Open-access Mapeamento de intervenções para redução do estigma da obesidade em profissionais de saúde: desenvolvimento e apresentação da intervenção

Mapping interventions to reduce obesity stigma in healthcare professionals: development and presentation of the intervention

Resumo

O estigma da obesidade, também popularmente chamado de gordofobia, é uma realidade atual e sua superação é um desafio complexo. As concepções negativas acerca do excesso de peso também se encontram presentes entre profissionais de saúde, prejudicando a assistência prestada e trazendo danos ainda maiores na saúde de pacientes com obesidade. O objetivo do artigo é apresentar o processo de desenvolvimento de uma intervenção para redução do estigma da obesidade voltada para profissionais de saúde, que utilizou como referencial teórico o protocolo Mapeamento de Intervenções. Descreveu-se como foi realizada a avaliação de necessidades e detalharam-se as etapas referentes ao desenho e à produção da intervenção, tendo como produto final um protocolo de intervenção para redução do estigma da obesidade em profissionais de saúde pronto para ser implementado. O protocolo tem carga horária total de 20h, organizado em dez módulos, cada um com a descrição do formato e duração, objetivo, conteúdo, estratégias pedagógicas, materiais, referências e resultados esperados. O produto final representa uma contribuição para a área de saúde, que tem a intervenção elaborada minuciosamente sobre um arcabouço teórico, passível de ser aplicada e reaplicada em diferentes contextos.

Palavras-Chave: Estigma social; Obesidade; Gordofobia; Mapeamento de intervenções; Modelo lógico da intervenção

Abstract

The stigma of obesity, also popularly called fatphobia, is a current reality and overcoming it is a complex challenge. Negative conceptions about being overweight are also present among health professionals, compromising the care provided and causing even greater damage to the health of obese patients. The article aims to present the process of developing an intervention to reduce the stigma of obesity aimed at health professionals, which used the Intervention Mapping protocol as a theoretical framework. It was described how the needs assessment was carried out and the steps relating to the design and production of the intervention were detailed, with the final product being an intervention protocol to reduce the stigma of obesity in healthcare professionals ready to be implemented. The protocol has a total workload of 20 hours, organized into ten modules, each with a description of the format and duration, objective, content, pedagogical strategies, materials, references and expected results. The final product represents a contribution to the health area, with the intervention being meticulously elaborated on a theoretical framework, capable of being applied and reapplied in different contexts.

Keywords: Social stigma; Obesity; Weight prejudice; Intervention mapping; Intervention logic model

Introdução

O estigma da obesidade, também conhecido como gordofobia, pode ser definido como a desvalorização e rejeição àquelas pessoas que não cumprem as normas sociais vigentes de peso e forma corporal (Tomiyama et al., 2018). Os estereótipos negativos generalizados associados ao excesso de peso incluem concepções de que essas pessoas são preguiçosas, desmotivadas, sem autodisciplina, menos competentes, desobedientes e desleixadas (Puhl; Heuer, 2009). Apesar dos estudos mostrando as diversas causas da obesidade e a complexidade de sua etiologia multifatorial, a hipervalorização das causas individuais para o excesso de peso ainda se sobressai (Francisco; Diez-Garcia, 2015). Assim, a visão predominante é a de que obesidade é uma escolha e pode ser totalmente revertida por decisões voluntárias de comer menos e se exercitar mais, exercendo influências negativas nas políticas de saúde pública, acesso a tratamentos e realização de pesquisas (Rubino et al., 2020).

Investigações acerca do tema apontam que a estigmatização pode ser mais prejudicial à saúde que a obesidade em si, uma vez que tais concepções sociais podem ativar múltiplas vias obesogênicas e desencadear mudanças biológicas e comportamentais relacionadas à piora da saúde metabólica e aumento do ganho de peso. Adicionalmente, o estigma associado ao excesso de peso é um importante fator etiológico ainda pouco reconhecido nas múltiplas vias causais da obesidade (Tomiyama et al., 2018).

Quanto à abordagem da obesidade pelos profissionais de saúde, o estigma relacionado ao peso também se encontra presente. Esse preconceito no atendimento a seus pacientes com excesso de peso tem sido documentado em pesquisas nacionais e internacionais e se mostra com alta prevalência nesse público (Phelan et al., 2015; Tomiyama et al., 2018). Revisões da literatura (Rodrigues et al., 2016; Teixeira; Pais-Ribeiro; Maia, 2012) apontam concepções negativas e prejudiciais de diversas categorias profissionais com pacientes com obesidade, gerando uma assistência deficitária e um afastamento desses indivíduos do sistema de saúde. Os profissionais afirmaram que possuíam baixas expectativas de resultados quanto à perda de peso de seus pacientes, o que acabava por reduzir seu empenho na assistência prestada a eles.

Esses dados trazem à tona uma preocupação pela forma como a abordagem no tratamento da obesidade vem sendo conduzida, uma vez que a relação profissional de saúde-paciente possui um papel relevante em processos relacionados à adesão e comunicação em saúde. Assunção e Queiroz (2015) defendem que a qualidade da comunicação entre o profissional de saúde e o paciente é um importante fator para melhorar a atenção à saúde de forma integral, e alertam para necessidade do estabelecimento de um bom vínculo terapêutico, bem como para importância de perceber o contexto em sua totalidade e complexidade.

Considerando os efeitos prejudiciais da estigmatização no âmbito da saúde e a importância da abordagem multiprofissional em indivíduos com obesidade, Rubino et al. (2020) revisaram evidências científicas sobre as causas e danos do estigma relacionado ao peso e desenvolveram uma declaração de consenso internacional com recomendações para eliminar esse estigma. O consenso enfatiza a importância de iniciativas educacionais e de capacitação com profissionais de saúde para desafiar e mudar crenças arraigadas acerca das causas do excesso de peso, para que, com o apoio desses multiplicadores, uma nova narrativa pública da obesidade, coerente com o conhecimento científico atual, seja difundida em grupos profissionais, nas iniciativas midiáticas, nas políticas de saúde e na sociedade como um todo.

Contudo, o desenvolvimento de tais iniciativas para mudança de crenças e comportamentos não é um processo simples. Murta e Santos (2015) advertem que intervenções eficazes e sustentáveis devem ser iniciadas por um processo criterioso de desenvolvimento, embasado em evidências e em pesquisa empírica, além de construído coletivamente com o envolvimento de diferentes atores como especialistas no tema, gestores, profissionais da área e usuários dos serviços aos quais o empreendimento se destina. Para tanto, a literatura proporciona diferentes modelos de planejamento de intervenções psicossociais que podem ser adotados. Um deles é o Intervention Mapping Approach ou Abordagem Mapeamento de Intervenções (Eldredge et al., 2016), discutida no presente artigo. 1

Mapeamento de Intervenções

Segundo Kok, Peters e Ruiter (2017), o protocolo caracteriza-se por três perspectivas: (1) abordagem socioecológica que reconhece que o comportamento ocorre em função dos indivíduos e dos ambientes físico, social e organizacional em que os indivíduos vivem; (2) importância da participação de todas as partes interessadas no desenvolvimento da intervenção para garantir relevância, aceitabilidade, implementabilidade, adequação contextual e cultural e; (3) uso de teorias e evidências no desenvolvimento das intervenções. Nesse contexto, é importante destacar os elementos eficazes já testados em intervenções anteriores e não se restringir a uma única teoria sociopsicológica, mas considerar teorias para todos os aspectos envolvidos no problema.

O Mapeamento de Intervenções descreve o processo de planejamento em seis etapas, com cada etapa compreendendo várias tarefas, conforme o Quadro 1. A conclusão de todas as etapas cria um plano para projetar, implementar e avaliar uma intervenção baseada em uma base de informações teóricas, empíricas e práticas (Kok; Peters; Ruiter, 2017).

Quadro 1
Etapas e Tarefas da Abordagem Mapeamento de Intervenções

Considerando a importância de iniciativas educacionais com profissionais de saúde para mudança de crenças e atitudes acerca da obesidade e os caminhos metodológicos para construção de intervenções da Abordagem Mapeamento de Intervenções, o objetivo do presente artigo é apresentar o processo de desenvolvimento de uma intervenção para redução do estigma da obesidade voltada para profissionais de saúde, que utilizou a Abordagem Mapeamento de Intervenções.1 O atual trabalho descreve os resultados das Etapas 1 e 2, referentes à avaliação de necessidades, e exibe como foram desenvolvidas as Etapas 3 e 4, referentes ao desenho e à produção do programa, respectivamente, apresentando como resultado o protocolo da intervenção. Na seção de métodos, é comentado o planejamento das Etapas 5 e 6, referentes à implementação e avaliação da intervenção.

Método

Etapas 1 e 2: Avaliação de necessidades

As duas primeiras etapas do Mapeamento de Intervenções consistem na avaliação minuciosa do problema e definição dos objetivos de mudança esperados para o comportamento e para o ambiente. No presente estudo, a avaliação de necessidades foi realizada a partir da integração dos seguintes passos: (1) Realização de revisão narrativa da literatura que analisou artigos produzidos sobre a temática “estigma” e “obesidade” nas bases de dados SciELO, LILACS e Pubmed, no período de 2010 a 2021. Essa revisão teve como objetivo identificar os principais determinantes envolvidos no estigma da obesidade em seus contextos macrossociais (relativos às estruturas constituintes da sociedade), mesossociais (relativos aos espaços de arranjos sociais como instituições) e microssociais (relativos aos aspectos individuais), respectivamente, para compor o modelo lógico do problema; (2) Condução de uma revisão sistemática da literatura sobre intervenções para redução do estigma da obesidade para identificação dos principais elementos eficazes já testados em pesquisas anteriores (citação oculta para não identificação dos autores); (3) Entrevistas com pesquisadores especialistas para identificação de suas perspectivas sobre os principais pontos a serem abordados na intervenção, bem como aspectos relacionados às metodologias e formas de avaliação; e (4) Entrevista com gestores de diferentes especialidades da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), local previsto para realização do estudo piloto da intervenção, para identificação de fatores que possam contribuir com a implementação, adesão dos participantes e viabilidade da intervenção.

Para realização das últimas atividades da avaliação de necessidades, foram realizadas entrevistas individuais com dois pesquisadores especialistas em estigma da obesidade e quatro gestores da SES-DF para identificação de facilitadores e barreiras relativas à implementação da intervenção, além de sugestões de temas que deveriam ser abordados.

Após o desenvolvimento do programa, que será exposto nos resultados do presente artigo, pretende-se realizar o recrutamento de profissionais de saúde da SES-DF para sua implementação (Etapa 5) e, posteriormente sua avaliação (Etapa 6). A implementação do programa (Etapa 5) será realizada no âmbito da SES-DF, em parceria com a EAPSUS, que fará a respectiva certificação para os participantes ao final do curso.

Para realização das entrevistas com gestores foi elaborado um roteiro de entrevista semiestruturada com questões relativas a facilitadores e barreiras para implementação da intervenção, bem como sugestões de locais e parcerias para etapa de implementação. Para entrevista com especialistas o roteiro de entrevista semiestruturada elaborado contemplava sugestões de temas e estratégias metodológicas. Em ambos os roteiros foram previstos um espaço para comentários e sugestões adicionais não contempladas nas perguntas.

Para a avaliação do programa (Etapa 6), foi planejado o uso de uma escala como recurso objetivo para análise da percepção do profissional de saúde em relação ao tema (antes e após a intervenção). O instrumento escolhido foi a Escala de Atitudes Antiobesidade (Antifat Attitudes Test -AFAT), validada por Obara e Alvarenga (2018) para versão brasileira. O instrumento contém 34 afirmações sobre pessoas gordas classificadas em uma escala Likert de cinco pontos variando de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente).

Adicionalmente, foi prevista a realização de grupos focais ao início e ao final da intervenção para aprimorar a compreensão acerca das percepções que profissionais de saúde têm sobre pessoas com excesso de peso e sobre a obesidade. Assim, a Etapa 6, que diz respeito ao Plano de Avaliação do Programa prevê a realização de uma pesquisa, em formato de curso (ou programa) de capacitação profissional, com delineamento longitudinal, e uso de técnicas quantitativas e qualitativas para avaliação dos resultados.

As entrevistas foram transcritas e posteriormente analisadas utilizando a metodologia de análise temática proposta por Braun e Clarke (2006). Será utilizada a mesma metodologia para análise dos grupos focais. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Brasília (UnB), com o parecer número 4.962.964. Todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para participação na pesquisa.

Resultados

Etapas 1 e 2: Avaliação de necessidades

A revisão narrativa da literatura explorou os aspectos envolvidos na gênese do estigma da obesidade, enquanto a revisão sistemática avaliou, especificamente, intervenções cujo objetivo foi a redução do estigma da obesidade em diferentes públicos e apontou caminhos e problemas metodológicos para intervenções futuras (Citação oculta para não identificação dos autores). As entrevistas realizadas com pesquisadores do tema e gestores de saúde explorou pontos relevantes como conteúdos que deveriam estar presentes na intervenção, bem como estratégias metodológicas e questões relativas à implementação da intervenção. A Figura 1 sintetiza os componentes que emergiram das Etapas 1 e 2, referentes à avaliação de necessidades para subsidiar as etapas seguintes da Abordagem.

Figura 1
Componentes Emergentes da Avaliação de Necessidades para o Desenvolvimento da Intervenção

Etapa 3: O desenho do programa

O modelo lógico do problema e o modelo lógico da mudança desenvolvidos, respectivamente, nas Etapas 1 e 2 do Protocolo Mapeamento de Intervenções, subsidiaram o desenvolvimento do desenho da intervenção que, inicialmente foi constituído a partir dos objetivos de mudança e seus respectivos conteúdos, conforme apresentado no Quadro 2.

Quadro 2
Objetivos e conteúdos da intervenção

Adicionalmente, para o desenho do programa, foram consideradas as sugestões de realização da intervenção no formato de um curso de formação continuada para equipe multiprofissional que atua no atendimento de pacientes com obesidade na SES-DF, juntamente com as recomendações do uso de múltiplas estratégias de intervenção e abordagem metodológica crítico-reflexiva com discussão dos diversos componentes envolvidos na gênese do estigma da obesidade. Foram incluídos filmes previamente testados e destacados na literatura como efetivos para abordagem da temática e vídeos sensibilizadores com valorização da empatia. Assim, o modelo lógico da intervenção foi criado a partir da integração de todos esses componentes, conforme apresentado na Figura 2.

Figura 2
Modelo Lógico da Intervenção para redução do estigma entre profissionais de saúde.

A próxima atividade para o desenho do programa foi detalhar o formato da intervenção, juntamente com temas a serem abordados e suas respectivas cargas horárias, conforme Tabela 1.

Tabela 1
Resumo da intervenção: número, formato, carga-horária e tema central dos módulos

Etapa 4: Produção do programa

A quarta etapa consistiu na produção do programa, a partir da seleção de métodos e estratégias de mudança (empiricamente embasados) em um programa organizado. Para tanto, foi realizado um detalhamento dos objetivos de mudança identificados na Etapa 2, associado aos temas e conteúdos organizados na Etapa 3, com as estratégias pedagógicas propostas na literatura e nas entrevistas realizadas. Esse trabalho resultou na elaboração do protocolo do programa interventivo (Quadro 3).

Quadro 3
Protocolo do Curso para Redução do Estigma da Obesidade entre Profissionais de Saúde

Discussão

O presente trabalho utilizou a Abordagem Mapeamento de Intervenções como premissa teórica para o desenvolvimento de um programa voltado para profissionais de saúde com o objetivo de reduzir a estigmatização da obesidade nos atendimentos voltados para a população com excesso de peso. A escolha pela utilização de uma abordagem sistemática para criação da presente intervenção foi motivada pela necessidade de otimizar a implementação, adoção e posterior difusão da intervenção, visto que muitas vezes são propostas atividades com objetivos semelhantes, mas a avaliação da eficácia fica comprometida pela ausência de critérios que permitam a comparabilidade entre as ações desenvolvidas.

Essa abordagem, apesar de ainda pouco utilizada no Brasil, vem sendo amplamente difundida no contexto internacional. Segundo Kok, Peters e Ruiter (2017) ajudou a elevar o desenvolvimento de intervenções, colocando-as em um nível superior, conforme evidenciado pelas suas aplicações bem-sucedidas em diferentes domínios. No que diz respeito ao processo de design de uma intervenção, em comparação com outras abordagens e ferramentas existentes, a estrutura do Mapeamento de Intervenções oferece um panorama geral, que inclui não apenas etapas para planejar, desenvolver e implementar uma intervenção, mas também etapas para avaliar e adaptar os programas existentes de promoção da saúde (Lijster; Kok; Kocken, 2019).

A intervenção proposta seguiu as primeiras quatro etapas previstas na abordagem descrita, o que resultou em um protocolo minuciosamente delineado que oferece subsídios para sua implementação, proposta de avaliação e difusão. A organização de cada módulo com as mesmas informações: formato e duração, objetivo, conteúdo, estratégias pedagógicas, materiais, referências, descrição do módulo e resultado esperado fornecem os elementos à garantia da fidedignidade necessária para a replicabilidade do curso.

O formato híbrido do programa e a carga horária de 20 horas divididas em duas horas por semana foram sugestões dos gestores da SES-DF, de acordo com a especificidade local, além de atender à proposta advinda da revisão sistemática da literatura (citação oculta para não identificação dos autores) que recomendou a condução de programas longitudinais e com maior número de sessões de intervenção. Uma limitação do presente estudo foi a ausência de entrevistas com pacientes com obesidade atendidos na SES-DF na etapa de avaliação de necessidades.

Os objetivos e conteúdo de cada módulo foram definidos a partir da integração dos dados advindos da revisão sistemática da literatura (citação oculta para não identificação dos autores), que foram de encontro às recomendações dos especialistas entrevistados acerca do tema e com os destaques da revisão narrativa da literatura, que estudou o estigma da obesidade nos contextos macro, meso e microssociais. Tal integração resultou na diversidade de assuntos propostos na intervenção e a sequência dos temas apresentados nos módulos seguiu a lógica de início pelas questões globais (obesidade: epidemiologia, fisiologia, etiologia, determinantes ambientais e sociais), seguido do tema estigma da obesidade em si, e por fim, relacionamento profissional de saúde-paciente e novas sugestões de abordagem terapêutica que propôs aplicações mais práticas aos conteúdos trabalhados.

Adicionalmente, a presente proposta de intervenção utilizou como referencial a teoria de estigma e discriminação de Bartholomew Eldredge et al. (2016) para criação de estratégias para redução de estigma como: (1) aumento do contato interpessoal com o grupo estigmatizado; (2) instruções para aumento de empatia e troca de perspectiva ao se imaginar na situação da pessoa estigmatizada (3) ensino de repressão consciente de estereótipos, o que pode ser eficaz quando as pessoas estão altamente motivadas e quando têm alguma experiência em suprimir pensamentos estereotipados. Os autores destacam ainda que estratégias de protesto que enfatizam a injustiça do estigma podem ter impacto pequeno ou negativo nas atitudes do público-alvo, e que infelizmente, os desenvolvedores de intervenções de estigma geralmente têm possibilidades limitadas de estabelecer mudanças em contextos macrossociais.

No que diz respeito às estratégias pedagógicas, a intervenção utilizou uma diversidade de métodos, baseados em evidências, para alcance dos objetivos propostos. Os dois filmes apresentados foram desenvolvidos pelo Rudd Center for Food Policy & Obesity na Yale University, New Haven, CT, EUA e mostraram resultados promissores em intervenções prévias (Poustchi et al., 2013; Swift et al., 2013). Ambos os filmes empregam diferentes estratégias para promover a redução do estigma, incluindo informações acerca da complexidade envolvida na etiologia da obesidade, indução de empatia pela apresentação de experiências pessoais de estigmatização e como isso afeta os indivíduos, desafiando estereótipos com evidências científicas e exemplos de pessoas com obesidade cujos comportamentos são não estereotipados. Destaca-se que os conceitos presentes nos filmes vão de encontro às recomendações de Eldredge et al. (2016) e são abordados de forma detalhada e científica nos webnários, assim, após a exposição técnica, os filmes contemplam o tema abordado de forma lúdica e reforça como os conceitos se apresentam na prática.

Considerando a proposta de abordagem crítico-reflexiva, a intervenção prevê a interação dos participantes por meio de plataforma virtual, o que favorece a troca de ideias e reflexividade, a partir da elaboração de textos com suas percepções individuais do conteúdo e propostas de aplicações práticas. Nesse aspecto, Roman et al. (2017) afirmam que a formação de profissionais humanistas, críticos e com competências éticas, políticas e técnicas requer a utilização de metodologias ativas de ensino-aprendizagem. Para as autoras, para que uma metodologia seja considerada uma boa estratégia de ensino, deve ser: construtivista, colaborativa, interdisciplinar, contextualizada, reflexiva, crítica, investigativa, humanista, motivadora e desafiadora.

Assim, a contribuição do presente trabalho reside na disponibilização de um protocolo de intervenção pronto para ser implementado uma vez que o planejamento criterioso do curso atendeu às exigências do protocolo preconizado e utilizou dados embasados na literatura associados às especificidades locais. Tais exigências aumentam as chances de que o produto final apresente resultados satisfatórios e possa ser replicado para um público maior, ainda dentro do contexto inicial, e futuramente, possa ser difundido para outras realidades com os ajustes locais necessários.

Considerações finais

A intervenção elaborada e apresentada no presente estudo responde a uma demanda atual, solicitada na declaração conjunta de consenso internacional para combater e confrontar o estigma da obesidade (Rubino et al., 2020), que afirma a necessidade de um esforço combinado de todas as partes interessadas para promover iniciativas educacionais, regulamentares e legais destinadas a prevenir o estigma relacionado ao peso. O programa ora proposto, atende a essa demanda sobre duas perspectivas: (1) a iniciativa educacional para profissionais de saúde; (2) a possibilidade futura da intervenção ser utilizada como uma política de formação profissional dentro de uma Secretaria de Estado de Saúde, construindo uma política pública.

Acredita-se que o conhecimento construído com esse estudo auxilie no aperfeiçoamento da prática clínica de profissionais envolvidos no tratamento da obesidade, para que ofereçam uma assistência mais acolhedora, humanizada e livre de julgamentos, reduzindo assim os efeitos potencialmente nocivos advindos da estigmatização de seus pacientes. Adicionalmente, as revisões de evidências acerca do tema e a organização de um programa estruturado com tal embasamento, pretende auxiliar o caminho de outros pesquisadores para o avanço do conhecimento nesse campo.

  • 1
    O presente texto é parte da tese de doutorado da primeira autora.
  • A pesquisa foi conduzida por financiamento próprio

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  • Editora responsável: Tatiana Wargas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2023
  • Aceito
    14 Ago 2023
  • Revisado
    16 Jun 2023
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