuição ou expansão, pode ser reflexo de alguns desses fatores. Em especial, a questão dos maiores riscos associados ao investimento nos mercados internacionais. É esperado, portanto, que os capitais investidos fora da esfera doméstica obtenham uma rentabilidade maior do que aqueles aplicados internamente. No entanto, o movimento próximo entre essas taxas de lucro expressa a manutenção de uma tendência à equalização, resultado do processo concorrencial. Seguindo os dados da figura 4, percebe-se que a tendência linear nesses diferenciais se apresentou constante ao longo do tempo, com uma inclinação muito próxima de zero. Em praticamente todo o período analisado, as taxas de lucro externas foram superiores à interna, mas sem tendência de aumento nessa diferença. Como argumentado anteriormente, é esperado tal comportamento entre essas taxas. Assim, não houve um aumento significativo nesses diferenciais no período que justificasse a explosão do IED, especialmente a partir de finais dos anos de 1980.

Duménil e Levy (2004) apresentam comparação semelhante entre a taxa de lucro doméstica e a taxa de lucro dos investimentos externos, para os EUA. Os dados dos autores corroboram as evidências aqui apresentadas, em especial sobre a tendência parecida nas duas taxas e um nível maior nas taxas de lucro externas do que nas internas. Ademais, em sua análise também não se evidência um crescimento acelerado nesses diferenciais que seja concomitante à expansão do IED a partir de meados dos anos de 1980. O efeito desses diferenciais sobre o processo de exportação de capital parece, assim, ser mais constante ao longo do tempo, dado que perduraram em quase todo o período analisado. Ou seja, esses diferenciais de lucratividade não podem ser tomados como característica particular das últimas décadas e, por isso, como fator principal na aceleração dos fluxos de IED nesse período.

Mesmo que esses diferenciais de lucratividade mantenham algum papel na exportação de capital, esse processo será limitado na ausência de capital ocioso, em especial na forma dinheiro (Grossman, 1992). Em tal situação, por mais que o capital valorizado não seja reinvestido localmente, apenas uma pequena parcela dele estaria livre para ser investida no mercado externo. Considerando uma situação extrema, em que internamente o circuito do capital se restringisse à reprodução simples e toda reprodução ampliada ocorresse externamente. Nesse caso, na ausência de capital-dinheiro ocioso, somente a mais-valia produzida em cada período e a depreciação do capital fixo estariam disponíveis como dinheiro para ser exportado.

O capital excedente tende a formar-se conforme diminui a taxa de lucro, e em especial, nos períodos de crise (Grossman, 1992). Uma de suas formas aparentes está no acúmulo de dinheiro em reservas bancárias - que podem ser transformadas em títulos financeiros -, as quais ultrapassam os requisitos da produção e da circulação. Segundo Marx (1980, p. 930):

(...) na reprodução, como na acumulação de capital, não se trata somente de repor a mesma massa de valores de uso que forma o capital, na escala anterior ou em escala ampliada (caso da acumulação), mas de repor o valor do capital adiantado com a taxa de lucro normal (mais-valia). Se caírem, portanto, os preços de mercado das mercadorias (de todas ou da maioria, tanto faz) muito abaixo dos respectivos preços de custo, contrair-se-á o mais possível a reprodução do capital. A acumulação, porém, paralisa-se ainda mais. Mais-valia amontoada na forma de dinheiro (ouro ou bilhetes) só com prejuízo se converteria em capital. Fica por isso ociosa, entesourada nos bancos ou na forma de moeda escritural, o que em nada altera a natureza da situação. A mesma paralisação poderá surgir de causas opostas, quando faltarem as precondições reais da reprodução (...). Ocorre paralisação na reprodução e, por isso, no fluxo da circulação. Compra e venda se imobilizam reciprocamente, e capital desocupado aparece na forma de dinheiro ocioso.

Nesses períodos “em que se acumula mais capital [monetário] do que se pode empregar na produção” são impulsionados os empréstimos externos e os movimentos especulativos (Marx, 1980, p. 920).6 Para Grossman, a saída para o exterior possibilita que essa massa de dinheiro ociosa volte a funcionar como capital e assim deixe de pressionar para baixo a taxa de lucro doméstica. Esse processo pode ser revertido nos estágios em que a acumulação interna retoma seu dinamismo, no entanto, tende a ser contínuo enquanto perdurar a situação de valorização imperfeita. Nesses momentos, também se acirra a concorrência entre os capitais pela mais-valia disponível e pelas oportunidades de valorização, a qual assume um caráter mundializado (Grossman, 1992).

Essa interpretação se diferencia daquela apresentada pela teoria do capital monopolista, proposta por Baran e Sweezy (1966). Para eles, a formação de monopólios e a diminuição da concorrência limitam a absorção do excedente de capital e ocasionam uma tendência de estagnação econômica de longo prazo. Para Grossman (1992), no entanto, a dinâmica da concorrência aparece como consequência da valorização imperfeita, e não como sua causa. Se para Baran e Sweezy o desenvolvimento do modo de produção capitalista significa um estancamento da competição, para Grossman é em seu estágio avançado que esse fenômeno assume sua forma mais acabada. A mesma interpretação pode ser encontrada em Marx (1986, p. 191). Segundo ele:

Quando já não se trata de repartição do lucro, mas do prejuízo, cada um procura diminuir tanto quanto possível seu quantum do mesmo e empurrá-lo ao outro. O prejuízo é inevitável para a classe. Quanto, porém, cada um tem de suportar, até que ponto ele tem de acabar participando dele, torna-se uma questão de poder e de astúcia, transformando-se então a concorrência numa luta entre irmãos inimigos. A antítese entre o interesse de cada capitalista individual e o da classe capitalista se faz valer então, assim como antes a identidade desses interesses se impunha praticamente mediante a concorrência.

Existe, assim, uma relação recíproca entre mundialização do capital e aumento da concorrência, de modo que uma não pode ser tomada como causa ou efeito da outra7 (Smith, 2010). Ambos respondem, porém, à dinâmica da taxa de lucro, sendo o resultado dessa relação o desenvolvimento do mercado mundial.

Esses processos se tornaram mais evidentes nas últimas décadas, expressando-se na evolução da lucratividade, do capital excedente, da acumulação interna e da exportação de capital. Para todos esses fenômenos os anos de 1980 e 1990 significaram um ponto de inflexão em sua trajetória histórica (Figura 5). Nos EUA, a alocação do capital se afastou do investimento doméstico em capital fixo e se dirigiu, num primeiro momento, para os ativos financeiros. A partir do começo dos anos 2000, enquanto a participação dos demais ativos no total permaneceu constante ou mesmo declinou, a do estoque de IED expandiu-se. A partir da década de 1980 a tendência foi de uma migração dos ativos fixos e estoques para os ativos financeiros e externos.

Figura 5
Composição do ativo do setor corporativo não financeiros: EUA - 1946-2016

Analisando-se apenas o comportamento da lucratividade e da exportação de capital, percebe-se que o movimento de ambos foi bastante relacionado durante o pós-guerra (Figura 6). Entre 1946 e o início dos anos de 1980, a tendência de queda na taxa de lucro foi conjunta ao crescimento mais ou menos contínuo na relação entre estoque de IED e PIB, nos EUA. Após esse período, o movimento de queda da primeira foi interrompido, e a segunda manteve um comportamento estável. A partir da segunda metade dos anos de 1990, momento em que a taxa de lucro sobre patrimônio líquido volta a cair de maneira mais acelerada, a relação IED/PIB apresenta forte elevação, alcançando no final do período seus níveis históricos mais elevados. O mesmo movimento pode ser percebido quando se analisa o comportamento dos fluxos dessa variável. Como exposto na figura 1, a queda mais acentuada da lucratividade após 1997 foi conjunta a um movimento bastante volátil do IED, o qual se expandiu de forma acelerada nos anos que antecederam as crises de 2001 e 2008.

Figura 6
Relação entre a média móvel da taxa de lucro sobre patrimônio líquido (rPL1) e o estoque de IED sobre PIB: EUA - 1949-2016

A expansão para o mercado externo estabeleceu-se, assim, como um elemento fundamental da dinâmica econômica após a crise dos anos de 1970/1980. Mesmo restringindo a análise ao movimento de IED, percebe-se que esse contribuiu tanto na expansão da massa de lucro disponível para as empresas, quanto como destino para os capitais que não encontravam oportunidades de valorização na esfera doméstica. Considerando-se as empresas multinacionais dos EUA, por exemplo, os rendimentos líquidos das filiais majoritariamente possuídas passaram de aproximadamente 43% em comparação com o das matrizes em 1997 para cerca de 100% em 2015 (BEA, 2018). Esse comportamento foi simultâneo a uma expansão muito mais acelerada dos investimentos externos que internos. Para Durand e Gueuder (2016) e Fiebiger (2016), essa troca foi o principal fator explicativo da redução da acumulação doméstica, especialmente nos EUA.

5 Conclusão

Considerando os elementos expostos neste artigo, compreende-se que a exportação de capital apareceu como um fator central para a recuperação das economias capitalistas avançadas, em especial dos EUA, após a crise dos anos de 1970 e 1980 (Roberts, 2012). Esse movimento aprofundou-se nas décadas seguintes, indicando que os processos de valorização e acumulação mantiveram sua dependência para com a expansão do capital para a esfera internacional. Sua contribuição deu-se em vários sentidos, seja através do rebaixamento do valor do capital constante, da abertura de novos espaços de valorização com maiores taxas de lucro ou elevando a competição entre trabalhadores e pressionando para a redução nos salários.

No entanto, argumentou-se que a baixa lucratividade vigente nas economias avançadas no período foi o impulso fundamental desse movimento. A análise baseou-se principalmente na economia dos EUA, país que apresentou uma recuperação lenta da taxa de lucro entre meados dos anos de 1980 e 1990, e queda desde então.

Para Grossman, assim como em Marx, a queda na taxa de lucro é concomitante à formação de capital que não encontra oportunidades adequadas de valorização, ou seja, capital que se torna ocioso. Diante de tal situação, uma das formas de aplicação desse capital é seu investimento no mercado externo. Mais do que diferenciais internacionais de taxa de lucro, ou uma estratégia concorrencial baseada na busca por produção com menores salários, entende-se que o elemento principal do processo de mundialização do capital - em especial do capital produtivo na forma de investimento estrangeiro direto - foi a existência de capital em excesso que não encontrava oportunidades internas de valorização.

Algumas ressalvas podem ser feitas sobre as comparações feitas neste trabalho entre o investimento doméstico na forma de FBKF e o IED. Como discutido, nem todo fluxo de IED se materializa em investimento produtivo no exterior, podendo manter-se em formas líquidas e adquirir características de aplicações financeiras. No entanto, mesmo que parte crescente do IED assuma movimentos especulativos, isso não invalida o argumento de Grossman. Para o autor, tanto a expansão das finanças quanto a exportação de capital respondem a um estímulo comum, qual seja, a existência de um excesso de capital que não encontra possibilidades adequadas de valorização dentro das condições vigentes. Em seu livro de 1929 ambos os movimentos são tratados em conjunto com sua teoria de capital excedente.

Pelo lado estritamente quantitativo, a FBKF e o IED também são relacionados nos estudos realizados por organismos internacionais. A própria UNCTAD fornece em suas bases de dados a série histórica de saída de IED como proporção da FBKF doméstica. De qualquer modo, tanto os fluxos de IED que refletem o movimento do capital-produtivo quanto aqueles ligados a fluxos financeiros reforçam as teses de Grossman para a análise do capitalismo global após a crise dos anos de 1970/1980. Nesse período, tanto a expansão financeira quanto a exportação de capital-produtivo apresentaram uma dinâmica conjunta de expansão.

Mesmo com esses movimentos do capital para contornar seus problemas de valorização, o modo de produção capitalista entrou em nova crise no final dos anos 2000 e desde então tem dado sinais de uma recuperação instável e lenta (Choonara, 2018). Nesse sentido, o estudo até aqui realizado se insere no marco das questões levantadas por Smith (2010, p. 274). Para esse autor a expansão internacional do capital foi elemento central para a saída da crise dos anos de 1970, particularmente para os países avançados.

Como observa Grossman, no entanto, a expansão do capital para a esfera internacional ao mesmo tempo que confere novo fôlego para a acumulação de capital e adia a emergência de crises ela, também exporta as contradições inerentes a esse processo. A universalização das relações sociais de produção capitalistas que acompanha esse movimento e o decorrente aumento da concorrência fazem com que situações de baixa lucratividade e excedente de capital apareçam também nas regiões que antes eram absorvedoras desses capitais. O caso mais explícito dessa dinâmica é a participação da China nos fluxos de investimento estrangeiro direto. Se durante as décadas de 1990 e meados de 2000 esse país foi um dos principais absorvedores desse tipo de capital, atualmente está entre os países que mais o exportam. A tendência, portanto, é que se intensifique a competição internacional pelas oportunidades de valorização, as quais podem mesmo evoluir para enfrentamentos de caráter geopolítico. O aprofundamento dessas questões e análise de seu caráter contraditório é, no entanto, tarefa para pesquisas posteriores.

Agradecimentos

Agradecemos ao professor Marcelo Milan pela leitura e comentários. Aos pareceristas da revista nova econômica, pelas importantes contribuições ao texto final. Qualquer erro remanescente é de nossa exclusiva responsabilidade.

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  • Códigos JEL:
    F21, F23, P16
  • JEL Codes:
    F21, F23, P16
  • 1
    Segundo Grossman (1992, p. 187): “According to Marx’s definition of absolute overaccumulation it is not necessary for profit on the total capital to disappear completely. It disappears only for the additional capital which is accumulated. In practice the additional capital will displace a portion of the existing capital so that for the total capital a lower rate of profit results. However, whereas a falling rate of profit is generally bound up with a growing mass of profit, absolute overaccumulation is characterized by the fact that here the mass of profit of the expanded total capital remains the same.”
  • 2
    Consideram-se como IED os fluxos de capital para abertura ou expansão de uma planta produtiva, aquisição de empresas estrangeiras, empréstimos entre matrizes e filiais e lucros reinvestidos pelas filiais. Geralmente, sempre que ocorre uma aquisição maior do que 10% do capital acionário de uma companhia estrangeira, o fluxo é contabilizado como IED. Além desse fator, outro que contribui para o caráter especulativo desses fluxos é que a remessa de recursos de uma matriz para uma filial não necessariamente é utilizada para investimentos produtivos, podendo manter-se em forma líquida e ser aplicado em ativos financeiros no estrangeiro. A abertura de filiais em paraísos fiscais também colabora para o caráter especulativo do estoque de capital que é registrado do IED. Como parte dos lucros gerados em filiais é registrada nesses paraísos fiscais, esse lucro aparece como reinvestimento e aumenta o estoque de IED. No entanto, ou acaba sendo reexportado para outras filiais, ou aplicado em ativos financeiros. Um indicativo da magnitude do IED que permanece em ativos líquidos, em vez de fixos, pôde ser verificado no comportamento de repatriação de capitais pelas empresas dos EUA em 2005, ano em que o governo propôs uma facilitação tributária para a nacionalização desses recursos registrados como IED.
  • 3
    O movimento da taxa de lucro nos EUA tem sido amplamente investigado dentro do campo teórico marxista. Apesar de divergências sobre sua trajetória nas últimas três décadas, existe certo consenso sobre sua queda entre o pós-II Guerra e os anos de 1980. Neste artigo considera-se a taxa de lucro sobre patrimônio líquido dos EUA. Existem estudos recentes e relevantes sobre o tema (Shaikh, 2016; Duménil; Levy, 2014; Freeman, 2012; Kliman, 2015).
  • 4
    As empresas majoritariamente possuídas pelas matrizes são definidas, nos EUA, como todas as filiais em que a posse combinada do total das matrizes envolvidas excede 50% (BEA, Glossary). Quando uma empresa detém 10% ou mais do controle acionário com poder de voto, ou o equivalente em uma empresa não corporativa, essa é considerada como filial. Do total das filiais das empresas multinacionais dos EUA em 2015, 91,6% eram majoritariamente possuídas pelas matrizes (BEA, 2017).
  • 5
    Sobre a vinculação entre taxas de lucro domésticas e externas, ver Shaikh (1999). Para esse autor, tanto os fluxos de mercadorias quanto de investimentos financeiros já desencadeiam tendências de equalização da taxa de lucro na esfera internacional. Essa tendência é reforçada ainda mais quando se expandem os investimentos estrangeiros diretos. Roberts (2012) também identifica uma tendência crescente à vinculação da lucratividade entre diferentes regiões. Segundo ele: “In the 21st century, for the first time in the history of capitalism, we can begin to recognize a world rate of profit that is meaningful” (Roberts, 2012, p. 2).
  • 6
    “Não tratamos aqui do caso em que se acumula mais capital do que se pode empregar na produção, por exemplo, na forma dinheiro que jaz ocioso no banco. Daí os empréstimos ao exterior etc., em suma, os investimentos especulativos. Nem consideramos o caso em que é impossível vender o volume das mercadorias produzidas, nem crises etc. Isso pertence ao capítulo da concorrência” (Marx, 1980, p. 920).
  • 7
    Para uma visão que identifica os processos modernos de subcontratação e deslocamento internacional da produção como resultado de uma nova estratégia competitiva, ver Palley (2007).
  • 8
    As economias desenvolvidas são definidas pela própria UNCTAD e os dados já são disponibilizados de modo agregado em sua base de dados.
  • 9
    Para o período entre 1948 e 1981 é considerado o total de dividendos pagos pelo setor externo, e não apenas aqueles recebidos pelos investimentos direto externos. Esses dados estão disponíveis apenas a partir de 1982.
  • 10
    A massa de rendimentos recebidos do exterior considera os dividendos e os lucros reinvestidos e não inclui os juros recebidos pelo IED. Essa forma de cálculo da taxa de lucro sobre o investimento estrangeiro direto segue a proposição de Fiebiger (2016). A inclusão dos juros não muda a figura, dado que esses responderam por apenas 4,8% do total dos rendimentos de IED entre 1982 e 2015 (BEA, 2017).

Apêndice A

Tabela A1
Fonte de dados

Taxa de lucro sobre patrimônio líquido (rPL1)

r P L 1 = P E = P ( A n f L n f ) + ( A f L n f ) (1)

Onde:

rPL1 = Taxa de lucro sobre patrimônio líquido do setor corporativo

P = Lucro operacional líquido

A = Ativo total = Ativos financeiros + Estoques + Ativos Fixos

L = Passivo total

E = Patrimônio líquido = A - L

Nf e F = Setor não financeiro e financeiro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2020
  • Aceito
    09 Fev 2021
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