Resumo
Práticas de ensinar e aprender possuem características específicas dos contextos em que são constituídas, entretanto, em ambientes que oferecem acesso à Internet , são comuns práticas que as ignoram. Diante disso, o objetivo deste artigo é identificar características e contribuições da (re)constituição das práticas culturais de estudantes com a internet em um ambiente híbrido . A investigação, de natureza qualitativa, ocorreu em uma turma da primeira série do Ensino Médio de uma Escola Técnica Estadual, em Nova Odessa (SP), onde foi constituído um ambiente híbrido para o estudo do conceito de Função. Os dados foram produzidos em ambiente online de aprendizagem ( Facebook ) e em encontros presenciais. A análise narrativa foi adotada para a interpretação e análise dos dados produzidos em episódios de quatro dias letivos, sob a perspectiva da complexidade. A principal característica identificada foi a emergência de coletivos de aprendizagens com práticas que envolveram habilidades de pesquisar e negociar sentidos sobre as respostas produzidas pelos estudantes. A compreensão da (re)constituição das práticas culturais no ambiente híbrido contribui para que ações docentes e tomadas de decisões considerem as habilidades e necessidades dos estudantes e para que modelos híbridos não sejam adotados como suficientes.
Aulas de Matemática; Sala de Aula; Complexidade; Práticas de Ensinar e Aprender; Funções
Abstract
Teaching and learning practices have specific characteristics grounded on the contexts in which these practices are constituted. However, in environments with Internet access, practices that ignore such characteristics are not uncommon. The aim of this article is to identify characteristics and contributions of the (re)constitution of students’ cultural practices with the Internet in a hybrid environment. The qualitative research took place in a first-year high school class at a Technical State School, in Nova Odessa (SP). A hybrid environment was created to conduct lessons about functions. Data was collected in an online learning environment on Facebook and in in-person meetings. From a complexity perspective, narrative inquiry was adopted for the interpretation and analysis of data gathered in four-day school episodes. The emergence of learning collectives was identified as the main characteristic. These collectives presented practices that involved skills such as researching and negotiating meaning about students’ own responses. Understanding the (re)constitution of cultural practices in hybrid environments contributes to teacher actions and decision-making that consider students' skills and needs; it contributes also for hybrid models not to be adopted as sufficient.
Mathematics Classes; Classroom; Complexity; Teaching and Learning Practices; Functions
1 Práticas culturais na sala de aula e o uso da internet
A internet é uma oportunidade para práticas mais centradas nos anseios e nas necessidades de conhecimentos dos estudantes ( MALTEMPI, 2008 ), favorecendo a criação de experiências de aprendizagens atraentes e significativas, a partir do envolvimento ativo dos estudantes nas atividades de estudo ( ENGELBRECHT; LLINARES; BORBA, 2020 ). Entretanto, pesquisas apontam práticas restritas ao uso de laboratórios de informática e problemas técnicos e burocráticos que dificultam o uso da rede sem fio ( wi-fi ) na sala de aula ( JAVARONI; ZAMPIERI, 2015 ; BARROS, 2019 ) e poucas mudanças estruturais da sala de aula, mesmo com o avanço tecnológico ( MALTEMPI; MENDES, 2016 ). Além disso, há questões socioeconômicas que inviabilizam o acesso à internet ( BORBA, 2021 ). Portanto, há elementos que podem contribuir para que as práticas docentes tendam a se manter inalteradas, mesmo com a i nternet .
Assim, neste momento em que o ensino remoto surgiu como um formato emergencial para atender as demandas da escola, que teve que se (re)organizar e se adaptar aos cuidados necessários para a prevenção da contaminação do vírus ocasionada pela pandemia da COVID-19, percebemos que, apesar de professores terem ressurgido e insurgido, ultrapassando barreiras para ministrar aulas criativas, alguns optaram por adotar práticas do ensino presencial com pouca alteração no ensino remoto ( MATTOS; MATTOS, 2021 ).
Além disso, Cunningham (2021) observou relações entre as práticas de professores em contextos de ensino e aprendizagem híbridos e as crenças constituídas por eles nas comunidades em que se formaram ou atuaram. Tal fato nos conduz a questionar práticas em ambientes híbridos, uma vez que muitas escolas se configuram e refletem culturas tradicionais da própria história do Brasil ( SILVA; CAMARGO, 2015 ). Isso tudo reforça que precisamos nos preocupar com a preparação do professor para ambientes híbridos ( BACICH; TANZI; TREVISANI, 2015 ; BARROS, 2019 ), uma vez que, no cenário atual, modelos de ensino, como de programas blended learning ( CHRISTENSEN; HORN; STAKER, 2013 ), podem se tornar possibilidades para o futuro pós-pandêmico da escola. Ainda há poucas contribuições de pesquisas focadas na preparação dos professores para ambientes híbridos emergentes ( ENGELBRECHT; LLINARES; BORBA, 2020 ; GRAHAM et al ., 2019 ) e que relacione essa preparação com a prática ( SHORT; GRAHAM; SABEY, 2021 ).
Nesse sentido, entendemos que a preparação de professores para ambientes híbridos envolve também a compreensão do que é a sala de aula, pois esta é marcada pela heterogeneidade, diversidade e singularidade dos seus membros. Segundo Farias e Mendes (2014 , p. 16), “Somos portadores e produtores de cultura e, ao mesmo tempo, produzidos pelas culturas”, logo, a sala de aula também é um lugar onde as culturas são expressas nas - e produzidas pelas - nossas práticas de ensinar e aprender. Nossas práticas pedagógicas refletem culturas resultantes da nossa participação social em comunidades, ou seja, aquelas que, segundo Wenger (2013) , vão além do nosso envolvimento em determinadas atividades e com certas pessoas, já que participar é um processo de construir identidade em relação às comunidades em que somos participantes ativos.
Mais especificamente sobre a sala de aula, nosso entendimento é de que ela é uma comunidade caracterizada pela sua complexidade, dada a emergência de práticas que reverberam das (e são produzidas por) diferentes culturas. Assim, o modo como ensinamos ou aprendemos reflete culturas que portamos de outros contextos e que produzimos nas relações dialógicas com a diversidade de expressões manifestas na sala de aula. Portanto, as práticas que emergem na sala de aula são caracterizadas por essas culturas e mantêm uma dinâmica orgânica da própria sala de aula, tais práticas são o que chamamos de práticas culturais .
Diante desses elementos, assumimos que a sala de aula é um sistema complexo , caracterizado por Davis e Simmt (2003) como aquele que é auto-organizado e adaptativo aos fenômenos nele emergentes. Segundo esses autores, um sistema complexo pode ser entendido como inteligente, ou seja, que aprende, pois sempre responde ao que está acontecendo. Por isso, um sistema complexo é um sistema de aprendizagem . Nessa perspectiva, a sala de aula é um sistema complexo e as práticas que nela emergem são as próprias aprendizagens da sala de aula, que são culturalmente constituídas e a mantém dinâmica ( BARROS; SIMMT; MALTEMPI, 2017 ; BARROS, 2019 ).
Assim, consideramos que as práticas culturais possuem características específicas dos contextos em que elas são constituídas, pois há elementos que caracterizam um contexto e o distinguem de outro. Por exemplo, as práticas de ensinar constituídas em aulas presenciais são diferentes das práticas constituídas em um formato remoto de ensino ou em uma Educação a Distância, ainda que se trate do mesmo conteúdo e do mesmo professor. De modo análogo, quando consideramos ambientes híbridos, que combinam o ensino online, que pode ser presencial ou a distância, com o presencial, além de outros elementos que trazemos adiante fundamentados em Barros (2019) , as práticas culturais são (re)constituídas.
Isso posto, entendemos que a compreensão das características da (re)constituição de práticas culturais desenvolvidas por estudantes com internet em ambientes híbridos pode contribuir para a preparação dos professores para atuar em tais ambientes, visto que as práticas culturais docentes devem considerar as características desse contexto. Nessa direção, nosso objetivo neste artigo é identificar características e contribuições da (re)constituição das práticas culturais de estudantes com a internet em um ambiente híbrido. Nesse sentido, um olhar sob a ótica da complexidade da sala de aula e das práticas culturais que nelas se (re)constituem pode contribuir para que docentes ressignifiquem suas práticas com a internet , de forma que eles possam deliberadamente utilizar a dinâmica orgânica da sala de aula e a potencialidade de ambientes online para promover experiências de aprendizagem em ambientes híbridos.
Esta pesquisa foi desenvolvida em uma turma de primeiro ano do Ensino Médio, de uma unidade da Escola Técnica Estadual do Centro Paula Souza (ETEC), na cidade de Nova Odessa (SP) e envolveu um estudo do conceito de Função em um ambiente híbrido. Os fundamentos metodológicos da pesquisa realizada são apresentados após a discussão das condições de complexidade da sala de aula e ambientes híbridos. Em seguida, tecemos uma análise narrativa na qual a produção dos dados é interpretada e os dados são analisados a fim de alcançar o objetivo do trabalho ( BOLÍVAR; DOMINGO; FERNÁNDEZ, 1998 ).
2 Condições de complexidade da sala de aula
Davis e Sumara (2006) identificaram dinâmicas e características de sistemas complexos, tal como a auto-organização, que é a organização espontânea de grupos de indivíduos (coletivos) resultante das ações e interações de agentes autônomos que passam a estar interligados e codependentes. Conforme Almeida (2012) , o complexo se constrói e se mantém pela auto-organização, o que é uma característica do sistema que trata internamente suas informações, de forma que as regenera, as modifica e gera novos padrões de organização. Nessa direção, a transformação de um sistema é a resposta orgânica de sua auto-organização e adaptação.
Embora a auto-organização e a adaptação de uma sala de aula sejam processos naturais desse sistema, muitas vezes as ações pensadas sobre ela desconsideram essa dinâmica por ser mais conveniente em termos da política que rege a escola ( BARROS, 2019 ). Quando o professor não ignora a complexidade da sala de aula, as decisões de planejamento de ensino e de aprendizagem são mais associadas aos limites e condições do que sobre ações, meios e resultados predeterminados ( BARROS, 2019 ; DAVIS; SIMMT, 2003 ). Ou seja, o planejamento requer mais orientações proscritivas ao invés de prescritivas.
Segundo Davis e Simmt (2003) , orientações prescritivas são para as ações que são permitidas em um ambiente, enquanto as proscritivas especificam apenas o que é proibido (tudo o que não é proibido, é permitido). As proscrições estabelecem os limites do comportamento, ao mesmo tempo em que expandem a esfera do que é possível. Isso não significa “um abandono das restrições, mas uma mudança no pensamento sobre os tipos de restrições que são necessárias para a geração de uma atividade” ( DAVIS; SIMMT, 2003 , p. 155, tradução nossa).
Esses autores discutem cinco condições relevantes para que o educador ou pesquisador percebam necessidades de ações proscritivas para a manutenção de sistemas complexos, nesse caso, a sala de aula.
Davis e Renert (2014) elucidam que o senso da diversidade interna pode surgir em diferentes domínios, inclusive do conhecimento científico (Matemática, Física, Química, entre outros). Segundo Davis e Simmt (2003) , o aspecto da redundância não é negativo, já que está associado a duplicações ou excessos de informações que são necessárias para ajudar a compensar falhas num coletivo e, consequentemente, a emergência de um coletivo inteligente. A aleatoriedade organizada é uma condição que auxilia na determinação do equilíbrio entre a redundância e a diversificação entre agentes, auxiliando no equilíbrio entre ações prescritivas e proscritivas. Um sistema complexo em si decide o que é aceitável ou não, o que fomenta a condição de controle descentralizado e, nessa perspectiva, deve-se tomar o cuidado com as interferências externas num sistema. Nesse sentido, a eficiência do ensino não está em ações que procuram manter o controle das ideias, mas na capacidade de dispersá-las, o que só é possível quando o observador permite. O fenômeno do centro de cada coletivo não é o professor ou o estudante, mas o coletivo de uma visão partilhada ( DAVIS; SIMMT, 2003 ). Com relação à condição de interações entre vizinhos , esses autores elucidam que tal condição consiste na interação entre agentes capazes de afetar atividades uns dos outros. No caso, os vizinhos não se tratam somente de corpos físicos, mas também de unidades do conhecimento.
Essas condições são importantes para manter a aptidão do sistema dentro de um contexto dinâmico, ou seja, de um sistema complexo. Nessa direção, assumimos a sala de aula como um sistema complexo, onde tais condições estão presentes e ações pedagógicas que fomentam tais condições são importantes.
3 Ambiente híbrido
Sentimo-nos contemplados na definição que as pesquisas do Clayton Christensen Institute (EUA) têm atribuído aos programas blended learning: “programa de educação formal em que um estudante aprende, pelo menos em parte, através da aprendizagem online com algum elemento de controle do estudante sobre o tempo, o lugar, o caminho, e/ou ritmo e, pelo menos em parte, em um local supervisionado longe de casa” ( CHRISTENSEN; HORN; STAKER, 2013 , p. 9, tradução nossa, grifo nosso).
Pesquisadores desse instituto têm apontado padrões emergentes em programas híbridos de ensino e os classificados como modelos blended learning . Segundo Christensen, Horn e Staker (2013) estão surgindo, em muitas escolas, o que eles chamam de modelos de inovações híbridas e de inovações disruptiva s, sendo que os primeiros envolvem a nova e a antiga tecnologia e os segundos substituem a tecnologia antiga pela nova. Exemplos desse último modelo são as câmeras em smartphone, que permitem o compartilhamento de fotos direto no Instagram, são considerados disruptivos. Esses autores apresentam modelos blended learning emergentes como rotação por estações, rotação de laboratório, sala de aula invertida e rotação individual. Os três primeiros classificados como inovações híbridas, e o último, como disruptivo. Neste artigo, vamos focar nos três primeiros, que combinam elementos da aula tradicional com o ensino online, que pode ser presencial ou a distância. Assim, apresentamos abaixo ( Quadro 2 ) os conceitos de tais modelos considerados em ambientes híbridos.
Ao considerar a complexidade da sala de aula, Barros (2019) identificou que a fusão de elementos dos modelos sala de aula invertida, rotação de estação e rotação de laboratório, foi importante para atender as necessidades emergentes nas aulas. Assim, a autora destacou que nenhum dos modelos apresentados no Quadro 2 poderia ser suficiente por si só, quando a complexidade da sala de aula não é ignorada, reforçando assim, a importância da fusão. Segundo a autora, ao tomarmos por pressuposto a trivialidade de que a aprendizagem é sempre híbrida, ou seja, resulta da combinação de vários sentidos produzidos por nós sobre um determinado assunto, é coerente pensarmos em um ambiente híbrido para a potencialização dessa aprendizagem. Nesse sentido, “dado o fato de a internet estar cada vez mais presente na vida dos estudantes, a sala de aula tem se tornado um ambiente híbrido quase que de forma natural” ( BARROS, 2019 , p. 27). Por fim, consideramos com a mesma autora que para a constituição de um ambiente híbrido é importante se considerar: a complexidade da sala de aula; a fusão de modelos híbridos; e a combinação do ensino online com o presencial, o qual conta com elementos da estrutura tradicional de uma sala de aula.
4 Procedimentos metodológicos
Neste artigo, temos o objetivo de identificar características e contribuições da (re)constituição das práticas culturais de estudantes com a internet em um ambiente híbrido. Tal (re)constituição é um fenômeno que precisa ser interpretado para que as particularidades sejam enfatizadas em termos de significado para o objetivo da pesquisa, para tanto, os pressupostos da pesquisa qualitativa foram assumidos ( BOGDAN; BIKLEN, 1994 ; GOLDENBERG, 2011 ).
Elementos do trabalho colaborativo foram adotados para que a investigação ocorresse com a professora e, assim, o olhar dela fosse contemplado ( FIORENTINI, 2019 ). Mas ressaltamos que o trabalho colaborativo foi limitado pela carga horária da professora Vânia Izidoro (60 horas semanais, divididas em duas unidades escolares), responsável pela turma, que não pôde participar ativamente de todas as discussões online. Apesar disso, a natureza do trabalho colaborativo contribuiu para a atuação da pesquisadora (primeira autora) como professora também.
Para o cuidado com o papel docente da pesquisadora e com a natureza colaborativa do trabalho na sala de aula, foi proposto que a professora Vânia produzisse uma narrativa escrita ou oral, ao final de cada aula, o que contribuiu para a compreensão da pesquisadora acerca da sala de aula, a partir do olhar da professora Vânia. Destacamos que a narrativa é uma forma em que “a experiência humana ganha significado. Ela possibilita organizar a experiência” ( GRANDO; NACARATO; LOPES, 2014 , p. 993). Além disso, foram utilizados como instrumentos de produção de dados os próprios registros dos estudantes no grupo do Facebook , que foi adotado como ambiente de aprendizagem ( BARROS; SIMMT; MALTEMPI, 2017 ) e da tarefa desenvolvida por eles, um questionário aplicado aos estudantes, uma entrevista aberta e um questionário aplicado com a professora.
Nos debruçamos sobre os pressupostos da análise narrativa, que é uma importante ferramenta de análise para descrição de situações de aprendizagens e que requer um grau apreciável de interpretação ( FIORENTINI, 2013 ). Portanto, o processo de análise consiste em narrar um fenômeno atribuindo sentido e significado, tendo o cuidado, como pesquisador, de destacar elementos que dão importância aos dados sem manipular a voz dos participantes ( BOLÍVAR; DOMINGO; FERNÁNDEZ, 1998 ).
Nesse sentido narramos situações de aprendizagens dos episódios trazidos neste estudo, descrevendo e interpretando a produção dos dados, de modo que o objetivo da pesquisa fosse alcançado. As aulas aconteceram numa turma do primeiro ano do curso de Técnico em Administração integrado ao Ensino Médio, com 40 estudantes matriculados. Narramos e analisamos alguns episódios ocorridos no período de quatro dias letivos do 3º bimestre letivo de 2015.
Esta pesquisa desdobrou-se a partir de uma pesquisa de doutorado, que, no primeiro bimestre, foi desenvolvida em uma escola pública estadual do Estado de São Paulo, e que contava com outra sala de aula, com características diferentes da primeira, para melhor compreender o objeto, daí a escolha da ETEC como segunda escola. A ETEC contava com dois laboratórios de informática e acesso à rede wi-fi nas salas de aula. Apesar disso, ocorreram problemas técnicos que dificultaram o acesso, então a pesquisadora contou com um roteador wi-fi adquirido com recursos próprios, para a finalidade da pesquisa.
O planejamento das aulas contou com uma entrevista aberta e um questionário, ambos aplicados à professora para compreender a necessidade daquela turma. Nesse processo de investigação, a pesquisadora e a professora acordaram que o estudo seria sobre o conceito de Função, que já haviam iniciado, mas os alunos evidenciavam dificuldades diante de uma aplicação. Sendo assim, nosso objetivo nas aulas seria proporcionar a produção de sentido sobre o conceito de Função a partir de investigações de aplicação da Matemática. Na análise narrativa que tecemos a seguir, trazemos mais elementos que contribuem para a compreensão dos procedimentos metodológicos. Ressaltamos que, devido ao papel de professora da pesquisadora naquela sala de aula, em determinados momentos nos referimos a ela como professora ou pelo nome próprio.
5 Um estudo sobre Função em um ambiente híbrido
A fim de identificar características e contribuições da (re)constituição das práticas culturais de estudantes com a internet em um ambiente híbrido , foi constituído um ambiente misto para a condução das aulas, no qual a parte presencial de uma sala de aula invertida ( BARROS; SIMMT; MALTEMPI, 2017 ) envolvia a rotação de estações e de laboratório ( CHRISTENSEN; HORN; STAKER, 2013 ), uma fusão dos modelos. Essas aulas tiveram como objetivo geral oportunizar experiências relacionadas ao conceito de Função.
A atividade “otimização do volume de caixas de papel” 1 da coleção M 3 foi escolhida e adaptada pela pesquisadora Ana Paula numa tarefa cujo objetivo era proporcionar a produção de sentido sobre o conceito de Função, a partir de uma aplicação da Matemática na investigação do volume da caixa. A primeira etapa da tarefa envolvia a produção e compartilhamento de vídeos, realizada por oito grupos de cinco estudantes, anteriormente ao encontro presencial, em um grupo fechado do Facebook . Nesse grupo, as professoras Ana Paula e Vânia promoveram discussões para que os estudantes pudessem levantar conjecturas sobre as grandezas envolvidas no cálculo do volume de cada caixa. A segunda etapa envolvia um conjunto de três atividades, propostas no encontro presencial (na sala de aula e no laboratório), que buscavam sistematizar o conceito de Função a partir do que havia sido observado e discutido pelos estudantes, bem como o objetivo específico e o desenvolvimento de cada uma das etapas. As duas etapas constituíram o ambiente híbrido ( BARROS, 2019 ).
Primeira etapa:
Para promover a discussão na primeira etapa da tarefa, os estudantes foram convidados a gravar e compartilhar os vídeos no Facebook . As professoras planejaram questões 2 que pudessem estimular a interação, cientes da importância de fazerem as intervenções de acordo com a necessidade, fomentando o diálogo, a investigação e a reflexão. Assim, iniciou-se a interação virtual. No Quadro 4 há um exemplo de um trecho de discussão 3 logo após a postagem de um dos vídeos produzidos/postados pelos estudantes do grupo 1:
Podemos observar que as estudantes levantaram algumas hipóteses sobre as características da caixa que as levaram à conclusão de qual teria o maior volume, tais como o peso e as medidas da caixa. E concluem que o valor de x representava a altura da caixa, o que foi muito importante, pois o volume da caixa é encontrado em função da altura. A partir de ideias matemáticas abstraídas das experiências vivenciadas pelos estudantes na realização do experimento e compartilhadas por eles naquela discussão online, era fomentada a diversidade interna ( Quadro 1 ) e emergia um coletivo de aprendizagem, entendido como um sistema complexo ( DAVIS; SIMMT, 2003 ). Identificamos a emergência de coletivos de aprendizagens como característica do indício de (re)constituição de práticas culturais de aprender com internet em um ambiente híbrido, pois tais coletivos são qualificados pela natureza das práticas que neles ocorrem. Outro exemplo é a resposta de Sara, quando a pesquisadora questiona Diana se a altura e a área da base influenciaram no cálculo do volume e o porquê.
Sara: Porque imaginemos duas caixas, com a mesma área, mas altura diferente, assim teríamos outros volumes. É a partir do cálculo entre a altura que chegamos ao volume. Se um deles mudar, teremos outros resultados (Postagem de Sara no grupo do Facebook, 2015) .
O que Sara ainda não havia compreendido é que, como as folhas tinham as mesmas medidas (21cm x 29,7cm) e o valor x, equivalente à altura da caixa, era retirado dessa folha de papel retangular, não seria possível obter duas caixas de mesma área da base e alturas diferentes. Isso acontece, pois a área da base da caixa também dependia do valor x. Como um membro daquele coletivo de aprendizagem que emergia a partir do compartilhamento de ideias matemáticas, Ana Paula tentou chamar a atenção dos estudantes com questionamentos para que eles percebessem a relação entre o volume da caixa e a altura, e entre a área da base e o valor de x (altura): “E aí pessoal, nos ajudem a entender se existe uma relação no cálculo do volume. Se sim, quais as grandezas que estão envolvidas e como elas se relacionam? Quero ouvir mais opiniões hein ...” (Postagem de Ana Paula no grupo do Facebook , 2015). Notamos nas análises realizadas pelos estudantes, respostas como da Diana.
Diana: As relações entre as caixas começam a surgir a partir da caixa 2 pois a caixa 2 possuía o valor x = 3,5 e a caixa 3 valor x= 4 concluindo que a diferença de altura de uma caixa para outra era se 5 milímetros, e os volumes entre essas duas caixas houve pouca diferença! A partir das outras caixas a diferença entre a altura delas eram se 1 centímetros e a diferença de volume entre elas foram grandes (Postagem de Diana no grupo do Facebook , 2015).
Tais respostas destacam percepções mais ligadas ao experimento empírico de montar as caixas, ao processo de compará-las, de deduzir a caixa com maior volume e de calcular seu volume. Naquele processo, os estudantes estavam envolvidos com práticas caracterizadas pela natureza investigativa. Tais práticas emergiam quando os estudantes se sentiam convidados a levantar hipóteses e produzir sentido sobre o que haviam observado no processo de construção das caixas.
Observamos também que o questionamento da Ana Paula foi resposta ao que ela observou nas palavras de Sara. Isso deve-se ao fato de as práticas emergentes naquele coletivo serem caracterizadas pela aprendizagem coletiva, ou seja, cumulativa e transformativa ( SIMMT, 2015 ). Isso significa que os membros contribuem com ideias que alimentam o coletivo e ao mesmo tempo são transformados por elas. Nesse sentido, o professor também aprende, podendo intencionalmente contribuir (responder ao que observa) com questionamentos que buscam convidar os estudantes a refletirem sobre o conceito que está sendo estudado.
Simultaneamente, na discussão relacionada ao vídeo produzido pelo grupo 2 , outras argumentações foram compartilhadas por outros estudantes, tais como: “ sim, as grandezas são a altura e a área. Elas se relacionam para descobrir o volume” (Postagem de Betina no grupo do Facebook , 2015); “ antes nós achávamos que o volume poderia ser achado apenas pelo tamanho e peso. Mas nos enganamos. Nem sempre a caixa com maior volume é a maior ” (Postagem de Rafaela no grupo do Facebook , 2015) ; “ah sim. A dependente é o volume e a independente é a altura. Pois, para acharmos o volume é preciso saber a área [da base] e a altura, então o volume depende dessas duas grandezas” (Postagem de Sara no grupo do Facebook , 2015).
Os estudantes levantaram observações, dúvidas, esclarecimentos e algumas conclusões, tais como a síntese: “ a dependente é o volume e a independente é a altura ” (Postagem de Sara no grupo do Facebook , 2015), referindo-se às grandezas, e a validação dessa resposta por parte dos alunos que registraram seus comentários após a Sara. Todas essas informações eram unidades de conhecimento que interagiam entre si ( interação entre vizinhos – Quadro 1 ) e refletiam a aprendizagem situada naquela experiência prática ( LAVE, 2013 ), desde a produção das caixas até o engajamento naquele espaço virtual para a reflexão individual e coletiva. Nesse sentido, o diálogo online permitiu a interação de diferentes observações dos alunos, de forma que, consoante ao que Davis e Simmt (2003) afirmam, o coletivo dessa diversidade de ideias habilitasse a inteligência de cada sistema complexo [aluno] e o sistema complexo [sala de aula].
Assim, destacamos a emergência de mais de um coletivo de aprendizagem como uma importante característica de indícios da (re)constituição de práticas culturais de estudantes com a internet em um ambiente híbrido. Sublinhamos que a aluna Sara concluiu sobre a relação de interdependência entre o volume e a altura da caixa, na discussão do vídeo postado pelo grupo 2. Portanto, a divisão inicial dos estudantes em grupos já estava se disseminando, pois a emergência dos coletivos de aprendizagens ocorria num processo orgânico, em que os coletivos se auto-organizavam e se adaptavam, como sistemas complexos ( DAVIS; SIMMT, 2003 ). Tal compreensão pode contribuir para que ações docentes aproveitem potencialidades de ambientes híbridos para fomentar a diversidade interna e a interação entre vizinhos ( Quadro 1 ) da sala de aula.
Concomitantemente, a partir do vídeo postado pelo grupo 3 , Ana Paula perguntou: “ O valor de x representa qual grandeza da caixa? Vocês acham que se o valor de x for o máximo possível, o volume será ainda maior?” (Postagem de Ana Paula no grupo do Facebook , 2015).
Miriam: O valor de x representa a altura. Sim, nas nossas contas conforme o valor de x aumentava consequentemente a altura aumentava também então quanto maior for o x, maior será o volume.
[discussão]
Luna: A caixa ficaria tão grande que viraria plana [referindo-se a valores maiores para x] , e por esse mesmo fato se ser plana ela não possuiria volume, Ana Paula.
(Postagens de Mirian e Luna na discussão do grupo 3 no grupo do Facebook , 2015) .
Notamos nesses comentários mais abstração sobre o significado dos valores de x. Há indícios de que os estudantes perceberam relações de interdependência entre as grandezas volume e altura e entre área da base e altura, que embasariam discussões mais sistemáticas sobre o conceito de Função. Assim, as práticas que emergiam naquele coletivo de aprendizagem favoreciam a dispersão de ideias matemáticas que caminhavam para a generalização do conhecimento, ainda que, naquele momento, o conceito de Função não havia sido formalizado.
Segunda etapa:
A partir das discussões iniciadas no Facebook , foram propostas três estações para o encontro presencial com três atividades complementares entre si, conforme os Quadro 5 , 6 e 7:
O primeiro encontro presencial, primeiro dia , sobre o experimento do volume da caixa aconteceu no laboratório de informática. Em duplas ou trios, os estudantes tiveram liberdade de escolha da ordem das estações de acordo com suas preferências. As professoras observaram que eles queriam respostas prontas, demonstrando bastante dificuldade, sobretudo devido à liberdade que eles experimentavam naquela nova dinâmica de estudos, a qual os conduzia à necessidade de investigar para obter as respostas.
Vânia: [...] percebi também que o trabalho em grupo precisa ser melhor amadurecido, porque eles ainda solicitam o professor esperando as respostas e não é essa a finalidade do projeto. Teremos trabalho para que eles compreendam isso[...] (Narrativa da professora Vânia, 2015) .
Era a (re)constituição de uma nova prática cultural de aprender na escola, na estrutura da sala de aula, em que as práticas tendem ser culturalmente tradicionais ( SILVA; CAMARGO, 2015 ) e, dado que a professora ressaltou que “eles ainda solicitam o professor” , possivelmente eles estavam acostumados com dinâmicas em que as práticas, mais centradas no professor, poderiam não os conduzir a investigar. A postura das professoras Ana Paula e Vânia era de incentivar a investigação, portanto, o olhar delas estava sensível ao que emergia no processo ( BARROS; SIMMT; MALTEMPI, 2017 ), o que as levou a (re)negociar sobre a metodologia da aula e, por consequência, a reconsiderarem o plano de aula.
Decidiram que a aula seguinte, segundo dia , seria uma socialização do que estava ocorrendo no processo, o que não estava planejado para aquele momento. O planejamento estava sendo revisitado e se (re)constituindo uma prática de se ensinar ( BARROS, 2019 ). As professoras conduziram a discussão com o auxílio de um projetor, trazendo apontamentos para as principais dúvidas observadas por elas e trazidas por eles, propiciando principalmente a participação dos estudantes na discussão coletiva de forma colaborativa e investigativa. Elas tomaram o cuidado de agir como membros que também estavam aprendendo naquele coletivo, estimulando o diálogo e a investigação, o que favorece o controle descentralizado de um sistema complexo ( Quadro 1 ).
Ao observarmos o episódio acima, identificamos que a (re)constituição de práticas de aprender com a internet também é caracterizada por tensões e desafios, pois as práticas tradicionais estão em uma zona de conforto dos estudantes. Mas compreender tais desafios como característica da (re)constituição de práticas de aprender com a internet , contribui para que docentes reflitam sobre a importância de agirem como membros dos coletivos de aprendizagens emergentes ( DAVIS; SIMMT, 2003 ).
Na aula seguinte, terceiro dia , os estudantes demonstraram mais segurança e motivação em suas práticas. Eles visitaram as estações 1, 2 e 3 na ordem que quiseram, buscando compreendê-las, fazendo uso dos dispositivos móveis, discutindo com os colegas e consultando as discussões sobre os experimentos no Facebook . Os grupos de alunos se organizaram naturalmente, pois eles mudavam de grupo de acordo com a estação que se encontravam, em sincronia com o controle descentralizado ( Quadro 1 ) daquele sistema complexo.
Notamos também que as estações foram importantes para a aleatoriedade organizada ( Quadro 1 ), uma vez que os três tipos de atividades auxiliaram no equilíbrio entre a dispersão das ideias e a redundância ( Quadro 1 ) nas ações (respostas e investigações) dos estudantes. Por exemplo, enquanto alguns estudantes discutiam sobre área da base de uma caixa cuja altura fosse x para deduzir sua representação algébrica da Função volume, outros estavam explorando o GeoGebra na tentativa de encontrar a representação geométrica da Função
Entretanto, aqueles que utilizaram o software GeoGebra perceberam diferenças entre o gráfico gerado ( Quadro 7 ) e o gráfico do Quadro 5 , o que fez com que eles começassem a indagar onde estava o erro. Como o gráfico não considerou o domínio da função, os estudantes acharam que eram gráficos diferentes. Portanto, conforme eles procuravam as professoras para solicitar ajuda, elas realizavam intervenções com questionamentos que chamavam a atenção deles para o domínio da Função.
Os alunos estavam num processo de investigação sobre as diferentes representações da Função, volume da caixa e de interpretação das representações geométricas dadas pelo GeoGebra. Nesse processo de (re)constituição das práticas culturais dos estudantes, identificamos a intenção deles de produzir sentido sobre o conceito que estavam estudando, característica importante em uma prática investigativa. Ou seja, nessa abordagem os estudantes não despendiam tempo construindo os gráficos, e sim buscando interpretá-los, na direção do que Maltempi e Mendes (2016) apontam sobre a conceituação. Após o término daquela aula, no Facebook , Ana Paula propôs indagações: “ galera, a folha que utilizamos para confeccionar as caixas tem 21 x 29,7 cm de medidas... Qual é o menor valor que x (altura) pode assumir e o maior valor de x? Fiquem à vontade para explicar o porquê das respostas de vocês (caso queiram usar alguma imagem para ilustrar, também podem)” (Postagem de Ana Paula no grupo do Facebook , 2015).
Todos os estudantes visualizaram a discussão e ela teve 109 comentários. Surgiram dúvidas como: “se caso fosse maior ou igual a 0, o 0 faria parte. Mas já que o x é maior que zero contamos a partir do 1. Certo?” (Postagem de Sara no grupo do Facebook , 2015) . “Não poderia ser 0,5” ( Postagem de Wagner no grupo do Facebook , 2015) . “Mas em 0,5 o 0 vem primeiro. Então não deixa de ser 0” (Postagem de Sara no grupo do Facebook , 2015) . “Mas será que o intervalo é só o x> 0 ou conta todos os números?” (Postagem de Tito no grupo do Facebook , 2015) . “Sendo assim, não podemos contar” (Postagem de Sara no grupo do Facebook , 2015) “Certo, mas 0,5 é maior que 0” (Postagem de Wagner no grupo do Facebook , 2015) . “Concordo com o Wagner” (Postagem de Graziela no grupo do Facebook , 2015).
As dúvidas não foram ignoradas por outros membros daquele coletivo no grupo virtual e a interação das reflexões compartilhadas sobre tais dúvidas contribuíram para todo o sistema. A discussão continuou nesse sentido e em certa altura a pesquisadora perguntou: “Mas, entre 0 e 1 não existe nenhum número? Alguém pode pesquisar aí rapidinho qual é o conjunto dos reais? Ou alguém lembra e pode nos falar?” (Postagem de Ana Paula no grupo do Facebook , 2015). Ana Paula incentivou que os estudantes investigassem na internet . A prática de pesquisar pode ser fortalecida com atitudes docentes que aproveitem a potencialidade da internet , fomentem a descentralização de controle ( Quadro 1 ) e permitam que os alunos assumam diferentes papéis com a finalidade de contribuir com o coletivo, como quando Sara assumiu o papel de tutora e postou em um determinado momento da discussão:
Sara: O conjunto dos números reais é a junção de todos os outros conjuntos, ou seja, abrange fração, números inteiros, decimais, entre outros.
Tito: Sim, existe 0,01; 0,001
Sara: N U Z U Q U I=R ou Q U I= R
Graziela: Agora entendi!!!
Tito: estou certo?
Sara: pode ser que eles sejam infinitos??
Sara: pelo fato de ser: 0,1; 0,01;0,001;0,0001....
(Discussão entre Sara, Tito e Graziela no grupo do Facebook , 2015)
Embora alguns estudantes compartilhassem respostas que provavelmente pesquisaram em outros espaços da internet , eles buscavam no grupo do Facebook sentido para as próprias respostas. Na aula do quarto dia , as professoras iniciaram fazendo uma revisão do conjunto dos números reais para esclarecer dúvidas sobre intervalos e o infinito, conforme haviam observado no Facebook . Naquela aula eles estavam engajados nas estações 1, 2 e 3, com suas duplas ou trios, mas um grupo de estudantes aproveitou o grupo do Facebook para dar continuidade à discussão sobre a questão inicial posta pela pesquisadora naquela plataforma.
Diana: Se x>0 a altura se torna infinita, pois depois do zero vem o 0,1... Como a Sara, Tito e Graziela falou lá em cima! Mas a largura da folha sulfite é 21 cm segundo o vídeo embalagem o maior falou para x seria 10,5! Mas ao passar do x= 7 a caixa não consegui ser construída! Podemos então concluir q x é maior q 0 menor q 8!
Graziela: Não, pois o meu grupo fez uma de x=8
Diana: Então, x= 10,5.
Diana: No vídeo embalagem ela fala q a metade da largura é o maior número da altura!
Wagner: 0 < x < 8?
Wagner: Mas a área do vídeo é maior que o da folha nossa
(Discussão entre Diana, Graziela e Wagner no grupo do Facebook , 2015)
Podemos notar que nesse momento há uma interação das observações levantadas pelos estudantes sobre os experimentos, o vídeo “Embalagem” e os conceitos de intervalo e domínio. No sentido que Simmt (2015) afirma, nessas discussões observamos marcas da aprendizagem coletiva, em que há contribuição de todos que estão participando do diálogo, os quais também são transformados com a contribuição dos outros. Aquele ambiente online modificou a aula presencial, evidenciando o compartilhamento de ideias como fenômeno do centro daquele coletivo, não o professor ou o estudante, conforme salienta Davis e Simmt (2003) . Ampliou-se a dispersão de ideias, os estudantes já não interagiam somente nos seus grupos, característica da descentralização de controle ( Quadro 1 ) daquele sistema.
Destacamos o comentário de um estudante:
Através dessa forma de aprender, tivemos que buscar novas formas de raciocínio, pois estávamos acostumados a losa (sic), livro e prova, e agora nos deparamos com aplicativos que nos da (sic) gráficos, funções, cálculos prontos, o que nos resta é interpretar. E através das discussão (sic) vimos os pontos de vista de cada um e as varias (sic) formas de interpretar em exercício, e através das discussões no Facebook foram tiradas muitas duvidas (sic) pois durante aula tinha vergonha de falar que não compreendia (Resposta de um estudante no questionário aplicado pelo Google Forms , 2015)
Nas aulas presenciais, os estudantes foram capazes de construir a representação geométrica da Função volume da caixa, considerando o domínio correto e, por consequência, interpretando-a, fazendo sentido para o conceito de Função naquela aplicação. Por fim, a atividade no ambiente híbrido propiciou discussões sobre quando uma relação é considerada uma Função, sobre o comportamento de um gráfico que representa uma Função polinomial do 2º grau (Função área da base: e do 3º grau Função volume da caixa: , a dedução e o sentido da representação algébrica de uma Função (função volume: ), da imagem e domínio de uma Função (na aplicação o ) e o sentido das coordenadas do vértice (caixa com maior volume possível) e o sentido da relação entre o volume e a altura da caixa (na análise do experimento e na representação algébrica e geométrica).
Enfim, percebemos nas discussões analisadas, tanto no ambiente online quanto na estrutura física da sala de aula, que a divisão pedagógica entre prática (construção das caixas e produção do vídeo) e teoria (o estudo sobre o conceito de Funções), não se trata de momentos dissociáveis, pois a prática contém processos de teorização. Tal percepção contribuiu para que compreendamos a importância do ambiente de aprendizagem constituído no Facebook nesta pesquisa, uma vez que teve o papel de ancorar as discussões práticas, num processo em que o conceito foi refletido, a partir de diferentes experiências dos estudantes e em diversos coletivos de aprendizagem que emergiam no ambiente online ou na estrutura física da sala de aula, e se inter-relacionam.
6 Algumas conclusões e considerações
Evidenciamos neste estudo um ambiente híbrido marcado pelas condições de complexidade da sala aula ( Quadro 1 ), a qual é assumida como um sistema complexo (que aprende) a partir de fenômenos emergentes nela. Em busca de identificar características e contribuições da (re)constituição das práticas culturais de estudantes com a internet em um ambiente híbrido , a (re)constituição das práticas foi interpretada como um fenômeno emergente na sala de aula. Assim, a dinâmica orgânica da sala de aula provocada pela auto-organização e adaptação era resposta a esse fenômeno, e foi favorecida pelas próprias características do ambiente híbrido.
Concluímos que a emergência de coletivos de aprendizagens foi a principal característica do indício de (re)constituição de práticas culturais de estudantes com internet em um ambiente híbrido. Nesses coletivos, que podem ser interpretados como novos sistemas complexos, a aprendizagem é coletiva e foram identificadas práticas com natureza investigativa e colaborativa no estudo de Funções.
Para tanto, o ambiente online de aprendizagem, constituído em um grupo do Facebook , favoreceu que as práticas envolvessem habilidades de pesquisar, levantar hipóteses, comparar, interpretar e negociar sentido sobre as próprias respostas produzidas pelos estudantes. Assim, o olhar para o indício de (re)constituição de práticas culturais nesta pesquisa contribui para a percepção de novos desafios às práticas tradicionais (centradas no professor) e de possibilidades de atuação docente em ambientes híbridos. Nesse sentido, consideramos a relevância tarefas investigativas e projetos como boas alternativas para o aproveitamento das potencialidades de ambientes híbridos, visto que tais práticas geralmente emergem nesses tipos de abordagens pedagógicas.
A própria inteligência da sala de aula, ou seja, a capacidade desse sistema responder à emergência de – e a inter-relação entre – coletivos de aprendizagem ( JOHNSON, 2001 ), característica da (re)constituição de práticas culturais, era alimentada pelas ideias matemáticas compartilhadas nas interações online e presenciais, já que eram complementares entre si. Nesse sentido, evidenciamos ações docentes como respostas ao que ocorria, especialmente devido à sensibilidade que as professoras tiveram em considerar a dinâmica orgânica da sala de aula. Essa compreensão contribui para apontarmos tal sensibilidade sobre as condições da complexidade da sala de aula ( Quadro 1 ) como um caminho para se oportunizar novas descobertas e novas aprendizagens, tanto para os estudantes quanto para os docentes, contribuindo assim para tomadas de decisões em ambientes híbridos.
Completamos que a compreensão de que as práticas culturais são (re)constituídas na sala de aula e caracterizadas pelas condições de complexidade desse sistema, pode ajudar o docente a planejar ações em um ambiente híbrido, de forma a atender às demandas dos estudantes. Assim, salientamos a importância de que modelos híbridos não sejam adotados como suficientes ou “receitas de bolos”. Ressaltamos o cuidado de não reduzirmos o híbrido a dividir a aula em momentos a distância e presenciais. É preciso refletir sobre o ambiente online de forma a complementar e mutuamente fortalecer as interações em outros espaços. Nesse sentido, entendemos que os elementos considerados por Barros (2019) podem ser bons parâmetros para a constituição de um ambiente híbrido: a complexidade da sala de aula; a fusão de elementos de modelos híbridos; e a combinação do ensino online com o presencial, o qual conta com elementos da estrutura tradicional de uma sala de aula.
Como salienta Papert (2001) , apesar da explosão de mudanças em vários setores do mundo, a instituição escolar permanece da mesma forma em todos os países e, com isso, bilhões são desperdiçados com a inserção da internet nessa instituição. Por essa razão não devemos pensar somente na potencialidade da internet quando é adotada em nossas escolas e ignorar as condições complexas desses sistemas. Quando isso acontece, vemos modelos de ensino, como os híbridos, serem – inclusive – adotados por sistemas que visam, por exemplo, fins lucrativos em iniciativas privadas ou públicas, sem, no entanto, oferecer condições para que o modelo seja apropriado pelos professores, quando emergem fenômenos peculiares à realidade das escolas e salas de aulas, prejudicando o processo de aprendizagem dos alunos.
Por fim, consideramos que um olhar para as características e contribuições da (re)constituição de práticas de estudantes com a internet em um ambiente híbrido destacadas nesta pesquisa, pode contribuir para que as potencialidades de modelos híbridos sejam aproveitadas para a constituição de ambientes híbridos, os quais consideram especialmente a complexidade da sala de aula. Nesse sentido, este estudo contribui para um olhar crítico e reflexivo sobre as possiblidades de ambientes híbridos para o atual momento e para um futuro pós-pandêmico.
Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), pelo suporte à pesquisa. À professora Vânia e aos estudantes da ETEC da cidade de Nova Odessa, ao Grupo de Pesquisa em Informática, outras Mídias e Educação Matemática (GPIMEM)-Unesp/Rio Claro, ao Department of Secondary Education at the University of Alberta (UofA)/Canada, e ao Grupo de Pesquisa em Educação Matemática e Tecnologias (GPEMATEC)-IFSP/Câmpus Hortolândia.
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Disponível em: http://m3.ime.unicamp.br/recursos/1382 . Acesso em: 8 abr. 2018. A proposta era que cada grupo de alunos construísse no mínimo seis caixas de papel e descobrisse, intuitivamente, qual caixa teria a maior altura. Em seguida, após realizarem os cálculos do volume, deveriam comparar as respostas com o que tinham escolhido intuitivamente e esboçar um gráfico do volume em função da altura para investigar o maior volume possível. O objetivo da atividade era discutir o conceito de volume aliado ao comportamento da função.
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(I) Quais as grandezas envolvidas no cálculo do volume? (II) Identifiquem uma relação entre duas grandezas. Expliquem com suas palavras essa relação. (III) Na caixa, x representa qual grandeza? (IV) Se a área da base for máxima, o que acontece com a altura? (V) Se a altura for máxima, o que acontece com a área da base? (VI) É possível fazer uma caixa com volume ainda maior?
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Os diálogos apresentados no artigo são transcrições do que foi registado no Facebook , preservando-se a escrita. Os estudantes estão identificados por pseudônimos.
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Esse gráfico não está considerando o domínio da função volume da caixa.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
29 Ago 2022 -
Data do Fascículo
May-Aug 2022
Histórico
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Recebido
26 Fev 2021 -
Aceito
29 Nov 2021