Open-access Fatores críticos na transferência de tecnologia no setor espacial: estudo de caso de programas de parceria das agências espaciais do Brasil (AEB) e dos EUA (NASA)

Critical factors in technology transfer in the space sector: a case study of the partnership programs between the space agencies from Brazil (‘AEB’) and the USA (‘NASA’)

Resumos

A pesquisa objetivou identificar os fatores críticos entre atores sociais no processo de transferência de tecnologia (TT) no setor espacial, a partir de estudos de cinco projetos de parceria do Programa Uniespaço da Agência Espacial Brasileira (AEB) e do Programa de Parceria Inovativa (PPI) da NASA. Foram identificados o arranjo organizacional e os fatores que fomentaram a TT entre os atores do sistema setorial de inovação e produção espacial do Brasil e dos EUA. A metodologia de pesquisa foi o estudo de caso múltiplo envolvendo três instituições de ensino superior e quatro institutos de pesquisa & desenvolvimento (P&D), como geradoras de tecnologia, e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Instituto de Aeronática e Espaço (IAE), como usuários. Os resultados principais foram dois modelos conceituais: o primeiro representando a TT entre gerador e usuário em termos das barreiras e facilitadores obtidos na pesquisa e o segundo como resultado da formação de parcerias e do impacto dos demais atores sociais envolvidos no processo de TT.

Transferência de tecnologia; Inovação tecnológica; Programas de parceria; Agências espaciais


The purpose of this research was to identify the critical factors in technology transfer (TT) between social actors in the space sector. Five projects of partnership programs between the Brazilian (‘AEB’) and the American (‘NASA’) space agencies were analyzed. The organizational arrangement and factors that facilitated technology transfer between the actors of the innovation sector system and space production in Brazil and in the USA were identified. The research methodology applied was a multiple case study involving three universities and four R&D institutes - as generators of technology; and the National Institute of Space Research (‘INPE’) and the Aeronautics and Space Institute (‘IAE’) - as users. Two conceptual models were the major results of this study: the first one represents the technology transfer between generator and user in terms of barriers and facilitators obtained from the research; the second represents the dynamic of partnership between social actors during the technology transfer process.

Technology transfer; Technology innovation; Partnership programs; Space agencies


Fatores críticos na transferência de tecnologia no setor espacial: estudo de caso de programas de parceria das agências espaciais do Brasil (AEB) e dos EUA (NASA)

Critical factors in technology transfer in the space sector: a case study of the partnership programs between the space agencies from Brazil (‘AEB’) and the USA (‘NASA’)

Roberto Roma de VasconcellosI*; João Amato NetoII

Irobertorrv@iae.cta.br, DCTA-IAE/UNITAU, Brasil

IIamato@usp.br, EPUSP, Brasil

RESUMO

A pesquisa objetivou identificar os fatores críticos entre atores sociais no processo de transferência de tecnologia (TT) no setor espacial, a partir de estudos de cinco projetos de parceria do Programa Uniespaço da Agência Espacial Brasileira (AEB) e do Programa de Parceria Inovativa (PPI) da NASA. Foram identificados o arranjo organizacional e os fatores que fomentaram a TT entre os atores do sistema setorial de inovação e produção espacial do Brasil e dos EUA. A metodologia de pesquisa foi o estudo de caso múltiplo envolvendo três instituições de ensino superior e quatro institutos de pesquisa & desenvolvimento (P&D), como geradoras de tecnologia, e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Instituto de Aeronática e Espaço (IAE), como usuários. Os resultados principais foram dois modelos conceituais: o primeiro representando a TT entre gerador e usuário em termos das barreiras e facilitadores obtidos na pesquisa e o segundo como resultado da formação de parcerias e do impacto dos demais atores sociais envolvidos no processo de TT.

Palavras-chave: Transferência de tecnologia. Inovação tecnológica. Programas de parceria. Agências espaciais.

ABSTRACT

The purpose of this research was to identify the critical factors in technology transfer (TT) between social actors in the space sector. Five projects of partnership programs between the Brazilian (‘AEB’) and the American (‘NASA’) space agencies were analyzed. The organizational arrangement and factors that facilitated technology transfer between the actors of the innovation sector system and space production in Brazil and in the USA were identified. The research methodology applied was a multiple case study involving three universities and four R&D institutes - as generators of technology; and the National Institute of Space Research (‘INPE’) and the Aeronautics and Space Institute (‘IAE’) - as users. Two conceptual models were the major results of this study: the first one represents the technology transfer between generator and user in terms of barriers and facilitators obtained from the research; the second represents the dynamic of partnership between social actors during the technology transfer process.

Keywords: Technology transfer. Technology innovation. Partnership programs. Space agencies.

1. Introdução

Da metade do século XX até hoje, devido à busca do estado da arte no desenvolvimento tecnológico, o setor espacial tem proporcionado grandes transformações à sociedade. O desenvolvimento de novas formas de comunicação, o sensoriamento remoto, miniaturização, sistemas de propulsão de alta energia, processamento de informações, baterias recarregáveis e muitos outros produtos e serviços propiciaram melhoria da qualidade de vida da humanidade.

Esses resultados foram possíveis devido ao fato de os atores sociais do processo de inovação de um país transferirem as tecnologias apreendidas. Dentre esses atores destacam-se as universidades, os institutos de pesquisa governamentais e não governamentais, as indústrias e as agências federais. Os atores, por meio de arranjos institucionais adequados e da transferência de tecnologia, conseguiram transformar as novas tecnologias em produtos e serviços para a sociedade.

Dentro desse contexto, num primeiro momento, os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) foram as principais nações cujos programas espaciais mais se desenvolveram: a URSS colocando em órbita o primeiro satélite Sputnik I, em 1957, e os EUA com a missão Apollo 11, que propiciou ao homem chegar à Lua e retornar à Terra, em 1969.

Durante a Guerra Fria1, os avanços no setor espacial tinham como pano de fundo a disputa entre os regimes capitalista e socialista pela soberania militar mundial. Atualmente, devido à globalização, o novo enfoque econômico e a complexidade dos programas espaciais, que requerem multidisciplinaridade, têm provocado a cooperação tecnológica e as parcerias, tanto internacionais quanto nacionais, para a transferência da tecnologia (TT) no setor. Como exemplo, podem ser citadas a Agência Espacial Europeia (ESA) e a Estação Espacial Internacional (ISS) (COSTA FILHO, 2000).

Nesse sentido, o Brasil, com a Agência Espacial Brasileira (AEB), desde 1997 coordena o Programa de Parceria Uniespaço para fomentar a independência tecnológica do setor espacial, por intermédio de TT das universidades e institutos de pesquisa & desenvolvimento (P&D).

O setor é representado, principalmente, pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), pelos Centros de Lançamentos de Alcântara (CLA) e da Barreira do Inferno (CLBI), subordinados ao Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial (CTA) e ao Comando da Aeronáutica (Comaer) do Ministério da Defesa (MD), além do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

A revisão da literatura, que subsidia este trabalho, apontou a carência de pesquisas relacionadas ao estudo da TT dos órgãos geradores para os usuários, quando esses usuários são os próprios institutos de P&D do setor espacial. Assim, esta pesquisa teve por objetivos identificar e analisar os fatores críticos, identificados como barreiras e facilitadores na TT nos setores espaciais brasileiro e norte-americano, a partir dos seus respectivos programas de parceria.

Para a análise foram estudados casos do setor espacial brasileiro e do norte-americano, a partir de uma amostra de pesquisa que envolveu cinco projetos do Programa Uniespaço, da AEB, realizados em parceria com universidades públicas e institutos de P&D governamentais, de 2004 a 2006, e do Programa de Parceria Inovativa (PPI) da National Aeronautics and Space Administration (NASA).

Devido à política de acesso às informações da NASA, as entrevistas para coleta de dados não foram realizadas nessa instituição; restrição que se justifica pela política espacial dos EUA. Conforme Johnson‑Freese (2007) destaca, cerca de 95% das tecnologias espaciais são consideradas de uso duplo2 pela Lista de Tecnologias Militares Críticas do Pentágono, a Militarily Critical Technologies List (MCTL); de forma que os dados foram obtidos por meio de pesquisa documental de domínio público.

Outros fatores estudados foram os papéis do Estado, das agências espaciais do Brasil e dos EUA, e os arranjos organizacionais dos receptores da nova tecnologia.

O trabalho está organizado em 6 itens. Seguindo a presente introdução é apresentado um breve contexto do setor espacial mundial e brasileiro. No item 3 é feita uma sucinta revisão da literatura sobre TT. No seguinte é apresentada a fundamentação dos métodos de pesquisa. No quinto são descritos os resultados e os modelos conceituais. No último são realizadas as considerações finais.

2. O contexto do setor espacial – mundial e brasileiro

As atividades espaciais mundiais dividem-se em dois períodos diferentes. O primeiro, que se inicia logo após a Segunda Guerra Mundial, tinha como foco a divisão do mundo em dois grandes blocos – o capitalista e o socialista –, promovendo um direcionamento dos programas espaciais para os interesses científicos e militares. Esse período perdurou até o fim da Guerra Fria entre as duas principais nações daquela época, EUA e URSS.

A guerra promovia a competição militar e o aprimoramento constante da capacidade de destruição em massa e do monitoramento do oponente. Nesse contexto, a tecnologia espacial atendia os anseios das duas superpotências.

Em 1957 teve início a corrida espacial, quando a União Soviética colocou em órbita o satélite Sputnik 1. O sucesso foi marcado pela apreensão dos EUA, que, até então, consideravam impossível colocar em órbita um artefato de 84 kg. O receio norte-americano aumentou ainda mais devido a um anúncio soviético, meses antes do lançamento, de que a URSS possuía mísseis intercontinentais.

Em resposta à União Soviética, o governo dos EUA criou a NASA, em 1958, com o objetivo de recuperar o atraso tecnológico de quatro anos em relação à capacidade de propulsão frente aos soviéticos. Dessa forma, segundo Costa-Filho (2000), a NASA empreendeu vários projetos espaciais, transferindo técnicos das suas organizações militares, dentre eles o grupo do engenheiro Wernher Von Braun3, que contava com cinco mil especialistas, além de oito mil profissionais de nível superior e diversos técnicos de outras agências governamentais ligadas à atividade espacial.

Com uma verdadeira comoção nacional, os EUA, ao final da década de 60, completaram com sucesso a missão à Lua. Por outro lado, sem o interesse soviético em responder à conquista norte-americana, os EUA acabaram por desacelerar os gastos em programas espaciais, até que na década de 1970, com o governo Reagan, houve a retomada da corrida armamentista, e o quadro se inverteu.

O segundo período, que se iniciou no final da década de 1980 e perdura até hoje, caracteriza-se pela reconversão dos programas espaciais, promovendo a cooperação internacional no setor. Nessa década, os EUA estabeleceram uma política de aproveitamento comercial do espaço, que consistia na redução tarifária às empresas que buscassem inovações tecnológicas, via aumento das atividades de P&D. Segundo Costa Filho (2000), o Estado formulou, então, políticas que possibilitaram aos programas espaciais alterar o seu arranjo institucional.

O Estado brasileiro, com os Planos Nacionais de Desenvolvimento de 1972-1974 e 1975-1979, objetivava direcionar o desenvolvimento econômico e tecnológico do país. O segundo plano focava, principalmente, as áreas consideradas estratégicas para o Estado, como energia nuclear, eletrônica e pesquisa espacial. Além da presença de empresas transnacionais, os planos sofreram fortes impactos com o processo inflacionário e com o crescimento da dívida externa brasileira, que, ao final de 1978, passava dos U$ 40 bilhões (DAHLMAN; FRISCHTAK, 1993).

O modelo nacional de desenvolvimento privilegiava o crescimento voltado para dentro do país, o que permitiu a formação de uma indústria diversificada, mas com poucas empresas com sólida inserção e porte internacional. Nesse contexto, a transferência de conhecimento da comunidade científica para as empresas não ocorreu no nível desejado, e o desenvolvimento dos setores acadêmicos e produtivos continuou, na maioria das vezes, desarticulado.

Mesmo nas áreas definidas como prioritárias, conforme os planos de desenvolvimento do governo militar, como eletrônica, aeronáutica e pesquisa espacial, o desenvolvimento ocorreu por meio de pacotes tecnológicos (know-how). Esse fato provocou, na maioria dos setores industriais, o desenvolvimento baseado na dependência da TT externa, o que provocou a ausência de P&D das empresas e, como consequências, a não criação de capacitação interna nem a articulação entre os geradores de conhecimento e os usuários (TARALLI, 1996).

Como ocorre em vários setores, o Estado é o principal agente responsável pela formulação e execução da política do setor espacial. Porém, o esforço só pode ser considerado válido caso o país possua, inicialmente, um relativo desenvolvimento tecnológico, sob pena de as atividades espaciais ficarem permanentemente dependentes da tecnologia externa. Mesmo que haja interesse do Estado, um programa espacial de qualquer país depende de um setor industrial constituído e tecnologicamente independente.

Assim, dentro das características apresentadas, o grupo de países detentores de tecnologia espacial é restrito a apenas algumas nações desenvolvidas, deixando a maioria dos países em desenvolvimento como expectadores ou como importadores, em sua maior parte, de pacotes tecnológicos para a realização de seus programas espaciais. A atuação do Estado poderia alterar esse quadro, com a implementação da política setorial e do incentivo à indústria e às atividades de P&D, dentre outros.

Todos esses aspectos são relevantes devido à natureza dos programas espaciais que, geralmente, são de extrema complexidade, dispendiosos e de lenta maturação. Portanto, para se obter o êxito esperado é necessária a intervenção do Estado para, a longo prazo, implementar as ações de maneira estruturada e coerente. Inicialmente o Estado planeja, financia e desenvolve as atividades espaciais e, num segundo momento, incentiva a transferência dos resultados obtidos nessa área para outros segmentos da economia e da sociedade (ORGANIZAÇÃO..., 2005).

Cabe, portanto, ao Estado, de forma geral, integrar os programas espaciais aos sistemas nacionais de inovação do país, proporcionando a articulação entre a pesquisa científica, o desenvolvimento tecnológico e a atividade industrial, que é feita, na sua maioria, pelas indústrias de alta tecnologia. É por essa razão que os governos dos países desenvolvidos e emergentes apoiam os programas de desenvolvimento de sistemas espaciais, mobilizando e coordenando esforços de universidades, institutos de P&D e indústrias de alta tecnologia.

No Brasil, as atividades espaciais vêm se realizando com os seus principais atores: AEB, INPE, CTA e seus institutos, principalmente o IAE, além dos centros de lançamentos CLA e o CLBI, juntamente com parcerias com outros setores da sociedade.

A AEB, similarmente às agências espaciais dos países detentores da tecnologia espacial, vem promovendo parcerias para a formação e capacitação tecnológica interna, o que ocorre devido ao grau cada vez maior de complexidade das missões espaciais; a redução na capacitação dos recursos humanos, transferidos para o setor privado; embargo dos países desenvolvidos na venda de componentes eletroeletrônicos para as missões espaciais, e o fornecimento de diversos serviços para a sociedade.

O Programa Uniespaço é, então, uma iniciativa que tem por missão envolver a sociedade científica nacional em projetos de interesse do setor espacial brasileiro, contribuindo, assim, na TT de diversas universidades e institutos de P&D para o INPE e CTA/IAE, fortalecendo a capacitação tecnológica nacional do setor.

3. Transferência de tecnologia

Solo e Rogers (1972), citaram que a TT sugere o movimento da tecnologia de um lugar para outro, por exemplo, de uma organização para outra, de uma universidade para uma organização, ou de um país para outro. Nesse mesmo sentido, Kumar, Kumar e Persaud (1999) e Walter (2000) enfocam que a TT pode ser um processo dinâmico, complexo e demorado, e o seu sucesso é influenciado por vários fatores oriundos de diferentes fontes.

Whitney e Leshner (2004) destacam que facilitar a TT é promover o movimento de ideias, ferramentas e experiência do gerador para um novo usuário, ou de um usuário para outro; num sentido mais amplo, a TT é a transferência de conhecimentos. A afirmação desses autores é explicitada pelo modelo cliente-fornecedor, citado por Juran (1992), conforme a Figura 1.


Conforme esse modelo, o processo de movimentação de bens e serviços entre gerador e usuário é realizado num contínuo de transferências de requisitos, insumos, resultados e retroalimentação.

Outros autores, como Bach, Cohendet e Schenk (2002), afirmam que a TT é um processo de inovação e que pode ser classificada em TT interna, quando ocorre dentro da mesma organização, e TT externa, quando ocorre entre duas organizações. Caso a tecnologia transferida seja utilizada para um setor diferente daquele inicialmente desejado, o processo de TT externa pode ser classificado em spin-off ou spin-in (infusão tecnológica). Assim, por exemplo, se o setor considerado gerador da tecnologia é o espacial e há a TT para o setor de saúde, o processo de TT chama-se spin-off; por outro lado, o spin-in é a TT de um setor não espacial, como o automobilístico para o setor espacial (INTERNATIONAL..., 1997). O processo spin-in e spin-off é representado na Figura 2.


O spin-off também é definido como uma nova empresa, formada por indivíduos que foram empregados de uma organização mãe, cuja tecnologia principal foi transferida para a empresa gerada. À medida que mais e mais spin-offs são gerados, um aglomerado de empresas é formado eventualmente, resultando em uma tecnópolis (ROGERS; TAKEGAMI; YIN, 2001).

Com a pesquisa realizada por Bach, Cohendet e Schenk (2002) na primeira fase dos programas espaciais da ESA, até a meados da década de 1980, o fluxo de conhecimento era do setor não espacial para o setor espacial, com ênfase no nível científico, principalmente spin-in, e no nível tecnológico spin-in e spin-off, especialmente entre setores que têm como base de conhecimento comum os setores de defesa e aeronáutica. Numa segunda fase, ainda ocorrendo, a principal direção do fluxo de conhecimento evoluiu. O spin-in, no nível científico, tornou-se menos importante, mas existe um crescente aumento no spin-in em relação ao produto.

Em setembro de 2007, a NASA elaborou seu primeiro manual, Addingvalue to NASA through technology infusion: the product-development approach (NATIONAL..., 2007), para a realização de infusão tecnológica. Esse manual teve como objetivo orientar as ações da agência na realização das parcerias, bem como destacar os fatores críticos motivadores para outras organizações quando da realização de parceria com a agência (Quadro 1).


Numa abordagem mais abrangente, e partindo de três fatores principais que têm relação primária com a inovação, as instituições comerciais, instituições dedicadas à ciência & tecnologia (C&T) e as questões de transferência e absorção de tecnologia, conhecimentos e habilidades, a OCDE (ORGANIZAÇÃO..., 1997), no Manual de Oslo, delineia quatro domínios gerais que promovem um sistema nacional de inovação: as condições estruturais, a base de ciência e engenharia, os fatores de transferência e o dínamo da inovação (Figura 3).


Condições estruturais: Correspondem à área externa à organização que cerca as suas atividades de inovação: o dínamo da inovação. Os elementos que o compõem são:

• Sistema educacional básico para a população em geral, que determina os padrões mínimos educacionais da força de trabalho e do mercado consumidor;

• Instituições financeiras, que determinam a facilidade de acesso ao capital de risco;

• Contexto legal e macroeconômico, como legislação sobre patentes, taxação, tarifas e concorrência;

• Acessibilidade ao mercado, incluindo possibilidades de estabelecimento de relações estreitas com os clientes; e

• Estrutura da indústria e ambiente competitivo, incluindo a existência de empresas fornecedoras em setores complementares da indústria.

Base de ciência e engenharia: O conhecimento científico e a capacidade em engenharia são sustentáculos primários da inovação comercial; na maioria dos países passam por desenvolvimento adicional, em instituições de C&T do setor público. Essas instituições podem atuar como condutoras locais eficazes para essa base e fornecer o pessoal qualificado para preencher as posições-chave envolvidas na inovação. Para uma boa parte da inovação comercial, elas também fornecem as fontes de consultoria especializada, proveitosa interação e colaboração e significativo avanço tecnológico. Os elementos da base nacional de ciência e engenharia são:

• Sistema de treinamento técnico especializado;

• Sistema de universidades;

• Sistema de apoio à pesquisa básica: muitas áreas e pesquisa básica exigem o desenvolvimento de equipamentos altamente sofisticados e ultrassensíveis;

• Boas atividades públicas de P&D: programas de financiamento e instituições geralmente voltadas para áreas como saúde, meio ambiente e defesa;

• Atividades estratégicas de P&D: programas de financiamento e instituições voltadas para P&D pré-competitiva ou tecnologias genéricas; e

• Apoio à inovação não apropriável: programas de financiamento a instituições voltadas para pesquisa, em áreas onde seja difícil que as empresas individuais obtenham suficiente benefício de suas próprias pesquisas internas.

Fatores de transferência: A OCDE (ORGANIZAÇÃO..., 1997) identificou vários fatores humanos, sociais e culturais que são cruciais para a operação eficaz da inovação no nível da organização. Eles referem-se à facilidade de comunicação dentro da organização, às interações informais, à cooperação e aos canais de transmissão de informações e habilidades entre as organizações e dentro de cada uma individualmente, e a seus fatores sociais e culturais. Alguns tipos de informações, relacionadas à parte tácita, só podem ser transmitidas eficazmente entre dois indivíduos experientes: o receptor tem que ter suficiente know-how para compreendê-la integralmente ou da transferência física de pessoas que levem consigo o conhecimento. É o aprendizado pela organização como um todo que é fundamental para sua capacidade inovadora (ORGANIZAÇÃO..., 1997). Os fatores são explicitados a seguir:

• Elos entre organizações, formais ou informais, incluindo redes de pequenas empresas, relações entre usuários e fornecedores, relações entre empresas, agências reguladoras e instituições de P&D e estímulos dentro dos conglomerados de concorrentes podem produzir fluxos de informações que propiciem inovações, ou que levem as empresas a serem mais receptivas a elas;

• Presença de receptores com know-how tecnológico; indivíduos que, por diversos meios, mantenham-se a par dos novos desenvolvimentos, incluindo novas tecnologias e conhecimento codificado em patentes, imprensa especializada e jornais científicos, e que mantenham suas próprias redes que facilitam o fluxo de informação;

• Elos internacionais: são componentes-chave das redes nas quais são canalizadas as informações. As redes de especialistas são meios adequados para a atualização e desenvolvimento tecnológico de ponta;

• O grau de mobilidade dos cientistas e tecnólogos afeta a velocidade de difusão dos novos conhecimentos;

• Ética, sistema e valores da comunidade, confiança e abertura influenciam o ponto até onde as redes, os elos e os outros canais de comunicação possam ser eficazes, afetando as negociações informais entre os indivíduos; e

• Conhecimento codificado em patentes, na imprensa especializada e nos jornais científicos.

O dínamo da inovação: É um complexo sistema de fatores que conformam à inovação no nível da empresa. Um fator-chave é a força de trabalho da organização; sem colaboradores capacitados, a organização não conseguirá dominar novas tecnologias e, muito menos, inovar. A capacidade da organização depende também da sua estrutura, das facilidades de que dispõe como competências e departamentos, de sua estrutura financeira, estratégia, dos mercados, dos concorrentes, das alianças com outras empresas ou com universidades e, acima de tudo, de sua organização interna (ORGANIZAÇÃO...,1997).

Finalmente, a OCDE (ORGANIZAÇÃO..., 1997) define dois conjuntos de fatores que são considerados críticos à inovação e que podem servir como parâmetro para pesquisas nacionais, a saber:

Fatores facilitadores podem ser de diversas fontes de informações: fontes internas, de dentro da empresa; fontes externas, de mercado, educacionais e de institutos de P&D); e informações geralmente disponíveis (Quadro 2); e


Fatores dificultadores podem ser econômicos, alguns referentes à empresa, e diversos outros (Quadro 3).


Ao nível da organização, Cohen e Levinthal (1990) afirmam que os investimentos em P&D desenvolvem a habilidade de identificar, assimilar e explorar os conhecimentos do ambiente. Os autores chamam essa competência organizacional de capacidade de absorção. Ao investir em P&D, as empresas geram inovações e, como subproduto das atividades de pesquisa, contribuem para o aumento da capacidade de absorção de conhecimentos externos.

4. Fundamentos do método de pesquisa

Tendo em vista os tipos de abordagens, o enfoque e as circunstâncias do estudo, esta pesquisa é: a) descritiva, pois apresenta as características da organização ou indivíduos e as observações dos possíveis fatores emergentes, na conclusão da pesquisa; e b) exploratória, dada a familiarização com o fenômeno e a sua compreensão a partir das características levantadas. Finalmente, quanto ao enfoque, é qualitativo.

Este estudo traz casos de diagnóstico e de história da empresa, segundo as categorias apontadas por Maximiano (1987), porque foi abordado grande número de informações referentes a acontecimentos das organizações, iniciados e terminados em alguma data, caracterizando os problemas a partir de um quadro de referência conceitual.

Nas dimensões citadas por Leenders e Erskine (1978), o presente estudo se situa na analítica um, conceitual três e apresentação dois. Em síntese, os fundamentos teóricos utilizados na pesquisa são apresentados no Quadro 4.


Em síntese, o estudo de caso foi considerado de casos múltiplos, com organizações geradoras e usuárias participantes em projetos num setor reconhecido como de alta tecnologia, o setor aeroespacial (NATIONAL..., 2008).

O Quadro 5 descreve a amostra das organizações, geradora e usuária, dos cinco projetos do Programa de Parceria Uniespaço da AEB. Os projetos e organizações, quando necessários, foram identificados com um codinome. Somente no caso dos EUA foram mantidos os nomes originais das organizações envolvidas, pois os dados coletados estavam disponíveis ao público em geral.


No caso da amostra do programa espacial dos EUA, a NASA não permitiu a coleta de dados nos seus projetos.

5. Descrição, análise dos resultados e modelos conceituais

Com os dados coletados nos projetos da AEB e no PPI da NASA, pelas fontes de coletas de dados foi realizada uma análise comparativa dos fatores críticos endógenos e exógenos das organizações dos dois programas de parceria.

Seguem, nos Quadros 6 e 7, os resultados da pesquisa, apresentando os fatores críticos que ratificaram a literatura e fatores emergentes, em ordem decrescente de importância.



A falta de pessoal qualificado para o setor aeroespacial brasileiro e a legislação de aquisição federal foram as barreiras mais citadas. Ainda como barreira emergente, apontada pelo menos em um dos cinco projetos, destaca-se a falta de alinhamento estratégico, tanto dentro da organização usuária quanto no contexto federal, o que pode estar ampliando o sentimento de falta de recursos humano e financeiro.

Ao nível de fatores exógenos e das condições estruturais do país, a carência de empresas no setor espacial é relatada pela pesquisa. Assim, por exemplo, nos EUA, e em vários programas espaciais de outros países, o governo é o grande fomentador do programa espacial, com a criação de demanda e, consequentemente, proporcionando a existência e sustentabilidade de uma indústria local.

Quanto aos facilitadores, o fator profissionais ou especialistas conhecidos e com experiência internacional participaram no projeto foi de importância muito alta, dada a possibilidade de transferência de conhecimento de tecnologias de uso duplo com a participação dos pesquisadores estrangeiros no Uniespaço.

Finalmente, pôde-se identificar que os processos de TT ocorrem de forma organizada, por meio de programas de parceria em redes de cooperação; é o que foi observado, parcialmente, no programa da AEB, que carece do envolvimento de outros atores sociais do sistema nacional de inovação, como incubadoras e empresas privadas.

Mesmo não ocorrendo formalmente o envolvimento de empresas privadas durante os projetos do Uniespaço, houve um processo de auto-organização da rede, e as universidades e institutos de P&D buscaram, para realizar os projetos, capacitação no mercado, similarmente às organizações formadas virtualmente para se complementarem em suas competências.

No caso dos EUA foi observada uma ampla rede de cooperação: redes de institutos de P&D, redes universitárias e redes de empresas. A relação entre redes é formalizada nos diversos programas de parceria da NASA, sob a governança dos escritórios do PPI, localizados nos centros de campo e na matriz da agência.

Os resultados da pesquisa possibilitaram a construção dos modelos conceituais de TT, entre atores sociais no setor espacial, a saber: a) modelo de TT, entre atores, no desenvolvimento de nova tecnologia para aplicação espacial, Figura 4; e b) modelo de parceria entre os atores sociais envolvidos no sistema setorial de inovação e produção espacial, Figura 5, esclarecendo, à luz dos resultados dessa pesquisa, como ocorre o processo de interação e qual foi a participação dos governos, universidades, institutos de P&D e empresas nesse processo.



A Figura 4 representa o modelo conceitual de transferência de tecnologia entre atores sociais no setor espacial.

As setas cultura tecnológica do usuário e nova tecnologia representam a adaptação da nova tecnologia aos requisitos do ambiente usuário; assim, conforme a nova tecnologia e a cultura tecnológica do ambiente usuário se adaptam, as setas vão convergindo-se simultaneamente para o centro. Com o aumento da influência da cultura tecnológica do gerador na do usuário a nova tecnologia vai se adaptando à cultura tecnológica do usuário; ao final do projeto evidencia-se no modelo a TTT (transferência total de tecnologia).

A TTT se realiza à medida que todos os requisitos do usuário são atendidos pelo gerador da nova tecnologia ao final do projeto. As representações B1, Bn-1 e Bn indicam barreiras que impedem a evolução do desenvolvimento da nova tecnologia, o que resulta em uma TPT – transferência parcial de tecnologia. No Quadro 6 são descritas as barreiras evidenciadas nos projetos do Uniespaço que influenciaram na evolução da nova tecnologia para fases mais avançadas de projeto.

A interação entre usuário e gerador ter sido feita de maneira direta está indicada no modelo da Figura 4 com as setas que interligam o gerador com o usuário - fluxo de informação do gerador para o usuário; os mecanismos facilitadores que auxiliaram o escoamento da nova tecnologia pelo canal estão ilustrados, no modelo, como F1, Fn-1 e Fn.

Em relação à capacidade inovativa e de absorção tecnológica, sua representação é feita pelas setas no interior do retângulo gerador e usuário; quanto mais positivo, maior é a possibilidade de sucesso na TT. Caso um dos atores sociais não tenha capacidade adequada à TT, a convergência das setas cultura tecnológica do usuário e da nova tecnologia seria prejudicada, e, consequentemente, a TTT.

Por fim, os pontilhados dos retângulos, gerador e usuário, representam a necessidade de permeabilidade para que as informações possam fluir através das fronteiras organizacionais. A baixa permeabilidade da organização com o ambiente prejudica o fluxo de informação e o sucesso da TT.

O modelo conceitual anteriormente apresentado descreve a relação entre atores, gerador e usuário, mas não engloba os demais atores sociais que atuam no setor, como os órgãos de fomento e incubadoras; fornece uma visão “microscópica” do que ocorre entre os atores e quais os fatores incidentes sobre o processo, sejam eles endógenos e/ou exógenos às organizações.

Assim, como resposta à pergunta de como é o tipo de parceria adotada pelos setores espaciais, no Brasil e nos EUA, há evidências, obtidas nesta pesquisa, de que a rede de cooperação entre os atores sociais é a maneira mais eficiente e eficaz de se alcançar o sucesso na TT.

A construção da rede de cooperação foi evidenciada em diversas situações dentro dos projetos do Uniespaço. Uma delas foi quando a universidade de um dos projetos pesquisados necessitou de capacitações além das suas competências essenciais; ela precisou alcançar a capacidade de fornecer um produto ao usuário e buscou por complementaridades. Dessa maneira, a universidade procurou ampliar sua capacitação científica com a capacitação tecnológica existente nos laboratórios do instituto de P&D gerador.

Situação similar também ocorreu com um instituto de P&D, gerador da tecnologia, quando precisou da capacitação da qual não dispunha; nesse caso, realizou parceria com uma empresa de base tecnológica e obteve uma capacitação mais próxima do mercado, ou seja, uma capacidade mercadológica que lhe proporcionou aumentar suas capacidades inovativas e de absorção tecnológica, conforme sugerem vários autores, dentre eles Cohen e Levinthal (1990).

Toda essa formação de parcerias, que teve início nos projetos do Programa Uniespaço, foi sustentada também por outros recursos financeiros, como os do governo federal – AEB, CNPq, Capes – e/ou estadual – Fapesp, Faperj. Em outras palavras, para que se iniciassem as relações entre os agentes geradores, usuário e parceiros, houve uma demanda gerada pelo governo federal – AEB.

Assim, passando em revista a literatura pesquisada, observa-se que o processo de formação e a busca por parcerias evidenciadas, nos casos pesquisados, se assemelham às afirmativas de Schumpeter (1984) ao citar que o processo de mutação industrial advém da mudança a partir de dentro; como a renovação celular de dentro para fora.

Nesse sentido, e procurando explicar a relação entre os atores sociais na pesquisa, pode-se resgatar a teoria geral de sistemas (TGS), de Ludwig von Bertalanffy (1973). Essa teoria não busca solucionar problemas, mas produzir teorias e formulações conceituais que possam criar condições de aplicação na realidade empírica, opondo-se à separação das diferentes áreas do saber, em biologia, química, matemática, física, para citar algumas.

Em outras palavras, a TGS acredita na existência de leis de estrutura semelhante em diversos campos do saber, tornando possível o uso de modelos mais simples ou bem conhecidos para fenômenos mais complicados ou de mais difícil manejo. A TGS seria, portanto, metodologicamente um importante meio para investigar a transferência de princípios e de conceitos de um campo do conhecimento para outro, a fim de que não seja mais necessário duplicar ou triplicar a descoberta dos mesmos princípios e conceitos em diferentes campos isolados uns dos outros.

Esse aspecto favorece a construção de modelos devido ao aparecimento de semelhanças estruturais, isomorficamente e homomorficamente, em diferentes campos. Os sistemas são isomorfos quando apresentam semelhança de forma e aparecem em campos diferentes, como, por exemplo, as isomorfias entre as comunidades animais e as sociedades humanas; ou o princípio do amortecimento das oscilações ocorrendo nos sistemas físicos e nos fenômenos biológicos (BERTALANFFY, 1973).

Os sistemas homomórficos, por sua vez, guardam entre si proporcionalidades de forma, como as plantas de uma edificação, os desenhos da turbina de uma aeronave, a maquete de um foguete, entre outros. Portanto, um sistema deve ser representado por um modelo reduzido e simplificado, pelo homomorfismo do sistema original (LE MOIGNE, 1977).

Com base no isomorfismo de Bertalanffy (1973), no homomorfismo de Le Moigne (1977) e na renovação de Schumpeter (1984), pode-se fazer um paralelismo do modelo atômico de Bohr (O’CONNOR, 1977) com o processo de parceria para TT no setor espacial. Como observado nos resultados de pesquisa, os atores sociais envolvidos nos projetos do programa de parceria da AEB apresentaram limitações em suas competências, que foram complementadas por parcerias. Nesta pesquisa, cada um dos atores atuou em suas respectivas órbitas de competência essencial; as universidades na órbita científica, os institutos de P&D na órbita tecnológica e as empresas na mercadológica.

Em síntese, o processo de formar parcerias foi relatado pelos entrevistados como uma busca de complementaridade entre organizações que tinham diferentes capacitações, num processo de fusão de capacidades, de mudanças de órbita de competências essenciais. Conforme afirma Leonard-Barton (1992), competências não somente definem as forças inerentes da organização, mas também seus limites. Cada um dos atores estava posicionado dentro de sua órbita de competência essencial, que era insuficiente para fornecer o que os clientes, AEB e institutos de P&D usuários do setor espacial, necessitavam.

De acordo com o conceito de homomorfismo da TGS, os elétrons e as órbitas do modelo atômico de Bohr podem ser relacionados às organizações e às competências essenciais, respectivamente. A universidade se situa na órbita mais próxima do núcleo, a científica; já o instituto de P&D está na segunda órbita, a tecnológica; e, finalmente, a empresa está na órbita mercadológica.

Quanto ao conceito de isomorfismo, pode-se resgatar esse mesmo modelo, que afirma que um elétron para mudar de nível, ou órbita, precisa receber ou liberar energia, dependendo se está se aproximando ou se distanciando do núcleo. Vale destacar que o eletrón pode cair para uma órbita mais próxima do núcleo, mas não pode cair abaixo de sua órbita normal estável, do estado fundamental equivalente à competência essencial. Assim, apesar de algumas empresas terem centros de P&D, suas competências essenciais continuam pertencendo à órbita mercadológica, ou seja, as pesquisas são utilizadas com fins comerciais.

Esse conceito está em isomorfia com os resultados observados durante o processo de parceria nos projetos pesquisados, pois as organizações envolvidas nas parcerias buscaram complementar suas capacidades científicas, tecnológicas e/ou mercadológicas, e as organizações mudaram sua órbita de capacitação quando receberam conhecimento – energia, com as parcerias.

Em cada nível orbital pôdem-se observar, também, diferentes níveis de maturidade tecnológica. Na órbita científica, a maturidade tecnológica estava em TRL4 1 – TRL 3 do conceito à sua demonstração laboratorial; na órbita tecnológica em TRL 4 – TRL 6 da validação do componente à demonstração do modelo ou protótipo em ambiente apropriado, campo ou espaço, e na mercadológica em TRL 7 ao 9 do protótipo no espaço ao sistema aprovado em missões de sucesso.

Finalmente, representa-se, na Figura 5, o modelo conceitual orbital de parceria para a transferência de tecnologia no sistema setorial de inovação e produção espacial.

Assim, por meio dos resultados de pesquisa, tanto no caso AEB quanto da NASA, pôde-se propor um modelo conceitual orbital de parcerias para TT no sistema de inovação e produção do setor espacial, envolvendo os principais atores do processo, as universidades, os institutos de P&D, as empresas, os governos – federal, estadual e municipal, e, implicitamente colocado, as incubadoras de base tecnológica.

6. Considerações finais

Este estudo representa uma contribuição ao entendimento do processo de transferência de tecnologia nos setores espaciais do Brasil e dos EUA, por meio de programas de parceria das agências espaciais AEB e NASA.

As três principais razões que motivaram o estudo foram: a) que os programas espaciais internacionais, reconhecidos internacionalmente, utilizam parcerias e promovem a cooperação entre os vários atores sociais do sistema nacional de inovação para auxiliar nas missões espaciais, e adotam elementos facilitadores para superarem as barreiras no processo de TT dos projetos dos parceiros para suas organizações; b) que o programa de parceria da AEB, Uniespaço, desde a sua criação, em 1997, tem vivenciado alguns sucessos e dificuldades na efetivação da TT para as organizações governamentais diretamente envolvidas no programa espacial brasileiro; e c) que muitas das tecnologias utilizadas no setor espacial têm aplicações militares, o que ocasiona embargos nas importações de tecnologias de uso duplo (dual-use technology) dos países detentores. Isso ocorre, principalmente, para impedir que o país se torne um novo player no cenário internacional, posicionando-se como potência militar e econômica e, consequentemente, tornando-se um novo concorrente para os países detentores de tecnologias de uso duplo (JOHNSON-FREESE, 2007; PIRRO Y LONGO, 1993).

Em relação às leis de fomento à inovação, comparativamente ao caso norte-americano, observou-se no Brasil uma carência de leis federais que fomentem a TT no setor espacial. Similarmente aos programas utilizados pela NASA, suportados por leis de abrangência nacional em diversos setores de C&T dos EUA, e que fomentam projetos conjuntos entre empresas, universidades e institutos de P&D, o setor espacial brasileiro poderia se utilizar mais de programas federais, como o Projeto Inovar do CNPq, ou estaduais, como o PITE e o PIPE da Fapesp, para o envolvimento de pequenas empresas de base tecnológica com a produção de bens e serviços para o setor.

Outra lei citada na pesquisa e que não está em plena utilização é a de inovação, devido à incompatibilidade existente com a Lei n.o 8.666, referente à aquisição de bens e serviços. Uma revisão dessa lei seria útil para efetivar a utilização da lei de inovação, principalmente no que concerne ao Artigo 20, que prevê que, em matéria de interesse público, os órgãos e entidades da administração pública poderão contratar empresas, consórcio de empresas e entidades nacionais de direito privado, sem fins lucrativos, voltados às atividades de pesquisa. Para tanto, é necessário reconhecida capacitação tecnológica no setor, para a realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento que envolvam risco tecnológico, para solução de problema técnico específico ou obtenção de produto ou processo inovador.

A falta de recursos humanos no setor, também citada pelos entrevistados nos projetos pesquisados, poderia ser superada por meio da abertura de novos cursos superiores relacionados ao setor aeroespacial, bem como a criação de incubadoras nas universidades, para possibilitar o aproveitamento dos pós-graduandos como futuros empresários, e, dessa forma, evitar a evasão de conhecimentos por falta de opção de atividade profissional no setor.

No contexto empresarial brasileiro, similarmente a outros programas internacionalmente reconhecidos, como o dos EUA e da Europa, a utilização de uma grande empresa como um prime contractor do setor espacial deveria ser fomentada pelo governo. Em

relação ao Ministério da Defesa, a pesquisa apresentou fatos que sugerem um realinhamento das ações dos institutos de P&D de forma a criar uma sinergia nos esforços de desenvolvimento de tecnologias para aplicações similares. Em outras palavras, poderiam ser realizadas atividades de divulgação interna aos três comandos militares, com seminários, por exemplo, para troca de informações referentes aos projetos dos institutos de P&D das três Forças Armadas, o que possibilitaria a redução do tempo investido em desenvolvimento anteriormente realizado por um instituto sob o mesmo ministério.

Finalmente, como já ocorre em vários países desenvolvidos, o Estado deveria ser o principal agente responsável pela formulação e execução da política do setor espacial e de sua demanda. Mesmo que haja interesse do Estado, um programa espacial precisa de um setor industrial constituído e tecnologicamente independente. Como contribuição para que o sistema setorial de inovação e produção espacial se operacionalize, o governo federal deveria fomentar a demanda do setor por meio de pedidos mínimos para a sua continuidade, desenvolvimento e sustentação do processo de inovação setorial. Ou seja, fomentar a atuação dos principais atores sociais, universidades, institutos de P&D, e empresas privadas, na busca da independência tecnológica do país.

Recebido 31/08/2009

Aceito 22/12/2011

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  • *
    DCTA-IAE/UNITAU, Sao Jose dos Campos, SP, Brasil
  • 1
    . É a designação atribuída ao período histórico de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os Estados Unidos da América e a União Soviética, compreendendo o período entre o final da Segunda Guerra Mundial (1945) e a extinção da União Soviética (1991). Em resumo, foi um conflito de ordem política, militar, tecnológica, econômica, social e ideológica entre as duas nações e suas zonas de influência (GUERRA FRIA, 2012).
  • 2
    . De acordo com o Departamento de Defesa dos EUA (DoD) uma tecnologia de uso duplo (
    dual-use technology) é a que tem utilidade militar e potencial comercial suficiente para suportar uma base industrial, com utilização e lucro em múltiplos mercados, tanto civil quanto militar. Segundo a autora, devido ao crescimento do potencial comercial de tecnologias de uso duplo, está cada vez mais difícil definir o que deveria ser controlado ou não comercialmente (JOHNSON-FREESE, 2007).
  • 3
    . Após o término da Segunda Guerra Mundial, o engenheiro Wernher von Braun e 125 especialistas envolvidos no projeto do míssil
    V-2 (
    Vengeance Weapon) foram expatriados para os EUA. Von Braun e sua equipe passaram a trabalhar em projetos de mísseis para o exército norte-americano, sendo responsáveis pelo início do programa espacial naquele país (LOGSDON, 1970).
  • 4
    . O
    Technology Readness Level (TRL) é um sistema de medição elaborado pela NASA para analisar o nível de maturidade de uma tecnologia. Dessa forma, a NASA tem procurado reduzir o risco de transição da tecnologia em todos os seus níveis de desenvolvimento até a sua utilização nas missões espaciais (MANKINS, 1995).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      31 Ago 2009
    • Aceito
      22 Dez 2011
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