Open-access Apresentação: pessoa e ambiente, as duas faces da mesma moeda

DOSSIÊ

Apresentação: pessoa e ambiente, as duas faces da mesma moeda

As mudanças no sistema pessoa-ambiente ao longo do curso de vida constituem o processo básico do desenvolvimento (Lerner, 1991; Stokols, 1978; Tobach, 1981). Resulta daí a importância de estudar a pessoa em seu contexto. Essa proposição nem sempre foi prevalente na ciência psicológica. A noção de que o ambiente físico exerce um impacto significativo na vida das pessoas tem uma curta história (Sommer, 1966; Wachs, 1990). No campo da psicologia do desenvolvimento o modelo teórico vigente no limiar do século XX enfatizava a genética. Os pesquisadores dedicavam sua atenção aos seres animados, mas deixavam de lado as variáveis relacionadas aos ambientes nos quais as pessoas vivem.

No período compreendido entre 1920 e 1960, como conseqüência do behaviorismo e da teoria da aprendizagem social, o paradigma dominante destacou o papel modelador do ambiente (Bijou & Baer, 1961; Overton & Reese, 1973). Entre 1960 e 1980 surgiram novos modelos teóricos que não mais defendiam a influência exclusiva de fatores internos (natureza) ou externos (cultura), ao aceitar o princípio epigenético e a interação entre estrutura e função como o principal determinante do desenvolvimento (Gottlieb, 1991; Lerner, 1991; Lerner, Easterbrooks & Mistry, 2003).

Paralelamente, outro importante aspecto sofreu alteração: a Psicologia do Desenvolvimento expandiu seu interesse para outras fases do curso de vida (Baltes, Staudinger & Lindenberger, 1999; Staudinger & Bluck, 2001). Antes, a teoria e a pesquisa restringiam seus interesses aos anos da infância (Lerner & Steinberg, 2004; Petersen, 1988), limitando-se a estudar essa fase, sem atentar para o fato de que os processos de desenvolvimento envolvem estabilidade e mudança, transição e crise, ganhos e perdas durante toda a vida. Finalmente, enxergou-se que os adultos também mudam descobriu-se o desenvolvimento adulto. Assim, avanços teóricos e metodológicos na Psicologia do Desenvolvimento, aliados ao surgimento de um novo campo de estudo, a Psicologia Ambiental, (Proshansky, Ittelson & Rivlin, 1970; Sime, 1999; Stokols, 1995) possibilitaram uma maior atenção às variáveis relacionadas ao contexto (Bronfenbrenner & Morris, 1998) e à diversidade das várias etapas da vida (Baltes, 1987).

Este dossiê inclui produções que exemplificam estudos sobre a interação pessoa-ambiente. Constitui uma expansão de três trabalhos apresentados na Mesa Redonda Desenvolvimento humano e meio ambiente: Cara e coroa? no V Congresso Norte-Nordeste de Psicologia, realizado em Maceió-AL, em maio de 2007. Os trabalhos adotam um quadro de referência bidirecional, investigam como as características das pessoas operam reciprocamente com as características do ambiente e fornecem informações sobre processos de desenvolvimento típicos que têm lugar em ambientes típicos. Cada contribuição focaliza um ambiente diferente, envolve uma faixa etária específica e é motivada por questões distintas.

A primeira dessas questões é endereçada por Mara Campos-de-Carvalho e Tatiana Noronha de Souza, da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, e tem como título: Psicologia Ambiental, Psicologia do Desenvolvimento e Educação Infantil: Integração possível? Este artigo condensa várias pesquisas que examinam o arranjo espacial em salas de creches de crianças de 1 a 2, 2 a 3 e 3 a 4 anos como um elemento mediador da interação criança-criança e criança-educador; tais estudos evidenciam empiricamente que o arranjo espacial pode favorecer, dificultar ou impedir práticas educativas e interativas, práticas estas que promovem ou dificultam o desenvolvimento e a aprendizagem infantis. Apresenta, também, estudos sobre uma escala estadunidense de avaliação de qualidade de ambientes infantis coletivos e uma análise de princípios de qualidade de tais ambientes apresentados em documentos nacionais e internacionais. Desta maneira, fornece uma nova direção neste importante tema de estudo, por sua contribuição teórica e pela possibilidade de guiar pesquisadores e práticos na diferenciação e integração de questões que caracterizam contextos diários do cuidado e da educação infantis.

O segundo artigo, Reflexões sobre o comportamento infantil em um pátio escolar: O que aprendemos observando as atividades das crianças, examina a maneira como crianças entre três e sete anos utilizam diferentes áreas de um pátio escolar. Odara de Sá Fernandes e Gleice Azambuja Elali, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, recorrem, por meio da observação sistemática, ao método de mapeamento comportamental e clarificam como, onde e com quem meninos e meninas de diferentes idades interagem durante o recreio. Esse estudo propicia um estimulante exemplo de como formular questões de pesquisa com o objetivo de investigar a influência da pessoa no contexto e do contexto na pessoa. Características das crianças idade e gênero em interação com características do ambiente tamanho, tipo, temperatura demonstram engenhosamente a interação recíproca pessoa-ambiente.

A terceira questão está ligada à ampliação do topo da pirâmide demográfica, cuja visibilidade tem motivado um número crescente de pesquisas com idosos. Ambiente de moradia e controle primário em idosos amplia o estudo da interação pessoa-ambiente para além dos 60 anos e se detém em questões ligadas ao controle, à autonomia e à privacidade, preocupações reconhecidas dessa faixa etária. Hilma Tereza Tôrres Khoury, da Universidade Federal do Pará, e Isolda de Araújo Günther, da Universidade de Brasília, chamam atenção, por meio dos conceitos de controle primário e controle secundário, de como variações na densidade social afetam o sentimento de privacidade no ambiente de moradia, a percepção de autonomia, de independência e de comando sobre a própria vida e sobre o ambiente.

Os artigos que compõem esse dossiê, além do particular atrativo que podem despertar separadamente, envolvem em seu conjunto três fases do curso de vida e apresentam a pertinência de uma perspectiva teórica que possibilita o estudo da relação recíproca entre a pessoa e seu ambiente.

Isolda de Araújo Günther

Referências bibliográficas

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  • Wachs, T. D. (1990). Must the physical environment be mediated by the social environment in order to influence development?: A further test. Journal of applied Developmental Psychology, 11, 163-178.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2008
  • Data do Fascículo
    2008
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