O livro foi organizado por Marco Bortoleto, livre-docente na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Grupo Circus, Teresa Ontañón Barragán, doutora em Educação Física (EF) pela Unicamp, e Erminia Silva, historiadora do circo e coordenadora do Grupo Circus. A obra obteve financiamento da Fundação Nacional de Artes (Funarte) e do Ministério da Cultura, com o projeto contemplado pelo Prêmio Funarte Caixa Carequinha de Estímulo ao Circo 2014.
O livro Circo: horizontes educativos destaca-se por apresentar a diversidade do circo na América Latina e Europa, abordando um objeto incipiente na literatura. A obra é composta por 13 capítulos, construídos por autores de diversos países e culturas, possibilitando uma compreensão mais ampla do circo, que hoje está presente em novos lugares, espaços e âmbitos, projetando novas finalidades, práticas, usos e apropriações.
O primeiro capítulo, “Aprendizes permanentes: circenses e a construção da produção do conhecimento no processo histórico”, de Erminia Silva, é um estudo de revisão que aborda o contexto do circo. Em seu texto, Silva destaca que os circenses são pesquisadores e historiadores de seu próprio fazer e de suas experiências artísticas, cada qual com sua metodologia e campos teóricos. É levantada a discussão sobre a validade dessas produções, pois não recebem o mesmo prestígio e reconhecimento que outras produções reconhecidas como “científicas”. A discussão proposta por Silva perpassa os principais acontecimentos sobre a formação e a produção do conhecimento circense no Brasil, da transmissão oral/familiar até a formação por meio das escolas de circo e em cursos de Ensino Superior, bem como os problemas enfrentados no âmbito político.
O segundo capítulo, “O circo e a formação em Artes Cênicas”, de Mario Bolognesi, busca verificar as contribuições das artes circenses (AC) para a formação profissional (FP) em Artes Cênicas, por meio de uma experiência no projeto de extensão universitária Circo da Barra no Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista. Bolognesi enfatiza que a busca pela formação em circo cresceu nos últimos anos, levando à inclusão de disciplinas circenses em currículos de cursos de Artes Cênicas pelo Brasil. O autor relata vivências do Laboratório de Artes Circenses, ressaltando o trabalho de formação realizado pelo grupo. Uma experiência realizada por alunos de iniciação científica é mencionada, afirmando-se que, por meio desta, foram constatadas as contribuições das AC para o profissional de Artes Cênicas.
O terceiro capítulo, “Escola Nacional de Circo: desafios na gestão de um espaço cultural público de formação profissional”, de Zezo Oliveira, apresenta reflexões sobre a Escola Nacional de Circo. Oliveira buscou construir um olhar distanciado, abordando diferentes processos de formação em artes e dos pensamentos desenvolvidos por estudiosos da educação e da formação social. A partir de sua visão, o autor abre um debate sobre a escola e o seu labor pedagógico, sem impedir novas reflexões. Descrevendo alguns desafios da gestão em um espaço público de FP em circo, Oliveira procura ampliar o conceito de formação em circo para além das instituições tradicionais de ensino.
No quarto capítulo, “Notas sobre a formação circense no Brasil: do circo de lona às escolas especializadas”, de Rodrigo Duprat, levantam-se discussões sobre a maneira como o conhecimento das AC era transmitido no interior das famílias até o surgimento de uma nova possibilidade de formação com as escolas especializadas em circo, na Rússia. Duprat narra como a formação e a transmissão do conhecimento circense aconteceu no Brasil e destaca que o acesso aos saberes circenses e os novos modelos de formação propiciaram a popularização do circo como conhecimento que pode ser vivenciado por qualquer pessoa. Nesse ponto o autor enfatiza dois grandes grupos de formação: a vivência e a FP.
O quinto capítulo, “La formación del artista circense en Argentina: una historia de revalorización, innovación y desafío”, de Julieta Infantino, aborda um pouco da história de uma arte que, na Argentina, foi desvalorizada como uma arte menor, tendo seu desenvolvimento silenciado. A diversidade das trajetórias e perspectivas educativas que se desenvolveram contemporaneamente no Brasil e no mundo são discutidas, levantando dados e reflexões de mais de 15 anos de investigação no campo das AC. As histórias compartilhadas neste capítulo são de cunho antropológico e narram a história do ensino do circo na Argentina, despertando um debate sobre o Estado e as políticas públicas de fomento à educação circense.
O sexto capítulo, de Donald Lehn, “La formación artística en circo: estrategias de la Federación Europea de Escuelas de Circo Profesionales (Fedec)”, apresenta a relevância internacional que o circo possui na Espanha. O autor faz um apanhado histórico do circo no país e em Madrid. Assim como nos demais capítulos da obra, Lehn denota o papel da FP para as AC, discutindo as competências e características necessárias ao profissional da área. Apresenta-se um estudo realizado pela Fedec, mostrando como essas competências e características são importantes para os artistas circenses. São tratadas as estratégias desenvolvidas na Fedec, divididas em três níveis: para diretores pedagógicos e artísticos, para os professores e para os alunos.
O sétimo capítulo, “La Tarumba: circo peruano”, de Fernando Villalobos e Geraldine Oshiro, apresenta a contextualização histórica do circo no Peru, destacando a trajetória do La Tarumba desde a sua criação, no ano de 1894, até o projeto de criação da escola profissional de circo. Ressalta-se o esforço desmedido dos integrantes do grupo La Tarumba para o crescimento do projeto até o surgimento da Escola Profissional de Circo Social. Os autores também retratam a Escola Profissional e sua premissa de formar o ser humano, jovens comprometidos com o país. São tratadas as propostas artística e pedagógica, abordando as ações didático-metodológicas, o desenvolvimento do grupo e o crescimento de seu público. É possível perceber a história e criação de um grupo circense e como suas ações tornaram um grupo de artistas numa escola de formação.
O oitavo capítulo, “O circo e sua contribuição para a educação escolar”, de Teresa Ontañón Barragán, apresenta as contribuições da aproximação entre a escola e as AC na construção de uma educação que valorize as individualidades, incite o respeito às diferenças, estimule a cooperação e minimize a competitividade. A autora discorre sobre a importância do circo durante a formação escolar e defende a inclusão deste conteúdo na escola, mostrando sua legitimação como conteúdo da EF. A autora explicita a importância do trabalho das dimensões criativa, estética e expressiva com o conteúdo do circo, visto que quando se dá prioridade apenas aos conteúdos técnicos, a prática pedagógica pode se tornar engessada. A formação inicial e continuada é sinalizada como indispensável para o futuro trabalho com os conteúdos circenses, sendo apontados caminhos para seu trabalho na escola.
O nono capítulo, “Novos status para o circo no Centro-Oeste: a Escola de Circo Laheto”, de Maneco Maracá e Larissa de Paula, é um relato de experiências que aborda a criação do Circo Laheto, entre as décadas de 1970 e 1980, e seu desenvolvimento ulterior, mencionando os espetáculos já montados pelo grupo do surgimento até o ano de 2016. Um dos destaques para o projeto deste circo-escola é seu objetivo de atender crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade socioeconômica. A concepção de educação defendida pelos autores é pautada na pedagogia de Paulo Freire e, em linhas gerais, percebe-se que este projeto busca atender os objetivos de minimizar as desigualdades e lutar pela infância e adolescência, verificando a importância da implantação de projetos que visem trabalhar a formação humana por meio das AC.
O 10º capítulo, “A arte como fomentadora do desenvolvimento humano: um estudo com adolescentes em Mogi Mirim/SP”, de Maria Isabel Somme e Maria Rosa Camargo, discute as contribuições das AC a partir de pesquisa realizada com adolescentes participantes de uma organização não governamental na cidade de Mogi Mirim/SP. É possível verificar ao longo do texto que as autoras utilizaram Vygotsky e Guyau como referencial teórico, principalmente para discutir os aspectos relacionados a educação, arte e linguagem, mostrando a relevância do circo para o desenvolvimento destas habilidades. Os elementos referentes à arte são debatidos como formas de criação, que estimulam o processo criativo de crianças e adolescentes. Ao final, as autoras reforçam a importância de se utilizar a arte como forma de despertar a criatividade e a fruição em espaços educacionais, sobretudo a partir das AC.
O 11º capítulo, “Circo, desenvolvimento e educação infantil”, de Ademir De Marco, busca discutir as contribuições que o circo tende a oferecer para o desenvolvimento pleno da criança nas dimensões cognitiva, afetiva, social e motora. São apresentadas as relações do circo com o desenvolvimento infantil por meio de jogos malabarísticos. Para apresentar as contribuições psicológicas e neurológicas, utilizam-se referenciais teóricos do desenvolvimento motor como Maslow e Gesell. O autor discute as contribuições psicológicas provenientes das atividades circenses, elencando o jogo como uma tarefa que contribui para este processo. Os jogos malabarísticos são apontados como um apoio para o desenvolvimento motor em geral, sendo apresentada a possibilidade do trabalho interdisciplinar das AC na escola objetivando o desenvolvimento integral da criança.
O 12º capítulo, “As relações humanas na pedagogia do circo social desenvolvidas pela Escola Pernambucana de Circo”, de Maria de Fátima Pontes, relata a experiência na Escola Pernambucana de Circo. A autora apresenta a história da escola bem como seu objetivo de promover, por meio das artes e da pedagogia do circo social, a inclusão social de crianças, adolescentes e jovens. São apresentadas atividades estratégicas, desenvolvidas em sua prática com a pedagogia do circo social, tais como a valorização de todos, as aulas de circo e a criação de números. São elencadas, ainda, algumas das recompensas pelos anos de trabalho da escola e comenta-se a parceria realizada com a Trupe Circus. O trabalho realizado pela Escola é considerado como mais um exemplo de trabalho coletivo que visa a formação de crianças e adolescentes carentes, em situação de vulnerabilidade social.
O 13º capítulo, “As atividades circenses na FEF-UNICAMP: a construção de uma nova área de estudos e pesquisa”, de Marco Bortoleto, Rodrigo Duprat e Bruno TucunduvaBortoleto, M. A. C., Barragán, T. O., & Silva, E. (Orgs.). (2016). Circo: horizontes educativos. Campinas: Autores Associados., apresenta a trajetória das AC na Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp por meio do ensino, da pesquisa e da extensão desde 1989, quando se iniciaram os trabalhos envolvendo a ginástica e o circo com o Grupo Ginástico Unicamp, chegando até os dias atuais, sendo que o Grupo de Estudo e Pesquisa das Artes Circenses (Circus) foi efetivamente criado no ano de 2006. Narram-se as experiências relacionadas à criação de uma disciplina envolvendo as AC na FEF, bem como as consequências da criação do Grupo Circus para a produção acadêmica na área. Neste capítulo são destacadas as contribuições a partir da criação e do trabalho do grupo no campo da FP, das artes e da produção científica sobre o circo, se fazendo valer o esforço de seus idealizadores e membros.
Esta publicação prova-se relevante, pois o circo é uma temática pouco tratada no meio acadêmico, com uma escassa produção, principalmente no tocante aos aspectos educacionais. Em geral os capítulos apresentam histórias de vida e relatos de experiência sobre o trato deste rico conteúdo em diversos ambientes, o que, num primeiro momento, pode-se considerar repetitivo. Entretanto, por meio destes são indicadas as possibilidades nos diversos contextos/culturas, tais como projetos sociais e ambientes escolares, permitindo ampliar o conhecimento dos leitores acerca deste universo.
Destaca-se que as contribuições das AC não atingem apenas profissionais restritos a uma área. Por meio da obra, verificamos que estas tendem a promover benefícios para a formação de profissionais da EF, das Artes Cênicas, para crianças e adolescentes, entre outros sujeitos. A obra abarca, portanto, de acordo com os organizadores, diversos lugares, espaços e âmbitos, projetando novas finalidades, usos, apropriações e práticas – pedagógicas, de trabalho e/ou formativas.
O circo vem sendo investigado por pesquisadores de diferentes áreas, como as Artes Cênicas, Arquitetura, Filosofia, Sociologia, Jornalismo, Geografia, Pedagogia e EF, produzindo diferentes e interessantes aproximações com a história. Esse livro, ao abarcar experiências de países da América Latina e Europa e considerar as inúmeras possibilidades apresentadas, mostra que o circo se configura como um campo ainda pouco explorado, sobretudo no Brasil.
Destarte, a obra pode ser de interesse de professores e pesquisadores de diversas áreas do conhecimento que pretendem trabalhar com a temática. Mediante as possibilidades apresentadas, os estudos e relatos podem servir de inspiração e embasamento teórico para novos projetos no âmbito circense, oferecendo subsídios e estímulos para projetos educacionais que demonstram o interesse em trabalhar com o circo e seus “horizontes educativos”.
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Normalização, preparação e revisão textual: Douglas Mattos (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br
Referências
- Bortoleto, M. A. C., Barragán, T. O., & Silva, E. (Orgs.). (2016). Circo: horizontes educativos Campinas: Autores Associados.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
22 Abr 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
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Recebido
08 Abr 2019 -
Aceito
13 Maio 2019