RESUMO
Objetivo: descrever o processo de construção e validação de um instrumento para Avaliação da Implantação da Assistência à Pessoa com Hipertensão Arterial na Atenção Básica
Método: estudo metodológico de abordagem quantitativa. O instrumento foi desenvolvido no período de outubro de 2012 a março de 2013, e na sua construção adotou-se o referencial teórico de Donabedian.
Resultados: no desenvolvimento do instrumento foi utilizado o referencial proposto por Hartz e Silva, constituído de sete etapas que incluem a definição e criação de critérios de avaliação a partir da consulta a fontes secundárias e classificação dos critérios de acordo com as dimensões, além da produção de um Modelo Lógico e de uma Matriz de Análise validada por 12 juízes. O instrumento aborda três dimensões: estrutural, práticas assistenciais e organização da atenção.
Conclusão: o instrumento mostrou ser uma ferramenta adequada para avaliar programas de atenção à saúde da pessoa com hipertensão arterial, na medida que a matriz que subsidiou sua formulação foi validada e sua utilização permite identificar as fortalezas e fragilidades relacionadas à implantação do Programa.
DESCRITORES: Avaliação em saúde; Hipertensão; Atenção primária em saúde
RESUMEN
Objetivo: describir el proceso de construcción y validación de un instrumento para la evaluación de la implantación de la asistencia a la persona con hipertensión arterial en la atención primaria
Método: estudio metodológico de abordaje cuantitativo. El instrumento fue desarrollado en el período de octubre de 2012 a marzo de 2013, y en su construcción se adoptó el referencial teórico de Donabedian.
Resultados: en el desarrollo del instrumento se utilizó el referencial propuesto por Hartz e Silva, constituido de siete etapas que incluyen la definición y creación de criterios de evaluación a partir de la consulta a fuentes secundarias y clasificación de los criterios de acuerdo con las dimensiones, además de la producción de un modelo lógico y de una matriz de análisis validada por 12 jueces. El instrumento aborda tres dimensiones: estructural, prácticas asistenciales y organización de la atención,
Conclusión: el instrumento mostró ser una herramienta adecuada para evaluar programas de atención a la salud de la persona con hipertensión arterial, en la medida que la matriz que subsidió su formulación fue validada y su utilización permite identificar las fortalezas y fragilidades relacionadas a la implantación del Programa.
DESCRIPTORES: Evaluación en salud; Hipertensión; Atención primaria en salud
ABSTRACT
Objective: describing the process of construction and validation of an instrument to evaluate the implantation of the Program of Assistance to Hypertensive Individuals in Basic Health Care Units.
Method: a methodological study with a quantitative approach. The instrument was developed from October 2012 to March 2013, and in its construction was adopted the theoretical reference of Donabedian.
Results: in the development of the instrument was used the reference proposed by Hartz e Silva, consisting of seven stages that include the definition and creation of evaluation criteria from the consultation of secondary sources and classification of the criteria according to the dimensions, besides the production of a Logical Model and an Analysis Matrix validated by 12 judges. The instrument addresses three dimensions: structural, care practices and organization of care.
Conclusion: the instrument showed to be an adequate tool to evaluate health care programs for people with hypertension, as the matrix that subsidized its formulation was validated and its use allows identifying the strengths and weaknesses related to the implementation of the Program.
DESCRIPTORS: Health evaluation; Hypertension; Primary Health Care
INTRODUÇÃO
As mudanças no perfil de saúde da população têm grande impacto e constituem desafios importantes para os serviços de saúde, pois as doenças crônicas necessitam de muitas ações para o seu controle e tratamento. Nesse contexto, o próprio processo de trabalho das equipes precisa ser revisto, discutido e adaptado com frequência, por estar amparado em programas e protocolos muitas vezes verticalizados, os quais devem ser revisados frequentemente para que possam, ao mesmo tempo incorporar o conceito de longitudinalidade da assistência e atender as reais necessidades das pessoas que buscam estes serviços. Isto exige disposição, interesse e compromisso por parte dos gestores e profissionais de saúde.
Para fazer frente a essas demandas e implementar uma assistência organizada, resolutiva e de qualidade na rede pública dos serviços de saúde, tendo como porta de entrada a atenção básica, em 2001 o Ministério da Saúde desencadeou várias ações, entre elas o Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e ao Diabetes Mellitus. O propósito inicial era minimizar a ocorrência de agravos mediante ações como: atualização dos profissionais da rede básica, garantia do diagnóstico e da vinculação do paciente às unidades de saúde para o tratamento e acompanhamento.1
Contudo, a despeito da incorporação de ações de prevenção e promoção da saúde,2 e dos avanços advindos dessa nova política - como o aumento do acesso às consultas e aos medicamentos - os serviços, em sua maioria, continuam a atender os pacientes sob uma lógica centrada apenas na doença e na medicalização. Além disso, os sistemas de informação existentes são utilizados apenas para fins burocráticos e não para o monitoramento e avaliação do programa, o que poderia aprimorar as ações de saúde desenvolvidas junto aos usuários. 3
A incorporação da avaliação nos serviços de saúde pode favorecer a efetividade das práticas assistenciais, pois também o acompanhamento de todo o processo de planejamento e gestão das políticas ou programas, possibilitando a tomada de decisões e o direcionamento de prioridades no âmbito da assistência.3 Ela é portanto, fundamental para a transformação do cuidado prestado às pessoas com doenças crônicas não transmissíveis e deveria ser considerada uma atividade cotidiana dos gestores e dos profissionais de saúde. Contudo apesar das vantagens e possibilidades advindas da avaliação de serviços, ainda são poucos os instrumentos disponíveis para a avaliação de programas e serviços de saúde.
A utilização e o desenvolvimento de métodos específicos de avaliação decorrem da necessidade de oferecer um guia aos usuários e às equipes de saúde que lhes favoreça e facilite essa ação. De maneira geral, é praticamente impossível que a avaliação ocorra diante da fragmentação cotidiana do processo de trabalho em saúde. Muitos serviços, na tentativa de implantar a avaliação, realizam uma revisão superficial de suas atividades e de suas metas para solucionar problemas elencados, mas, muitas vezes, essa atividade fica circunscrita às relações sociais lineares de causa e efeito, que nem sempre resistem a uma análise mais criteriosa.4
Nessas condições, o processo de avaliação não se constitui de contornos definidos, pois, para se obter uma compreensão do “status” de um serviço se faz necessário a utilização de material apropriado muitas vezes não disponíveis. Assim, construir instrumentos que possibilitem avaliar os serviços é fundamental para se avançar na qualidade da atenção aos usuários do Sistema Único de Saúde.4
Motivados por esta problemática, o objetivo desta comunicação é descrever o processo de construção e validação de conteúdo de um instrumento desenvolvido para avaliar o grau de implantação do Programa de Assistência ao Hipertenso em Unidades Básicas de Saúde (UBSs).
MÉTODO
Trata-se de um estudo metodológico de abordagem quantitativa. As pesquisas metodológicas investigam, organizam e analisam dados com o fim de construir, validar e avaliar instrumentos e técnicas de pesquisa.5
O instrumento foi desenvolvido no período de outubro de 2012 a março de 2013, e na sua construção adotou-se o referencial teórico de Donabedian, para quem a avaliação consubstancia-se em três categorias: estrutura, processo e resultado.6 A estrutura refere-se às características relativamente estáveis de seus provedores, aos instrumentos e recursos, e às condições físicas e operacionais dos serviços. O processo, por sua vez, se refere às atividades, bens e serviços que são prestados e como o são; e os resultados dizem respeito aos efeitos observados a partir dos objetivos propostos pela intervenção,6 ou seja, as mudanças verificadas no estado de saúde dos pacientes relacionadas ao conhecimento e comportamentos e, ainda, a satisfação dos envolvidos no cuidado.7
Como referencial metodológico foi adotado o modelo proposto por Hartz e Silva, constituído de sete etapas, sendo que cada uma delas cria subsídios para a seguinte. São elas: 1) Seleção de fontes secundárias; 2) Criação e classificação dos critérios de avaliação de acordo com as dimensões; 3) Produção do Modelo Lógico; 4) Construção da matriz de análise; 5)Validação pelos juízes e tratamento estatístico; 6) Elaboração do Instrumento da Análise de Implantação e Padronização dos escores; 7) Aplicação do estudo-piloto.8
O instrumento foi desenvolvido visando a sua aplicação inicial em um município de médio porte, com 357.077 mil habitantes,9 localizado na Região Noroeste do Estado do Paraná, o qual é sede da 15ª Regional de Saúde do Estado do Paraná.
A execução das etapas supracitadas e descritas a seguir resultou em um instrumento para avaliação da implantação da atenção à pessoa com hipertensão arterial na atenção básica, constituído de 121 questões.
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos e seu projeto foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da universidade Estadual de Maringá (Parecer n. 170.666/2012).
Etapa 1 - Seleção de fontes secundárias
As fontes secundárias nacionais selecionadas foram: V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia,10 Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão e ao Diabetes Mellitus do Ministério da Saúde,11 Cadernos de Atenção Básica nº 15 - HAS Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde,12 Cadernos nº 2 e 3 do projeto de Avaliação para Melhoria da Qualidade da Estratégia Saúde da Família,13-14 Documento-síntese para avaliação do Programa Nacional de melhoria da qualidade do acesso da atenção básica (PMAQ) 2012,15 Protocolo de atenção ao hipertenso de município e Plano Municipal de Saúde - 2010-2011. 16-17
Os documentos selecionados constituem em guias práticos para os profissionais de saúde, servem de apoio à capacitação dos profissionais e à tomada de decisão dos gestores. A partir da leitura minuciosa e completa desses documentos foram listadas todas as ações, atividades e recomendações relacionadas à infraestrutura e recursos humanos contidas nesses protocolos que dizem respeito à operacionalização de um programa de atenção ao hipertenso.
Etapa 2 - Criação e classificação dos critérios de avaliação de acordo com as dimensões
As ações e atividades do programa, bem como as recomendações relacionadas à estrutura física, insumos e recursos humanos, foram classificadas nas dimensões estrutura e processo. A partir desta classificação elaborou-se critérios que compuseram uma matriz preliminar que serviu de orientação para a construção do modelo lógico.
Etapa 3 - Construção do Modelo lógico
O modelo lógico é a primeira etapa do planejamento de uma avaliação e nele devem ser claramente explicitados os pressupostos que orientam sua formulação, o que corresponde a imagem objetivo do programa .18
Ele deve apresentar três componentes fundamentais: o plano de organização (os componentes essenciais), o plano de utilização (os serviços que o compõem e as práticas relacionadas) e o impacto do programa (resultados).19 Desta forma as ações relativas à organização, ao processo de trabalho e à articulação entre seus elementos são apresentadas em esquema visual e funciona como referência para apreciação do grau de implantação do programa na Atenção Básica em Saúde.
Nesta etapa a preocupação central foi garantir que todos os elementos descritos nos documentos oficiais fossem incluídos no modelo lógico desenvolvido. Assim, as ações e atividades listadas na matriz foram classificadas em ações de prevenção, assistenciais e de gestão. Para cada um dos componentes foram identificadas as ações que o integram, e, a seguir, descrita a estrutura necessária para executá-las. Por fim, foram identificados os resultados esperados.
Etapa 4 - Construção da matriz de análise
O estabelecimento de critérios, indicadores e parâmetros ou padrões é condição necessária para a avaliação e podem estar dispostos em uma matriz descritiva do programa, a qual deve ser construída a partir do modelo lógico. São esses critérios que permitirão não apenas descrever o Programa, mas emitir um julgamento sobre o mesmo, contribui para a produção dos resultados, com informações numéricas e qualitativas.
Durante a construção da matriz de avaliação procurou-se descrever todas as atividades que estão pontuadas no modelo lógico. As dimensões tiveram como fundamentação o modelo teórico de avaliação proposto por Donabedian6 constituída por três categorias de análise - estrutura, processo e resultados, porém a última não foi considerada, embora tenha sido identificada na construção do modelo lógico (etapa 3). Na matriz elaborada os aspectos abordados na categoria estrutura encontram-se alocados na dimensão estrutural e dimensão práticas assistenciais, e os relacionados a categoria processo na dimensão organização da atenção á saúde.
A dimensão estrutural englobou cinco subdimensões: área física, materiais e equipamentos, equipamentos para urgência, materiais para educação em saúde, insumos, exames complementares, medicamentos e recursos humanos. A dimensão práticas assistenciais foi dividida em duas subdimensões: promoção da saúde e atendimento individual. Por fim, a dimensão organização da atenção foi subdividida em subdimensão gerencial e aspectos da organização da assistência, conforme a percepção da autora.
Etapa 5 - Validação da matriz por juízes e tratamento estatístico
A validação da matriz mediante o julgamento de especialistas ocorreu utilizando-se os fundamentos da Técnica Delphi, que prevê o julgamento da matriz por juízes com vasta experiência no assunto em questão ou que trabalhem há algum tempo na área. Ela é definida como técnica de processo grupal e tem por finalidade obter, comparar e direcionar o julgamento de peritos para um consenso sobre um tópico particular.20
Considerando-se que a validade de um instrumento está relacionada à sua precisão em medir o que se propõe medir,21 ele só será válido quando sua construção e aplicabilidade permitirem a fiel mensuração daquilo que se pretende mensurar. As técnicas mais conhecidas para validação de instrumentos são: validade de conteúdo, de aparência, de critério e de constructo.22
Neste estudo foi utilizada a validade de conteúdo, a qual determina se o conteúdo de um instrumento e medida explora, de maneira efetiva, os quesitos para mensuração de determinado fenômeno a ser investigado. A validade de conteúdo consiste em uma avaliação subjetiva, baseada no julgamento de peritos na área do conteúdo para se determinar se o instrumento explora todas as dimensões e domínios pertinentes ao conceito ou constructo em estudo.22
Assim, a matriz elaborada foi submetida a um grupo de 12 juízes formado por: dois médicos e duas enfermeiras integrantes, há mais de dois anos, de equipes da Estratégia Saúde da Família do município em estudo; três gestores, dois médicos especialistas em cardiologia; dois professores doutores e pesquisadores da área de avaliação; e uma enfermeira com doutorado na área de avaliação em saúde.
Cada participante recebeu, por correio eletrônico, a matriz de dimensões e as orientações para preenchê-la. Todos foram orientados a analisar a matriz e atribuir notas de zero (pouca ou nenhuma importância) a dez pontos (critério muito importante), segundo a concepção individual sobre a importância relativa de cada um dos critérios listados na matriz para a avaliação do programa. Os juízes também puderam sugerir a exclusão ou inclusão de outros aspectos ou mesmo modificar a classificação dos critérios, das dimensões e das subdimensões.
As pontuações atribuídas pelos respondentes foram consolidadas e registradas em planilha do programa Excel®. Após, calculou-se a média aritmética de cada critério, a partir do somatório dos valores atribuídos pelos juízes. Também foi calculado o desvio padrão, o que serviu para estimar o grau ou a ausência do consenso entre os juízes sobre cada um dos critérios.
Posteriormente, para definir os critérios a serem incluídos no instrumento em construção, foram utilizados os mesmos pontos de corte propostos pelos idealizadores deste modelo de avaliação23 e adotado em um estudo de avaliação da implantação do programa de saúde reprodutiva,24 quais sejam: todo critério com média superior a sete foi considerado importante; abaixo de sete foi classificado como pouco importante e, por isto, excluído da imagem-objetivo. Ademais, todo critério com desvio padrão inferior a três foi considerado consensual e aqueles com desvio padrão superior a três foram considerados não consensuais e por esta razão também foram excluídos.
Portanto, os critérios com média igual ou superior a sete e desvio padrão igual ou superior a três, mesmo sendo importantes não foram considerados para a composição da imagem-objetivo por não serem consensuais. Cabe salientar que a adoção do consenso não só amplia a possibilidade de validade dos critérios, mas também confere maior legitimidade ao processo avaliativo.
A imagem-objetivo da avaliação do programa de atenção ao hipertenso, resultante da análise documental e julgamento dos juízes, comportou 121 itens distribuídos nas três dimensões. A dimensão estrutural está constituída por seis subdimensões: área física com 15 itens, materiais e equipamentos (19 itens), equipamentos de urgência (sete itens), materiais para educação em saúde (cinco itens), insumos, exames complementares e medicamentos (19 itens) e recursos humanos (14 itens). A dimensão prática assistencial está constituída pelas subdimensões promoção da saúde (14 itens) e atendimento individual (11 itens). Por fim, a terceira dimensão ― organização da atenção ― não tem subdimensão e está constituída de 17 itens.
Ressalta-se que o cálculo do desvio padrão foi o indicador do grau de confiabilidade do instrumento, sendo que quanto menor o desvio padrão, maior o grau de confiabilidade do item. Além disso, todos os critérios foram extraídos de documentos oficiais do Ministério da Saúde e do protocolo de atenção ao hipertenso do município estudado.
Em relação aos itens inicialmente propostos a partir da revisão dos documentos oficiais, somente cinco foram excluídos, e isto ocorreu por apresentarem desvio padrão maior que três. Além disso, mais dois foram eliminados porque, além do desvio padrão elevado (maior que três), obtiveram nota menor que sete, o que demonstra a consistência da matriz.
Etapa 6 - Elaboração do Instrumento da Análise de Implantação do Programa e padronização dos escores
Com base na importância relativa de cada dimensão e dos critérios definidos a partir da avaliação e consenso dos especialistas, foi elaborado o instrumento para avaliar o grau de implantação do Programa de Atenção ao Hipertenso no município de Maringá-PR.
Todos os critérios validados na matriz foram utilizados na elaboração das questões do instrumento, de tal forma que cada questão avaliada, de modo individual ou em conjunto, aponta o nível de implantação do Programa em: incipiente, intermediário e avançado. Para tanto, foi utilizado um processo complexo de padronização dos escores. Inicialmente, na pontuação atribuída e na definição dos escores de cada questão, considerou-se a média das notas atribuídas pelos avaliadores na matriz.
Assim, questões cujos critérios obtiveram média entre 7,0 e 8,0 receberam um ponto; as que obtiveram média entre 8,1 a 9,0 receberam dois pontos, e as que obtiveram média entre 9,1 a 10,0 receberam três pontos. As questões cujas respostas não eram dicotômicas (sim/não), foram graduadas de acordo com a frequência de ocorrência, de modo que sua pontuação também precisou ser distribuída. Por exemplo, questões de valor três, tiveram suas respostas pontuadas da seguinte forma: sempre (3 pontos), quase sempre (2 pontos), às vezes (1 ponto), quase nunca (0,5 ponto) e nunca (0,0 ponto).
Posteriormente, para classificação do grau de implantação somou-se o total máximo de pontos que poderiam ser obtidos nas três dimensões (328 pontos) e dividiu-se por três para equalizar o total de pontos a serem alcançados em cada uma das três dimensões (109,33 pontos). Em seguida, definiu-se o valor a ser atribuído às questões, o que foi diferente em cada dimensão, pois o número de questões não era igual. Por exemplo, a dimensão estrutural está constituída por 79 itens, dos quais sete valiam um ponto e passaram a valer 0,52; 16 itens que valiam dois pontos e passaram a valer 1,05; e 56 itens que valiam três pontos e passaram a valer 1,58, totalizando 109,33 pontos. Na dimensão prática assistencial, constituída por 27 itens, aqueles que valiam três pontos passaram a valer 4,55 pontos, e na dimensão organização da atenção com 17 itens que valiam um ponto passaram a valer 6,43 pontos.
O somatório dos pontos de todas as questões determinou o nível de implantação do item avaliado, classificado em incipiente, intermediário e avançado, conforme definido em outro estudo.25 O primeiro tercil (0 a 33,33%) do valor da questão representou o limite entre o nível incipiente e intermediário; o segundo tercil (33,34 a 66,66%) representou o limite entre o intermediário e o avançado; e o terceiro (66,67-100%) representou o nível mais avançado.
Etapa 7 - Aplicação do teste-piloto
O teste-piloto foi realizado com três enfermeiros da ESF atuantes em três Unidades Básicas de Saúde. Como resultado foi identificado que alguns itens deveriam ser complementados ou subdivididos sem, no entanto, alterar a essência do aspecto avaliado. Por exemplo, no item equipamentos para urgência foi acrescentada uma pergunta relacionada à existência de treinamento para atendimento às urgências hipertensivas. À pergunta que investigava a realização das visitas domiciliares foi acrescentado mais um item: realização de visita aos indivíduos com incapacidades motoras, além de ter sido subdividido, de modo a ressaltar três condições: pacientes não aderentes, acamados ou com incapacidade motora. O item sistema de referência e contrarreferência para cardiologista e exames especializados foi dividido em sistema de referência e sistema de contrarreferência.
REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA MATRIZ
Uma análise geral aponta que a maior parte dos critérios listados na matriz obteve desvio padrão menor que três, o que demonstra existir grande consenso na maioria dos itens selecionados, reforçando a importância de os mesmos terem sido definidos a partir de consulta a documentos oficiais. Além disso, constatou-se que durante a realização do estudo-piloto junto a três enfermeiros da estratégia saúde da família, os mesmos consideraram as questões do instrumento adequadas quanto à clareza e à objetividade.
Na dimensão estrutural, referente à área física, os itens que obtiveram as maiores médias e, portanto, foram mais valorizados pelos juízes foram: consultório de enfermagem que garanta privacidade ao paciente, valorização da consulta de enfermagem no Programa, sala para coleta de exames laboratoriais e sala para agentes comunitários de saúde. Esses aspectos demonstraram a preocupação dos juízes com o novo modelo assistencial, o qual incorpora o ACS e o enfermeiro como peças fundamentais na promoção da saúde dos indivíduos.
No que se refere a materiais e equipamentos, o item esfigmomanômetro para adultos obesos e estetoscópio em número suficiente foram os que alcançaram as maiores médias, demonstrando a valorização da qualidade da aferição da pressão arterial dos indivíduos.
Chamou a atenção a importância atribuída aos equipamentos e ao treinamento dos profissionais para o atendimento às urgências, os quais obtiveram médias nove e desvio padrão menor que um. Embora a atenção básica não seja a porta de entrada para as urgências, as notas atribuídas pelos juízes demonstram a importância que eles dão ao fato de as Unidades de Saúde estarem devidamente equipadas e os profissionais treinados para o atendimento de urgências hipertensivas. Isso pode aumentar o vínculo dos pacientes com a atenção primária, pois atendimento adequado, mais próximo da residência e com maior brevidade, diminui as possibilidades de maiores sequelas relativas às complicações desse agravo.
Outro item bastante valorizado pelos juízes foi a disponibilidade de material para educação em saúde com média 9,25, indicando a valorização de atividades de promoção da saúde. Em relação à subdimensão insumos, todos os itens receberam média acima de nove, confirmando a importância da assistência farmacêutica e acesso aos medicamentos e demais insumos no cuidado com o hipertenso. Contudo, demonstra ao mesmo tempo, uma centralidade e hipervalorização do tratamento medicamentoso e acesso aos exames especializados.
A subdimensão recursos humanos obteve avaliação positiva por parte dos juízes, inclusive com sugestão de inclusão da equipe de saúde bucal e fisioterapeuta, indicando, portanto, uma perspectiva de ampliação no rol de profissionais elencados na matriz de análise, mas isso não foi consensual, de modo que esses profissionais não foram incluídos no instrumento, o que pode ocorrer futuramente.
No que se refere à dimensão práticas assistenciais observou-se grande consenso na subdimensão promoção à saúde, especialmente em relação aos itens estratégias de rastreamento de novos hipertensos, estratégias que propiciem a adesão ao tratamento e estímulo aos hábitos saudáveis de vida, os quais apresentaram pontuações médias superiores à obtida no tratamento medicamentoso.
Em relação à subdimensão atendimento individual, os itens: exame físico do paciente, conforme protocolo do Ministério da Saúde e Sociedade Brasileira de Cardiologia, orientações quanto aos fatores de risco para hipertensão, com abordagem de aspectos do tratamento não medicamentoso, elaboração de plano de cuidados para indivíduo hipertenso na ocasião da visita domiciliar, e equipe aproveita a oportunidade da visita para rastreamento de novos casos foram consenso entre os juízes, recebendo média 10 e desvio padrão 0,0.
Na dimensão organização da atenção chamou a atenção o fato de o acolhimento, como prática institucional, ter sido excluído, pois embora tenha obtido média 8,67, o desvio padrão foi 3,085. O acolhimento, portanto, foi considerado importante pelos juízes, mas não foi consensual. Acredita-se que uma das razões para a ausência de consenso foi a diferença na concepção deste conceito. Contudo, considera-se o acolhimento imprescindível para a humanização e a organização das ações de saúde e para a classificação de risco e, portanto, deve estar à frente de todas as intervenções, quer sejam elas de caráter promocional, preventivo, curativo ou assistencial. Assim, ressalta-se que, embora ausente do instrumento elaborado, os autores consideram que o acolhimento, com classificação de risco fundada na abordagem humanista, possibilita a criação de vínculo do usuário com a equipe de saúde.26
Cabe destacar que a validação da matriz pelos juízes demonstrou que a melhoria da assistência ao paciente hipertenso não é resultado apenas de um critério, como o acesso aos medicamentos, mas depende de um conjunto bem articulado de ações que desencadeie uma nova dinâmica assistencial visando a integralidade e a promoção da saúde.
Por fim, ressalta-se que nenhum dos juízes propôs qualquer mudança de classificação dos critérios entre diferentes dimensões e subdimensões, demonstrando coerência na classificação inicial e por conseqüência na proposta final.
CONCLUSÃO
A institucionalização da avaliação no cotidiano dos serviços ainda é considerada um desafio, sendo necessário aprimorar a prática de monitoramento e avaliação. Nesse sentido, o instrumento elaborado mostrou ser uma ferramenta adequada para avaliar programas de atenção à saúde do hipertenso à medida que a matriz que subsidiou sua formulação foi validada por juízes e também por possibilitar identificar fortalezas e fragilidades relacionadas à implantação desse Programa, reveladas nas dimensões e subdimensões.
A expansão dos serviços na Atenção Primária em Saúde deve determinar uma cultura avaliativa e, em que pese sua incipiente implementação, é preciso que se busque consolidá-la não somente para que se obtenha melhores escores, mas contribuir para o consenso em torno dos princípios da APS, de valorização de iniciativas e ações multiestratégicas e das diversas dimensões constituintes dos serviços.
O desafio de elaborar um instrumento para avaliar a implantação do Programa de Atenção ao Hipertenso no município de Maringá requereu uma concepção de avaliação, a construção de um modelo lógico e a definição de uma matriz de avaliação, obtendo-se sua validação por especialistas a fim de viabilizar sua aplicação nas UBSs.
No processo de construção desse instrumento evidenciou-se sua importância considerando-se que sua elaboração ocorreu a partir das diretrizes brasileiras de enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis. Essa importância revelou-se no consenso dos juízes que aponta para a concordância e a confiabilidade nos indicadores propostos, tornando o instrumento adequado para a avaliação de programas de saúde de assistência ao hipertenso e aplicável ao planejamento dos serviços de saúde e gestão.
Deste modo, considera-se que seguir as sete etapas propostas no referencial metodológico adotado na construção do instrumento foi fundamental. Além disso, reforça-se a importância de serem construídos instrumentos baseados em aspectos legais, mas, por outro lado, que venham ao encontro da realidade de cada município. Embora o instrumento elaborado possa ser utilizado em municípios com diferentes portes populacionais, é imprescindível que cada município ou serviço incorpore a avaliação no cotidiano do trabalho em saúde, utilizando instrumentos construídos para avaliação de outros cenários, mesmo que nesses casos possa ser necessário fazer algumas adequações e adaptações.
Nesse sentido, o preente estudo abre caminhos para novas proposições, como a aplicação prática do instrumento, o que possibilitará a identificação do grau de implantação do Programa de Assistência ao Hipertenso em diferentes cenários e contextos diversos.
Contudo, à despeito da abordagem de alguns conteúdos/aspectos no instrumento ter sido garantida pelo proprio processo de construção do mesmo, inclusive com consenso entre os juizes, para consolidar sua utilização em diferentes cenários e contextos, seria indicado testar sua concordância e confiabilidade interna e também sua validade externa, de modo a verificar a consistencia para diferentes contextos e a eficácia para explicar os resultados observados.
Por fim, a não inclusão da dimensão contexto político assistencial no rol de aspectos abordados pelo instrumento, pode ser uma limitação do estudo, pois permitiria uma compreensão mais global de como o Programa de Assistência ao Hipertenso está sendo implementado, uma vez que o cenário politico institucional explica, pelo menos em parte, o sucesso ou fracasso desta implantação. Da mesma forma, a incoorporação dos trabalhadores e usuários no processo de construção do instrumento possibilitaria maior aproximação com a realidade da assistência.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
2017
Histórico
-
Recebido
02 Jun 2014 -
Aceito
11 Set 2015