Open-access A boa mãe lactante: percepções maternas sobre amamentação e desmame

The good breastfeeding mother: maternal perceptions about breastfeeding and weaning

Resumo

A inexistência ou escassez de uma abordagem mais complexa da amamentação nos materiais oficiais de promoção ao aleitamento materno foi o mote do projeto de pesquisa que investigou percepções maternas sobre o ato de amamentar seus bebês e o processo de desmame e suas implicações para elas, seus filhos e famílias. Este artigo apresenta resultados da pesquisa citada, com base na análise de entrevistas com mulheres que desmamaram há, no máximo, dois anos. As experiências das mulheres são afetadas por modelos de maternidade contidos nos discursos oficiais pró-aleitamento materno e na mídia. Compartilhar aspectos raramente abordados ou silenciados nesses discursos permitiu que elas ressignificassem a experiência de amamentação, deslocando seus sentidos e, em alguma medida, transformando-os.

Palavras-Chave: Amamentação; Desmame; Percepções maternas; Análise de Discursos

Abstract

The absence or insufficiency of a more complex approach to breastfeeding in official breastfeeding promotion materials induced the research project that investigated maternal perceptions about the act of breastfeeding their babies and the weaning process and its implications for them, their children and families. This article presents the results of the aforementioned research, based on the analysis of interviews with women who weaned a maximum of two years ago. Women's experiences are affected by models of motherhood asserted by official discourses for breastfeeding and those that appear in the media. Sharing subjects seldom addressed or silenced in these discourses have helped them to reframe the breastfeeding experience, displacing their meanings and, to some extent, transforming them.

Keywords: Breastfeeding; Weaning; Maternal perceptions; Discourse Analysis

Introdução

A inexistência ou escassez de uma abordagem mais complexa da amamentação, que inclua o desmame como parte do processo, nos materiais oficiais de promoção ao aleitamento materno (AM)1 foi constatada por Kalil e Aguiar (2017). Em lugar de um processo intersubjetivo com desdobramentos psíquicos e sociais para os envolvidos, prevalece a ênfase numa relação predominantemente instrumental: a mulher fornece ao/a seu/sua filho/a o “melhor alimento”, o leite seguro e completo, com valor nutricional e imunológico inestimável para a saúde da criança.

Até os anos 1970, com a forte empreitada da indústria de fórmulas infantis, muitos discursos secundarizavam o corpo da mulher, preconizando o uso de leites artificiais como melhor “resposta às descobertas sobre as necessidades nutricionais, resultantes do avanço do conhecimento científico em relação às peculiaridades fisiológicas do metabolismo da criança” (ALMEIDA, 1999, p. 41). A partir de meados da mesma década, “as consequências desastrosas do desmame precoce, que passaram a ser evidenciadas nos países em desenvolvimento” (VENANCIO, 2008, p. 37), foram decisivas para levar a sociedade a se mobilizar para o retorno à amamentação.

Por meio de tal mobilização, foram observadas mudanças significativas nos discursos de profissionais de saúde e instituições oficiais e não governamentais com relação à alimentação de crianças, e, em especial, ao tipo de aleitamento (AMORIM, 2008). Se, na década de 1960, as reportagens em revistas femininas e para o grande público abordavam tanto o aleitamento materno quanto o artificial, sendo este último apontado, explícita ou implicitamente, como alternativa à amamentação, a partir de 1979, esses veículos passaram a ratificar, em grande medida, as recomendações definidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) sobre a alimentação de lactentes e crianças na primeira infância.

Tais orientações retomavam “a questão do ‘natural ou da natureza’ [...] para sensibilizar as mulheres e a sociedade sobre a importância do aleitamento materno e recomendar a todos os governos nacionais (inclusive o brasileiro) a fazê-lo” (AMORIM, 2008, p. 591). Nesse contexto, segundo Badinter (2011), o aleitamento materno se constituiu como um imperativo nos dias atuais, encontrando-se no centro de um novo modelo de se exercer o cuidado e a criação dos filhos na contemporaneidade. Para a autora, tal revolução nos padrões de maternidade se deve, predominantemente, à atuação militante de La Leche League (LLL), associação de mães norte-americanas fundada em Chicago, em meados da década de 1950, e cuja filosofia se encontra atualmente espalhada pelos quatro cantos do planeta.

O combate ideológico travado pela LLL para reverter a situação dos índices de aleitamento nos Estados Unidos e, posteriormente, em outros países, estaria apoiado em dois princípios que podem ser depreendidos do seu livro, The womanly art of breastfeeding, publicado pela primeira vez em 1958 e que se tornou uma espécie de “bíblia” para as aleitadoras. O primeiro princípio afirma que a ‘boa mãe’ é aquela que coloca, ‘naturalmente’, as necessidades do filho acima de tudo e de si mesma; o segundo postula “que as necessidades do filho são estabelecidas pela ‘natureza’, e que são progressivamente cada vez mais conhecidas” (BADINTER, 2011, p. 88).

De acordo com Nucci e Russo (2021), “as participantes da LLL (...) atuam também em um campo que podemos classificar de ‘lactivismo’ – termo criado pela junção das palavras ‘ativista’ e ‘lactação’, conforme analisado por Faircloth (2013)” (p. 72). No Brasil, as autoras observam que, em especial nos últimos dez anos, “grupos de ativismo e apoio à amamentação parecem ter migrado para a internet, proliferando-se cada vez mais” (NUCCI; RUSSO, 2021, p. 74), entre páginas e grupos de discussão que se destinam a “compartilhar informações e prestar apoio para mulheres com dificuldade para amamentar” (p. 74).

Um exemplo do lactivismo no Brasil são os “mamaços”, que, segundo Kalil e Rodrigues (2018), “têm sido noticiados como uma estratégia de mobilização social em busca de outra perspectiva da amamentação em público” (p. 660). Iniciadas no país em 2011, tais manifestações de mães começaram pelas redes sociais digitais, mas acabaram se espalhando e ganhando as páginas de jornais e outros meios informativos impressos e on-line, chegando a “mobilizar as casas legislativas, que atentaram para as recorrentes reivindicações e criaram leis que protegem as mães e as crianças de abordagens impróprias” (KALIL; RODRIGUES, 2018, p. 660).

Embora seja um movimento de mulheres, que politiza o ato de amamentar e destaca o protagonismo materno no processo, ele não está imune a controvérsias. Fortemente marcado pelo discurso científico, das melhores evidências, e pelo discurso de um ‘retorno à natureza’ da mulher, presente nas acepções sobre parto e amamentação (NUCCI; RUSSO, 2021), essa ‘maternidade ecológica’ (BADINTER, 2011) traduz um processo de valorização das diferenças biológicas entre os sexos por meio do reconhecimento do caráter natural da maternidade e da amamentação e de sua apropriação como a realização de um desejo e uma forma de afirmação da feminilidade.

Nesse sentido, o imperativo do AM vivenciado na atualidade carreia um modelo de maternidade com responsabilização da mulher pelos riscos a que sua prole possa estar submetida, além da necessidade (crescente) de profissionais e conhecimentos especializados na criação e educação das crianças. Para tal ideologia, chamada de maternidade intensificada (HAYS, 1998) ou maternidade total (WOLF, 2007), caberia à ‘boa mãe’ minimizar a exposição dos filhos a riscos, a despeito dos custos de tais esforços para sua própria vida. Integrando o roteiro da maternidade total, a amamentação como ‘medida da mãe’ (WALL, 2001) indica a adequação da conduta materna aos padrões socialmente valorizados, contribuindo para constranger o papel social da mulher e gerando culpa e sensação de impotência em mães que não possam ou queiram amamentar. No Brasil, o AM emerge como elemento das ‘pedagogias de maternidade’ com suas redes de disciplinamento e controle social, impactando a produção de identidades de gênero (MEYER, 2003).

Em trabalho anterior, Kalil (2016) destacou sentidos privilegiados (e outros silenciados) nos discursos dos materiais oficiais sobre AM publicados pelo Ministério da Saúde (MS) brasileiro. Alguns dos interdiscursos (elementos da memória discursiva presentificados) mais prevalentes nesses materiais foram o da religião (sagrado), o da natureza (biológico), o da saúde (incorporando a ciência e o risco), o do compromisso moral (ligado à divisão sexual do trabalho), o do dever cívico (relacionado ao discurso eugênico e higiênico de final do século XIX e início do século XX), o da beleza (como elemento da feminilidade) e o da psicologia (sobretudo na abordagem do vínculo). Uma das principais lacunas ressaltadas, ao lado do desmame, foi a perspectiva materna sobre a amamentação, e, mais especificamente, a relação da mulher que amamenta com seu corpo, com o companheiro e a sexualidade e com o trabalho (KALIL; AGUIAR, 2017).

Tais resultados, análises e conclusões suscitaram a proposição do projeto de pesquisa da primeira autora, aprovado, em janeiro de 2018, pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), instituição à qual a mesma era vinculada. Nele, buscou-se conhecer e refletir acerca das percepções maternas sobre amamentação e desmame, suas implicações para elas, seus filhos e famílias, relacionando-as aos sentidos privilegiados ou silenciados nos discursos dos materiais oficiais. Tais percepções são o objeto deste artigo.

Ao lado do olhar problematizador dos Estudos de Gênero, informa nosso referencial teórico-metodológico a Análise de Discursos (AD) de inspiração foucaultiana, para a qual ao analista de discursos cabe desnaturalizar os objetos, os conceitos e os discursos sobre eles, “expulsando-os da sombra onde vicejam e arrancando-os de sua quase evidência” (FOUCAULT, 2013, p. 31). Segundo Pinto (1999), trata-se de compreender o discurso para além de sua aparente neutralidade, como produto de suas condições sociais de produção (ou ‘contextos’) e como espaço de lutas pelo poder, ensejando, como afirma Orlandi (1999), “uma relação menos ingênua com a linguagem” (p. 9).

É também Orlandi (1999) quem chama a atenção para a memória pensada em relação ao discurso. O que chama de memória discursiva ou interdiscurso é, em suas palavras, “aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. [...] O saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível” (p. 31). Na constituição dos sentidos, o ‘pré-construído’ atua além dos próprios sujeitos físicos, compondo os regimes de verdade que estão na raiz desses discursos. Tais elementos da memória discursiva são compartilhados e correspondem a outros sujeitos/vozes que se fazem presentes nos discursos, ainda que aquele que fala não tenha consciência e/ou controle sobre eles.

Para analisar os discursos coletados no presente trabalho, aproximamo-nos, ainda, da Psicanálise, um dos poucos campos teóricos que abordaram as implicações da amamentação e desmame para a subjetividade da mulher e da criança. Acreditamos que, precisamente por abordar a amamentação como relação intersubjetiva, para além do papel nutricional do leite materno, a Psicanálise não seja referenciada nos discursos oficiais. Mesmo quando estes incluem o fortalecimento do vínculo entre mãe e bebê entre as vantagens da amamentação, aquele ramo do conhecimento não é textualmente citado.

Partimos da premissa de que as mães entrevistadas produzem discursos - como efeitos de sentidos - de forma consciente, mas também inconsciente, com base em pré-construídos. Entre eles, encontram-se os discursos oficiais de promoção e orientação ao AM (no presente e também forjados ao longo dos últimos dois séculos), cujos sentidos evocados e os silêncios e omissões foram analisados em trabalho anterior (KALIL, 2016). Embora nas entrevistas tenham sido abordados vários aspectos concernentes às experiências da amamentação e do desmame, para fins deste artigo focaremos nos sentidos da experiência de amamentação, nos motivos para o desmame total e nas mudanças percebidas pelas mulheres em suas vidas com o encerramento da amamentação.

Coleta de dados

Este artigo apresenta resultados da pesquisa citada, decorrentes da análise das 11 entrevistas realizadas. Visando a minimizar o viés da memória, na ocasião do depoimento, as mães haviam realizado o (mais recente) desmame há, no máximo, dois anos. A metodologia escolhida para seleção das entrevistadas foi a amostragem em “bola de neve”, em que um(a) participante indica outra potencial participante, e assim sucessivamente. Essa estratégia vem sendo empregada em pesquisas exploratórias, quando é difícil localizar potenciais participantes (pelos critérios estabelecidos) e, particularmente, quando a pergunta de pesquisa está relacionada a uma temática potencialmente sensível (VINUTO, 2014), como é o caso do processo de amamentação e desmame. Na prática, as primeiras participantes foram selecionadas entre contatos da pesquisadora principal e somente algumas delas indicaram uma ou mais novas informantes.

O primeiro contato com as potenciais participantes foi feito por WhatsApp e, na sequência, a pesquisadora principal enviava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por e-mail, sendo agendadas as entrevistas. Estas foram realizadas entre julho de 2019 e abril de 2020, tendo cinco delas ocorrido presencialmente, nos locais de trabalho das entrevistadas ou em cafés próximos às suas residências, e seis, de forma remota, por telechamada ou videochamada (duas delas por motivo de as entrevistadas residirem em outro estado que não o das pesquisadoras e as outras quatro em razão do isolamento decorrente da pandemia de Sars-Cov-2).

A primeira autora realizou as entrevistas, seguindo roteiro semiestruturado constituído por 27 perguntas distribuídas em três partes: 1) Perfil socioeconômico e familiar da entrevistada; 2) Experiência do processo de amamentação; e 3) Experiência do processo de desmame. As entrevistas foram gravadas em arquivo de áudio e transcritas integralmente. Na apresentação dos resultados, as entrevistadas receberam nomes fictícios que elas mesmas escolheram (ou delegaram a escolha às pesquisadoras) de modo a preservar seu anonimato.

Resultados e Discussão

Com relação ao perfil socioeconômico e familiar das entrevistadas, na época das entrevistas, sua idade variava entre 33 e 42 anos (idade média de 39 anos). Elas informaram escolaridade que variava de superior incompleto (uma pessoa) até doutorado completo, sendo que seis afirmaram possuir pós-graduação lato ou stricto sensu (residência, especialização, mestrado, doutorado). Com relação à área de formação, sete das entrevistadas possuíam graduação na área de saúde (fisioterapia, enfermagem, medicina, psicologia e nutrição). Apenas uma entrevistada não exercia atividade remunerada na época da entrevista e todas afirmaram trabalhar fora de casa (inclusive a que estava sem remuneração). Nove entrevistadas declararam renda mensal maior que cinco salários mínimos.

Tais dados confirmam a homogeneidade da amostra, que se concentrou nos estratos socioeconômicos mais elevados e com uma formação escolar que também propicia, ao menos em tese, o acesso a uma maior gama de informações – advindas de fontes diversas – acerca da experiência de amamentação2. O quesito raça/cor não foi incluído na primeira parte do roteiro de entrevista. Todas as entrevistadas residiam na Região Sudeste, sendo duas no Estado de São Paulo e as demais no Estado do Rio de Janeiro.

No que se refere ao estado civil, seis estavam casadas, enquanto cinco afirmaram possuir estatuto de união estável. Cinco entrevistadas tinham apenas um filho; outras cinco tinham dois filhos; e uma entrevistada tinha três filhos, somando um total de 18 crianças. A média de filhos era de, aproximadamente, 1,64 filhos por mulher. Das 18 crianças, 14 (quase 80% delas) eram menores de cinco anos, ou seja, podiam ser consideradas crianças pequenas. Todas as 18 crianças foram amamentadas, sendo que duas ainda se encontravam em fase de amamentação. O tempo de amamentação variou de cinco a 50 meses (até o momento das entrevistas), sendo a duração média de 19,4 meses (1 ano e 7 meses).

As partes dois e três do roteiro, sobre as experiências do processo de amamentação e do processo de desmame, respectivamente, forneceram o material para a realização da análise discursiva. Com todas as entrevistas transcritas, procedemos à leitura dos enunciados de forma comparativa, identificando seus principais núcleos de sentidos e buscando associá-los aos sentidos privilegiados e silenciados nos discursos oficiais de promoção e orientação ao AM (que estão, no nosso entender, entre suas condições sociais de produção).

Dos sentidos sobre amamentação

Na campanha da Semana Mundial de Amamentação (Smam) realizada em 2008, a associação entre amamentação e natureza é explícita no slogan: “NADA MAIS NATURAL QUE AMAMENTAR”. Tal vinculação também é acionada no anúncio da Smam 2009: “É a própria natureza que nos ensina que a amamentação é o melhor para os bebês”, e no caderno Saúde da Criança: Nutrição: Aleitamento Materno e Alimentação Complementar (BRASIL, 2009), ao afirmar que “[o aleitamento materno é] a forma mais natural e ideal de alimentar a criança pequena” (p. 61).

Nas falas das entrevistadas, também emerge o interdiscurso da natureza, com a amamentação sendo um comportamento ‘natural’, comum, um imperativo biológico da fêmea mamífera para com a sua cria e a secundarização do seu caráter subjetivo e cultural. Em contraponto, emerge o relato quase unânime das mães sobre dificuldades da fase inicial da amamentação (“foi muito mais difícil amamentar do que parir”), permeadas por vivências de desespero, frustração e trauma, gerando a necessidade de buscar apoio especializado (de enfermeiras, consultoras de amamentação particulares ou visitas a bancos de leite humano), mesmo por quem já havia amamentado anteriormente: “Eu achei que ia ser muito natural. Que eu iria pegar meu filho no colo, colocar ele no peito e ele ia começar a mamar e a gente ia ser feliz pra sempre. Só que não… (Risos). É, o início da amamentação foi terrível.”

Outro interdiscurso apreendido das entrevistas é o da saúde. Ser uma criança saudável, ter tido poucas infecções, quase não ter tomado antibióticos são situações, muitas vezes, atribuídas ou vinculadas ao fato de ela ter sido amamentada. O discurso oficial, no interdiscurso da saúde, convoca a ciência e o risco, com impacto nas entrevistadas, que têm, em sua maioria, formação da área da saúde (duas implicadas diretamente no AM/nutrição). Um exemplo pode ser visto no slogan da Smam 2021: “Todos pela amamentação. É proteção para a vida inteira”. Desde que o aleitamento dos bebês foi tomado como objeto de intervenção do Estado brasileiro, com apoio social do movimento higiênico (final do século XIX - início do século XX), os argumentos se baseavam no discurso da saúde, potencializado pela magnitude da mortalidade infantil à época (com influência da amamentação de crianças por amas de leite). A ele amalgamaram-se dois outros discursos: o da ciência (relacionado às chamadas ‘evidências científicas’), que destaca, principalmente, a superioridade da composição do leite humano na alimentação de lactentes; e o do risco, noção que vem sendo considerada um importante desdobramento do discurso da promoção da saúde.

O discurso da saúde também se alia a outro discurso típico do movimento higiênico: o do dever cívico, que exalta a amamentação como compromisso da mulher/mãe para com o progresso da sociedade, o que fica nítido no slogan “Apoiar a amamentação é cuidar do futuro” (Smam 2022), reiterado pelo texto de apoio “Amamentar faz bem para a mulher, para a criança e para toda a sociedade” (Smam 2022).

Os materiais oficiais são ricos em afirmações categóricas, implicitamente amparadas nas evidências científicas atuais, como: “O leite materno protege o bebê de infecções, diarreias e alergias” (Smam 2022); “O leite materno é completo” (Smam 2012)”; ou “é um excelente exercício para o desenvolvimento da face da criança, importante para que ela tenha dentes fortes e bonitos, desenvolva a fala e tenha uma boa respiração” (Smam 2014). O discurso oficial trata, ainda que implicitamente, dos ‘consequentes’ riscos da não amamentação para o desenvolvimento físico e psíquico da criança e para a saúde da mulher. Além disso, a iniciativa individual da mulher quanto a amamentar é ressaltada nesses materiais, parecendo depender quase que exclusivamente da decisão materna o êxito da amamentação - embora as campanhas mais recentes tenham passado a destacar a importância do envolvimento da sociedade, como no exemplo do texto de apoio do cartaz da Smam 2021: “Proteger a amamentação é responsabilidade de todos”.

A amamentação como responsável pelo fortalecimento do vínculo entre mãe e bebê, que aparece nas entrevistas, corrobora discursos oficiais na sua apreensão superficial da temática da subjetividade. Destacamos a influência de John Bowlby (2006) com sua ”teoria do apego” (attachment theory), baseada no conceito de bonding, na qual compara saúde mental e física, afirmando que o amor/prazer da mãe com o bebê representa seu alimento espiritual, enquanto, na amamentação, a mãe fornece ao bebê “as substâncias alimentícias necessárias em seu próprio leite, exatamente na combinação correta” (p. 8). Nos materiais oficiais de orientação, o vínculo é preconizado: “Os olhos nos olhos e o contato contínuo entre mãe e filho fortalecem os laços afetivos”, “[Dar de mamar] Faz o bebê sentir-se querido, seguro” (BRASIL; UNICEF, 2007).

Acreditamos que o reconhecimento da relação da amamentação com a saúde (física, mental, emocional) do bebê e dos riscos atrelados à não amamentação influenciam uma rede de sentidos atribuídos pelas mães à sua experiência (o prazer no ato de amamentar, as sensações de poder e autossuficiência maternas). Ver o/a filho/a crescer e desenvolver-se apenas com o leite que seu corpo produz reforça uma certa onipotência: “Eu me sentia a pessoa mais importante do mundo pra ela, eu me sentia o máximo”. Esse orgulho materno se traduz no sentido de dever cumprido, num compromisso moral da mulher com a prole, interdiscurso bastante difundido nas falas oficiais pró-AM desde o movimento higiênico.

No entanto, em suas falas, as mulheres incluem outros sentidos, contraditórios. A pressão social para a adoção da amamentação, que aparece na fala “A gente fica numa pressão muito grande que a gente tem de ser a mãe perfeita, e isso acaba deixando a gente estressada” (o que foi associado com restrita produção de leite), e a posição do companheiro como ‘juiz’ do comportamento materno, que pode ser observado na fala de uma das entrevistadas, que, ao se mostrar cansada para amamentar o filho quando chegava do trabalho, ouvia do marido: “Se eu tivesse peito, eu estaria dando sem essa sua cara feia!”.

O valor social da amamentação como ‘medida da mãe’ produz efeitos de sentidos contraditórios e, embora todas as entrevistadas tenham manifestado desejo de amamentar, também destacaram estresse pelas expectativas e culpa quando não se sentiam aptas ou dispostas a correspondê-las. A possível culpa da mulher que não amamenta (nos parâmetros definidos pelas organizações internacionais) seria consequência de duas apropriações simbólicas da amamentação: a não correspondência da mulher aos padrões vigentes de maternidade (não amamentar ou interromper o AM por limitações físicas ou necessidades pessoais) e o não cumprimento do ideal de maternidade em voga (com sensação de ser menos mulher, dada a força dos argumentos que associam amamentação e a “natureza feminina” (TAYLOR; WALLACE, 2012).

As entrevistadas relataram, ainda, exaustão e adoecimento físico provocados pela amamentação por tempo prolongado, com sensações de aprisionamento e solidão enquanto amamentavam: “Chega uma hora que a razão sai e você fica com seu cansaço. E com a sua solidão, né? Porque eu acho a amamentação um período muito solitário da mulher. Porque todo mundo sabe exatamente tudo que você tem de fazer, mas é você quem faz”.

Os enunciados sobre o corpo e a relação conjugal e sexual durante a amamentação estabelecem relações de sentidos entre si. O corpo da mulher que amamenta é percebido como uma continuidade do corpo grávido, o que chamamos aqui de ‘corpo materno’, que se constitui, desde a gravidez, numa indissociação entre corpo da mãe e corpo do bebê. No corpo materno, deve prevalecer o desejo de amamentar o bebê, sobrepondo-se o seio maternal ao erótico. A mulher pode chegar a se desapropriar do seu corpo em prol da criança, tornando-se invisível para si e para os outros, como na fala: “a gente não consegue mais olhar pra gente, ninguém mais olha pra gente. Durante a gravidez, todo mundo só olha pra sua barriga, depois que o bebê nasce, todo mundo só olha pra criança e para o seu peito”.

A relação conjugal, principalmente no seu caráter íntimo/sexual, parece diretamente afetada por tais mudanças nos sentidos atribuídos ao corpo da mulher-mãe. A maioria das entrevistadas relatou afastamento de seus companheiros durante a amamentação, o que atribuem a fatores como: mudanças biológicas (sobretudo devido aos hormônios), que concorreriam para diminuição do desejo sexual e da lubrificação vaginal; transformação física e psicológica da mulher em mãe e do homem em pai; e dificuldades e cansaço relacionados ao conjunto da maternidade, como a privação do sono.

Uma questão também extraída das entrevistas é a ‘dupla função’ dos seios femininos (erótica e maternal) em diversas sociedades atuais e como ela altera a vida sexual de muitos casais durante o AM. O seio que pinga leite, por exemplo, relatado por várias entrevistadas, seria o responsável pelo ato comum entre mulheres que amamentam de fazer sexo de sutiã. Tal dualismo, descrito por Sandre-Pereira (2003) como ‘tabu do seio materno’, consiste numa espécie de proibição que o casal se impõe de tocar o seio materno durante o processo de amamentação. Se, antes, o seio ocupava, provavelmente, um lugar de zona erógena, durante a experiência da lactação, sobrepõe-se ao corpo feminino, sexualizado, o corpo materno, sacralizado e supostamente assexuado.

Nesse sentido, a autora acredita que a questão hormonal deva ser considerada, mas não explicaria, por si só, o fenômeno do esmaecimento da vida sexual durante a amamentação. O retorno à vida sexual ativa após o parto é, geralmente, alvo de negociações, e “não são raros os relatos sobre a dedicação exclusiva da mãe ao bebê, colocando o companheiro em segundo plano, o que é sentido por muitos homens como uma rejeição” (SANDRE-PEREIRA, 2003, p. 478). Essa posição do companheiro como inexistente, intruso ou desnecessário aparece nos depoimentos das entrevistadas: “eu acho que a gente fica numa simbiose muito grande né com o filho. E aí o homem chega um pouco pra meio que atrapalhar isso, né”.

Tais achados vão ao encontro das teorias psicanalíticas. Desde as considerações de Freud (1972), todo um campo de conhecimento passou a considerar a amamentação como estabelecimento de uma relação erógena entre mãe e filho(a), sendo o seio materno o primeiro “objeto sexual fora do corpo do próprio infante” (p. 228) e a relação do bebê com a mãe que amamenta, o protótipo, para o indivíduo, de todas as suas relações amorosas posteriores. Segundo a Psicanálise, durante a amamentação, na perspectiva da criança, haveria uma indissociação entre o corpo da mãe e o do bebê. Na mulher, tal processo envolveria um enorme investimento emocional iniciado durante a gravidez, quando ela começa a “tornar-se mãe”. (QUEIROZ, 2005, p. 54). Por outro lado, somente com o desmame total a criança seria introduzida na relação com outras pessoas além da mãe, como o pai, por exemplo (QUEIROZ, 2005).

A relação com o trabalho foi questionada às mães pelas pesquisadoras, tendo em mente que os discursos que reproduzem a divisão sexual do trabalho (com o homem provedor e a mulher sendo responsável pelo cuidado com os filhos e o espaço doméstico) ainda pode ser identificado nos materiais oficiais atuais. Na Cartilha para a mãe trabalhadora que amamenta, publicada pelo MS (BRASIL, 2010), a tônica é de que a mulher traga as demandas familiares – no caso, relacionadas à alimentação do bebê – para suas relações e ambiente de trabalho, sensibilizando chefe e colegas sobre a importância da amamentação para a saúde da criança e para sua maior assiduidade ao serviço. Desse modo, fica nítida a mensagem de que o papel de mãe deve se sobrepor aos demais, inclusive ao de profissional.

A influência negativa do trabalho sobre a amamentação e/ou sobre a saúde materna (como pela ocorrência de mastite por longos períodos sem amamentar) foi retratada nos depoimentos das mães. No entanto, sobressai nas falas a possível queda de desempenho da mulher no trabalho, em decorrência do cansaço pelas mamadas noturnas ou pelo pensamento estar focado no filho (que pode estar querendo mamar), bem como a dificuldade de cumprir as expectativas sociais (e próprias) de retornar seu patamar de desempenho anterior à gestação e parto. Uma associação positiva de algumas entrevistadas foi entender o trabalho como meio de liberar a mulher, ainda que temporariamente, da função materna. Uma das entrevistadas afirmou que, no retorno ao trabalho, parecia não pertencer mais àquele lugar, mas que, com o passar do tempo, recuperou a sensação de pertencimento.

Desmame: uma provocação à polissemia da amamentação

Observa-se que, nos discursos de promoção e orientação ao AM, o desmame sofre uma espécie de interdição nomeada por Foucault (2000) de ‘tabu do objeto’, sendo, na maioria das vezes, o que não pode ser dito, ou o interdito nesses discursos. Já com base na apropriação de Orlandi (2007), ao tratar do silêncio e sua relevância para compreender o discurso como materialização da interface entre ideológico e linguístico, interpretamos o desmame e outros silêncios nos materiais educativos como exemplos do que a autora chama de ‘silêncio constitutivo’, no qual “se diz ‘X’ para não (deixar) dizer ‘Y’ (p. 73). Dessa forma, “se apagam os sentidos que se quer evitar, sentidos que poderiam instalar o trabalho significativo de uma ‘outra’ formação discursiva, uma ‘outra’ região de sentidos” (p. 73-74).

Em um dos poucos materiais que mencionam o desmame (BRASIL, 2009), o discurso defende o desmame que ocorreria “naturalmente, na medida em que a criança vai adquirindo competências para tal” (p.63). “A mãe também participa ativamente no processo” (p. 64), afirma o documento, sugerindo passos à criança (verdadeira protagonista do desmame) quando esta já estiver ‘pronta’ a aceitá-los. No entanto, quando perguntadas sobre o motivo do desmame, este ocorreu sempre por iniciativa delas, pelos seguintes motivos: esgotamento físico que beirava adoecimento; sensação de aprisionamento; nova gestação; não querer mais privar-se de fazer outras coisas para amamentar; viagem de trabalho; ter cumprido meta de amamentar até os dois anos; e constrangimento social com a amamentação tardia. Tal achado corrobora a teoria psicanalítica, para a qual o desmame interfere decisivamente na subjetivação dos indivíduos e deve ser conduzido pelos pais como parte de sua tarefa na relação com a criança. Winnicott (1985) observa que a interdição colocada pelo desmame tem o papel de introduzir a criança na necessária experiência da frustração do desejo, afirmando que, embora algumas crianças desmamem sozinhas, em geral o desmame deve ocorrer por iniciativa da mãe.

Ao descreverem o que mudou nas suas vidas com o desmame, algumas entrevistadas mencionaram a perda da praticidade que a amamentação possibilita e a saudade de colocar o bebê no colo e do olho no olho pra amamentar, demonstrando o sentimento de perda dessa relação íntima entre mãe e bebê e desse lugar de ‘aconchego’ para ambos. Por outro lado, quase todas relacionaram o desmame à recuperação de autonomia sobre seu corpo e escolhas. A recorrente menção às palavras liberdade, libertação ou leveza reitera um aspecto da amamentação como aprisionamento da mãe à criança. Se entendermos, como Orlandi (1999), que “todo o funcionamento da linguagem se assenta na tensão entre processos parafrásticos e processos polissêmicos” (p. 36), sendo a paráfrase entendida como o retorno ao sentido sedimentado, e a polissemia, como um deslocamento de sentidos, podemos inferir que, ao serem provocadas a falar do desmame, as entrevistadas tiveram a oportunidade de ressignificar a experiência de amamentação, deslocando sentidos e, em alguma medida, transformando-os.

Abordar o processo de desmame possibilitou a elas encontrar espaço para falar do confinamento da mãe ao bebê/criança, uma simbiose que circunscreve a mulher à condição materna. “Liberdade... porque... volto a falar... todos os louros para a amamentação, mas eu acho que a gente fica muito aprisionada [...]. É uma prisão em todos os sentidos. É uma solitária, talvez (...). Você é privado das suas escolhas, dos seus desejos”, expressou, de maneira contundente, uma das mães, demonstrando toda a complexidade de sentimentos e sentidos que cercam a experiência de amamentação e desmame para a mulher.

Conclusão

Os materiais de promoção e orientação ao AM oficiais ratificam a amamentação como um dever – biológico, moral e cívico – da mãe. Assim, acabam por naturalizar a prática, tomando-a parte de um papel natural da mulher na sociedade. Nem as frequentes dificuldades iniciais da amamentação (que não é vista mais como tão ‘natural’ por muitas entrevistadas), nem o desmame, como finalização da experiência, são tematizados nesses discursos (KALIL; AGUIAR, 2017).

Nesta pesquisa, concluímos que as experiências das mulheres, embora singulares, são, em grande medida, afetadas por modelos de maternidade preconizados nos discursos oficiais. A força simbólica desse imaginário, difundido pelo discurso da medicina/ciência e renovado nos últimos trinta anos, pode ser observada nos sentidos partilhados ainda hoje pelas próprias mulheres, confirmando que “os sentidos individuais são socialmente constituídos” (ARAÚJO, 2006, p. 5).

Entretanto, as mães entrevistadas também trouxeram à tona sentimentos de impotência, inadequação, frustração e culpa em situações nas quais não corresponderam às expectativas sociais com relação à amamentação, sendo capazes de uma atitude crítica com relação a tais expectativas. Em seus discursos, transparece a complexidade de sensações e sentimentos que afloram no período de amamentação e desmame.

Se a sociedade pressiona a mãe do bebê a amamentá-lo, independentemente de suas condições física, emocional e material, a mulher busca exercer algum controle sobre onde e quando amamentar, com graus variados de sucesso. Descrita como gratificante, prazerosa e fundamental para a maternidade, a amamentação também impõe restrições de diferentes naturezas, com menções à interferência na autonomia das entrevistadas sobre o próprio corpo, sua relação com o companheiro e no desempenho da sua profissão. Destoando dos discursos oficiais, a amamentação apresenta várias dificuldades e exige suporte profissional, seja público ou privado, para o manejo objetivo e o apoio emocional.

Cabe questionar, portanto, o formato vigente de produção dos materiais oficiais voltados ao AM, pautado na premissa de que a informação especializada é suficiente para a mudança de comportamentos, sem o devido apoio de pesquisas que avaliem a adequação e a efetividade de seus materiais. Faz-se necessário um modelo de comunicação interessado em escutar as expectativas e experiências das mulheres, nas diversas realidades socioculturais, algo que ainda não existe no Brasil, embora não seja exclusividade de nosso país. Das entrevistas emergiu, ainda, a importância de ser revisto o modelo de assistência pré-natal, ao parto e puerpério do qual dispomos hoje, que não prepara a gestante e puérpera para dificuldades comuns no início da amamentação e também no desmame e desconsidera as implicações práticas e psicológicas para a mãe e para a criança.

De acordo com Orlandi (2007), uma das formas do silenciamento é “dizer ‘uma’ coisa, para não deixar dizer ‘outras’” (p. 53), recortando o dizer e o dizível. Partindo dessa premissa, entendemos as motivações que fazem com que o desmame permaneça silenciado ou raro nos materiais oficiais. Para evitar a polissemia, delimitam-se os sentidos sobre a amamentação, valorizando somente os que convergem para os objetivos da política pública. Pois, se as mulheres se sentirem autorizadas a falar sobre o desmame, de fato, uma outra ‘região de sentidos’ sobre a amamentação pode vir à tona.

Filiando-nos a uma perspectiva interseccional, compreendendo a interseccionalidade como “uma conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação” (CRENSHAW, 2002, p. 177), não podemos deixar de mencionar um limite do nosso estudo: a homogeneidade da amostra, na qual marcadores sociais da diferença importantes, como raça, classe e orientação sexual, não estiveram presentes. Isto, certamente, deixou de fora da discussão dificuldades específicas de mulheres negras, lésbicas e/ou de classes sociais mais desfavorecidas ou a vivência do aprofundamento das dificuldades relatadas pelas mães entrevistadas, decorrentes de piores condições de trabalho, renda e políticas públicas de amparo a quem cuida de bebês e/ou crianças pequenas, função ocupada, prioritariamente, pelas mulheres.

Nesse sentido, defendemos a relevância da realização de mais pesquisas que se debrucem sobre as perspectivas maternas como meio de alcançarmos uma compreensão mais profunda e abrangente das distintas experiências de amamentação e desmame, vivenciadas em nosso país por mulheres de diferentes contextos socioeconômicos e étnico-culturais.

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    Aqui optamos por utilizar a expressão “aleitamento materno” em vez de amamentação, porque 1) a política estatal brasileira é denominada Política Nacional de Promoção, Proteção e Apoio ao Aleitamento Materno; e 2) embora a palavra amamentação e a expressão aleitamento materno sejam utilizadas como sinônimos, de forma alternada nos materiais analisados, entendemos que o cerne dos discursos da política pública seja o fornecimento do leite materno e não a relação intersubjetiva que se estabelece por meio da amamentação. Para aprofundamento dessa discussão, ver Kalil (2016).
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    Tal fato decorreu de dois fatores: a metodologia escolhida para a pesquisa, de bola de neve, que pode reduzir o potencial de diversificação da amostra no que tange ao perfil socioeconômico, cultural e racial; e a chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil, inviabilizando parte da pesquisa de campo que seria realizada com mães cujos/as filhos/as eram atendidos/as em uma unidade pública de saúde. Certamente, a homogeneidade da amostra é uma limitação do estudo, pois mulheres vivendo em diferentes realidades apresentariam outras dificuldades ou um acirramento das dificuldades relacionadas, por exemplo, às condições de trabalho e renda.

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  • Editora responsável: Jane Russo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2022
  • Aceito
    15 Maio 2023
  • Revisado
    13 Fev 2023
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