Open-access Ocorrência de protozoários gastrintestinais em primatas mantidos em cativeiro na região sul do Brasil

Occurrence of gastrointestinal protozoa in primates kept in captivity in the Southern region of Brazil

Resumos

Este trabalho visou avaliar o parasitismo gastrintestinal por protozoários em macacos mantidos em cativeiro na região Sul do Brasil. Foram analisadas amostras de fezes de 18 primatas de quatro espécies, Cebus apella, Macaca mulata, Callithrix jacchus e Callithrix penicillata pelo método de centrífugo flutuação com sulfato de zinco. Nos animais avaliados, foram verificados infecções simples e mistas pelos protozoários dos gêneros Cryptosporidium, Giardia, Cystoisospora e Balantidium. Analisando a água oferecida aos primatas foi detectada a presença elevada de oocistos de Cryptosporidium spp.

primatas; parasitismo; protozoários


This research aimed at evaluating the gastrointestinal parasitism by protozoa in monkeys kept in captivity in the Southern region of Brazil. Fecal samples from 18 primates of the species Cebus apella, Macaca mulata, Callithrix jacchus and Callithrix penicillata were analyzed by the zinc sulphate centrifugal flotation method. Simple and mixed infections by protozoa of the genus Cryptosporidium, Giardia, Cystoisospora and Balantidium were observed. The water offered to the primates had elevated presence of oocysts of Cryptosporidium spp.

primates; parasitism; protozoa


NOTA

PARASITOLOGIA

Ocorrência de protozoários gastrintestinais em primatas mantidos em cativeiro na região sul do Brasil

Occurrence of gastrointestinal protozoa in primates kept in captivity in the Southern region of Brazil

Aleksandro Schafer da SilvaI; Gabriela Pesamosca CoradiniI; Luciane Tourem GresslerI; João Fabio SoaresI; Valéria Maria LaraII; Adriano Bonfim CarregaroIII; Silvia Gonzalez MonteiroII,1

ICurso de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil

IIDepartamento de Microbiologia e Parasitologia, UFSM. Faixa de Camobi, Km 9, Campus Universitário, Prédio 20, Sala 4232, 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: sgmonteiro@uol.com.br

IIIDepartamento de Pequenos Animais, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil

RESUMO

Este trabalho visou avaliar o parasitismo gastrintestinal por protozoários em macacos mantidos em cativeiro na região Sul do Brasil. Foram analisadas amostras de fezes de 18 primatas de quatro espécies, Cebus apella, Macaca mulata, Callithrix jacchus e Callithrix penicillata pelo método de centrífugo flutuação com sulfato de zinco. Nos animais avaliados, foram verificados infecções simples e mistas pelos protozoários dos gêneros Cryptosporidium, Giardia, Cystoisospora e Balantidium. Analisando a água oferecida aos primatas foi detectada a presença elevada de oocistos de Cryptosporidium spp..

Palavras-chave: primatas, parasitismo, protozoários.

ABSTRACT

This research aimed at evaluating the gastrointestinal parasitism by protozoa in monkeys kept in captivity in the Southern region of Brazil. Fecal samples from 18 primates of the species Cebus apella, Macaca mulata, Callithrix jacchus and Callithrix penicillata were analyzed by the zinc sulphate centrifugal flotation method. Simple and mixed infections by protozoa of the genus Cryptosporidium, Giardia, Cystoisospora and Balantidium were observed. The water offered to the primates had elevated presence of oocysts of Cryptosporidium spp..

Key words: primates, parasitism, protozoa.

Os estudos sobre parasitos gastrintestinais em primatas mantidos em cativeiros são importantes para o manejo da população de macacos e para a manutenção da saúde das pessoas que trabalham com esses animais, pois muitos destes parasitos são potentes causadores de zoonoses. Também é importante verificar se esses animais se comportam como transmissores de parasitas para o meio ambiente por estarem infectados (BRACK, 1987).

As infecções e as parasitoses estão diretamente relacionadas com as condições de vida do hospedeiro e do ambiente onde estes vivem. Os parasitos gastrintestinais são mais prevalentes em locais onde não há boas condições de higiene, principalmente com a água e os alimentos consumidos (CARMO & SALGADO, 2003).

Amostras de fezes de nove espécies de primatas (Alouatta seniculus, Aotus vociferans, Ateles bezlebuth chamek, Callicebus brunneus, Cebus albifrons, Cebus apella, Callithrix sp., Saguinus fuscicollis e Saimiri sciureus) oriundos de uma reserva nacional do Peru e do Brasil foram analisadas e foram detectados nestes macacos parasitismo pelos protozoários Blastocystis hominis, Chilomastix mesnili, Endolimax nana, Giardia intestinais, Entamoeba coli, Entamoeba histolytica e Iodamoeba buetschii, além de helmintos Ascaris sp., Strongyloides sp., Trichuris trichiura, Schistosoma mansoni e Prosthenochoris elegans (CARMO & SALGADO, 2003; KIMBERLEY et al., 2004).

Devido à carência de pesquisas envolvendo animais silvestres, este trabalho visou avaliar a ocorrência de protozoários gastrintestinais em macacos mantidos em cativeiro na região sul do Brasil. Foram analisadas amostras de fezes de 18 primatas de quatro espécies, sendo destes oito Cebus apella (macaco prego), quatro Macaca mulata (rhesus), quatro Callithrix jacchus (sagui-de-tufo-branco) e dois Callithrix penicillata (sagui-de-tufo-preto), oriundos de um zoológico e de um criatório conservacionista localizados nos municípios de Cachoeira do Sul e Santa Maria, no Rio Grande do Sul, Brasil. As amostras coletadas foram armazenadas sob refrigeração a 13°C até serem processadas em laboratório pelo método de centrífugo-flutuação com sulfato de zinco, pela técnica de Faust et al. (HOFFMANN, 1987) e pela técnica de coloração de Ziehl-Neelsen modificada por Padma (SIQUEIRA et al., 1984). A avaliação da carga parasitária foi baseada na classificação de PINTO et al. (1994), que qual considera-se infecção leve: 1-100 cistos ou oocistos, moderada: 101-300 cistos ou oocistos e elevada: mais de 301 cistos ou oocistos por lâmina. Os oocistos de coccídeos foram esporulados para identificação do gênero por meio da adição de dicromato de potássio a 2% nas fezes (HOFFMANN, 1987). Com a finalidade de identificar a fonte de infecção para os primatas, foram coletadas amostras de água do reservatório dos criatórios, as quais foram analisadas para pesquisa de protozoários pelo método de Yanko modificado (COELHO et al., 2002).

Nas amostras analisadas pela técnica de Faust e cols, observou-se parasitismo por Cryptosporidium spp. em seis C. apella e em dois macacos de cada espécie, M. mulata e C. penicillata. Oocistos de Cystoisospora spp. foram encontrados nas fezes de quatro C. apella, quatro C. jacchus e dois C. penicillata. A infecção por Giardia sp. foi identificada em quatro animais de duas espécies de primatas, isto é, C. apella e C. jacchus. Em um dos macacos M. mulata foram observados oocistos de Balantidium sp. (Tabela 1). A técnica de coloração de Ziehl-Neelsen confirmou a presença de Cryptosporidium spp. nos primatas avaliados. Foi observado moderado grau de infecção para animais parasitados pelo gênero Cryptosporidium, já os demais protozoários encontravam-se apenas causando infecções leves nos macacos. Os animais analisados não apresentavam diarréia, um dos principais sinais clínicos das parasitoses por esses gêneros.

A infecção pelo gênero Cryptosporidium, verificada nos macacos deste estudo, já foi relatada em outros trabalhos realizados com primatas oriundos de florestas naturais do Sri Lanka, onde foi registrado o primeiro caso de parasitismo pelo protozoário nas espécies Macaca sinica, Presbytis entellus e Trachypithecus vetulus (EKANAYAKE et al., 2006). MURIUKI et al. (1997) e NIZEYI et al. (1999) avaliaram a prevalência de Cryptosporidium sp. em macacos (Cercopithecus aethiops) e gorilas (Gorilla gorilla beringei) e verificaram que 51,7% e 11%, respectivamente, eram positivos a esse parasito. Além disso, esse coccídeo foi observado em várias espécies de macacos (Alouatta caraya, Ateles paniscus, Saimiri boliviensis, C. apella, Papio hamadryas e Pan troglodytes) no zoológico de Buenos Aires, Argentina (VENTURINI et al., 2006). Apesar do grande número de hospedeiros e da ampla distribuição geográfica deste protozoário, esta pesquisa trata-se do primeiro caso de parasitismo por Cryptosporidium sp. em primatas das espécies M. mulata e C. penicillata.

Conforme a literatura, os primatas podem ser parasitados por sete espécies do gênero Isospora (I. arctopitheci, I. belli, I. callimico, I. cebi, I. endocallimici, I. saimiriae e I. natalensis) (DUSZYNSKI et al., 1999). Neste estudo é descrito pela primeira vez o parasitismo por Cystoisospora sp. em C. apella, C. jacchus e C. penicillata, sendo que a infecção foi verificada em todos os animais do criatório de Santa Maria (Tabela 1). STUART et al. (1990) reportaram a ocorrência de Isospora sp. em bugio Alouatta palliata palliata e em Ateles geoffroyi oriundos de centros ecológicos na Costa Rica. Nas amostras de fezes analisadas neste estudo, foram observados raros oocistos desse protozoário com 17,4 x 20,7µm e esporocistos de 9,2 x 11,1µm. O tamanho dos oocistos foi semelhante entre os hospedeiros, embora não foi suficiente para identificar a espécie de Cystoisospora presente na infecção.

A giardiase é uma infecção comum em animais domésticos em todo o mundo, sendo atualmente identificada também em várias espécies de vertebrados selvagens, entre eles os primatas. O parasitismo por Giardia sp. é relatado em macacos das espécies Callithrix argentata, Cercopithecus erythrogaster, Macaca fuscata, M. mulatta e Alouatta pigra (MAJEWSKA & KASPRZAK, 2000; SESTAK et al., 2003; ITAGAKI et al., 2005; VITAZKOVA & WADE, 2006). A infecção por Giardia sp. em C. jacchus foi detectada pela primeira vez neste estudo, no entanto, o sagüi da espécie C. argentata já foi reportado como um dos hospedeiros deste flagelado (MAJEWSKA & KASPRZAK, 2000).

SESTAK et al. (2003) relataram a presença de oocistos de B. coli nas fezes de M. mulatta, fato também verificado no presente trabalho. Há registros de prevalência de 84% desse protozoário em chimpanzés (P. troglodytes) e de 9% em macacos (M. fuscata) (NAKAUCHI et al., 1990; NAKAUCHI, 1999). Balantidium é considerado um comensal do trato intestinal dos suínos domésticos, agindo somente como invasor secundário. Além dos hospedeiros acima citados, há registros de ocorrências em macacos das espécies Cercopithecus neglectus, M. sinica, P. entellus e T. vetulus (KARERE & MUNENE, 2002; EKANAYAKE et al., 2006).

Numerosos surtos de criptosporidiose devido à ingestão de água contaminada foram relatados ao redor do mundo (ROSE, 1997), sendo a proteção dos mananciais considerada como o melhor método de controle da infecção (SOLO-GABRIELE & NEUMEISTER, 1996). Na água oferecida aos primatas do criadouro de Santa Maria, foi observada a presença elevada de oocistos de Cryptosporidium sp. e a amostra de água do zoológico de Cachoeira do Sul apresentava-se negativa para parasitas, todavia, nos dois ambientes avaliados, os macacos estavam infectados pelo coccídeo.

Este estudo relata pela primeira vez o parasitismo por protozoários dos gêneros Cryptosporidium em M. mulata e C. penicillata, Giardia em C. jacchus, Cystoisospora em C. apella, C. jacchus e C. penicillata, possivelmente devido à carência de pesquisas na área, que é conseqüência principalmente da dificuldade de acesso à fauna e das restrições de órgãos ambientais.

Recebido para publicação 11.09.07

Aprovado em 02.07.08

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  • 1
    Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      02 Jul 2008
    • Recebido
      11 Set 2007
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