RESUMO
Objetivo:
relatar a utilização do Método da Psicodinâmica do Trabalho, destacando os caminhos percorridos desde a demanda até a interpretação dos dados, de duas pesquisas distintas realizadas com trabalhadores de enfermagem em hemodinâmica e medicina nuclear.
Método:
trata-se de uma reflexão teórico-metodológica por meio do relato de experiência sobre a utilização da Psicodinâmica do Trabalho em pesquisas de doutorado aplicadas com trabalhadores de enfermagem em dois diferentes serviços, que utilizam as tecnologias radiológicas. Embora ambas as pesquisas tenham utilizado a Psicodinâmica como referencial teórico-metodológico, é possível destacar diferenças entre elas, principalmente quanto a coleta e análise dos dados.
Resultados:
realiza-se durante toda a discussão uma associação da prática em pesquisas e a aplicação da Psicodinâmica do Trabalho, especialmente quanto à demanda, coleta do material, processo de validação e análise dos dados. Ao fim da reflexão apresenta-se um quadro-síntese do método aplicado nas duas pesquisas, evidenciando os princípios e os dispositivos metodológicos aplicados.
Conclusão:
o relato das experiências aqui descritas evidenciam que ao utilizar a Psicodinâmica do Trabalho como referencial teórico metodológico é primordial o conhecimento e a familiaridade com o método. Sem dúvida, a adaptação da metodologia da Psicodinâmica do Trabalho e seu aporte teórico, possibilita interessantes discussões bem como reflexões por parte dos trabalhadores, principalmente quanto às necessidade de mudanças na práxis.
DESCRITORES:
Pesquisa qualitativa; Trabalhador; Pesquisa em enfermagem; Tecnologia radiológica; Serviços de saúde do trabalhador
RESUMEN
Objetivo:
relatar la utilización del Método de la Psicodinámica del Trabajo, destacando los caminos recorridos desde la demanda hasta la interpretación de los datos, de dos investigaciones distintas realizadas con trabajadores de enfermería en hemodinámica y medicina nuclear.
Método:
se trata de una reflexión teórico-metodológica por medio del relato de experiencia sobre la utilización de la Psicodinámica del Trabajo en investigaciones de doctorado aplicadas con trabajadores de enfermería en dos diferentes servicios, que utilizan las tecnologías radiológicas. Aunque ambas investigaciones han utilizado la Psicodinámica como referencial teórico-metodológico, es posible destacar diferencias entre ellas, principalmente en cuanto a la recolección y análisis de los datos.
Resultados:
se realiza durante toda la discusión una asociación de la práctica en investigaciones y la aplicación de la Psicodinámica del Trabajo, especialmente en cuanto a la demanda, recolección del material, proceso de validación y análisis de los datos. Al final de la reflexión se presenta un cuadro-síntesis del método aplicado en las dos investigaciones, evidenciando los principios y los dispositivos metodológicos aplicados.
Conclusión:
el relato de las experiencias aquí descritas evidencian que al utilizar la Psicodinámica del Trabajo como referencial teórico metodológico es primordial el conocimiento y la familiaridad con el método. Sin duda, la adaptación de la metodología de la Psicodinámica del Trabajo y su aporte teórico, posibilita interesantes discusiones así como reflexiones por parte de los trabajadores, principalmente en cuanto a las necesidades de cambios en la praxis.
DESCRIPTORES:
Investigación cualitativa; Trabajador; Investigación en enfermería; Tecnología radiológica; Servicios de salud del trabajador
ABSTRACT
Objective:
to report the use of the Psychodynamics of Work Method, highlighting the varioud stages, from the demand to the interpretation of the data, from two different researches performed with nursing staff from hemodynamics and nuclear medicine services.
Method:
a theoretical-methodological reflection through reporting experiences regarding the use of Psychodynamics of Work in doctoral researches applied to nursing workers in two different services which use radiological technologies. Although both studies have used Psychodynamics as a theoretical-methodological reference, it is possible to highlight differences between them, mainly regarding data collection and analysis.
Results:
an association of the practice in research and the application of Psychodynamics of Work, in particular regarding demand, material collection, the validation process and data analysis, is carried out throughout the discussion. A table summary table of the method applied in the two surveys is presented at the end of the reflection, which shows the principles and the methodological tools.
Conclusion:
the report of the experiments shows that when Psychodynamics of Work is used as a methodological theoretical reference, knowledge and familiarity regarding the method is paramount. Undoubtedly, the adaptation of the Psychodynamics of Work methodology and its theoretical contribution, allows for interesting discussions as well as reflections on the part of the workers, mainly regarding the need for changes in praxis.
DESCRIPTORS:
Qualitative research; Worker; Nursing research; Radiological technology; Occupational health services
INTRODUÇÃO
O presente artigo relata a utilização do método da Psicodinâmica do Trabalho, destacando os caminhos percorridos em duas teses de doutorado que investigaram a práxis em enfermagem radiológica. Apresenta-se a utilização da Psicodinâmica do Trabalho, que foi adaptada, destacando os caminhos percorridos desde a demanda até a interpretação e análise dos dados. Cabe ressaltar que os estudos investigaram o desgaste dos trabalhadores que atuam na enfermagem radiológica e foram desenvolvidos em especialidades distintas: serviço de hemodinâmica (pesquisa A) e medicina nuclear (pesquisa B), o que acaba caracterizando naturezas de trabalho diversas, sobretudo na forma de exposição à radiação ionizante.
No presente artigo vislumbrou-se a necessidade de discutir e compartilhar dois exemplos distintos do uso do referencial teórico e metodológico da Psicodinâmica do Trabalho, pois esta é uma teoria desenvolvida, inicialmente, para a prática em clínica do trabalho e não para pesquisa acadêmica/científica. Embora possua etapas metodológicas bem delimitadas e definidas, não representa um método diretamente aplicável à pesquisa científica, mas que pode ser agregado às diferentes perspectivas, com bases epistêmicas compatíveis.
As novas tecnologias, as demandas do mundo do trabalho, a exigência de alta produtividade aliadas à grande demanda de trabalho vêm impondo aos trabalhadores novas maneiras de se relacionar com o trabalho. Essa realidade não é diferente no trabalho da enfermagem, em serviços que utilizam as tecnologias radiológicas. Além de todas essas exigências, o trabalhador possui, como instrumento de trabalho, a radiação ionizante, o que pode provocar desgastes nesse trabalhador. Ambas as pesquisas aqui apresentadas propõem uma adaptação ao Método da Psicodinâmica do Trabalho reconhecendo a centralidade que o trabalho possui nos diversos espaços sociais. Nesse sentido, observa-se ainda poucos estudos relacionados à saúde do trabalhador de enfermagem nesses serviços e entende-se que a discussão sobre a aplicabilidade da Psicodinâmica do Trabalho como referencial teórico metodológico nesses espaços, representa importante ferramenta para a compreensão da organização do trabalho nessas especialidades.1Kolhs M, OlschowskyA, Barreta N, Schimerfening J, Vargas R, Busnello G. A enfermagem na urgência e emergência: entre o prazer e o sofrimento. Rev Pesq: Cuid Fundam online [Internet]. 2017 Abr-Jun [cited 2017 Jan 16]; 9(2):422-31. Available from: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/5427
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-2Giongo C, Monteiro J, Sobrosa G. Psicodinâmica do trabalho no Brasil: revisão sistemática da literatura. Temas Psicol [Internet]. 2015 Dec [cited 2017 Jan 16]; 23(4):803-14. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413389X2015000400002&lng=pt
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A Psicodinâmica do Trabalho, originalmente, foi desenvolvida para ser aplicada por um coletivo de pesquisadores e trabalhadores.3Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. Pautada nos princípios da pesquisa-ação e privilegiando os aspectos qualitativos, possibilita intervir em situações de trabalho e também compreender os processos psíquicos, pois trata da relação trabalho e saúde mental.3Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008.
A ação "não tem visibilidade imediata, ela conserva sempre um lado abstrato",3:35Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. daí a necessidade de mediá-la com comentários verbais dos trabalhadores. O método privilegia a fala dos trabalhadores, particularmente a coletiva,4Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992.-5Dejours C, Abdoucheli E, Jayet C. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas; 2007. pois só assim é possível detectar os aspectos visíveis e invisíveis do trabalho, que a cada contexto se apresenta de forma distinta.6Heloani R, Lancman S. Psicodinâmica do trabalho: o método clínico de intervenção e investigação. Prod [Internet]. 2004 [cited 2017 Jan 16]; 14(3):77-86. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-65132004000300009&script=sci_abstract&tlng=pt
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A metodologia da Psicodinâmica do Trabalho desenvolve-se em diferentes etapas, quais sejam: demanda e pré-pesquisa, a pesquisa propriamente dita, o material da pesquisa, o método de interpretação, validação e refutação. A seguir descrevem-se as etapas que constituíram os caminhos percorridos nos dois exemplos de pesquisas.
MÉTODO E SUA APLICAÇÃO
A demanda
A demanda constitui a primeira etapa deste método, devendo seguir alguns critérios estabelecidos por Dejours.4Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992. Estes, incluem responder: quem demandou a pesquisa? O que demanda? E a quem essa demanda é dirigida? Esses critérios foram seguidos com algumas adaptações e estão respondidos na descrição que se segue.
A demanda consiste em uma solicitação espontânea ou mesmo provocada pelos trabalhadores, podendo ser proveniente de um grupo de alguns trabalhadores não institucionalizados ou de um grupo sindical, entre outros. "A demanda é prerrogativa dos trabalhadores e só é aceitável se a pesquisa for direcionada para determinada situação".3:111Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. De fato ela condiciona a exequibilidade da pesquisa, requerendo um trabalho específico de explicitação. Para que uma demanda seja aceita e possível de ser corretamente trabalhada, é necessário reunir condições que culminem com a formação de um coletivo ad hoc, ou seja, um grupo de trabalhadores que participará da pesquisa.4Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992.
O coletivo ad hoc trata-se da categoria central na Psicodinâmica do Trabalho uma vez que representa o trabalhar e produzir junto, ou seja, um coletivo imerso no mesmo cotidiano de trabalho. Esse coletivo deve ser homogêneo em relação à categoria profissional ou às situações enfrentadas no trabalho, podendo ser também um coletivo heterogêneo quanto à organização do trabalho.3Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008.-4Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992.
Atendendo ao critério de quem a demandou, as pesquisas relatadas decorreram de um processo espontâneo com trabalhadores dos serviços de hemodinâmica e medicina nuclear, organizações diferentes, mas com a mesma categoria profissional. Na pesquisa A, a demanda adveio de um encontro de enfermagem em hemodinâmica, em que foram apresentados os seguintes questionamentos: quem deve permanecer na sala de exames auxiliando o médico hemodinamicista? Como se deve usar o dosímetro? A que tipo de risco estão expostos os trabalhadores por atuarem com radiação ionizante? Como deve ser feito o controle ocupacional dos trabalhadores? Entre outras indagações.
A demanda da pesquisa B surgiu da experiência e vivências anteriores das pesquisadoras no próprio serviço de medicina nuclear. Visualizava-se uma prática insegura, com muitas dúvidas frente à exposição à radiação ionizante, dúvidas essas muito semelhantes com a demanda identificada na pesquisa A.
Após o acolhimento da demanda inicia-se a pré-pesquisa, que consiste na preparação dos dados da própria demanda para a pesquisa propriamente dita. Essa preparação requer que o pesquisador defina claramente quem irá participar da pesquisa, ou seja, a quem essa demanda é dirigida. Para isso, é importante reunir informações acerca do processo de trabalho e suas transformações, acessando documentos técnicos, científicos e legais da temática a ser investigada e visitando o local da pesquisa.3Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008.,5Dejours C, Abdoucheli E, Jayet C. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas; 2007. Essas questões são importantes, pois "a pesquisa fundamenta-se num coletivo constituído ad hoc, e não em indivíduos tomados isoladamente".4:142Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992.
Objetivando reunir essas informações, na pesquisa A foi aplicada uma sondagem de opinião com os participantes do encontro de enfermagem em hemodinâmica da Região Sul, mediante questionário estruturado. A sondagem versava sobre: formação dos participantes, tempo de trabalho em atividades envolvendo exposição à radiação ionizante, número de empregos exercidos nessas atividades, carga horária de trabalho semanal praticada em atividades com radiações ionizantes e, por fim, os agravos à saúde.
A pré-pesquisa no estudo B foi realizada em dois serviços de medicina nuclear por meio da observação do trabalho propriamente dito e do ambiente de trabalho, além da aplicação de questionário semiestruturado que teve a intenção de conhecer o fazer dos profissionais de enfermagem em medicina nuclear, fornecendo subsídios que puderam reiterar ou refutar as informações obtidas na observação. A observação e o questionário procuravam compreender a relação do trabalhador com a organização e processo de trabalho, bem como a percepção dos desgastes e cargas de trabalho a que estavam expostos.
Diante dos dados obtidos nessas sondagens, foram selecionados os locais, bem como os participantes da pesquisa, aqui denominados de trabalhadores ad hoc.
Em ambas as pesquisas, para a escolha do local e do coletivo de trabalhadores ad hoc, também foram considerados: o número de trabalhadores por serviço que participaram da pré-pesquisa, o tempo que os participantes já atuavam nos serviços pesquisados e os problemas de saúde referidos, que tinham relação com o trabalho na enfermagem radiológica.
Diante dos dados obtidos e com base nos critérios estabelecidos por Dejours,4Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992. a pesquisa teve como questão demandada a preocupação com a saúde, a proteção radiológica e os desgastes dos trabalhadores de enfermagem no processo de trabalho nestes serviços.
Compuseram, nos estudos, o coletivo de trabalhadores ad hoc, a saber: trabalhadores de enfermagem de um serviço de hemodinâmica (pesquisa A) e trabalhadores de enfermagem de dois serviços de medicina nuclear, um serviço público e outro privado (pesquisa B), todos localizados na Grande Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
Após a definição do local e do coletivo de trabalhadores ad hoc, iniciou-se a coleta de dados para se chegar ao material da pesquisa, sendo estes resultado da discussão com o coletivo de trabalhadores ad hoc. O material foi extraído por meio de técnicas utilizadas para a coleta dos dados, ou seja, observações e entrevistas coletivas. Além dessas técnicas, também constituiu material da pesquisa, dados coletados por análise documental e aplicação de questionários.
A observação possui especificidades nesta metodologia, uma vez que antes de seus resultados integrarem o material de pesquisa, são confrontadas com a literatura, ou seja, não se limita à descrição dos fatos observados, também restituindo aos trabalhadores os comentários acerca das suas manifestações.3Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008.-5Dejours C, Abdoucheli E, Jayet C. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas; 2007.
Os fatos observados "são subjetivos, mais precisamente intersubjetivos".3:35Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. Por isso, é importante colocar por escrito o que foi detectado durante o desenrolar da pesquisa, pois "os trabalhadores são contraditórios, têm interesses que mudam, sentimentos imprevisíveis, são angustiados, têm desejos, medo".3:35Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. Há que se considerar, ainda, que "apreender e compreender as relações de trabalho exige mais do que a simples observação e, sobretudo, exige uma escuta voltada para quem executa o trabalho".3:35Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008.
A Psicodinâmica do Trabalho tem como princípio compreender a posição do sujeito na relação e no espaço do trabalho, sendo necessário prever idas e vindas nas interações entre pesquisador e trabalhador, evidenciando a dialética do processo.
Coleta do material de pesquisa
O estudo no serviço de hemodinâmica - coleta do material de pesquisa
Adaptando-se ao que propõe Dejours5Dejours C, Abdoucheli E, Jayet C. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas; 2007. nesta pesquisa, a observação percorreu alguns caminhos, iniciando pelo reconhecimento do cenário de pesquisa. Para esse reconhecimento estabeleceram quatro encontros, com periodicidade semanal, objetivando a familiarização com o cenário e com os procedimentos ali realizados. Aproveitou-se esses encontros para retomar os objetivos, esclarecer acerca da pesquisa, especialmente sobre o Método e a importância da colaboração dos trabalhadores e, também, para apresentar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que foi assinado nessa ocasião.
Os dados foram coletados em 36 encontros com o coletivo de trabalhadores ad hoc, de março a novembro de 2009, totalizando aproximadamente 54 horas de observações, inicialmente duas vezes por semana, durante dois meses. Depois disso, as observações passaram a ser realizadas uma vez por semana, por mais dois meses; e, por fim, uma vez a cada quinze dias, durante quatro meses.
Essa periodicidade foi adotada porque se sentiu a necessidade de apropriação de conhecimentos dessa área para responder aos questionamentos que surgiam a cada encontro, para descrever os fatos observados com maior propriedade e também porque se recomenda que o relatório seja redigido imediatamente após o término de cada encontro, com as observações ainda vivas na memória dos pesquisadores.3Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008.-4Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992.,6Heloani R, Lancman S. Psicodinâmica do trabalho: o método clínico de intervenção e investigação. Prod [Internet]. 2004 [cited 2017 Jan 16]; 14(3):77-86. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-65132004000300009&script=sci_abstract&tlng=pt
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O registro de forma completa, relatando os comentários dos trabalhadores, preserva o modo de pensar ou de imaginar dos trabalhadores sobre o conteúdo do seu trabalho.
Os encontros aconteceram no período matutino e vespertino, com duração de uma a duas horas. Esse tempo variava de acordo com o tipo de exame e as condições dos usuários. Em cada encontro foram discutidas situações concretas daquele processo de trabalho, a ponto dos trabalhadores corrigirem as observações dos pesquisadores, acrescentando descrições sobre determinadas atividades e o porquê do descumprimento de certas normas prescritas, entre outras contribuições. Isto corrobora o dizer dos autores, ao afirmarem que "os comentários são adiantados durante as discussões, quando são rejeitados, ou aproveitados e reelaborados".3:117Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. Para a coleta desses dados utilizou-se bloco de anotações e gravador de voz. As observações, inicialmente, foram conduzidas de modo a atender a demanda solicitada e também outras que surgiam no decorrer do processo de trabalho. Posteriormente, já com a confiança dos trabalhadores, passou-se a indagá-los sobre a razão de certas atitudes, tais como: uso incorreto dos dosímetros e o não uso por alguns trabalhadores, não uso de algumas vestimentas de chumbo; enfim, eram feitas correções, percebendo-se que os trabalhadores aceitavam bem essas intervenções.
A digitação dos dados e a transcrição das gravações foram efetuadas a cada semana, gerando resumos comentados e interpretados pelas pesquisadoras, que foram validados pelo coletivo de trabalhadores ad hoc no próprio local de observação e nas entrevistas coletivas.
Quanto às entrevistas coletivas, cabe destacar que essa metodologia não se vale de questionário nem de entrevistas individuais. Ela recorre inicialmente à pesquisa com coletivos de trabalhadores ad hoc. A discussão em grupo contribui para elaboração coletiva de temas relacionados à organização do trabalho e ao processo de desgaste relativo às condições de trabalho.3Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008.,5Dejours C, Abdoucheli E, Jayet C. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas; 2007. Nesse sentido, é importante destacar que a palavra é um meio privilegiado para trabalhar com essa metodologia, pois é por intermédio da linguagem que o trabalhador pode expressar "como ele vive o trabalho, como sofre no trabalho, como constrói e se constrói com o trabalho e como se relaciona no trabalho".3:38Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008.
Na entrevista coletiva, também denominada entrevista em grupo, a fala de um trabalhador é confrontada com o coletivo dos trabalhadores participantes da pesquisa.7Silverman D. Um livro bom, pequeno e acessível sobre pesquisa qualitativa. Porto Alegre (RS): Bookman; 2010. Para obter dados importantes em uma entrevista, o essencial é a "escuta ativa, na qual o pesquisador permite ao trabalhador a liberdade de falar para então atribuir significados".7:189Silverman D. Um livro bom, pequeno e acessível sobre pesquisa qualitativa. Porto Alegre (RS): Bookman; 2010.
Assim, o processo de reflexão foi guiado pela palavra dos trabalhadores, sendo aprofundado à medida que eles destacavam determinadas situações vivenciadas no seu cotidiano laboral. Cabe lembrar que essa reflexão incluía os resumos comentados que já haviam sido validados nas observações. Esses geralmente eram acrescidos e geravam novas interpretações. No processo de discussão houve discordâncias entre o coletivo ad hoc, possibilitando a reflexão grupal, corroborando que não importa "quem seja o porta-voz, o que importa são os temas consensuais, ou, pelo menos, objeto de discussão contraditório entre os membros do grupo".3:108Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. Também chama a atenção o fato de que "o comentário nem sempre é contínuo, nem possui um caráter de permanência absoluta".4:149Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992. Enfim, a "palavra é o mediador privilegiado dessa relação e é sobre ela que trabalha a Psicodinâmica do Trabalho".4:158Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992.
As entrevistas aconteciam no próprio local de trabalho, onde os trabalhadores se reuniam para fazer as refeições, participando, em média, quatro a cinco trabalhadores.
Em relação à análise documental acrescida ao Método, foram analisados os relatórios mensais de dosimetria individual de dois anos (2008 e 2009), a periodicidade e a realização dos exames ocupacionais, o levantamento radiométrico da sala de exame e documentos relativos à organização do trabalho, como escalas de trabalho, normas e rotinas instituídas e relatórios da demanda de exames de 2008 e 2009. Também foram analisados documentos institucionais, como contrato de serviço para dosimetria individual e para o levantamento radiométrico, locação do imóvel e planta física, entre outros.
O estudo no serviço de medicina nuclear - coleta do material de pesquisa
Após definido o coletivo de trabalhadores ad hoc, foram realizadas duas visitas de reconhecimento em cada local pesquisado, a fim de garantir o compromisso de participação de todos os trabalhadores, momento em que se reuniram algumas informações sobre o processo de trabalho e que possibilitou garantir o acesso aos serviços, explicando-se, às chefias e diretoria, a importância da pesquisa e sua demanda. Este procedimento foi muito importante, pois possibilitou "compreender do que falam os trabalhadores que participaram da pesquisa, tendo à disposição uma representação das condições ambientais".4:142Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992. Também nesse momento os trabalhadores assinaram os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido.
A fim de compreender os desgastes vivenciados pelos trabalhadores de enfermagem em medicina nuclear, fez-se necessário adaptar alguns elementos metodológicos construídos na Psicodinâmica do Trabalho, isso porque se procurou privilegiar o entendimento das relações entre o trabalhador, a organização do trabalho e sua relação com a tarefa desempenhada.
Inicialmente, lançou-se mão da observação, buscando-se compreender o processo de trabalho, as relações de trabalho e as experiências de cada trabalhador em ambos os serviços pesquisados (público e privado). A observação aconteceu de forma não participante, ou seja, o pesquisador não interferiu na rotina de trabalho e optou-se por observar turnos completos de trabalho, sendo realizadas dez observações em cada serviço, com duração média de quatro horas, totalizando o montante aproximado de 80 horas de observação, realizadas no período de agosto a novembro de 2015. Os períodos de observação eram variados e buscou-se observar todos os turnos, manhã e tarde, de forma igualitária. Essa inserção do pesquisador no local dos trabalhadores e a oportunidade de observar o trabalho vivo constituíram-se estratégias fundamentais, permitindo compreender a posição, as relações e todos os elementos da singularidade dos trabalhadores, durante a jornada de trabalho.
Durante a etapa de observação, realizou-se o registro em diário, sendo as anotações confrontadas, posteriormente, com os trabalhadores. Trata-se de uma etapa importante na Psicodinâmica do Trabalho, pois o que interessa aos pesquisadores é "colocar por escrito o que foi detectado pelos pesquisadores, no desenrolar da pesquisa".4: 152Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992. Ao final de cada turno de observação, o pesquisador realizava um resumo dos principais pontos, identificando os que necessitavam esclarecimentos posteriores, atentando-se para o registro fidedigno de tudo o que havia sido observado. Trata-se de um apanhado comentado, subjetivo, vivo. Não se trata de um simples resumo ou decodificação de material gravado.4Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992.,8Dejours C. Psicodinâmica do Trabalho na pós-modernidade. In: Mendes AM, Lima S, Facas EP, organizadores. Diálogos em Psicodinâmica do Trabalho. Brasília (DF): Paralelo 15; 2007. p. 13-26
Na pesquisa com os trabalhadores de enfermagem em medicina nuclear, ao contrário do que se propõe na Psicodinâmica do Trabalho, as entrevistas não aconteceram diretamente de forma coletiva. Por se tratar de trabalho em turnos e em dois diferentes locais, optou-se pela realização de entrevistas individuais e, posteriormente, à realização das entrevistas coletivas. Essa adaptação ao método se fez necessário para compreender a relação do coletivo de trabalhadores ad hoc, com o seu trabalho e com o coletivo do trabalho, considerando as particularidades de cada serviço.
As entrevistas foram realizadas no próprio ambiente de trabalho, geralmente no momento do lanche e/ou intervalo, sendo gravadas e, posteriormente, transcritas. Os trabalhadores foram questionados sobre a dualidade entre prazer e sofrimento, organização e condições do trabalho e também, sobre práticas realizadas de modo diferente do prescrito.
Cabe destacar que, durante as entrevistas, foi possível realizar a validação e refutação dos aspectos apreciados durante a observação. Durante as entrevistas, os pesquisadores realizaram anotações e registros de algumas perspectivas e inferências, que, posteriormente, foram confrontadas nas entrevistas coletivas.
Considerando que, neste referencial, o principal da pesquisa é identificar a relação do coletivo com o trabalho,4Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992. as entrevistas coletivas aconteceram após análise prévia das informações provenientes das entrevistas individuais, sendo realizadas com o coletivo dos trabalhadores ad hoc de cada serviço, nas trocas de plantão das equipes. Realizou-se uma reunião no formato de roda de conversa, em que os trabalhadores debateram diferentes temas, concordaram ou discordaram, puderam expressar cada qual seu ponto de vista. Formou-se um espaço de reflexão, troca de experiências, discussão, divergências e descobertas sobre o trabalho da enfermagem em medicina nuclear, chegando ao que se denomina de "pensar dos trabalhadores sobre sua própria situação".4:149Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992. As entrevista coletivas foram igualmente transcritas na íntegra e compuseram o material de pesquisa que foram transferidos e organizados no software QualiQuantiSoft®, para posterior análise.
O processo de validação em Psicodinâmica do Trabalho
A validação na Psicodinâmica do Trabalho é tão importante quanto a pesquisa propriamente dita, isso porque é inerente a todas as fases da pesquisa e caracteriza-se por um processo intrínseco na observação e entrevistas. O objetivo da validação é garantir o distanciamento que existe entre a experiência do pesquisador e o discurso dos trabalhadores,3Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008.-5Dejours C, Abdoucheli E, Jayet C. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas; 2007. ou seja, os discursos devem ser passíveis de escuta e de interpretação.
A validação geralmente acontece em duas etapas. Inicialmente, como já dito, a validação acontece concomitante ao momento de escuta e observação dos trabalhadores, quando as interpretações e hipóteses são realizadas durante a própria pesquisa, gerando um novo material de análise, que deve ser novamente discutidas com os trabalhadores.4Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992.,6Heloani R, Lancman S. Psicodinâmica do trabalho: o método clínico de intervenção e investigação. Prod [Internet]. 2004 [cited 2017 Jan 16]; 14(3):77-86. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-65132004000300009&script=sci_abstract&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
,8Dejours C. Psicodinâmica do Trabalho na pós-modernidade. In: Mendes AM, Lima S, Facas EP, organizadores. Diálogos em Psicodinâmica do Trabalho. Brasília (DF): Paralelo 15; 2007. p. 13-26
A segunda etapa da validação não é tratada como uma obrigatoriedade do método, mas, geralmente, é recomendada, uma vez que se trata de uma devolutiva aos trabalhadores, por meio de uma síntese dos resultados, interpretações e desfechos com ênfase na demanda que originou a pesquisa. Destaca-se que na Psicodinâmica do Trabalho há a possibilidade desta etapa "ser submetida à discussão com outros trabalhadores que não participaram diretamente da pesquisa",3:126Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. permitindo que o processo de validação ocorra com a inclusão dos trabalhadores que não compuseram o coletivo de trabalhadores ad hoc, mas que fazem parte do quadro funcional dos serviços pesquisados.
Nas duas pesquisas, as etapas de validação foram operacionalizadas. A primeira etapa de validação aconteceu no decorrer das observações e nas entrevistas no próprio local da pesquisa com o coletivo de trabalhadores ad hoc. Ao mesmo tempo em que se validavam os dados, estes eram interpretados e confrontados com a literatura. Desse modo, geravam-se novas informações que iam sendo novamente validadas nos encontros seguintes.
Na pesquisa com os trabalhadores em hemodinâmica, a segunda etapa ocorreu com a inclusão de outros trabalhadores que não participavam da pesquisa, mas que faziam parte do quadro funcional do serviço pesquisado. Já na pesquisa com os trabalhadores em medicina nuclear, a validação aconteceu com o coletivo de trabalhadores ad hoc dos dois serviços pesquisados (público e privado), que pela primeira vez reuniram-se. Para tanto, os trabalhadores foram convidados para uma reunião ampliada, objetivando validar a interpretação dos resultados, que ocorreu fora do local formal de trabalho. Este lugar é denominado de espaço externo ao local da pesquisa.3Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008.-4Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992.
Durante o processo de validação, os relatórios foram sendo discutidos e modificados, a partir dos comentários e sugestões dos trabalhadores ad hoc.
Análise dos dados: a experiência com Análise de Conteúdo e com o Discurso do Sujeito Coletivo
A Psicodinâmica do Trabalho foi desenvolvida para a aplicação, na prática, da clínica do trabalho. Por isso, em estudos acadêmicos, um dos principais desafios é a análise dos dados. Essa técnica, por estar embasada no discurso dos trabalhadores e, principalmente, no discurso coletivo dos trabalhadores ad hoc, acaba gerando um número expressivo de material para análise, em sua maioria com grandes trechos de enunciados. Em vista dessa complexidade, durante a realização das pesquisas aqui relatadas, foram muitos os questionamentos acerca do método para a análise dos dados mais adequado. Para a escolha, as pesquisadoras consideraram os métodos de coleta aplicados, bem como o objetivo de cada pesquisa, tendo como base o referencial teórico-metodológico da Psicodinâmica do Trabalho. Na pesquisa A, foi utilizada a Análise de Conteúdo, e na pesquisa B, o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).
Na pesquisa A, o material validado foi classificado em categorias e subcategorias de análise, segundo a similaridade dos conteúdos, a partir dos dados extraídos dos relatórios comentados, sendo as categorias relacionadas à tese e aos objetivos, ou seja, organização do trabalho e o desgaste dos trabalhadores; bem como a que emergiu do estudo, qual seja, a formação e educação permanente para a práxis da enfermagem em hemodinâmica. Nessas categorias e subcategorias foram descritas situações vivenciadas, tanto pelo pesquisador quanto pelos trabalhadores ad hoc, compreendendo, além das etapas já descritas na pesquisa, também dados da pré-pesquisa.
Diante dessas categorizações, partiu-se para a interpretação dos dados, sendo que neste referencial o "material de interpretação é uma observação comentada".4:154Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez - Oboré; 1992. Nesse sentido, os autores3Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008.-5Dejours C, Abdoucheli E, Jayet C. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas; 2007.,8Dejours C. Psicodinâmica do Trabalho na pós-modernidade. In: Mendes AM, Lima S, Facas EP, organizadores. Diálogos em Psicodinâmica do Trabalho. Brasília (DF): Paralelo 15; 2007. p. 13-26 chamam a atenção para a subjetividade da pesquisa em Psicodinâmica do Trabalho e propõem a interpretação dos dados de forma conjunta com o coletivo de trabalhadores e pesquisadores.
Considerando que este é um trabalho acadêmico, a interpretação dos dados se deu de modo mais isolado e não conjuntamente com pesquisadores, mais uma razão que justifica a adaptação da metodologia para cada estudo. Essa análise levou em consideração a experiência dos pesquisadores que interpretaram o material da pesquisa à luz do corpus teórico proposto neste estudo, sendo conduzida pelas falas das vivências subjetivas dos trabalhadores.
Por fim, cabe destacar que todas as categorias e subcategorias apresentaram relação direta com a observação do processo de trabalho, com os dados documentais analisados e com as falas dos trabalhadores, além de que, em todas as etapas da pesquisa, foi considerado o respeito às opiniões do coletivo de trabalhadores ad hoc e da instituição participante de todo o processo investigativo.
Já na pesquisa B optou-se pelo uso do DSC, que é uma técnica para análise de dados que busca o processamento dos diferentes depoimentos, com sentidos semelhantes, sobre um tema específico, reunindo-os em discursos redigidos na primeira pessoa do singular.9Lefevre F, Lefevre AMC. Discourse of the collective subject: social representations and communication interventions. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 Abr-Jun [cited 2017 Jan 16]; 23(2):502-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n2/pt_0104-0707-tce-23-02-00502.pdf
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Essa técnica busca evidenciar o discurso, característica própria do pensamento coletivo, em todos os passos da pesquisa, desde o planejamento das perguntas, coleta e análise dos dados.9Lefevre F, Lefevre AMC. Discourse of the collective subject: social representations and communication interventions. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 Abr-Jun [cited 2017 Jan 16]; 23(2):502-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n2/pt_0104-0707-tce-23-02-00502.pdf
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Esse atributo nos chama atenção, pois se harmoniza com os preceitos da Psicodinâmica do Trabalho que não se preocupa com quem é porta voz do discurso, e sim, com os temas consensuais do coletivo ou trabalhadores ad hoc.3Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008.
Para a construção do DSC,10Lefevre F, Lefevre AMC. Depoimentos e discursos. Uma proposta de análise em pesquisa social. Brasília (DF): Liber Livro Editora; 2005. os criadores do método, formularam quatro figuras metodológicas que devem ser aplicadas durante a elaboração dos discursos, a saber: expressões chaves, ideia central, ancoragem (não obrigatória) e o DSC propriamente dito.
No DSC, os "discursos dos depoimentos não se anulam ou se reduzem a uma categoria comum unificadora, pois o que se busca fazer é reconstruir".10:19Lefevre F, Lefevre AMC. Depoimentos e discursos. Uma proposta de análise em pesquisa social. Brasília (DF): Liber Livro Editora; 2005. Ou seja, com base nos discursos individuais, busca-se reconstruir um discurso síntese que contemple a representação coletiva sobre determinado fenômeno.
As figuras metodológicas foram cuidadosamente sistematizadas, com exceção da ancoragem, por compreender-se que a correlação entre as expressões-chave e a ideia central, aliadas a observação não participante, contribuíram, de maneira satisfatória, para descrever o sentido dos discursos analisados.
Para o DSC não é relevante a quantidade de vezes que determinado tema é citado, e sim, a importância que o discurso possui para o trabalhador que ao fim, irá compor o discurso coletivo que represente o discurso dos trabalhadores ad hoc.
Há que se destacar que a ideia central descreve o sentido principal de cada discurso e por isso, individualiza o conjunto de discursos que possuem o mesmo sentido, representando assim o coletivo. As expressões-chave, por sua vez, contribuem para qualificar o significado central de um discurso, sendo indiscutível a sua relação com a ideia central. As expressões-chave e a ideia central são indispensáveis para dar sentido aos depoimentos, tendo a ideia central a função identificadora e as expressões-chave, a função de incorporar o sentido.9Lefevre F, Lefevre AMC. Discourse of the collective subject: social representations and communication interventions. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 Abr-Jun [cited 2017 Jan 16]; 23(2):502-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n2/pt_0104-0707-tce-23-02-00502.pdf
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As duas pesquisas foram submetidas ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, pois o método exige "condições éticas específicas, como toda ação, devido principalmente ao confronto de opiniões" 3:81Lancman S, Sznelwar LI. Chistophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. e da subjetividade dos trabalhadores, que é própria das pesquisas de cunho científico.
Para melhor compreensão da aplicação do Método da Psicodinâmica do Trabalho, resume-se no quadro 1 os princípios adotados (P) e os dispositivos metodológicos aplicados nas duas pesquisas.
A partir da análise dos dados, surgiram categorias analíticas, que responderam aos objetivos das pesquisas, a partir do material coletado e do processo de validação. As categorias, apesar de diferentes, apontaram que quando os desgastes por exposição à radiação ionizante se manifestam, os trabalhadores não os associam a essa carga física. Utilizam estratégias de defesa, como a negação e relacionam os desgastes à herança familiar, ao fato de ser mulher e até mesmo ao acaso. Também indicaram que as tecnologias radiológicas são consideradas instrumentos de trabalho externos à enfermagem, o que pode ter relação com a invisibilidade da radiação ionizante nos ambientes pesquisados. Evidenciou-se ainda que a enfermagem radiológica constitui-se numa área singular de atuação para enfermagem que necessita de mobilização de saberes, habilidades e atitudes inerentes à formação em enfermagem e específicos de física e proteção radiológica.
CONCLUSÃO
Para realizar uma pesquisa utilizando a metodologia da Psicodinâmica do Trabalho, parte-se de uma demanda, tal como ocorreu nos processos de investigação aqui referidos.
Desse modo, o acolhimento da demanda realizado na pré-pesquisa foi essencial para o encadeamento das demais etapas estabelecidas nessa metodologia: a pesquisa propriamente dita, o material da pesquisa, a interpretação e a validação, bem como a validação ampliada, que se configurou como um dos principais momentos de apreensão do objeto de estudo, na qual se evidenciaram claramente as relações no trabalho e fora dele, as opiniões contraditórias, entre outras revelações.
Os materiais da pesquisa extraídos das técnicas utilizadas para a coleta dos dados se modificavam a cada encontro, pois além de serem validados parcialmente, esses dados consistiam em juntar cada comentário e cada ausência de comentário ao que se inscreve como contraditório em relação ao objeto de estudo. Assim, os achados iam revelando-se em partes, só conhecidos totalmente na validação ampliada.
Ao propor a adaptação desse método, identificou-se, pelas leituras, que tinha uma relação direta com os estudos propostos, ainda que tenha sido desenvolvido para investigar o sofrimento psíquico. Assim, embora a adaptação dessa metodologia não tenha sido simples, pois o referencial disponível aborda sobremaneira as cargas psíquicas, foi possível dar visibilidade às diversas cargas presentes no cotidiano do trabalho.
Salienta-se que, o embasamento teórico e metodológico adaptados para o alcance dos objetivos se coadunam com os fundamentos epistemológicos das principais disciplinas de intervenção relacionados à saúde e à segurança do trabalhador, e também, porque a questão central é a mesma: a preocupação com a saúde e a proteção radiológica dos trabalhadores.
Apesar de se reconhecer as limitações dos estudos, como por exemplo, a subjetividade expressa pelos trabalhadores, acredita-se que o caminho percorrido tem sua relevância, por permitir maior compreensão do trabalho da Enfermagem em serviços que utilizam as tecnologias radiológicas como instrumentos de trabalho. Sem dúvida, a adaptação da metodologia da Psicodinâmica do Trabalho com seus aportes teóricos possibilitou copiosas discussões e também reflexões do coletivo de trabalhadores no sentido de mudar atitudes relativas a sua saúde, segurança e proteção radiológica dos trabalhadores de enfermagem.
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Artigo extracted das teses - O trabalho da enfermagem em hemodinâmica e o desgaste dos trabalhadores decorrente da exposição a radiação ionizante, apresentada em 2010; e Organização do trabalho e desgaste dos trabalhadores de enfermagem em serviços de hemodinâmica, apresentada em 2017; ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
28 Set 2017
Histórico
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Recebido
20 Fev 2017 -
Aceito
24 Jul 2017