Resumos
Este estudo objetivou avaliar a eficácia analgésica da morfina e cetamina, isoladas ou associadas, para tratar a dor pós-operatória de cadelas submetidas à ovariossalpingohisterectomia (OSH) eletiva. Foram utilizadas 24 cadelas saudáveis, de raças variadas, idade de 27±17 meses e massa corpórea de 11±8,5kg. Os animais foram separados de forma igualitária e aleatória em três grupos: GM - morfina 0,5mg kg-1; GK - cetamina 2,5mg kg-1 ou GKM - morfina 0,5mg kg-1, associada à cetamina 2,5mg kg-1 . Os fármacos foram administrados por via intramuscular (IM) imediatamente após a indução anestésica. A dor foi avaliada por meio de escala analógica visual (EAV) e de Glasgow modificada (EGM) e o grau de sedação pela escala de Dobbins, duas horas antes do procedimento cirúrgico (basal), 1, 2, 4, 8, 12 e 24 horas após a extubação (M1 a M24). Quando a pontuação da EGM era acima de 33% do valor total da avaliação, realizava-se resgates analgésicos com 1,0mg kg-1 de morfina e, após 40 minutos deste resgate, caso não fosse suficiente, 0,2mg kg-1 de meloxicam. Os dados não paramétricos foram submetidos ao teste de Friedman ou Kruskal-Wallis, seguidos do teste de Dunn. Para os paramétricos, foi empregada análise de variância unidirecional ANOVA, seguida do teste de Tukey (P<0,05). Não houve diferenças significativas entre os grupos para os escores de dor, exceto para EGM, na qual os valores no GM foram superiores ao GKM 1h após a extubação. O número de resgates analgésicos foi significativamente superior no GM (todos os animais, com 11 resgates no total), em relação ao GKM (3) e GK (um animal por duas vezes). A administração pré-incisional de cetamina foi mais efetiva do que a oferecida pela morfina e, dessa maneira, a cetamina pode ser empregada para analgesia preemptiva em cadelas submetidas à OSH, entretanto, pode ser necessária analgesia de resgate.
opioides; analgesia; cães; fenciclidina
This study aimed to evaluate the post operative analgesic effects of morphine or ketamine alone or their combination in 24 healthy bitches, weighing 11.01±8.69kg and aging 27±17 months, submitted to elective ovariohysterectomy. The animals were distributed to one of the three treatments after the anaesthetic induction: morphine (GM, n=8, 0.5mg kg-1 IM), ketamine (GK, n=8, 2.5mg kg-1 IM) or ketamine combined to morphine (GKM) using the same doses previously described. Sedation score and pain assessment were performed blindly two hours before surgery and at 1, 2, 4, 8, 12, and 24 hours after extubation, using the Dobbins scale (sedation) and visual analogue scale (pain) and Glasgow modified pain scale (GMPS). Rescue analgesia was performed with 1.0mg kg-1 of morphine and if not sufficient, followed by 0.2mg kg-1 of meloxicam, both IM, when the GMPS reached above 33% of the total score. Non parametric data were analyzed using Friedman´s test followed by Dunn´s test for differences in time. Kruskal-Wallis´ test followed by Dunn´s test were used to investigate differences in the number of analgesic rescues and among groups at each time. Parametric data were evaluated by ANOVA followed by Tukey's test (P<0.05). Except for GMPS, where the values of GM were greater than for GKM at 1h post-extubation, there were no other differences among groups. The number of rescue analgesia was greater in GM (11 in total; twice in 3 animals,) when compared to GKM (3; twice in 1 animal) and GK (2; twice in 1 animal). Analgesia provided by pre-incisional ketamine was more effective when compared to morphine. According to that, ketamine alone may be used as a preemptive analgesic in bitches undergoing ovariohysterectomy; however, rescue analgesia may be necessary.
opioid; analgesia; dogs; phencyclidine
ARTIGOS CIENTÍFICOS
CLÍNICA E CIRURGIA
Sobre a analgesia pós-operatória da morfina, cetamina ou da associação em cadelas submetidas à ovariossalpingohisterectomia eletiva
About post operatory analgesia of morphine, ketamine or their combination in bitches undergoing elective ovariohysterectomy
Maria Raquel de AlmeidaI,1 1 Autor para correspondência. ; Stelio Pacca Loureiro LunaI; Robson Moreira AlvesII; Hetielle Harumi HashimotoII; Ricardo Miyasaka de AlmeidaII
IDepartamento de Cirurgia Veterinária e Reprodução Animal, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), SMPW, quadra 26, conjunto 07, lote 09, casa G, 71745-600, Rubião Júnior, Botucatu, SP, Brasil. E-mail: mraquelalmeida@gmail.com
IIFaculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Universidade de Brasília (UnB), Campus Universitário Darcy Ribeiro, Instituto Central de Ciências, Brasília, DF, Brasil
RESUMO
Este estudo objetivou avaliar a eficácia analgésica da morfina e cetamina, isoladas ou associadas, para tratar a dor pós-operatória de cadelas submetidas à ovariossalpingohisterectomia (OSH) eletiva. Foram utilizadas 24 cadelas saudáveis, de raças variadas, idade de 27±17 meses e massa corpórea de 11±8,5kg. Os animais foram separados de forma igualitária e aleatória em três grupos: GM - morfina 0,5mg kg-1; GK - cetamina 2,5mg kg-1 ou GKM - morfina 0,5mg kg-1, associada à cetamina 2,5mg kg-1 . Os fármacos foram administrados por via intramuscular (IM) imediatamente após a indução anestésica. A dor foi avaliada por meio de escala analógica visual (EAV) e de Glasgow modificada (EGM) e o grau de sedação pela escala de Dobbins, duas horas antes do procedimento cirúrgico (basal), 1, 2, 4, 8, 12 e 24 horas após a extubação (M1 a M24). Quando a pontuação da EGM era acima de 33% do valor total da avaliação, realizava-se resgates analgésicos com 1,0mg kg-1 de morfina e, após 40 minutos deste resgate, caso não fosse suficiente, 0,2mg kg-1 de meloxicam. Os dados não paramétricos foram submetidos ao teste de Friedman ou Kruskal-Wallis, seguidos do teste de Dunn. Para os paramétricos, foi empregada análise de variância unidirecional ANOVA, seguida do teste de Tukey (P<0,05). Não houve diferenças significativas entre os grupos para os escores de dor, exceto para EGM, na qual os valores no GM foram superiores ao GKM 1h após a extubação. O número de resgates analgésicos foi significativamente superior no GM (todos os animais, com 11 resgates no total), em relação ao GKM (3) e GK (um animal por duas vezes). A administração pré-incisional de cetamina foi mais efetiva do que a oferecida pela morfina e, dessa maneira, a cetamina pode ser empregada para analgesia preemptiva em cadelas submetidas à OSH, entretanto, pode ser necessária analgesia de resgate.
Palavras-chave: opioides, analgesia, cães, fenciclidina.
ABSTRACT
This study aimed to evaluate the post operative analgesic effects of morphine or ketamine alone or their combination in 24 healthy bitches, weighing 11.01±8.69kg and aging 27±17 months, submitted to elective ovariohysterectomy. The animals were distributed to one of the three treatments after the anaesthetic induction: morphine (GM, n=8, 0.5mg kg-1 IM), ketamine (GK, n=8, 2.5mg kg-1 IM) or ketamine combined to morphine (GKM) using the same doses previously described. Sedation score and pain assessment were performed blindly two hours before surgery and at 1, 2, 4, 8, 12, and 24 hours after extubation, using the Dobbins scale (sedation) and visual analogue scale (pain) and Glasgow modified pain scale (GMPS). Rescue analgesia was performed with 1.0mg kg-1 of morphine and if not sufficient, followed by 0.2mg kg-1 of meloxicam, both IM, when the GMPS reached above 33% of the total score. Non parametric data were analyzed using Friedman´s test followed by Dunn´s test for differences in time. Kruskal-Wallis´ test followed by Dunn´s test were used to investigate differences in the number of analgesic rescues and among groups at each time. Parametric data were evaluated by ANOVA followed by Tukey's test (P<0.05). Except for GMPS, where the values of GM were greater than for GKM at 1h post-extubation, there were no other differences among groups. The number of rescue analgesia was greater in GM (11 in total; twice in 3 animals,) when compared to GKM (3; twice in 1 animal) and GK (2; twice in 1 animal). Analgesia provided by pre-incisional ketamine was more effective when compared to morphine. According to that, ketamine alone may be used as a preemptive analgesic in bitches undergoing ovariohysterectomy; however, rescue analgesia may be necessary.
Key words: opioid, analgesia, dogs, phencyclidine.
INTRODUÇÃO
A analgesia preemptiva previne a alteração fisiopatológica do processamento sensorial em resposta à dor (SCHMID et al., 1999), o que reduz a necessidade de analgésicos e os escores de dor, bem como aumenta o tempo até o resgate analgésico no pós-operatório (WAGNER et al., 2002).
A cetamina é um antagonista não competitivo dos receptores N-metil D-aspartato (NMDA), que reduz a liberação pré-sináptica de glutamato. Também apresenta ação antagonista de receptores muscarínicos e nicotínicos (KOHRS & DURIEUX, 1998), fraca afinidade pelos receptores opioides (RAEDER & STENSETH, 2000) e ativação parcial dos neurônios da via noradrenérgica e serotoninérgica do sistema nervoso central (FORMAN, 1999).
Os receptores NMDA, sítios de ligação do glutamato, neurotransmissor excitatório da via primária eferente da dor, são um dos principais alvos na terapia antiálgica. Na administração de antagonistas de tais receptores, há diminuição do processo álgico de forma inespecífica, tanto por prevenir a sensibilização central (GUIRIMAND et al., 2000), como por diminuí-la ou eliminá-la caso esta já esteja ocorrendo (FORMAN, 1999).
A cetamina apresenta efeito anti-inflamatório bem documentado por atuar em células do sistema imune, como macrófagos e leucócitos e reduzir as citocinas (LOIX et al., 2011). Em Medicina Veterinária, ela é mais empregada em analgesia multimodal e há poucos estudos sobre o seu uso isolado (SLINGSBY & WATERMAN-PEARSON, 2000). O efeito analgésico decorrente da administração preemptiva de doses menores que 1,0mg kg-1 IV ou 2,0mg kg-1 IM de cetamina é reconhecido no contexto de analgesia multimodal no homem (SCHMID et al., 1999). Em cadelas submetidas à OSH, uma única administração IM pré-operatória de 2,5mg kg-1 de cetamina produziu analgesia superior ao grupo controle por até 18 horas (SLINGSBY & WATERMAN-PEARSON, 2000) e mais evidente que quando administrada no período pós-operatório, dada a menor necessidade de resgates analgésicos e menores escores da EAV. No homem, apesar do uso isolado de cetamina ter sido eficaz como analgésico preemptivo num estudo retrospectivo quantitativo (ELIA & TRAMÈR, 2005), o efeito preemptivo não foi conclusivo em uma meta-análise (ONG et al., 2005).
A partir da hipótese de que a cetamina apresentaria boa eficácia analgésica e que a associação de morfina e cetamina ofereceria analgesia pós-operatória de maior qualidade e mais longa duração do que o uso dos fármacos isoladamente, este estudo objetivou comparar a intensidade e duração da analgesia oferecida pela cetamina e morfina, utilizadas de forma isolada ou associada, em cadelas submetidas à OSH eletiva.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizadas 24 cadelas, de raças variáveis, massa corpórea de 11,01±8,69kg e idade de 27±17 meses, com higidez comprovada por meio de exames clínico e laboratorial (hemograma, ureia, creatinina, alaninoaminotransferase e fosfatase alcalina), cuja participação no estudo foi aprovada pelos proprietários. Após jejum alimentar de 12 horas e hídrico de duas, os animais receberam 0,025mg kg-1 de acepromazinaa, IM, como medicação pré-anestésica. Após cateterização da veia cefálica, 30 minutos após a administração da acepromazina, a indução anestésica foi realizada com 5,0mg kg-1 de propofolb , IV, ou até que o animal permitisse a intubação orotraqueal. Para a manutenção anestésica, utilizou-se um circuito anestésico circular valvular, semifechado, provido de vaporizador universal que forneceu uma mistura de isofluoranoc e 100% de O2 no fluxo de 15mL kg-1 min-1. Administrou-se Ringer lactato na taxa de 10mL kg-1h-1 durante a cirurgia e monitorou-se, a cada cinco minutos, as frequências cardíacad (FC) e respiratória (f), a pressão arterial médiad (PAM) por método não invasivo, saturação periférica de oxigênio da hemoglobinad (SpO2) e eletrocardiografiad (ECG), como parâmetros de controle de plano anestésico, o qual se manteve adequado para a cirurgia, aumentando-se a concentração do isofluorano quando a PAM aumentava acima de 20% do valor anterior ao início da cirurgia.
Os animais foram distribuídos de forma aleatória por sorteio em três grupos de igual número e tratados, imediatamente após a intubação e 10 minutos antes do início da cirurgia, com cetaminae 2,5mg kg-1 IM (GK), morfinaf 0,5mg kg-1 IM (GM) ou cetamina e morfina nas mesmas doses anteriores (GKM). A OSH foi realizada sempre pela mesma cirurgiã, por meio de incisão na linha média ventral e técnica de três pinças. Ao término da cirurgia, foi realizada antibioticoterapia e curativo da ferida cirúrgica e as cadelas foram alojadas em jaulas, em ambiente climatizado. Os parâmetros da escala de Glasgow modificada (EGM) (MURREL et al., 2008), escala analógica visual (EAV) e grau de sedação (DOBBINS et al., 2002) foram aferidos duas horas antes da cirurgia e 1, 2, 4, 8, 12 e 24 horas após a extubação, em estudo encoberto, pelo mesmo avaliador treinado e de forma interativa. O valor atribuído na EAV, variou, em mm, de 0 (zero), que representava o animal sem dor alguma, a 100, que representava o animal com a pior dor possível. Caso após a avaliação da dor, o animal apresentasse pontuação superior a 3,33 na EGM, realizou-se o resgate analgésico com 1,0mg kg-1 de morfina, IM. Passados 40 minutos após o primeiro resgate, se o escore da EGM continuasse superior a 3,33, novo resgate era realizado com 0,2mg kg-1 de meloxicamg, IM.
Para as variáveis não paramétricas (EGM e escala de Dobbins), utilizou-se o teste de Friedman seguido de Dunn, para avaliar as diferenças de cada grupo ao longo do tempo e o teste de Kruskal-Wallis, seguido de Dunn, para avaliar as diferenças entre os grupos em cada momento, bem como o número de resgates analgésicos. Para a variável paramétrica EAV, utilizou-se a ANOVA seguida do teste de Tukey. Em todos os testes, foi considerado 5% de significância.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A cirurgia durou 45±15 minutos. A EAV aumentou em relação ao basal, em uma e duas horas após a extubação, em GM, até 4h em GK e de 2 a 4h em GKM. Para a EGM, não houve diferença entre os momentos no GKM e no GK. No GM, o valor a uma hora foi maior que o basal (Figura 1) e maior que em GKM. Não ocorreram diferenças ao longo do tempo ou entre os grupos no grau de sedação. O número de resgates no GM foi superior ao GKM e GK (Tabela 1).
Um fator limitante que compromete a avaliação da dor em animais é a sedação (GUILLOT et al., 2011). No entanto, como não houve diferença significativa entre os grupos ou dentro dos grupos na escala de Dobbins, a sedação não interferiu na avaliação da dor no período pós-operatório imediato, bem como a cetamina não aumentou o período de recuperação anestésica, achado respaldado por estudos anteriores (SLINGSBY & WATERMAN-PEARSON, 2000).
A cetamina foi empregada imediatamente após a intubação, como no estudo de SLINGSBY& WATERMAN-PEARSON (2000), pois aumenta o tônus muscular, caso utilizada sem o uso concomitante de um miorrelaxante central (HASKINS et al., 1985). O tempo até o início da cirurgia após a intubação foi em média de 10 minutos e, portanto, aparentemente suficiente para a atuação preemptiva dos fármacos (KATZ & MCCARTNEY, 2002).
No homem, a cetamina apresenta efeito analgésico mais prolongado que o anestésico, por reduzir a dor e/ou o consumo de analgésicos em um tempo superior a cinco vezes a meia vida do fármaco (MCCARTNEY et al., 2004). Os antagonistas NMDA incrementam a analgesia preventiva produzida pelos anti-inflamatórios não esteroidais e opioides (SCHMID et al., 1999). No homem, aparentemente, o efeito analgésico superior da cetamina em relação aos opioides só ocorre quando administrada de forma preemptiva, ratificando os achados do presente estudo (WAGNER et al., 2002). Da mesma forma, em cães, SLINGSBY & WATERMAN-PEARSON (2000) relataram vantagens do uso preventivo de cetamina em cães, em relação ao uso pós-operatório.
O papel antiálgico da cetamina se embasa em vários mecanismos já relatados na introdução. Classicamente, o fármaco reduz a sensibilização central por ação no receptor NMDA (KATZ & MCCARTNEY, 2002), tanto de caráter preventivo (GUIRIMAND et al., 2000), quanto terapêutico após a sensibilização central (FORMAN, 1999).
Outra hipótese para justificar o melhor efeito antiálgico pós-operatório nos animais tratados com cetamina neste estudo é sua ação na redução da inflamação sistêmica pela regulação de mediadores inflamatórios, sem afetar a cicatrização (LOIX et al., 2011).
Ao se analisar os resgates analgésicos, a cetamina ofereceu maior qualidade e tempo de duração de analgesia em comparação à morfina, o que confirma que a primeira é uma opção adequada como agente único para analgesia pós-operatória em cadelas submetidas à OSH. Tais resultados são um pouco diferentes do estudo de SLINGSBY & WATERMAN-PEARSON (2000), que obtiveram valores de EAV, com o uso isolado de cetamina, mais altos em relação aos nossos e sugeriram que o efeito antiálgico da cetamina era de curta duração. No nosso caso, observou-se um efeito antiálgico de 24h, e o declínio dos escores de dor ao longo do tempo demonstra que dificilmente haveria necessidade de um novo resgate analgésico após este período. Uma possível explicação para esta diferença foi que em nosso estudo a cirurgiã era experiente, enquanto que no estudo anterior não, já que as cirurgias foram realizadas por diferentes estudantes sem experiência, com maior tempo cirúrgico.
Um fato que poderia ser intrigante em nosso estudo foi que a morfina não foi eficaz para analgesia pós-operatória em cadelas submetidas à OSH, entretanto, de acordo com KONGARA et al. (2012), a morfina também apresentou analgesia limitada em cadelas submetidas à OSH, já que 50% dos animais necessitaram resgate analgésico já na primeira hora de pós-operatório.
Uma segunda reposta inesperada foi a analgesia da cetamina ter sido superior à da associação dos fármacos, porém, sem haver diferença estatística. Os opioides, apesar de serem considerados o padrão ouro no tratamento da dor, podem, de forma paradoxal, amplificá-la, fato denominado hiperalgesia induzida por opioides (HIO). A administração perioperatória de opioides eficazes, como a morfina, fentanil e remifentanil, está associada ao desenvolvimento de HIO (GRIDER & ACKERMAN, 2008). Doses baixas ou altas, opioides agonistas Mu ou Kappa, administrações prolongadas ou curtas, via IV, por infusão contínua ou em bolus único, estão associados ao desenvolvimento de HIO (DA CUNHA LEAL et al., 2010). Este efeito é mediado pelas vias espinhal (DUNBAR & PULAI, 1998) e supraespinhal, com ativação da via descendente da dor (XIE et al., 2005). A hiperalgesia, alodínia e tolerância a opioides compartilham o mesmo mecanismo, o qual envolve a sensibilização central e a interação entre o opioide e o receptor NMDA (MAO et al., 1995; RICHEBÉ et al., 2005). A HIO é um fenômeno complexo e não pontual (DA CUNHA LEAL et al., 2010) e apresenta como principal característica, a perda da eficácia analgésica (LEE et al., 2011). Sugere-se um sistema ambíguo de receptores para opioides: um excitatório, de alta afinidade, e outro inibitório, de baixa afinidade. Aparentemente, o efeito pró-nociceptivo dos opioides ocorre por três vias distintas: a) o aumento da transmissão sináptica das fibras C, por ativação dos receptores opioides Mu e NMDA extraespinhais; b) facilitação da via descendente, com potenciais de ação evocados nas fibras C, pela ativação dos receptores Mu extraespinhais, na via serotoninérgica descendente; e c) ativação prolongada das fibras C por ativação dos receptores Mu e NMDA espinhais (HEINL et al., 2011). Neste último estudo, os efeitos pró-nociceptivos após infusão contínua da morfina, fentanil e remifentanil foram eliminados pela administração de antagonistas NMDA, o que pode justificar em nosso estudo o melhor desempenho analgésico dos animais tratados com cetamina e morfina, quando comparado à morfina isoladamente. Neste contexto, é importante o papel preventivo ou terapêutico da ação da cetamina sobre a sensibilização central, já que uma das formas de se amenizar a HIO é associar os opioides a analgésicos, como os antagonistas NMDA e AINES (KOPPERT & SCHMELZ, 2007).
Em nosso estudo, as diferenças entre os tratamentos podem ser melhores avaliadas à 1h de pós-operatório, já que neste momento os animais não haviam recebido resgate. Houve diferença entre GKM e GM para a EGM e observou-se que apenas os animais de GM, apresentaram escores superiores em relação ao basal. Neste prisma, os animais de GM demonstraram os maiores escores, seguidos de GK e GKM. Tal resultado sugere que a cetamina pode ter reduzido a tolerância aguda aos opioides (KATZ & MCCARTNEY, 2002), já que a mesma previne, no homem, a HIO e aumenta os efeitos analgésicos de opioides, bem como a duração da analgesia (TVERSKOY, et al., 1994). Um dos mecanismos propostos para esta ação sinérgica é o aumento da afinidade dos opioides pelos seus receptores (GUPTA et al., 2011).
CONCLUSÃO
O uso preemptivo de cetamina IM isolada ou em associação à morfina promoveu efeito antiálgico superior à morfina e, desta forma, a cetamina pode ser utilizada como fármaco preemptivo único para analgesia pós-operatória em cadelas submetidas à OSH, representando uma opção no manejo da dor pós-operatória nestas circunstâncias, desde que se avalie a necessidade de resgate analgésico no pós-operatório imediato.
AGRADECIMENTOS
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa concedida
COMISSÃO DE ÉTICA NO USO DE ANIMAIS
Protocolo n.164/2011- CEUA.
FONTES DE AQUISIÇÃO
a - Acepran 0,2%, Univet, São Paulo, SP, Brasil.
b - Propovan, Cristália, Itapira, SP, Brasil.
c - Isoforine, Cristália, Itapira, SP, Brasil.
d - Monitor multiparamétrico Omni 610, Omnimed, Belo Horizonte, MG, Brasil.
e - Cetamin, Syntec, Cotia, SP, Brasil.
f - Dimorf, Cristália, Itapira, SP, Brasil.
g - Maxicam, Ourofino, Cravinhos, SP, Brasil.
Recebido 03.02.12
Aprovado 11.10.12
Devolvido pelo autor 09.05.13
CR-6731
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
19 Jul 2013 -
Data do Fascículo
Jul 2013