Resumos
Descrevem-se os aspectos epidemiológicos, clínicos e patológicos das enfermidades do sistema nervoso central dos ruminantes, diagnosticadas na região Sul do Rio Grande do Sul, incluindo: abiotrofia cerebelar; hipoplasia cerebelar; hipermetria hereditária; artrogripose; hipomielinogênese congênita; abscesso cerebral; listeriose; tétano; botulismo; necrose simétrica focal; raiva; leucose; encefalite por herpesvírus bovino-5; febre catarral maligna; intoxicações por Solanum fastigiatum, Claviceps paspali, Ramaria flavo-brunnescens, Halimium brasiliense e Diplodia maydis; encefalopatia hepática causada por Senecio spp. e Echium plantagineum; cetose; coenurose; e síndrome espinhal.
doenças do sistema nervoso; bovinos; ovinos
The main epidemiological, clinical and pathologic aspects of the diseases of the nervous system in cattle in Southern Rio Grande do Sul are described, including, the following conditions: cerebellar abiotrophy; cerebellar hypoplasia; congenital hypermetria; arthrogryposis; congenital hypomyelinogenesis; brain abscess; listeriose; tetanus; botulism; focal symmetrical encephalomalacia; rabies; leucosis; encephalitis by Herpesvirus Bovine-5; bovino malignant catarrh; intoxications by Solanum fastigiatum, Claviceps paspali, Halimium brasiliense, Diplodia maydis, and Ramaria flavo-brunnescens; hepatoencephalopaty caused by Senecio spp. and Echium plantagineum; ketosis; coenurosis; and spinal syndrome.
neurological diseases; cattle; sheep
ENFERMIDADES DO SISTEMA NERVOSO DOS RUMINANTES NO SUL DO RIO GRANDE DO SUL
NEUROLOGICAL DISEASES IN RUMINANTS IN SOUTHERN BRAZIL
Franklin Riet-Correa1 Ana Lucia Schild2 Cristina Gevehr Fernandes3
- REVISÃO BIBLIOGRÁFICA -
RESUMO
Descrevem-se os aspectos epidemiológicos, clínicos e patológicos das enfermidades do sistema nervoso central dos ruminantes, diagnosticadas na região Sul do Rio Grande do Sul, incluindo: abiotrofia cerebelar; hipoplasia cerebelar; hipermetria hereditária; artrogripose; hipomielinogênese congênita; abscesso cerebral; listeriose; tétano; botulismo; necrose simétrica focal; raiva; leucose; encefalite por herpesvírus bovino-5; febre catarral maligna; intoxicações por Solanum fastigiatum, Claviceps paspali, Ramaria flavo-brunnescens, Halimium brasiliense e Diplodia maydis; encefalopatia hepática causada por Senecio spp. e Echium plantagineum; cetose; coenurose; e síndrome espinhal.
Palavras-chave: doenças do sistema nervoso, bovinos, ovinos
SUMMARY
The main epidemiological, clinical and pathologic aspects of the diseases of the nervous system in cattle in Southern Rio Grande do Sul are described, including, the following conditions: cerebellar abiotrophy; cerebellar hypoplasia; congenital hypermetria; arthrogryposis; congenital hypomyelinogenesis; brain abscess; listeriose; tetanus; botulism; focal symmetrical encephalomalacia; rabies; leucosis; encephalitis by Herpesvirus Bovine-5; bovino malignant catarrh; intoxications by Solanum fastigiatum, Claviceps paspali, Halimium brasiliense, Diplodia maydis, and Ramaria flavo-brunnescens; hepatoencephalopaty caused by Senecio spp. and Echium plantagineum; ketosis; coenurosis; and spinal syndrome.
Key words: neurological diseases, cattle, sheep
INTRODUÇÃO
Nesta revisão são considerados alguns aspectos epidemiológicos, clínicos e patológicos das enfermidades do sistema nervoso central (SNC) dos ruminantes observadas na região sul do Rio Grande do Sul, mencionando-se aquelas que afetam primariamente o SNC e as que afetam outros órgãos ou sistemas, mas que cursam com sinais clínicos nervosos.
l. Enfermidades congênitas
Diversas enfermidades congênitas do SNC têm sido observadas na região incluindo hidrocefalia, hidranencefalia, microcefalia, dicefalia, espinha bífida, abiotrofía cerebelar, hipoplasia cerebelar, hipermetria hereditária, artrogripose e hipomielinogênese congênita. Algumas, que têm ocorrido de forma coletiva, são descritas separadamente.
1.1. Abiotrofia cerebelar
Esta enfermidade caracteriza-se por degeneração precoce e progressiva das células de Purkinje do cerebelo, com sinais clínicos de hipermetria, ataxia e crises epileptiformes com tremores musculares, opistótono, nistagmo e perda do equilíbrio. Estes sinais aparecem ao nascimento ou algumas semanas após, e são progressivos, causando a morte depois de alguns meses de vida. Não se observam lesões macroscópicas e as lesões histológicas caracterizam-se por degeneração e desaparecimento das células de Purkinje com presença de esferóides axonais na camada granular do cerebelo.
Abiotrofïa cerebelar foi observada em bovinos da raça Holandesa, num estabelecimento no município de Candiota, onde, de 178 terneiros filhos de um mesmo touro, nascidos durante 1980 e 1981, cinco apresentaram sinais clínicos da enfermidade (SCHILD et al., 1992). Em um experimento, no qual filhas do touro suspeito de transmitir a doença foram inseminadas com sêmen de seu progenitor, nasceram 31 terneiros, dos quais 25 sobreviveram e 6 morreram em conseqüência de partos distócicos, sendo que 3 deles apresentavam artrogripose. Dos 25 que sobreviveram nenhum mostrou sinais clínicos de abiotrofia, descartando-se com 96,45% de segurança que a enfermidade tenha sido transmitida geneticamente (SCHILD et al., 1992).
Abiotrofia cerebelar deve ser diferenciada de hipoplasia cerebelar, cujos sinais clínicos não são progressivos e na qual são observadas alterações macroscópicas e histológicas de hipoplasia de cerebelo.
1.2. Hipoplasia cerebelar em bovinos
A hipoplasia cerebelar é um dos defeitos congênitos mais comuns em bovinos. Pode ocorrer esporadicamente ou ser causada por infecções virais como é o caso do vírus da diarréia viral bovina (BVD), vírus da língua azul e vírus Akabane. Na raça Shorthorn existem evidências de que a enfermidade seja hereditária.
Clinicamente, a doença caracteriza-se pelo nascimento de animais com tremores, incoordenação e hipermetria. Estes sinais são estáveis e quando discretos, os animais podem sobreviver. Na necropsia observam-se diversos graus de hipoplasia do cerebelo.
Na área de influência do Laboratório Regional de Diagnóstico (LRD) da UFPel dois casos de hipoplasia cerebelar foram observados no ano 1995 em um rebanho da raça Charolês, no qual nasceram 126 terneiros. Os 2 animais foram sacrificados e nas necropsias observou-se severa hipoplasia cerebelar, porencefalia e hidrocefalia. Os dados epidemiológicos indicaram não tratar-se de uma enfermidade hereditária. As provas de imuno-histoquímica foram negativas para BVD, o que, entretanto, não descarta a possibilidade de que a enfermidade tenha sido causada por este vírus (SCHILD et al., 1996).
1.3. Hipermetria hereditária
Esta enfermidade foi observada no município de Rio Grande em um rebanho da raça Shorthom que era altamente consangüíneo. O sinal clínico mais evidente eram graus variáveis de hipermetria, principalmente dos membros anteriores. Nos casos mais graves os movimentos dos membros durante a marcha eram marcadamente incoordenados. Os sinais clínicos apareciam ao nascimento e eram permanentes. A maioria dos animais, com exceção dos mais gravemente afetados, sobreviviam apesar dos sinais clínicos. Não foram observadas lesões macroscópicas, histológicas e ultra-estruturais que expliquem o quadro clínico (SCHILD et al., 1993).
Vacas Shorthom de um estabelecimento onde nunca se observou a enfermidade e vacas de outras raças foram acasaladas com um touro afetado, nascendo 57 terneiros sem evidências clínicas da enfermidade. Posteriormente as fêmeas foram acasalados com seu progenitor nascendo 34 terneiros, dos quais 17 apresentaram sinais clínicos de hipermetria, comprovando-se a origem hereditária da enfermidade, transmitida por um gene recessivo autossômico (SCHILD et al., 1993).
1.4. Artrogripose em bovinos
Artrogripose é caracterizada pelo nascimento de animais com flexão permanente das articulações dos membros e deformações do esqueleto. Essas alterações ocorrem por falta de neurônios na substância cinzenta da medula. Em conseqüência há hipoplasia muscular. A enfermidade pode ser hereditária ou causada por infecção pêlos vírus Akabane, vírus aino e pelo vírus da língua azul, sendo que, nestes casos, observam-se, também, alterações inflamatórias no SNC.
Esta enfermidade foi diagnosticada em um rebanho experimental de vacas Holandesas, utilizado em retrocruzamentos com seu progenitor para testar a possibilidade de abiotrofia cerebelar ser ou não hereditária (item 1.1). Dos 31 terneiros nascidos destes cruzamentos nasceram 3 animais com artrogripose, evidenciando a origem hereditária desta enfermidade, transmitida provavelmente por um gene recessivo autossômico. O rebanho experimental da raça Holandês estava junto com um rebanho Shorthom e um rebanho Hereford, não se observando nenhum caso da enfermidade nessas raças. Os animais afetados apresentavam escassez de neurônios nos cornos ventrais da substância cinzenta da medula, onde não se observavam lesões inflamatórias; os músculos mostravam desenvolvimento irregular e hipoplasia das fibras, que se apresentavam finas e entremeadas de tecido conjuntivo e bainhas de endomísio (SCHILD et al., 1992).
1.5. Artrogripose em búfalos
Esta malformação foi observada num rebanho de búfalos da raça Murrah, no qual de 165 terneiros nascidos em 2 anos consecutivos, três machos e três fêmeas apresentaram artrogripose. No estudo histológico observou-se diminuição no número de neurônios motores da medula e siringomielia. O estudo imuno-histoquímico foi negativo para BVD. No estudo genealógico dos animais observou-se que os três touros utilizados, assim como as mães dos terneiros afetados, tinham ascendentes comuns, demonstrando-se o alto grau de consangüinidade existente no rebanho e a provável origem hereditária da enfermidade (SCHILD et al., 1996).
1.6. Hipomielinogênese congênita
Esta doença, caracterizada por deficiência na formação de mielina, foi observada em 2 estabelecimentos no município de Arroio Grande onde haviam bovinos de diversas raças e cruzas. Em um surto foram afetados 8 terneiros de um total de 60 nascidos e em outro, foi afetado um terneiro de um total de 5. No primeiro estabelecimento os animais não conseguiam manter-se em pé após o nascimento, apresentando paralisia motora e opistótono. O terneiro observado no segundo estabelecimento apresentava ataxia progressiva, que cursava com decúbito, opistótono e morte em um período aproximado de 30 dias. Histologicamente, observou-se em ambos os casos, marcada deficiência de mielina na substância branca da medula. Foram encontrados níveis baixos de cobre no fígado e SNC dos animais afetados, o que indica a possibilidade de que a enfermidade tenha ocorrido pela deficiência deste microelemento (RIET-CORREA et al.., 1993).
2. Enfermidades causadas por bactérias e toxinas bacterianas
2.1. Abscessos cerebrais
Abscessos cerebrais em ruminantes são observados esporadicamente e, ocasionalmente, em forma de surtos. Na área de influência do LRD foi observado um surto de abscessos submeningeanos, em conseqüência do uso de tabuletas nasais de plástico para realizar desmame interrompido em um lote de 250 terneiros de 3 meses de idade. As tabuletas foram colocadas por 7 dias e os sinais clínicos foram observados 6 a 10 dias após a mesma ser retirada. Três terneiros foram afetados. Dois apresentaram depressão, discreta incoordenação, prolapso de língua, paralisia unilateral da mandíbula, dificuldade na mastigação e deglutição e sialorréia. Observava-se, também, profusão unilateral do globo ocular, opacidade da córnea, ulcerações e hemorragias da esclerótica e paralisia da pálpebra. Um terceiro terneiro, que se recuperou após tratamento com tetraciclina, mostrava discreta incoordenação motora, desvio lateral da cabeça e pescoço permanentemente estendido. Os 2 animais mais severamente afetados foram sacrificados e necropsiados. Em ambos foram encontrados abscessos submeningeanos (extradurais) localizados sobre o osso basoesfenóide, ocupando a área da cela túrcica e envolvendo a pituitária. Os abscessos comprimiam unilateralmente os nervos trigêmeo e abducente, o que explica os sinais clínicos observados. Foram observados, também, abscessos e pus na cavidade nasal. Os abscessos produziram-se, provavelmente, em conseqüência de uma infecção ascendente, a partir das lesões nasais causadas primariamente pela tabuleta. Do material dos abscessos foi isolado Actinomyces pyogenes (SCHILD et al., 1996).
2.2. Listeriose
A forma nervosa da listeriose é uma enfermidade caracterizada clinicamente por sinais nervosos unilaterais que podem ser evidenciados por movimentos de torneio, desvio lateral da cabeça e do corpo e paralisia do nervo facial com ptose da orelha e pálpebra superior, e flacidez do lábio superior com perda de saliva. Estes sinais clínicos ocorrem porque, devido a lesões na boca, a bactéria infecta o nervo trigêmeo e chega ao tronco encefálico, causando encefalite localizada nesta área. A morte ocorre em uma a duas semanas após a observação dos primeiros sinais clínicos.
No Rio Grande do Sul a enfermidade ocorre de forma esporádica em ovinos, bovinos e bubalinos. O diagnóstico realiza-se pelos sinais clínicos característicos, isolamento da bactéria e, histologicamente, pela presença de microabscessos e outras alterações inflamatórias no tronco encefálico (RIET-CORREA et al., 1983a).
2.3. Tétano
Em bovinos o tétano ocorre de forma esporádica, porém ocasionalmente podem haver surtos da enfermidade. Em um estabelecimento no município de São Lourenço do Sul foi feito o diagnóstico de tétano em 19 novilhos de um total de 193, de 1 ano e meio de idade. Neste surto, os animais adoeceram 15 dias após terem sido colocados em uma resteva de arroz recém colhido, evidenciando-se a possibilidade de que a infecção tenha ocorrido, provavelmente, por via digestiva em conseqüência de traumatismos causados pela palha de arroz. Os sinais clínicos caracterizavam-se por andar rígido, quase sem flexionar as articulações, pescoço estendido, cola separada do corpo, trismo, prolapso da terceira pálpebra, hiperexitabilidade e constipação. Os sinais agravavam-se quando os animais eram excitados e, quando parados, apresentavam os membros abertos para aumentar a base de sustentação. Posteriormente observava-se decúbito lateral, opistótono, nistagmo e os membros rígidos. Durante o decúbito o animal permanecia com os membros esticados e separados. A morte ocorria até 7 dias após a observação dos primeiros sinais clínicos. O diagnóstico foi realizado pelos dados epidemiológicos e sinais clínicos, descartando- se hipomagnesemia pelos valores sangüíneos normais de Mg e a resposta negativa ao tratamento com este microelemento. Em ovinos o tétano é mais freqüente que em bovinos. Ocorre em conseqüência da castração, assinalação ou por feridas de tosquia.
2.3. Botulismo
Botulismo em bovinos é causado pelo Clostridium botulinum tipos C e D. No Brasil a enfermidade ocorre em áreas de solo deficiente em fósforo, onde, devido a osteofagia, os animais ingerem a toxina botulínica presente em ossos de animais mortos nos quais a bactéria multiplicou-se. No sul do Rio Grande do Sul o botulismo ocorre esporadicamente em épocas de seca, geralmente nos meses de dezembro a abril, em áreas de solo carente em fósforo, com mortalidade entre 1% e 10% e letalidade de praticamente 100%(GEVEHR, 1995).
Os sinais clínicos caracterizam-se por marcha vacilante, com tropeços, incoordenação e falta de flexão dos membros, principalmente dos anteriores. Observa-se dificuldade para levantar-se e posteriormente decúbito esterno-abdominal ou lateral permanente, com paralisia flácida, e manutenção das funções sensoriais. Uma evidência clara da paralisia flácida é a facilidade com que se pode abrir a boca do animal e retirar a língua que, em alguns casos, permanece prolapsada. Pode observar-se, também, as orelhas caídas, o apoio permanente da cabeça sobre o solo e a cauda flácida, que pode permanecer estendida, separada do corpo quando o animal está deitado. O curso clínico varia com a quantidade de toxina ingerida e a morte ocorre l a 4 dias após o animal estar em decúbito permanente. Não se observam lesões macroscópicas ou histológicas significativas (GEVEHR, 1995).
O diagnóstico deve ser realizado pela detecção da toxina no soro sangüíneo, intestino e fígado dos bovinos afetados, mediante a inoculação em animais de laboratório. Deve considerar-se, entretanto, que os níveis de toxina botulínica, em muitos casos, não são suficientes para matar esses animais, sendo necessário realizar-se o diagnóstico indireto, baseado na presença dos sinais clínicos característicos, dados epidemiológicos, ausência de lesões macroscópicas e histológicas e isolamento de C botulinum do conteúdo ruminal, ossos de animais mortos anteriormente e do solo subjacente às carcaças.
2.4. Necrose simétrica focal
Necrose simétrica focal é uma enfermidade de curso subagudo a crônico, causada pelo Clostridium perfringens tipo D, que foi diagnosticada uma única vez na região. A enfermidade ocorre, preferentemente, na primavera e afeta principalmente cordeiros e com menor freqüência borregos ou ovinos adultos. Em outros países tem sido descrita, também, em bovinos. Os sinais clínicos caracterizam-se por depressão, marcha sem rumo ou em linha reta, incoordenação e, ocasionalmente, cegueira. A evolução clínica é de 1 a 14 dias. A maioria dos animais morrem depois de permanecer em decúbito por algum tempo, entretanto alguns podem recuperar-se.
Na necropsia lesões são observadas, exclusivamente, no SNC, caracterizando-se por áreas de degeneração e necrose, focais bilaterais e simétricas, marrons ou avermelhadas, localizadas na cápsula interna, núcleos da base, tálamo, mesencéfalo e pedúnculos cerebelares. O diagnóstico realiza-se pela presença destas lesões. A toxina épsilon não é detectada no intestino e não ocorre glicosúria.
3. Enfermidades causadas por vírus
3.1. Raiva
A raiva é a enfermidade do SNC que mais perdas tem ocasionado em bovinos no Rio Grande do Sul, podendo ser transmitida por cães e gatos e pelo morcego hematófago Desmodus rotundus. Os sinais clínicos são variáveis observando-se uma forma paralítica, constante na raiva transmitida por morcegos e uma forma furiosa que pode ocorrer na enfermidade transmitida por carnívoros. Na forma paralítica observa-se ataxia, andar cambaleante, principalmente do trem posterior, flacidez da cauda e, às vezes, desvio lateral da mesma, tenesmo retal, atonia anal com entrada de ar pelo reto, salivação excessiva e mugidos ou bocejos, que são, aparentemente, mugidos que não ocorrem porque o animal está sem voz. Nesta forma da enfermidade as lesões histológicas localizam-se, principalmente, na medula. Na forma furiosa observa-se salivação, agressividade, hiperestesia, ataxia, mugidos e outros sinais de encefalite difusa.
Na região Sul do Rio Grande do Sul surtos de raiva paralítica ocorreram nos anos de 1978 e 1979 tendo sido controlados mediante o combate aos vetores e à vacinação. Entre os anos de 1980 e 1982 foram observados casos esporádicos de raiva em bovinos transmitida por cães. O último caso de raiva em cães no sul do Rio Grande do Sul ocorreu em 1988. Em 1993 reapareceu a raiva paralítica na região, tendo sido diagnosticados 4 surtos. A partir daí não foram observados novos surtos (RIET-CORREA et al., 1983a; SCHILD et al., 1994). Os surtos de raiva em ovinos, observados na região ocorreram, todos, em conseqüência de mordidas de cães, e a mortalidade variou entre 3% e 11%.
Deve suspeitar-se de raiva toda vez que observa-se uma enfermidade com sinais neurológicos. Para o diagnóstico utilizam-se técnicas de imunofluorescência direta, exame histológico e inoculação em camundongos.
3.2. Leucose bovina
A forma nervosa de leucose bovina ocorre freqüentemente na região Sul do Rio Grande do Sul. A doença caracteriza-se clinicamente por paresia progressiva do trem posterior, podendo observar-se flexão do boleto durante a marcha. Algumas vezes o membro posterior de um lado está mais afetado que o do outro. O curso clínico pode ser de poucas semanas e o animal tem que ser sacrificado quando está em decúbito permanente. O diagnóstico é realizado durante a necropsia pela presença de linfossarcomas nas raízes dos nervos espinhais ou nas meninges, na altura da última vértebra lombar ou primeira sacra e em outros órgãos. A leucose diferencia-se da raiva paralítica por ser esporádica e ter curso clínico mais prolongado. Deve-se fazer o diagnóstico diferencial, também, de outros tumores e abscessos que possam causar síndrome de compressão medular.
3.3. Encefalite por Herpesvírus bovino 5
Diversos surtos desta enfermidade têm sido diagnosticados no Rio Grande do Sul, afetando terneiros de 14 dias a 3 meses de idade (RIET- CORREA et al., 1989; WEIBLEN et al., 1989), ou em animais jovens de 7 meses a 2 anos (MÉNDEZ et al., 1987; VASCONCELOS et al., 1993; SCHILD et al., 1994; RIET-CORREA & SCHILD, 1995). Em terneiros a morbidade pode ser de até 30% com uma mortalidade de 23% (RIET-CORREA et al., 1989). Em animais desmamados a morbidade varia de 3% a 8% e a mortalidade de 2% a 6%. Em ambas categorias ocorrem casos esporádicos. Alguns surtos têm sido associados ao estresse, como o desmame e o transporte (SCHILD et al., 1994; RIET-CORREA & SCHILD, 1995).
Os sinais clínicos caracterizam-se por depressão profunda, anorexia, corrimento nasal e ocular e sinais nervosos evidenciados por fases de excitação durante as quais se observam nistagmo, tremores, andar para trás ou em círculos e quedas. Pode observar-se, também, cegueira, andar cambaleante com incoordenação, ranger de dentes e decúbito com movimentos de pedalagem. Alguns animais apresentam profunda depressão nos primeiros 2 ou 3 dias, sem que se observem outros sinais nervosos. O curso clínico é de 4 a 7 dias (RIET-CORREA et al., 1996).
As lesões macroscópicas, ao corte do cérebro após a fixação, caracterizam-se pela presença de áreas amareladas ou acinzentadas na substância cinzenta da córtex cerebral. Em terneiros de até 3 meses, nos quais a enfermidade é sistêmica, na necropsia observam-se ulcerações do sistema digestivo, incluindo abomaso e rúmen, hepatomegalia, pericardite e pneumonia. Em bovinos maiores de 6 meses se observam lesões somente no sistema nervoso. As lesões histológicas caracterizam-se por meningoencefalite não purulenta, que afeta diversas áreas do SNC, necrose da substância cinzenta da córtex cerebral e meningite. Em alguns casos observam-se corpúsculos de inclusão intranucleares nos astrócitos (RIET- CORREA et al., 1996). O diagnóstico realiza-se por isolamento do vírus, imunofluorescência ou imuno- histoquímica.
3.4. Febre catarral maligna
É uma enfermidade que ocorre de forma esporádica na região, onde coabitam bovinos e ovinos, podendo observar-se casos isolados ou surtos em que a morbidade pode ser de até 20% e a letalidade de 100%. Nos surtos de febre catarral maligna diagnosticados no Rio Grande do Sul observaram-se sinais neurológicos caracterizados por depressão, incoordenação, tremores musculares e convulsões antes da morte. Observaram-se, também, outros sinais característicos da enfermidade como hipertermia, ulcerações da boca e fossas nasais, sialorréia, corrimento nasal e ocular, queratite, conjuntivite, blefarite e, em alguns casos, diarréia. Nas necropsias observaram-se lesões ulcerativas, hemorragias e congestão dos sistemas digestivo e respiratório (BARROS et al., 1983; RIET- CORREA et al., 1988). O diagnóstico realiza-se pela presença de lesões histológicas caracterizadas por vasculite com degeneração fíbrinóide das paredes dos vasos sangüíneos do SNC e outros órgãos.
4. Enfermidades tóxicas
4.1. Intoxicação por Solanum fastigiatum (jurubeba)
Esta planta causa degeneração cerebelar caracterizada clinicamente por crises epileptiformes, com perda do equilíbrio, extensão do pescoço e membros torácicos, opistótono, nistagmo e queda lateral ou para trás. As crises, que tem periodicidade variável, duram de alguns segundos a um minuto e posteriormente o animal se recupera, permanecendo aparentemente normal até a próxima crise (RIET-CORREA et al., 1983b).
Não são observadas lesões macroscópicas de significado patológico a não ser as que se produzem por traumatismos que ocorrem durante as quedas. As lesões histológicas caracterizam-se por vacuolização, degeneração e desaparecimento das células de Purkinje com presença de esferóides axonais na capa granular e substância branca do cerebelo. O diagnóstico realiza-se pelos sinais clínicos e pela presença da planta, podendo ser confirmado pelas lesões histológicas (RIET-CORREA et al., 1983b).
4.2. Intoxicação por Claviceps paspali
Esta intoxicação é produzida pela ingestão de diversas espécies de Paspalum, infectadas por Claviceps paspali. Na região sul do Rio Grande do Sul P. dilatatum P. notatum e P. vaginatum tem causado a intoxicação. A enfermidade ocorre nos meses de abril, maio e junho, sendo mais freqüente depois das secas do fim do verão ou início do outono. Os sinais clínicos caracterizam-se por tremores, principalmente dos músculos do pescoço e membros, ataxia e dismetria. Os animais apresentam atitude alerta com orelhas eretas e quando são movimentados os tremores e a incoordenação se agravam produzindo-se quedas. Posteriormente os bovinos se recuperam, permanecendo os tremores e a atitude de alerta. A intoxicação afeta bovinos de qualquer idade. A morbidade pode chegar a 40% e a mortalidade é muito baixa, podendo ocorrer mortes em conseqüência de traumatismos sofridos durante as quedas. Os sinais clínicos desaparecem 7 a 15 dias após a retirada dos animais das pastagens com Paspalum contaminado pelo fungo. Lesões macroscópicas não são observadas e a única lesão histológica mencionada é a degeneração das células de Purkinje com esferóides axonais na capa granular do cerebelo. O diagnóstico é realizado pelos sinais clínicos e presença de Paspalum spp infectado por C. Paspali (RIET-CORREA et al., 1983c).
4.3. Intoxicação por Diplodia maydis
Esta micotoxicose, que anteriormente foi diagnosticada na África do Sul, ocorreu no mês de julho de 1983 em diversos estabelecimentos do município de Piratini, Rio Grande do Sul, em restevas de milho. Os sinais clínicos caracterizam-se por tremores musculares, dismetria e ataxia, sendo que os animais caminham de forma característica levantando exageradamente os membros. Quando os animais são movimentados os sinais clínicos se agravam, podendo haver quedas. Alguns animais permanecem em decúbito permanente e morrem, porém a maioria recupera-se em 10 a 12 dias após serem retirados das restevas. A morbidade é variável entre 25% e 80% e a mortalidade entre 10% e 20%. Não se observam lesões macroscópicas ou histológicas significativas (RIET-CORREA et al., 1984).
O diagnóstico realiza-se pela observação dos sinais clínicos e presença de picnídeos de Diplodia maydis na palha e espigas do milho que ficam nas restevas.
4.4. Intoxicação por Halimium brasiliense em ovinos
Esta intoxicação ocorre no sul do Rio Grande do Sul e no Uruguai nos departamentos de Maldonado e Lavalleja. Afeta ovinos de mais de um ano de idade, entre os meses de agosto e novembro. A morbidade varia de 1% a 15%, podendo, em anos secos, chegar a 50%. A mortalidade é de 1% a 5% podendo chegar a 30%. Os sinais clínicos caracterizam-se por convulsões transitórias com aproximadamente um minuto de duração, que ocorrem quando os animais são movimentados ou assustados. Observam-se quedas em decúbito lateral ou esternal, contração dos músculos do pescoço, opistótono, nistagmo e tetania. Ao levantarem-se os ovinos apresentam incoordenação e andam aos saltos ou com passos curtos. A freqüência das convulsões é variável e alguns animais perdem peso e morrem. Não se observam lesões macroscópicas. Histologicamente observa-se degeneração axonal e acúmulo de lipofuscina nos neurônios e macrófagos de diversos órgãos. Se os animais são retirados dos potreiros onde existe a planta se recuperam (RIET-CORREA et al., 1995).
4.5. Intoxicação por Romaria flavo-brunnescens em ovinos
Em ovinos este fungo causa sinais nervosos caracterizados por convulsões com tremores musculares, ataxia, hipermetria, paralisia flácida do lábio inferior, nistagmo e opistótono. Alguns animais ficam em decúbito permanente e morrem. Em intoxicações experimentais observam-se, também, hipertermia, poliúria, ulcerações na língua e lesões necróticas das extremidades, caracterizadas por uma linha hiperêmica, com crostas no rodeie coronário. Recentemente diversos surtos têm ocorrido em ovinos no litoral do Uruguai, com morbidade de 1% a 7% e mortalidade de 0,5% a 4% (RIET CORRÊA et al., 1996). A intoxicação ocorre entre os meses de março e junho, em matos de eucalipto nos quais encontra-se o fungo (SALLES et al., 1993; RIET CORRÊA et al., 1996).
4.6. Encefalopatia hepática
As intoxicações por Senecio spp. (Maria mole) e Echium plantagineum (língua de vaca, flor roxa) causam freqüentemente um quadro nervoso caracterizado por incoordenação, agressividade, ranger de dentes, tenesmo retal, diarréia e morte, que ocorre na maioria dos casos, em 24 a 72 horas. Os sinais nervosos ocorrem em conseqüência de uma hiperamonemia, secundária à insuficiência hepática, que causa lesões histológicas de espongiose em diversas áreas do encéfalo. O diagnóstico diferencial das demais enfermidades do SNC se realiza pela observação de outros sinais de insuficiência hepática (fotossensibilização, edemas, diarréia, emagrecimento progressivo) e a presença de lesões macroscópicas e histológicas do fígado, características da intoxicação por plantas que contém alcalóides pirrolizidínicos (MÉNDEZ et al., 1985, 1987; BARROS et al.,1992; DRIEMEIER & BARROS, 1992; MÉNDEZ & RIET-CORREA, 1993).
5. Enfermidades metabólicas
5.1. Cetose
A cetose é freqüentemente observada no Rio Grande do Sul durante o inverno, em vacas no terço final da gestação. A enfermidade ocorre quando animais prenhes, que estavam gordos no início do inverno, são submetidos à severa restrição alimentar, por erros de manejo ou pela pouca disponibilidade de forragem. Novilhas e vacas falhadas no ano anterior, no último mês de gestação, são as mais afetadas. Em uma primeira fase, os animais apresentam hiperexcitabilidade e agressividade, com atitude de alerta, tremores musculares e ataxia dos membros posteriores. Pode se observar, também, dispneia, sialorréia, corrimento nasal transparente e constipação. Um a quatro dias após a observação dos primeiros sinais clínicos os animais permanecem em decúbito estemal morrendo 3 a 7 dias após o início dos sinais clínicos (RIET-CORREA et al., 1990).
Os sinais nervosos ocorrem em conseqüência da hipoglicemia, observando-se uma boa recuperação depois do tratamento com glicose e suplementação alimentar adequada. Na necropsia a única lesão significativa é a degeneração gordurosa do fígado. O diagnóstico realiza-se pela detecção de corpos cetônicos na urina ou soro dos animais afetados.
6. Enfermidades parasitárias
6.1. Parasitose por Coenurus cerebralis
A coenurose é uma enfermidade freqüente em ovinos. No Rio Grande do Sul observam-se casos esporádicos ou surtos, que podem afetar até 6% do rebanho. Afeta principalmente animais jovens e é uma enfermidade crônica e progressiva. Os sinais clínicos dependem da localização dos cistos.
A enfermidade foi observada, também, em bovinos de 1 a 2 anos de idade. Os sinais clínicos, caracterizados por incoordenação, dismetria, andar em círculos e perda unilateral da visão, podem ser progressivos até causar a morte do animal em um período de até 5 meses, ou podem estabilizar-se. Nesse caso observa-se torção lateral da cabeça, cegueira parcial e outros sinais permanentes. Nos casos em que se produz a morte do animal, encontram-se cistos totalmente desenvolvidos de C. cerebralis no sistema nervoso central. Nos casos em que os sinais clínicos estabilizam-se, o cisto não completa seu desenvolvimento, porém o parasito causa lesões granulomatosas crônicas no encéfalo (FERREIRA et al., 1992).
7. Síndrome espinhal
A síndrome espinhal causada por traumatismo é freqüente em bovinos. No Rio Grande do Sul foi observado um caso coletivo em terneiros que estavam sendo criados sobre piso de madeira. Como a lesão, na maioria das vezes, localiza-se nas últimas vértebras torácicas ou nas lombares, os sinais clínicos, que aparecem subitamente, caracterizam-se por paralisia flácida dos membros posteriores sem que estejam afetados os membros anteriores.
A síndrome espinhal pode ser produzida, também por tumores ou abscessos. Nestes casos a localização é variável e os sinais clínicos são progressivos. A síndrome espinhal por abscessos vertebrais freqüentemente cursa com paralisia dos membros posteriores em ovinos. Ocorrem em conseqüência de infecções umbilicais ou infecções ascendentes por contaminações de feridas de descola.
2 Médico Veterinário, MSc., Laboratório Regional de Diagnóstico, Faculdade de Veterinária- UFPel.
3 Médico Veterinário, MSc., Professor Assistente, Departamento de Patologia, Faculdade de Veterinária - UFPel.
Recebido para publicação em 28.07.97. Aprovado em 01.10.97
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Out 2007 -
Data do Fascículo
Jun 1998
Histórico
-
Recebido
28 Jul 1997 -
Aceito
01 Out 1997