Open-access Impacto da pandemia da Covid-19 sobre o Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS

Resumo

Durante a pandemia da Covid-19, o serviço para tratamento do fumante foi impactado. Este artigo avaliou o impacto da pandemia sobre o serviço no SUS. Trata-se de um estudo observacional descritivo ecológico utilizando o banco de dados do Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT) anos 2019, 2020 e 2021, de cinco estados (PA, PB, GO, RJ e RS) referente ao segundo quadrimestre. Foram estimadas as diferenças relativas no número de unidades que ofereceram o serviço e no número de atendimentos para avaliação clínica, primeira e quarta sessões. Para os anos de 2019 e 2020, observou-se diferença percentual no número de unidades que ofereceram o serviço em todos os estados estudados de -51,9%. Para os anos de 2019 e 2021, a diferença relativa para as unidades de saúde foi de -20,96% e, para a avaliação clínica, primeira e quarta sessões foram: -54,19%, -55,07% e -61,31%, respectivamente. Essas diferenças foram maiores para as capitais quando comparadas com os demais municípios. Apesar do impacto negativo, principalmente no primeiro ano da pandemia, o estudo mostrou que os serviços não interromperam suas atividades e mostraram alguma recuperação em 2021.Também foi importante observar que os tabagistas, apesar das recomendações, não deixaram de procurar o tratamento.

Palavras-Chave: Tabagismo; Covid-19; Sistema Único de Saúde; Gestor de saúde

Abstract

During the Covid-19 pandemic, the smoker treatment service was impacted. This article evaluated the impact of the pandemic on the service in the SUS. This is an ecological descriptive observational study using the National Tobacco Control Program (PNCT) database for the years 2019, 2020 and 2021, from five states (PA, PB, GO, RJ and RS) for the second four months. Relative differences were estimated in the number of units that offered the service and in the number of consultations for clinical evaluation, first and fourth sessions. For the years 2019 and 2020, there was a percentage difference of -51.9% in the number of units that offered the service in all states studied. For the years 2019 and 2021, the relative difference for the health units was -20.96% and, for the clinical evaluation, the first and fourth sessions were: -54.19%, -55.07% and -61 .31%, respectively. These differences were greater for the capitals when compared to the other municipalities. Despite the negative impact, especially in the first year of the pandemic, the study showed that the services did not interrupt their activities and showed some recovery in 2021. It was also important to note that smokers, despite the recommendations, did not stop seeking treatment.

Keywords: Smoking; COVID-19; Unified Health System; Health manager

Introdução

O tabagismo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é reconhecido como uma pandemia desde 1999. Por esse motivo, em 2003, a OMS, junto com seus países-membros, elaborou a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, o primeiro tratado internacional de saúde pública, trazendo medidas intersetoriais que devem ser implementadas para o efetivo controle do tabaco, dentre elas, a oferta do serviço de cessação do tabagismo, em seu artigo 14 (PONTES, 2020).

No Brasil, ações para conter essa pandemia vêm sendo adotadas desde 1989, através da criação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT), cujo objetivo é reduzir a prevalência de fumantes no Brasil e a consequente morbimortalidade de doenças relacionadas ao tabaco (INCA, 2022). Uma das principais estratégias do PNCT é a organização e articulação do Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS, implantado em todo o território nacional.

Em 2020, o mundo se deparou com uma nova pandemia de um vírus – o SARS-Cov-2 –, que teve início na China e rapidamente se espalhou por todos os continentes. Segundo Daumas (2020), o Brasil foi atingindo pela pandemia do Covid-19 em 20 de março de 2020, e esta, por ser uma nova doença, trouxe muitos desafios para a população, para os governantes e principalmente para o sistema de saúde. O país teve que adotar uma série de medidas socioeducativas que colaborassem com o controle da pandemia da Covid-19, que se somou à pandemia do tabagismo (INCA, 2022).

Devido ao grau de alta transmissibilidade, foram tomadas algumas medidas de distanciamento social, isolamento social, lockdown de estabelecimentos e reorganização de serviços de saúde. Algumas unidades de saúde foram fechadas, enquanto outras redirecionaram os serviços exclusivamente para pacientes infectados com o SARS-Cov-2. Houve remanejamento de profissionais de saúde no próprio sistema e restrição na “carteira de serviços de saúde” oferecidos à população, dentre eles o serviço e cuidado à pessoa tabagista.

Pelo fato de o Brasil ter dimensões continentais e uma população espalhada pelo território de forma heterogênea, a pandemia não atingiu todos os estados da mesma forma no mesmo período (CAVALCANTE et al., 2020).

Este artigo apresenta uma análise do impacto das medidas tomadas para o controle da Covid-19 no ano que antecedeu a pandemia (2019) e nos dois anos subsequentes sobre o Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no Sistema Único de Saúde (SUS) em uma amostra de cinco estados das grandes regiões geográficas brasileiras.

Metodologia

Realizou-se um estudo observacional descritivo ecológico (LIMA, 2003), método que permite estudar um grupo de pessoas, definindo um espaço geográfico e comparando dados. Este método possibilita a geração de novas hipóteses e é indicado para avaliação de eficácia de intervenção. Utiliza fontes de nível secundário, sendo então considerado de baixo custo e rápida execução.

O estudo teve, como foco de análise, as unidades de saúde básicas (UBS) e os atendimentos aos tabagistas no SUS. As variáveis selecionadas para a pesquisa foram o número de UBS que ofertaram atendimento no período de estudo, o número de atendimentos realizados para avaliação clínica do tabagista e o número de atendimentos realizados na primeira e quarta consultas estruturadas. A variável “unidades de saúde” reflete a oferta do tratamento para o tabagista. A variável “avaliação clínica” reflete a procura pelo atendimento e as demais refletem a aderência do tabagista ao programa de cessação (primeira e quarta consultas estruturadas), no segundo quadrimestre, para os anos de 2019, 2020 e 2021, por unidades da federação selecionadas, localidade (capital e demais municípios) e estado.

Fonte de dados secundários

A fonte de informação foi o banco de dados do Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS, que está sob a responsabilidade da Divisão de Tabagismo da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Instituto Nacional de Câncer. Esse banco de dados é alimentado pelas unidades de saúde (básicas e de atendimento especializado) que prestam atendimento ao tabagista. O preenchimento ocorre em nível local (municipal) e são consolidadas pelas secretarias estaduais de Saúde através de um formulário padronizado do Instituto Nacional de Câncer.

Seleção da amostra

A partir do banco de dados do PNCT dos 27 estados, foi feita uma verificação da completude das informações referente aos anos de 2019, 2020 e 2021. Como houve interrupções no período da pandemia em diversas localidades, apenas 12 estados conseguiram enviar os dados completos para análise. Entre eles, foram escolhidos cinco estados representando as cinco regiões geográficas brasileiras: Pará (PA), representando a Região Norte; Paraíba (PB), a Nordeste; Goiás (GO), a Centro-Oeste; Rio de Janeiro (RJ), a Sudeste e Rio Grande do Sul (RS), a Região Sul.

Análise dos dados

Para a análise dos dados, foi construído um banco de dados em Excel e foram calculadas as variações percentuais no número de atendimentos entre os períodos de 2019 e 2020, e 2019 e 2021. Para efeito de comparação, selecionou-se o segundo quadrimestre de cada ano, período no qual observa-se menor efeito da sazonalidade sobre os dados. A partir daí, foram elaboradas tabelas para uma melhor visualização dessa informação. Com o intuito de analisar possíveis diferenças dentro do território dos estados, realizou-se também uma análise por localidade: capital x demais municípios.

Resultados

Os resultados obtidos neste estudo são apresentados a seguir, com o número de UBS que ofertaram o tratamento, número de consultas referentes à avaliação clínica, número de consultas referente à primeira e quarta sessão estruturadas, para os anos de 2019, 2020 e 2021, e as diferenças relativas para os períodos de 2019-2020 e 2019-2021, por localidade (estado, capital e demais municípios), registradas no segundo quadrimestre de cada ano.

O impacto da pandemia da Covid-19

Na tabela 1, podemos observar o impacto da pandemia da Covid-19 sobre a oferta do tratamento para o tabagista no Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS, entre os anos de 2019 e 2021, considerando os cinco estados selecionados. Entre os anos de 2019 e 2020, houve redução significativa no número de unidades que ofereceram o serviço, que variou, entre os estados, de -29,32% (GO) a -85,04% (PB). Já para os anos de 2019 e 2021, essa diferença relativa se atenuou, com variações de -19,69% (PB) a -47,27% (PA). Vale ressaltar que, no estado de Goiás, observou-se incremento de 13,09% no número de unidades que ofereceram o serviço ao final de 2021.

Tabela 1
Número de Unidades de Saúde que realizaram atendimento no Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS, no segundo quadrimestre, segundo a localidade, considerando os cinco estados, nos anos de 2019, 2020 e 2021

Em relação às capitais, houve variação significativa entre os estados, de -32,99% (RS) a -100% (GO) para os anos de 2019 e 2020. Já para os anos de 2019 e 2021, observa-se que o estado do Pará retorna ao limiar de 2019, com saldo positivo na oferta do serviço; o estado da Paraíba reduz de forma significativa a diferença entre 2019 e 2020 (de -85,71% para -14,29%); enquanto Goiás permanece sem oferecer o serviço na capital (-100%). Já no Rio Grande do Sul, observa-se um aumento na diferença relativa entre os anos de 2019 e 2021, quando comparado com o período anterior (-32,99% para -44,33%). Nos demais municípios dos estados, a diferença relativa na oferta do serviço para os anos de 2019 e 2020 variou de -25,82%(GO) a -85,02% (PB). Para os anos de 2019 e 2021, essa diferença relativa passa a ser positiva para o estado de Goiás (18,68%) e variou, entre os demais estados, de -3,00% (RJ) a -49,38% (PA). (Tabela 1).

Consultas de avaliação clínica realizadas no período

A consulta de avaliação clínica é o momento de entrada do paciente fumante no serviço. Nessa consulta, é feita uma avaliação de sua situação de saúde e todo o planejamento do seu tratamento, sendo possível encaminhá-lo para uma abordagem em grupo ou individual. Pode-se dizer que é a porta de entrada no Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS.

Na Tabela 2, observa-se que as diferenças relativas no número de atendimentos entre os estados variaram de -65,43% (RS) a -86,95% (PB), para os anos de 2019 e 2020, e de -42,10% (RS) a -62,64% (RJ), para os anos de 2019 e 2021. Essas diferenças vão mostrar uma variação maior para as capitais dos estados, de -66,90% (RS) a -100% (GO) para os anos de 2019 a 2020, e de -27,62% (RS) a -100% (GO) para os anos de 2019 e 2021. Para os demais municípios, as diferenças relativas mostraram um padrão semelhante ao observado para os estados.

Tabela 2
Número de consultas realizadas referente à avaliação clínica no Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS, no segundo quadrimestre, segundo a localidade, considerando os cinco estados, nos anos de 2019, 2020 e 2021

Primeira sessão estruturada do Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS

O comparecimento do paciente na primeira sessão no Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS efetiva a participação dele no programa que começa com quatro sessões estruturadas. Entre os estados, para os anos de 2019 e 2020, as diferenças relativas variaram de -64,84% (RS) a -87,99% (PB). Entre 2019 e 2021, as diferenças relativas mostram uma variação menor, de -46,56% (RS) a -61,32% (RJ), conforme a Tabela 3.

Tabela 3
Número de consultas realizadas referente à primeira sessão no Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS, no segundo quadrimestre, segundo a localidade, considerando os cinco estados, nos anos de 2019, 2020 e 2021

Quarta sessão estruturada do Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS

A consulta referente à quarta sessão estruturada do Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS finaliza uma primeira etapa importante do programa, quando os encontros são semanais. Os próximos dois encontros terão periodicidade quinzenal, e os demais serão mensais, até completar um ano de acompanhamento.

As diferenças relativas para os anos de 2019 e 2020 mostraram uma variação de -69,96% (GO) a -86,94% (PB). Para os anos de 2019 e 2021 essas diferenças vão variar de -52,18% (PB) a -66,74% no RJ. O cenário nas capitais segue influenciado pela suspensão total dos serviços oferecidos no estado de Goiás. Para os anos de 2019 e 2020, as diferenças relativas variaram de -76,14% (PA) a -100% (GO), enquanto para os anos de 2019 e 2021, essa variação foi de -56,78% (PB) a -100% (GO). Mais uma vez, o padrão de variação dos demais municípios segue o padrão dos estados (Tabela 4).

Tabela 4
Número de consultas realizadas referente à quarta sessão no Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS, no segundo quadrimestre, segundo a localidade, considerando os cinco estados, nos anos de 2019, 2020 e 2021

Discussão

O Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS no Brasil é orientado com base na abordagem cognitivo-comportamental, devendo ser oferecido a qualquer cidadão sem restrição (BRASIL, 2020). Tem como objetivo a cessação completa do uso de nicotina em até 12 meses de tratamento, podendo ser estendido conforme a necessidade do paciente. De acordo com o Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas, o tratamento deve ser dividido em quatro sessões semanais, duas quinzenais e dez mensais, podendo ocorrer de forma individual ou em grupo (10 a 15 pacientes). O Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS prevê uso de medicamentos para aqueles que necessitam de tal apoio (BRASIL, 2020).

A Portaria GM nº 2.436, de 21 de setembro de 2017, determinou que a atenção primária à saúde é a porta de entrada do cidadão no serviço e cuidado à pessoa tabagista no SUS, sendo responsável por cerca de 90% dos atendimentos aos pacientes que buscam o serviço para parar de fumar (BRASIL/MS, 2017).

Na consulta de avaliação clínica, é possível identificar alterações funcionais pulmonares, existência de doenças relacionadas ao tabagismo, possíveis contraindicações e interações medicamentosas durante o tratamento farmacológico da dependência. Nesse momento, também são avaliados o perfil do fumante, seu grau de dependência à nicotina e sua motivação para deixar de fumar. A partir dessas informações, é definido o plano de tratamento individualizado para cada paciente, levando em consideração as informações prestadas (BRASIL, 2020).

A pandemia da Covid-19 atingiu o Brasil em março de 2020, causando uma série de problemas sociais, especialmente relacionados às questões de saúde. A transmissão do vírus SARS-CoV-2, com alto índice de transmissibilidade, por via respiratória, fez com que diferentes medidas sanitárias e socioeducativas fossem adotadas, com o objetivo controlar a pandemia. Destacam-se: isolamento social, distanciamento social, uso de máscaras e reprogramação/cancelamento de serviços eletivos de saúde (AQUINO et al., 2020).

Sendo assim, vários serviços de saúde foram desarticulados em função das regras de distanciamento social e remanejamento de profissionais de saúde para outros setores mais urgentes. Esse fato foi confirmado no relatório “Terceira rodada da pesquisa global de pulso sobre continuidade dos serviços essenciais de saúde durante a pandemia de Covid-19”, da OMS, divulgada em fevereiro de 2022. A terceira rodada da pesquisa, referente à continuidade de serviços vitais de saúde durante a Covid-19, constatou que interrupções contínuas nos serviços de saúde foram relatadas em mais de 90% dos países pesquisados (WHO, 2022).

A primeira morte confirmada no Brasil por Covid-19 ocorreu em São Paulo, estado de grande densidade populacional, com grande fluxo de viajantes internacionais, no dia 12 de março de 2020 (VERDÉLIO, 2020). A transmissão comunitária em todo o território nacional foi declarada em 20 de março de 2020, sendo recomendadas medidas de isolamento de casos e contatos e distanciamento social da população geral como as principais estratégias para retardar a velocidade de expansão da Covid-19 (DAUMAS, 2020).

No período inicial, não se observou, no Brasil, um movimento coordenado pelo Governo Federal para o controle da pandemia. Em 16 de abril de 2020, o Supremo Tribunal Federal delegou aos estados, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6341, autonomia na condução das medidas de enfrentamento à pandemia (STF, 2020).

Os primeiros estados a tomarem medidas para controle da pandemia no Brasil foram Rio de Janeiro, São Paulo e o Distrito Federal, que adotaram medidas como: fechamento de escolas, medidas de isolamento, quarentena, medidas restritivas de circulação da população, restrições sobre tipo de estabelecimentos comerciais que poderiam ficar abertos, horários de funcionamento, dentre outras (BUENO, 2021).

Diferenças regionais importantes entre as Unidades Federativas mostraram como a pandemia atingiu os estados em momentos distintos e com impacto diferenciado (CAVALCANTE et al, 2020). Observou-se desequilíbrio entre municípios e estados em relação a oferta de ações e serviços de saúde. Isso pode ser exemplificado pela crise apresentada e noticiada nos meios de comunicação, sobre a situação do estado do Amazonas, que sofreu gravemente com a dificuldade de conseguir suprir a necessidade da população com equipamentos básicos como cilindros de oxigênio (FIOCRUZ, 2021).

Aspectos relativos às normas oficiais a serem estabelecidas por cada estado e municípios, bem como a capacidade instalada de resposta à pandemia, influenciaram os dados que aqui foram apresentados (DC RJ, 2020; DC RS, 2020; DC GO, 2020; DC PA, 2020).

Por um lado observou-se, em todos os estados estudados, redução expressiva na oferta do atendimento ao tabagista nas unidades de saúde. Muitos profissionais que atuavam no tratamento dos tabagistas foram deslocados para atendimento aos casos de Covid-19, enquanto outros, por pertencerem a grupos considerados de risco, foram afastados do trabalho. Por outro lado, a população foi orientada a procurar as unidades de saúde apenas em caso de necessidade ou para obter medicamentos de uso contínuo. Esse conjunto de fatores teve repercussão tanto na oferta quanto na demanda pelo atendimento nas unidades de saúde (BVS, 2020).

O efeito final, entretanto, se mostrou heterogêneo nos estados estudados. Em termos de oferta do serviço, Goiás chamou a atenção pela divergência de normas adotada na capital e demais municípios. Enquanto na primeira os atendimentos foram integralmente suspensos, no caso dos municípios, não só a redução relativa foi a menor entre os estados para os anos de 2019 e 2020, como se inverteu para os anos de 2019 e 2021, com ampliação no número de unidades oferecendo o tratamento para o tabagista. Na capital do Pará, também houve pequeno aumento na oferta para o ano de 2021; e no Rio de Janeiro, houve uma recuperação da oferta do serviço fora da capital, que quase atingiu o mesmo número de unidades de 2019, com uma recuperação de cerca de 97% (300 UBS em 2019, para 291 UBS em 2021). Uma possível explicação para esse fato é que houve, durante a pandemia, oferta de uma nova estratégia de capacitação à distância para atendimento ao tabagista, para profissionais de saúde. No período de 2020 e 2021, foram capacitados 8.963 profissionais de saúde pelo Programa Nacional de Controle do Tabagismo coordenado pelo Instituto Nacional de Câncer, do Ministério da Saúde (INCA, 2022). À medida que as restrições foram sendo relaxadas e as unidades de saúde puderam retornar, parcialmente, a suas atividades, é possível que esse incremento na capacitação tenha estimulado uma oferta maior do serviço em alguns locais.

Também é digno de nota que o impacto sobre a oferta do Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista vai ser maior no ano de 2021, comparado com 2020, na capital do estado do Rio Grande do Sul. Como a pandemia não atingiu inicialmente os estados brasileiros de forma homogênea, mas foi atingindo o território gradativamente, é possível que o efeito sobre os serviços de saúde tenha sido maior no segundo ano, em alguns locais. Através do painel interativo do CONASS, é possível verificar que no RS o número de casos praticamente triplicou no ano de 2021, sendo 452.920 casos em 2020 e 1.054.197 em 2021. O número de óbitos também teve aumento expressivo, sendo 8.934 em 2020 e 27.510 em 2021 (CONASS, 2022).

O número de atendimentos para avaliações clínicas está diretamente relacionado à oferta de novas vagas para os tabagistas, enquanto as sessões estruturadas podem estar refletindo a continuidade do atendimento que vinha sendo prestado pelas unidades e a necessidade de obter medicamentos que estavam em uso. No caso das avaliações clínicas, para o ano de 2020, com exceção do estado do Rio Grande do Sul, o número de atendimentos foi equivalente a um quarto do número de atendimentos realizados no ano anterior. No ano seguinte, esse número foi equivalente à metade daquele observado em 2019. Em todos esses atendimentos, o impacto parece ter sido maior nas capitais, quando comparadas com os demais municípios. É possível que uma maior concentração de pessoas nas capitais tenha conduzido tanto as autoridades locais a implementar regras mais rígidas quanto a população, ainda sem a proteção vacinal, tenha evitado a procura pelo tratamento.

Vale ressaltar que, com exceção da capital de Goiás, onde os serviços foram interrompidos, nos demais locais, apesar das recomendações populacionais para evitar as unidades de saúde salvo em casos de muita necessidade, e da recomendação de interrupção dos serviços considerados eletivos, os atendimentos aos tabagistas prosseguiram, o que demonstra a importância dessa demanda para os serviços de saúde. Um fator que poderia explicar essa procura é que houve muita divulgação, na mídia, da relação da Covid-19 com o tabagismo. Outro fator que pode ter contribuído é a procura por medicamentos usados no tratamento, embora o fornecimento para as unidades venha sofrendo descontinuidade ao longo dos últimos anos, em função da oferta das matérias primas no mercado internacional.

Para Patton (1997), são três os objetivos primários para se realizar a avaliação de programas: fazer julgamentos; facilitar seu desenvolvimento e contribuir com o conhecimento. Diante dessa perspectiva, essa avaliação do impacto da pandemia nas ações do PNCT contribuirá significativamente na elaboração de critérios que possam colaborar com a retomada do serviço, não apenas alcançando o quantitativo de oferta do serviço e atendimentos de 2019, como, de forma crescente, contribuir com a expansão da rede.

Limitações do estudo

Este estudo teve algumas limitações importantes, como a restrição da análise a cinco estados representando as macrorregiões geográficas do país. Tal limitação teve por origem a dificuldade dos estados, durante a pandemia, em receber os dados dos municípios, compilá-los e enviar as bases de dados consolidadas completas para o Instituto Nacional de Câncer.

Entretanto, apesar de algumas situações pontuais, de uma forma geral, o comportamento dos dados é semelhante ao longo do período nesses estados, o que nos permite supor que há uma tendência de queda no número de unidades prestando atendimento e no número de avaliações clínicas e sessões.

Conclusão

Este artigo avaliou o impacto da pandemia sobre o programa de cessação de tabagismo no SUS, mensurando os efeitos da pandemia sobre o Serviço e Cuidado à Pessoa Tabagista no SUS, em cinco estados selecionados, para os dois primeiros anos da pandemia. Com base neste estudo, é possível e dimensionar o esforço que agora o Programa Nacional de Controle do Tabagismo terá que fazer para recuperar a mesma capacidade do período pré-pandemia. O impacto foi maior nas capitais dos estados do que nos demais municípios. Ao final de 2021, a oferta de serviços de saúde para tratamento do tabagismo encontrava-se reduzida à metade daquela observada em 2019. No entanto, a oferta e a demanda pelo tratamento não foram interrompidas na maioria dos locais estudados.

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  • Editora responsável: Jane Russo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2023
  • Aceito
    14 Maio 2023
  • Revisado
    12 Maio 2023
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