Open-access Satisfação dos usuários com a qualidade da Atenção Primária à Saúde no estado da Paraíba: estudo transversal

User’s satisfaction with the quality of Primary Health Care in the state of Paraíba: cross-sectional study

Resumo

Objetivo  Visa analisar a satisfação dos usuários em relação aos atributos essenciais da Atenção Primária à Saúde, no Estado da Paraíba, a partir de dados secundários do PMAQ- AB.

Método  Estudo transversal realizado entre 2020 e 2021, com dados de 5.347 usuários vinculados a 1.363 equipes de saúde na APS do Estado. Foram selecionadas questões do material utilizado na Avaliação Externa no 3º ciclo do PMAQ-AB referentes ao perfil demográfico, condição socioeconômica e instrumento elaborado pelos pesquisadores com 42 variáveis. As respostas dos usuários foram categorizadas por equipe de saúde: “Muito Bom” (valor 4), “Bom” (valor 3), “Regular” (valor 2), “Ruim” (valor 1) e “Muito Ruim” (valor 0). Os dados foram tabulados por meio de frequência, porcentagens simples e analisados sob forma de tabelas no Excel 2010.

Resultado  A classificação “Muito Bom” foi de 10.751 (52,5%) em Acesso de Primeiro Contato, 9757 (55,1%) em Longitudinalidade, 1.315 (48,2%) em Coordenação da Atenção; com menor, proporção 4.146 (25,3%) em Integralidade no Estado da Paraíba.

Conclusão  O estudo demonstrou classificação geral positiva com a satisfação dos usuários e a presença dos atributos, nas Macrorregiões e Estado. Todavia, verificou-se baixo desempenho no atributo Integralidade e piores avaliações atribuídas à Macrorregião I.

Palavras-Chave: Saúde Coletiva; Atenção Primária à Saúde; Avaliação em Saúde; Satisfação do Usuário

Abstract

Objective  To analyze user satisfaction in relation to the essential attributes of Primary Health Care, in the State of Paraíba, based on secondary data from the PMAQ-AB.

Method  Cross-sectional study carried out between 2020 and 2021, with data from 5,347 users linked to 1,363 health teams in the State's PHC. Questions were selected from the material used in the External Assessment in the 3rd cycle of the PMAQ-AB referring to the demographic profile, socioeconomic status and instrument prepared by the researchers with 42 variables. User responses were categorized by health team: “Very Good” (value 4), “Good” (value 3), “Regular” (value 2), “Bad” (value 1) and “Very Bad” (value 0). Data were tabulated using frequency, simple percentages and analyzed in the form of tables in Excel 2010.

Result  The “Very Good” classification was 10,751 (52.5%) in First Contact Access, 9757 (55.1%) in Longitudinality, 1,315 (48.2%) in Care Coordination; with a smaller proportion of 4,146 (25.3%) in Integrality in the State of Paraíba.

Conclusion  The study showed a positive general classification with user satisfaction and the presence of attributes, in the Macro-regions and State. However, there was low performance in the Comprehensiveness attribute and worse evaluations attributed to Macroregion I.

Keywords: Public Health; Primary Health Care; Health Evaluation; User’s Satisfaction

Introdução

A Atenção Primária à Saúde (APS) também é denominada como Atenção Básica (AB) no Brasil e, no presente estudo, será nomeada como APS; configura-se como importante estratégia para efetivação dos sistemas de saúde e para garantia de melhorias nas condições de saúde da população (CUNHA, GIOVANELLA; 2011). Redução nas taxas de mortalidade prematura e internações por causas sensíveis à atenção primária, menor incidência de doenças e maior equidade na oferta dos serviços são efeitos positivos em países que adotaram a APS como base dos sistemas de saúde (STARFIELD, SHI, MACINKO, 2005; GIOVANELLA, 2006).

Starfield (2002) define atenção primária como base e ordenadora para todos os outros níveis assistenciais dos Serviços de Saúde (SS). Avaliar os serviços da APS encontra dificuldades relacionadas com a falta de consenso sobre sua definição, a construção de indicadores, padronização de instrumentos e comparação entre os resultados encontrados (CUNHA, GIOVANELLA; 2011; FACCHINI, TOMASI, DILÉLIO, 2018). Desse modo, Starfield (2002) qualificou a APS por meio de quatro atributos essenciais (acesso de primeiro contato, longitudinalidade, integralidade e coordenação da atenção) e três derivados (orientação familiar, orientação comunitária e competência cultural).

A partir desta definição, os quatro atributos essenciais (STARFIELD, 2002) dos serviços de APS podem ser conceituados:

  • Acesso de primeiro contato corresponde à acessibilidade, ponto preferencial do sistema pelo usuário em caso de adoecimento ou acompanhamento rotineiro de saúde e, filtro para os demais níveis assistenciais.

  • Longitudinalidade pode ser entendido através do forte vínculo interpessoal cooperativo entre usuários e profissionais de saúde, independentemente da ausência ou da presença de doença.

  • Integralidade implica que a APS possa reconhecer as necessidades da população considerando-se os âmbitos biopsicossocial da saúde, resolvendo a grande maioria das demandas quando necessário, através de encaminhamento.

  • Coordenação da Atenção corresponde a integração de todos os serviços relacionados à saúde, estabelecido através da continuidade do cuidado, por parte dos profissionais (que examinam ou que geraram encaminhamentos a outros profissionais/serviços, que devem ser investigados nas consultas subsequentes) e/ou através de prontuários (que contemplem informações sobre a atual situação de saúde do usuário).

Esses atributos, apesar de intimamente relacionados entre si, podem ser avaliados separadamente. A identificação da presença e extensão desses atributos é importante para determinar se um serviço é realmente orientado para APS, fortalecendo sua capacidade em prover atenção integral, do ponto de vista biopsicossocial, à sua comunidade adscrita (BRASIL, 2010).

No Brasil, especialmente com a implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF), a institucionalização da avaliação da APS ganhou destaque com a Política Nacional da Atenção Básica (PNAB) no país (FACCHINI; TOMASI; DILÉLIO, 2018). O Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ- AB) possui em seus instrumentos de avaliação questões que buscam verificar a satisfação dos usuários quanto aos serviços de saúde no que se refere ao seu acesso e utilização (BRASIL, 2017).

Os dados produzidos pelo PMAQ - AB propiciam contextualizar e construir um saber mais integral entre a dimensão institucional e a dimensão usuário. Avaliar adequadamente a relação entre os usuários e os serviços de saúde ofertados é uma poderosa ferramenta para auxiliar as práticas profissionais e a programação dos serviços de saúde, visando influenciar no modo da oferta dos cuidados e possibilitar uma maior qualidade e resolutividade a partir das necessidades reais dos usuários (PINHEIRO; MARTINS, 2009).

A literatura de saúde pública apresenta carência de estudos que se utilizem de abordagens quantitativas para avaliar o contexto da ESF na região Nordeste (SILVA et al., 2021). Uma busca nas bases de dados bibliográficos (Web of Science, Pubmed, SciELO e Lilacs), no ano de 2021, resultou em alguns trabalhos sobre a presença e extensão dos atributos essenciais em serviços da APS, centrados na avaliação de município e/ou extrato populacional específico (GONTIJO et al., 2017; SILVA; ALVES, 2019; CARDOZO et al., 2020; COSTA et al., 2021). No Estado da Paraíba, as pesquisas concentram-se nas metrópoles João Pessoa (ANDRADE et al., 2019; DINIZ et al., 2016) e Campina Grande (ALVES et al., 2020), porém nenhum envolvendo aspectos contextuais do Estado e/ou suas Macrorregiões de Saúde.

Este artigo visa analisar a satisfação dos usuários em relação aos atributos da APS, no Estado da Paraíba, a partir dos resultados da Avaliação Externa no 3º ciclo do PMAQ-AB (2018).

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo, transversal, de natureza quantitativa, realizado entre 2020 e 2021, a partir dos dados secundários disponibilizados pelo Ministério da Saúde do Brasil, em <http://aps.saude.gov.br/ape/pmaq/ciclo3/>, provenientes da Avaliação Externa no 3º Ciclo do PMAQ – AB, realizado entre 2017 e 2018. Seguindo a Resolução N° 510 (BRASIL, 2016), a presente pesquisa utiliza informações de acesso público e dispensa avaliação pelo sistema CEP/CONEP.

O PMAQ-AB preconizou a entrevista de quatro usuários por equipe, seguindo como critérios de inclusão: a presença na unidade de saúde no dia da avaliação externa, ser maior de 18 anos e não ter passado por consulta com médico, enfermeiro ou cirurgião- dentista no dia da entrevista. Os critérios de exclusão foram: usuários em sua primeira visita à UBS e que não tenham frequentado a unidade no último ano.

Foram analisadas respostas de 5.347 usuários, referentes às 1363 equipes da APS no Estado. A atual configuração da regionalização da saúde na Paraíba, organiza o estado em três macrorregiões, que abrigam 16 regiões de saúde, contemplando o total de os 223 municípios. Para o presente estudo, foram escolhidas variáveis relacionadas ao perfil demográfico, socioeconômico e que envolviam opinião ou experiência do usuário, relacionadas com a efetivação dos atributos essenciais de qualidade da APS descritos por Starfield (2002), utilizando como referência o instrumento desenvolvido por de Lima (2016).

Foram utilizados componentes para cada atributo da APS com base nas definições da literatura utilizada, agrupando variáveis encontradas no material do 3º Ciclo do PMAQ-AB numa matriz elaborada pelos pesquisadores com 42 variáveis apresentado no quadro a seguir:

Quadro 1
Atributos da APS, componentes e variáveis definidos para análise dos dados da satisfação do 3º ciclo do PMAQ-AB

Questões do instrumento do 3º Ciclo PMAQ-AB foram selecionadas conforme foram identificadas como componentes qualificadores de atributo, segundo Lima (2016).

Na sequência, dentre as respostas possíveis para cada componente, buscaram-se, na perspectiva dos usuários, respostas que indicariam uma percepção de maior qualidade e efetivação do atributo na prática das equipes da APS, estabelecendo um “padrão de referência” dentro de cada conjunto de respostas possíveis, por questão. Definido o padrão de referência, o conjunto de respostas dos usuários foi categorizado por equipe de saúde: “Muito Bom” (valor 4) para todas as respostas positivas; “Bom” (valor 3) para a maioria das respostas positivas; “Regular” (valor 2) para empate entre respostas positivas e negativas, “Ruim” (valor 1) para a maioria de respostas negativas e “Muito Ruim” (valor 0) para todas as respostas negativas. Nos casos com resposta “Não sabe/Não respondeu”, foram consideradas as respostas existentes ou escore negativo em caso de sua totalidade. A opção por usar a maior frequência na categorização visou incluir no estudo unidades de saúde que não possuíam os quatro usuários por equipe de saúde conforme preconizado pelo PMAQ-AB.

Foi realizada a distribuição das frequências absolutas e relativas para a categorização por equipe de saúde com os códigos estabelecido (0, 1, 2, 3 ou 4) por meio da análise sobre o conjunto das respostas dos usuários. Por exemplo, na pergunta “O horário de funcionamento da unidade é informado?”, os quatro usuários entrevistados de uma mesma equipe de saúde responderam que “Sim” (resposta positiva indicada pelo padrão de referência), configurando-se que essa equipe possui código 4, ou classificação “Muito Bom”, para essa variável.

O processo de análise das variáveis foi realizado de forma independente e sequencial nas equipes de saúde. Em seguida, os dados obtidos com a classificação das variáveis foram agrupados com abrangência progressiva da unidade para o município, regiões de saúde, macrorregiões e estado da Paraíba.

Para compor os quadros de análise, os valores dos componentes que integram cada atributo foram obtidos pela da soma das frequências absolutas dos códigos das variáveis pertencentes àquela classificação. As tabulações dos resultados envolveram frequência simples e percentual com tabelas organizadas para cada componente dos atributos.

A soma dos valores absolutos dos componentes para cada atributo definiu a classificação geral para o Estado e Macrorregiões. Ao todo, a seleção final abrangeu 42 variáveis do instrumento do 3º Ciclo, cuja distribuição por atributo resultou em 15 variáveis selecionadas para o acesso de primeiro contato, 13 para o atributo longitudinalidade, 12 variáveis para a integralidade e 2 para o atributo coordenação da atenção. Os valores dos componentes que integram cada atributo foram obtidos a partir da soma da distribuição das frequências absolutas nas variáveis pertencentes àquela classificação.

Uma variável recebeu tratamento diferenciado. A resposta para variável “Quanto tempo o(a) senhor(a) leva da sua casa até esta unidade básica de saúde/posto de saúde?” é a quantidade em minutos relatada pelo usuário; foi realizada a média de tempo ao somar os valores e dividir pelo número de usuários entrevistados para aquela equipe, codificado da seguinte maneira: até 20 minutos (código 4 – muito bom), entre 20 – 30 minutos (código 3 – bom), entre 30 – 40 minutos (código 2 – regular), entre 40 – 60 minutos (código 1 – ruim) e, maior que 60 minutos (código 0 – muito ruim).

Resultados e Discussão

O perfil sociodemográfico dos usuários de APS do Estado da Paraíba e nas Macrorregiões encontra-se na Tabela 1.

Tabela 1
Distribuição da frequência e percentual de dados sociodemográficos das respostas dos usuários por Macrorregião e Estado da Paraíba, 2018

No perfil dos usuários, observou-se que, no Estado da Paraíba e em suas Macrorregiões, predominou o sexo feminino, com faixa etária de 26 a 35 anos, e autodeclarados pardos/mestiços. Esse perfil observado é similar àqueles de outros estudos de usuários da APS (IBANEZ et al., 2006; BRANDÃO; GIOVANELLA; CAMPOS, 2013; FREITAS et al., 2021). Segundo Barros et al. (2006), a maior utilização dos serviços da APS por mulheres pode estar relacionada à sua maior percepção de autocuidado em saúde, pelas diferentes demandas específicas do sexo (menarca, gestação, menopausa).

Prevaleceram entre as características socioeconômicas dos usuários aqueles que possuem ensino fundamental incompleto, convivem com companheiro(a), residem com mais de duas pessoas em seu domicílio e com renda familiar menor que um salário-mínimo. Esses resultados se assemelham à pesquisa realizada por (PERILLO et al., 2020), na qual a população frequentadora da APS se apresenta mais vulnerável pela baixa escolaridade e condições de renda insuficientes para atender às necessidades básicas do cotidiano, não possui acesso a serviços suplementares e depende do SUS para garantir o direito à saúde.

A Tabela 2 apresenta a distribuição da frequência e percentual da categorização das respostas dos usuários para os atributos essenciais por Macrorregião e Estado da Paraíba, 2018.

Tabela 2
Distribuição da frequência e percentual da categorização das respostas dos usuários para os atributos essenciais por Macrorregião e Estado da Paraíba, 2018

Os resultados mostraram que houve Classificação Geral “Muito Bom” em três dos atributos essenciais (Acesso de Primeiro Contato, Longitudinalidade e Coordenação da Atenção) e com menor proporção dessa classificação em um deles (Integralidade), no Estado da Paraíba. Entre as Macrorregiões de saúde, apresentaram percepção “Muito Bom” a III (Acesso de Primeiro Contato e Longitudinalidade) e II (Integralidade e Coordenação da Atenção), e pior percepção na I entre as Macros. No entanto, a percepção dos usuários em três dos atributos teve frequência expressiva como “Muito Ruim” (Acesso de Primeiro Contato, Integralidade e Coordenação da Atenção) nas Macrorregiões e Estado da Paraíba.

O estado da Paraíba apresenta heterogeneidades demográfica e socioeconômica entre suas macrorregiões de saúde, a primeira Macrorregião de Saúde, com sede em João Pessoa (capital do estado); a segunda, com sede em Campina Grande (segunda maior cidade do polo industrial e populosa do Estado); e a terceira com duas sedes, uma em Patos (Sertão) e outra em Sousa (Alto Sertão) (PARAÍBA, 2020). Tendo em vista as diferentes configurações apresentadas, torna-se relevante investigar diferenças regionais e contribuir para o planejamento de ações de forma mais personalizada conforme as necessidades locais.

O atributo “Acesso de Primeiro Contato” está relacionado com o uso da APS como porta de entrada preferencial dos SS, acolhimento dos usuários, corresponsabilização pela atenção às suas necessidades de saúde e a capacidade da atenção primária em lidar e resolver diferentes problemas influenciados pelo contexto social (BRASIL, 2010; OLIVEIRA; PEREIRA, 2013). Se a população não obtém, de forma satisfatória, acesso à porta de entrada da APS, pode não se beneficiar de nenhum dos outros atributos dessa modalidade de atenção (STARFIELD, 2002; DOURADO et al., 2011).

Os achados deste estudo apontam para a satisfação dos usuários no atributo Acesso de Primeiro Contato nas Macrorregiões e Estado, corroborando com o achado de Perillo et al. (2020), no Município de Belo Horizonte, no qual esse atributo foi bem avaliado entre os usuários.

Observou-se também melhor avaliação desse atributo na Macrorregião III em comparação às demais. Mazutti Penso et al. (2017) e Freitas et al. (2021) descrevem a presença de barreiras geográficas e organizacionais nos serviços em APS como reduzido horário de funcionamento das unidades, dificuldades encontradas para marcação de consultas e tempo de espera na unidade para ser atendido, o que reflete avaliações negativas desse atributo.

Refletindo sobre as características urbanas e econômicas nas macrorregiões I e II, uma pesquisa acerca do acesso aos serviços de APS e utilização deles em município de grande porte apontou pior avaliação devido ao não funcionamento das unidades aos finais de semana e após as 18 horas, uma vez que, frequentemente, os usuários perdem o dia de trabalho para realizar uma consulta (REIS et al., 2013).

Dentre os indicadores utilizados na avaliação deste atributo, destaca-se que, mesmo acessível do ponto de vista geográfico e temporal, o mesmo pode ser prejudicado devido a fatores técnico-administrativos, como a falha no acolhimento, seja ela por falta e/ou alcance ou de capacitação profissional adequada (FAGUNDES et al., 2021).

A “Longitudinalidade” se relaciona ao acompanhamento dos usuários pela equipe de APS para os múltiplos episódios de doença e cuidados preventivos com a presença de vínculo, relação interpessoal e de confiança entre usuários e profissionais de saúde (STARFIELD, 2002; HARZHEIM et al., 2016). Conforme Cunha e Giovanella (2011), este atributo se desenvolve na medida em que os usuários identificam o local ou o prestador de serviços de APS como sua fonte regular de atenção em saúde, somado de questões relativas à natureza do relacionamento do usuário com a referida fonte de cuidados. Resultados positivos para este atributo também foram encontrados em outros trabalhos (IBAÑEZ, 2006; PEREIRA et al., 2011; SILVA; FRACOLLI, 2014). Mesmo diante de um resultado positivo desse atributo, as Macrorregiões I e II tiveram resultado desfavorável quando comparadas à Macrorregião III.

Kessler et al. (2019) ao estratificar o escore da longitudinalidade da APS por porte populacional explanou que os municípios de maior porte e com maior IDH apresentaram os piores resultados, justificando-se que grandes municípios concentram menores coberturas da ESF, e reforça o papel deste modelo como provedor e reorganizador da APS. Na Paraíba, a cobertura de atenção básica é de 97,34%, onde 9 regiões de saúde apresentam 100% de cobertura, estas localizadas predominantemente na III Macrorregião (PARAÍBA, 2020).

Os indicadores avaliados para o atributo Longitudinalidade demonstraram que os usuários consideram uma boa relação, comunicação e intimidade com os profissionais, entretanto, a avaliação demonstra fragilidades que precisam ser consideradas para o alcance de um cuidado longitudinal.

Ainda que a ESF seja ambiente propício para estabelecimento de vínculo entre usuários e profissionais da unidade, esse atributo não é de fácil aplicação, na medida em que envolve questões como a oferta apropriada de serviços de APS, mecanismos de fixação do profissional na unidade de saúde e a presença de profissionais sensíveis e atentos às necessidades de saúde da população por meio de uma atenção integral (CUNHA, GIOVANELLA, 2011; KESSLER et al., 2019).

Em relação à “Integralidade”, observou-se expressiva frequência da classificação “Muito Ruim”, o que concorda com Silva, Casotti e Chaves (2013). Os autores indicam que a Integralidade da assistência seja um dos atributos mais comprometidos do SUS com base na forte influência dos modelos hegemônicos nas práticas da ESF e principalmente na organização das redes de atenção.

A percepção dos usuários com os indicadores utilizados para avaliar esse atributo quanto à dimensão dos serviços disponíveis e a resolutividade da AP, indicam condições limitadoras para sua efetivação. Além disso, devemos considerar influência dos demais atributos, principalmente os aspectos relativos ao acesso, estrutura física das unidades, as características profissionais e pessoais dos trabalhadores de saúde, processos administrativos e continuidade da atenção (GEORGINA et al., 2011).

Salaet al. (2011) sugerem que o modelo de organização da APS nos moldes da ESF apresenta, em tese, melhores características para a efetivação da Integralidade, uma vez que as ações são realizadas em um território estruturado, permitindo o seu planejamento a partir das condições de vida e de saúde da população adscrita, e não a partir da demanda por assistência. Ainda que múltiplos sentidos possam ser conferidos à Integralidade (PINHEIRO; MATTOS, 2009), para a análise desse atributo foram selecionadas condições sobre a capacidade do serviço em reconhecer as necessidades dos usuários e ofertar recursos diversificados para uma abordagem resolutiva no âmbito da APS (STARFIELD, 2002).

A percepção negativa identificada sobre o atributo “Integralidade” sugere que nem todas as ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação, voltadas ao cuidado integral do indivíduo estão sendo executadas de forma efetiva ( STARFIELD, 2002 ), corroborando com pesquisas realizadas por Martins et al. (2014), Mesquita Filho; Luz; Araújo (2014), Silva et al. (2015) e Carvalho et al. (2021).

A “Coordenação da Atenção” implica a garantia da continuidade da atenção através da coordenação entre os serviços, a partir do reconhecimento de problemas que necessitam de seguimento (MESQUITA FILHO; LUZ; ARAÚJO, 2014). Esse atributo é considerado pilar da concepção estruturante e complexa da APS. Diante disso, pode-se afirmar que, sem a Coordenação, a Longitudinalidade diminuiria seu potencial, a Integralidade seria comprometida e o Acesso teria função basicamente administrativa (CARNEIRO et al., 2014).

Os resultados deste estudo apontam para a satisfação dos usuários relacionados à Coordenação da Atenção nas Macrorregiões e Estado, com destaque para a Macrorregião II quando comparada às demais. Carneiro et al. (2014) afirmam que fragilidades nesse atributo evidenciam a necessidade dos serviços em aprimorar a comunicação entre os diferentes pontos do sistema de saúde a partir de um sistema de referência e contra referência fortalecidos, além do acesso às informações referente aos usuários.

A percepção negativa observada nas respostas dos usuários evidencia falhas na coordenação especialmente nos pontos de transição entre um serviço e outro, e dificuldades em obtenção de informações dos serviços especializados incorrendo em ineficiências do sistema de saúde.

Entre as limitações, podemos considerar o viés de gratidão (VAITSMAN; ANDRADE, 2005), visto que os entrevistados eram usuários que já vinham recebendo atendimento na Unidade de Saúde e, portanto, tendiam a perceber mais positivamente a qualidade dos serviços, e o material utilizado para a coleta de dados da avaliação externa do PMAQ-AB não ser organizado a partir dos atributos da APS, ocasionando dificuldade na busca de variáveis para compor o instrumento elaborado.

Outro possível limite desse estudo corresponde ao desenho inerente ao PMAQ- AB, através do uso de uma amostra não probabilística de usuários, selecionados no próprio serviço, o que pode ter subestimado a medida de satisfação entre aqueles que possuem acesso aos serviços de saúde. Ademais, também devemos considerar que os dados se referem somente às equipes que aderiram ao PMAQ-AB e não ao universo das unidades básicas de saúde do Estado.

Os resultados deste estudo demonstraram a importância de medir os atributos da APS, como forma de qualificar os serviços e, consequentemente, o atendimento aos usuários; demonstrando que a interpretação da população acerca da oferta de saúde pela APS é importante, visto que a avaliação dos usuários frente ao atendimento ofertado, é fundamental para repensar as práticas profissionais, a forma de organização dos serviços e identificar quais são os aspectos que demandam maior aperfeiçoamento.

A presente pesquisa limitou-se a estudar as macrorregiões de saúde do estado da Paraíba, podendo auxiliar outros pesquisadores a entender como está a situação de outros estados brasileiros, ou o próprio estado da Paraíba. Visa também, motivar outras pessoas a fazer um estudo mais aprofundado dos atributos, analisando mais detalhadamente os indicadores, métodos estatísticos e parâmetros para o cálculo dos scores.

Conclusão

A satisfação dos usuários nas Macrorregiões e Estado obteve classificação geral positiva e identificou-se a presença dos atributos essenciais na APS. Dentre as principais limitações, estão o baixo desempenho no atributo Integralidade e as piores avaliações atribuídas à Macrorregião I.

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  • Editora responsável: Tatiana Wargas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2021
  • Aceito
    08 Out 2022
  • Revisado
    01 Jul 2022
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