RESUMO
Objetivo: descrever como os componentes do capital estrutural são utilizados na gestão de enfermeiras em organizações hospitalares.
Método: estudo exploratório, descritivo, com abordagem qualitativa. A coleta de dados foi realizada em cinco hospitais públicos, quatro hospitais privados e três hospitais filantrópicos, no período de outubro de 2014 a maio de 2015. Foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturada com 12 gestoras de enfermagem, que ocupavam cargos de coordenação, gerência, direção e assessoria dos serviços de enfermagem. Os dados foram analisados segundo a análise de conteúdo e organizados na categoria Gestão de Processos Operacionais, com duas subcategorias: Tecnologia Assistencial e Tecnologia Administrativa.
Resultados: os componentes do capital estrutural foram utilizados pelas enfermeiras para criar a Tecnologia Assistencial, ao aplicar novas ideias e ao aperfeiçoar processos, modelos e protocolos. Para produzir a Tecnologia Administrativa, foi necessário englobar plano de ação estratégico, comissões diversas, construção e utilização de indicadores nos processos assistenciais e administrativos. Ainda, a valorização de ideias para inovação no serviço, manutenção de relação com fornecedores, gestão de custos, utilização do sistema informacional e reuniões para compartilhar conhecimentos foram igualmente citadas.
Conclusão: as gestoras utilizam e elaboram novas ações gerenciais para o desenvolvimento do capital estrutural das organizações. Para aperfeiçoá-las, são necessários investimentos e estratégias que identifiquem os componentes que precisam ser otimizados quanto a sua utilização e ao seu desenvolvimento, uma vez que um componente, para ser efetivo, precisa ter alto nível de alinhamento e integração com os demais.
DESCRITORES: Organização e administração; Enfermagem; Hospitais; Tecnologia; Inovação organizacional
RESUMEN
Objetivo: describir cómo los componentes del capital estructural son utilizados en la gestión de enfermeras en las organizaciones hospitalarias.
Método: estudio exploratorio, descriptivo y con un abordaje cualitativo. La obtención de datos se realizó en cinco hospitales públicos, cuatro hospitales privados y tres hospitales filantrópicos, entre Octubre del 2014 y Mayo del 2015. Se usó una guía de entrevista semiestructurada con 12 gestoras de enfermería que ocupaban cargos de coordinación, gerencia, dirección y asesoría de los servicios de enfermería. Los datos fueron analizados según el análisis del contenido y organizados en la categoría Gestión de Procesos Operacionales, con dos subcategorías: Tecnología Asistencial y Tecnología Administrativa.
Resultados: los componentes del capital estructural fueron usados por las enfermeras para crear la Tecnología Asistencial al aplicar nuevas ideas y perfeccionar procesos, modelos y protocolos. Para producir la Tecnología Administrativa fue necesario englobar un plan de acción estratégico, comisiones diversas, construcción y utilización de indicadores en los procesos asistenciales y administrativos. Además, fueron igualmente citadas la valorización de ideas para la innovación en el servicio, mantenimiento de la relación con los proveedores, gestión de costos, utilización del sistema informacional y reuniones para compartir los conocimientos.
Conclusión: las gestoras utilizan y elaboran nuevas acciones gerenciales para el desarrollo del capital estructural de las organizaciones. Para perfeccionarlas son necesarias inversiones y estrategias que identifiquen los componentes que precisan ser optimizados sobre su utilización y desarrollo ya que un componente precisa tener alto nivel de aliñamiento e integración con los demás para ser efectivo.
DESCRIPTORES: Organización y administración; Enfermería; Hospitales; Tecnología; Innovación organizacional
ABSTRACT
Objective: to describe how nurses use the components of the structural capital in management in hospitals.
Method: exploratory, descriptive study with a qualitative approach. Data were collected in five public, four private and three philanthropic hospitals from October 2014 to May 2015. A semi-structured interview was used with 12 nursing managers in coordination, management, and direction and support assistance positions of the nursing services. The data were analyzed according to content analysis and organized in the category of Operational Process Management, with two subcategories: Care Technology and Administrative Technology.
Results: nurses used the components of the structural capital to create the care technology, by applying new ideas and perfecting processes, models, and protocols. To produce the administrative technology, inclusion of strategic action plan, diverse committees, development and the use of indicators in the care and administrative processes were required. Also, valuing ideas for innovation in the service, maintenance of relationship with suppliers, cost management, use of electronic system and meetings for sharing knowledge were also mentioned.
Conclusion: the managers use and develop new managerial actions for the development of the organizations’ structural capital. In order to improve them, investments and strategies are needed to identify the components that need to be optimized for their use and development, as the effectiveness of one component requires a high level of alignment and integration with the others.
DESCRIPTORS: Organization and administration; Nursing; Hospitals; Technology; Organizational innovation
INTRODUÇÃO
O Capital Estrutural (CE) é toda a infraestrutura que apoia a prática profissional e permite o funcionamento de uma organização, como metodologias, banco de dados e redes, processos, tecnologias, patentes e franquias. Exige gestão eficiente para reunir, testar, organizar, refinar e distribuir o conhecimento existente no serviço de forma eficaz para a inovação.1
Neste entendimento, o conhecimento deve ser gerenciado estrategicamente para alavancar a capacidade de inovar e fomentar o desenvolvimento de novas soluções para a organização e para as atividades profissionais, que se encontram em rápidas e constantes transformações. Assim, o foco na inovação deve ser o caminho para gestores e colaboradores diretos e indiretos, participantes dos negócios da organização.2-5
A utilização planejada do CE na gestão de enfermeiras contribui para ampliar o desenvolvimento, a inovação e o consequente valor econômico e social da organização hospitalar. Neste sentido, a produção do trabalho da enfermagem pertence legalmente a esta organização como elemento de seu CE. Envolve estruturas, sistemas, rotinas, procedimentos organizacionais e inovações tecnológicas.
A enfermeira, em sua prática profissional, produz ativos organizacionais quando busca produtos e processos novos, e tem o desejo de criar tecnologias, inventar ou reinventar, e patentear produtos e processos. No entanto, estes ativos são ainda pouco explorados na enfermagem, não há preocupação em patentear sua tecnologia, gerada pela criatividade, comum em suas improvisações que, ao longo da sua história, tem sido marcante.6
Nesse contexto, a enfermagem pode utilizar e produzir as tecnologias leve-dura e leve, mas, em relação às tecnologias duras, que são aquelas industrializadas, a enfermagem tradicionalmente é consumidora, com baixa participação em seu desenvolvimento. As tecnologias leve-duras englobam o conhecimento estruturado, a teoria e os modelos; já as tecnologias leves envolvem as formas estabelecidas nas relações de vínculo e acolhimento do cliente.7 Assim, as atividades desenvolvidas pela enfermagem são fontes permanentes de inovação, empregam mão de obra especializada e geram impacto direto na base da produtividade organizacional.
Ao adotar práticas inovadoras, a gestão no serviço de enfermagem amplia a competitividade da organização no cenário empresarial, melhora a qualidade de bens e/ou serviços, aumenta a capacidade produtiva e a qualidade de vida dos colaboradores e dos clientes.8
Desta forma, torna-se relevante descrever e analisar a utilização dos componentes do CE pelas gestoras de enfermagem, questionando: como os componentes do CE são utilizados na gestão das enfermeiras em organizações hospitalares? Para responder a esta questão o estudo teve como objetivo descrever como componentes do CE são utilizados na gestão das enfermeiras em organizações hospitalares.
Esta pesquisa se justifica por seu aspecto inovador no contexto da gerência de enfermagem, ressaltando a sua relevância para a compreensão e a utilização da gestão do CE, tema atual no âmbito das organizações e consolidado como estratégia competitiva no mundo empresarial.2-5
MÉTODO
Trata-se de um estudo qualitativo que descreve e interpreta as experiências de gestoras de enfermagem de nove hospitais da cidade de Salvador (BA), região Nordeste do Brasil, sobre a utilização dos componentes do CE na prática profissional.
Como participantes do estudo foram convidados de forma intencional 32 enfermeiras, por ocuparem o cargo de gestão nas organizações hospitalares de Salvador, no período da coleta de dados, que ocorreu de outubro de 2014 a maio de 2015. Após a identificação e a localização das gestoras, foram enviados convites por e-mail e redes sociais, cujo teor explicava sobre a intenção da pesquisa, objetivos e a importância da participação no estudo. Destas enfermeiras 12 não responderam; duas informaram não terem disponibilidade para participar; duas se encontravam de férias; uma de licença-maternidade; e três aguardavam a aprovação de ética do hospital para a participação no estudo das quais não obtivemos resposta mesmo após o parecer positivo da comissão de pesquisa.
Foram entrevistadas 12 enfermeiras, seguindo o critério de exaustão das informações, para a finalização de busca de participantes. As entrevistas são provenientes de cinco de hospitais públicos, quatro de hospitais privados e três de hospitais filantrópicos, e ocupavam cargos de gestão dos serviços de enfermagem, incluindo coordenadoras, gerentes, diretoras e assessoras que se encontravam há pelo menos 6 meses na função, por entender que, após este período no cargo, já estavam integradas na organização, mais seguras no processo de gestão quanto à formulação de políticas institucionais. O tempo médio do cargo na gerência variou de 5,8 a 10 anos.
O roteiro da entrevista constou de duas partes, sendo a primeira com informações sociodemográficas; e a segunda, com as seguintes questões: descreva como você utiliza, na prática da gestão, os componentes do CE a seguir: aperfeiçoamento de processos/produtos, tecnologia, eficiência/eficácia/gestão, e processo de comunicação/banco de dados. Durante o processo, foram esclarecidas as dúvidas em relação aos termos, quando necessário, para que respondessem aos propósitos do estudo, facilitando, assim, a fluidez dos relatos.
As entrevistas foram gravadas com aquiescência das participantes, a fim de se registrarem todas as informações verbalizadas. Estas entrevistas duraram, em média, 30 minutos e foram realizadas em sala exclusiva no local de escolha das entrevistadas. Aparentemente, as entrevistadas ficaram à vontade para relatar as suas experiências como gestoras em relação a cada componente. Ao término da entrevista, as participantes tiveram a oportunidade de ouvir as gravações e validá-las.
Os dados foram analisados segundo a análise de conteúdo e seguiu três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos dados.9 Na primeira etapa foi realizada a leitura flutuante do conteúdo das entrevistas, para se chegar à constituição do corpus. Posteriormente, na segunda, foi obedecida a exaustividade, determinada pelo uso de todo o conteúdo das entrevistas, a representatividade, para que expressasse os componentes do CE, e a homogeneidade das entrevistas, buscando suas similaridades e pertinência do conteúdo aos objetivos da pesquisa. Em seguida, foram realizados recorte, decomposição, codificação e atribuição da unidade de enumeração das unidades de registro ou temática que, pela similaridade, foram agrupadas em uma categoria e duas subcategorias para organização das informações e análise. O ponto de saturação dos dados foi alcançado quando as informações começaram a se repetir sem que novos elementos fossem identificados para acrescentar propriedades na categoria de análise. A terceira e última etapa da análise de conteúdo foi efetivada mediante interpretação dos resultados e a síntese da análise.
O estudo foi aprovado sob parecer 812.679 de 30 de setembro de 2014, CAAE 36373614.3.0000.0048, e atendeu às diretrizes e normas que regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos, preceituadas pela Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. As participantes, após ouvirem os esclarecimentos necessários concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias; uma delas foi entregue à enfermeira entrevistada e a outra ficou com a pesquisadora. Para preservar a identidade das gestoras, foi utilizado o sistema alfanumérico G de gestora, seguido do número, conforme ordem de ocorrência das entrevistas de G1 a G12.
RESULTADOS
As gestoras entrevistadas utilizavam os componentes do CE: aperfeiçoamento de processos/produtos, tecnologia, eficiência/eficácia/gestão, processo de comunicação/banco de dados durante o gerenciamento do conjunto de atividades necessárias no serviço de enfermagem para a realização do cuidado ao cliente, identificados na categoria gestão de processos operacionais, da qual emergiram duas subcategorias, a saber: Tecnologia Assistencial e Tecnologia Administrativa.
Tecnologia Assistencial
As gestoras referiram utilizar e produzir tecnologias que representavam a inovação para o processo assistencial na organização, a saber: a aplicação de novas ideias, oriundas de conhecimentos e experiências validadas, e adoção de melhores práticas; e o aperfeiçoamento de processos, modelos assistenciais e protocolos: a gente sempre está inovando. Agora mesmo, a gente está tentando ajustar alguns formulários, aplicar algumas escalas […] de avaliação e prevenção [...] aquela de segurança do paciente, queda, decúbito, a gente está tentando entrar nesses métodos assistenciais, estamos nesse processo (G9). Boas práticas que a gente adota baseadas em evidências científicas, mas existem as boas práticas que até o próprio funcionário, o técnico de enfermagem, o enfermeiro assistencial, sugerem [...] construir novas ações para melhorar a prática de enfermagem […] (G4).
Aperfeiçoamento de processos, implantação de programas, elaboração, implantação e atualização de protocolos foram tecnologias inovadoras, relatadas pelas gestoras: a produção, em termos de tecnologia, foi construída pela enfermagem [...] implantamos programas de qualidade, ambiente organizacional, relações interpessoais, reuniões mensais [...] (G1). [...] Diretrizes clínicas também são feitas pela enfermagem e, além de tudo isso, a gente faz esse monitoramento e acompanhamento [...] os protocolos dos modelos assistenciais foram feitos pela enfermagem que revigorou todos os protocolos institucionais (G3).
As gestoras utilizavam a tecnologia dura para agilizar o processo assistencial, exemplificado nos recortes das falas: […] a gente diminuiu muito o tempo do técnico de enfermagem... faz a glicemia na beira do leito, ela já sai no controle automaticamente [...] com o aparelho, a gente já faz todo esse processo e sem demandar esse tempo (G4). Os monitores agora estão integrados com toda a área eletrônica e aí isso também vai demandar uma mudança no processo de trabalho na enfermagem, por causa de uma tecnologia nova [...] (G7). Tecnologia em hospital público [cita o hospital] é pioneiro. Acho que faz tudo, a gente só não tem ressonância magnética, mas de exame e procedimento a gente faz tudo, tecnologia a gente não tem nenhum problema (G9).
Tecnologia Administrativa
A Tecnologia Administrativa, utilizada e produzida pelas enfermeiras na gestão de processos operacionais, englobava saberes e habilidades a fim de otimizar o serviço e alcançar metas organizacionais, como modelo de gestão descentralizada com assessoria técnica; plano de ação estratégica e comissões diversas; emprego de indicadores nos processos assistenciais e administrativos construídos pela enfermagem; abertura, valorização de ideias e atitudes dos profissionais na resolução de problemas para inovação no serviço; processo de comunicação com reuniões formais e presenciais para a tomada de decisão; relação com fornecedores; gestão de custos e uso do sistema de comunicação informacional, já implantado ou em fase de implantação.
Os excertos das falas exemplificam as experiências das gestoras com a utilização da Tecnologia Administrativa: a minha gestão é totalmente descentralizada. Eu não tenho uma gestão coorporativa [...] eu tenho assessoria técnica, tenho supervisão administrativa 24 horas, sempre um supervisor dentro do hospital que responde todas as questões técnicas e administrativas, nas 24 horas (G9). Eu utilizo o plano de ação, que é uma coisa mais estratégica [...]. A gente tem Comissão de Controle de Infecção, comissão de processamento de artigo, que a gente não tinha e implantou; comissão de revisão de prontuário e alta, comissão de ética, que a gente tem feito essas comissões realmente atuar (G11). A gente trabalha com as comissões na enfermagem, ligadas à coordenação geral de enfermagem, essas comissões são [...] a referência para a assistência, no sentido de trazer evidências, trazer boas práticas e elaborar, também, boas práticas junto da equipe [...] (G4).
As gestoras utilizavam indicadores construídos pela enfermagem para avaliarem processos assistenciais e administrativos, que norteavam a análise periódica das ações para a tomada de decisão, as melhorias contínuas e a resolução de problemas administrativos, como mostram os recortes destas falas: a gente tem trabalhado com indicadores e com monitoramento [...] os indicadores a gente avalia mensalmente, tanto os indicadores assistenciais quanto os indicadores gerenciais [...] (G3). Nós enxergamos por meio de indicadores [...] é sistematizado [...] avaliar aqueles indicadores, saber retirar dali novas ideias, fazer os planos de ação, a história das melhorias contínuas (G5).
A gestão de custos com atenção à conscientização sobre desperdício, sobrevivência financeira do hospital, relação com fornecedores na aquisição de materiais e a análise de custo-benefício dos insumos faziam parte do processo operacional desenvolvido: sobrevivência financeira do hospital, a enfermagem participa muito desse processo [...] ter o zelo, ter a consciência do que é o desperdício (G2). A implementação de todo material descartável foi justamente fazendo o levantamento de custo benefício e implantando materiais descartáveis (G8). A gente tem parceria com o fornecedor; assim, eu tenho na minha agenda toda a sexta-feira de manhã destina a recebê-los [...] vejo toda a proposta, encaminho para suprimentos [...] passa na Comissão de Compras porque também precisa ver a viabilidade econômica [...] (G4).
A abertura e a valorização de ideias e atitudes oriundas dos profissionais durante o exercício do trabalho na inovação e na resolução de problemas foram assim exemplificadas: […] tanto o técnico, o enfermeiro, se a pessoa está diante do problema, ele também vai buscar a solução para o problema; então, a maioria das vezes, essa inovação vem da atitude daquele funcionário (G5). […] utilizo muito aquele profissional, que ele faz bem e se esse conhecimento não está ainda padronizado, então eu parto dele, para a gente padronizar (G6).
As reuniões formais presenciais eram utilizadas pelas gestoras para a comunicação com a equipe de enfermagem, para compartilhar a tomada de decisões: a reunião é para a gente sentar, programar alguma coisa nova, socializar, se aquilo for crescimento para grupo, se não, a gente resolve na hora [...] (G9). Todas as áreas, elas têm um programa de ação, e, em reunião, se discute, estuda e ver como aplicar essas ações; então, todo o grupo de coordenação reunido [...] uma ação que aplica num lugar, aplica no outro [...] é levado para toda equipe [...] (G11).
O sistema de comunicação informacional está implantado ou em fase de implantação no serviço de algumas gestoras. Foi relatada a falta do prontuário eletrônico e de instalações de terminais de computadores em todas as unidades da assistência. No serviço em fase mais avançada da implantação, destacam-se a consulta de enfermagem informatizada e o banco de dados que gera informações estatísticas de fluxo de pacientes e incidências. O prontuário ainda não está informatizado; o que está informatizado é a consulta de enfermagem, os controles; o mapa de pacientes para você ver o fluxo de paciente no hospital está informatizado (G11). [...] A gente tem uma questão de logística da informática aqui... a gente não tem prontuário eletrônico, a gente não tem terminal em todas as unidades (G9).
A parte toda de Controle de Infecção Hospitalar é toda feita em banco de dados [...] e o grupo tem esse banco de dados e depois a gente gera a incidência de infecção, as complicações não infecciosas. [...] Eu tenho esse controle no banco de dados [...] eu busco também o processo de comunicação; a gente tem melhorado bastante; saiu agora o protocolo de comunicação efetivo (G11).
DISCUSSÃO
Os componentes do CE são utilizados nas práticas das gestoras deste estudo na gestão dos processos operacionais, que envolvem o gerenciamento do conjunto de atividades necessárias no serviço de enfermagem para a realização do cuidado ao cliente. Na administração destes processos operacionais fica evidente a produção de Tecnologias Assistencial e Administrativa no serviço de enfermagem.
Quando se preconiza a melhoria contínua no sistema de saúde, não se deve desvinculá-lo da inovação tecnológica. A melhoria contínua do conhecimento existente nas organizações produz novos conhecimentos e, desta forma, impulsiona a cultura de inovação, gerando tecnologia com vários níveis de mudanças de produtos e processos.10
O serviço de enfermagem é fonte de inovação, resultante da solução de problemas e da utilização de estratégias de gestão do capital humano, baseadas na aplicação do conhecimento de profissionais que seja útil para a organização, a saúde e o crescimento profissional. Assim, fica evidente que as necessidades surgidas no cotidiano do trabalho e a capacidade decisória proveniente dos talentos, aliadas ao espaço oferecido para a criatividade e a iniciativa, podem incrementar a inovação.
A enfermagem é um campo inovador do conhecimento científico e tecnológico, comprometida socialmente com as políticas públicas do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, acelerar a produção da tecnologia torna-se um desafio da enfermagem brasileira.11 Estudo retrospectivo de 100 anos de história da enfermagem identifica a tradição das enfermeiras de inovar ao criar e difundir dispositivos tangíveis, que vêm mudando a forma de cuidar.6
Neste sentido, as tecnologias assistenciais produzidas e gerenciadas por enfermeiras englobam saberes e habilidades aplicadas no desenvolvimento do conhecimento e de processos que influenciam no modo de cuidar. O uso da tecnologia na enfermagem faz do cuidado mais seguro e mais eficiente, reduz tempo e melhora a comunicação.12 Existe consenso entre os profissionais dos enormes benefícios proporcionados pelo desenvolvimento tecnológico, porém nem sempre eles ocorrem, tendo em vista os riscos provenientes de sua utilização e do reduzido acesso. Logo, a produção de tecnologia deve ser mais resolutiva, acessível a todas as pessoas e capaz de melhorar os cuidados de saúde.13
Neste contexto, esse desenvolvimento tecnológico não está restrito ao hospital - reconhecidamente um ambiente onde predomina a alta densidade tecnológica. Todavia, ocorre, também, em Unidades Básicas de Saúde, cujos princípios teóricos e políticos extrapolam a concepção hegemônica, biologicista de pensar e produzir o cuidado para o alcance da integralidade.14-15 Cabe ressaltar que a tecnologia utilizada na Atenção Primária é a leve, configurando-se a relação entre sujeitos inovadores ou instituintes de grande importância para a qualidade do cuidado e, portanto, só tem materialidade em ato (trabalho vivo). Desta forma, pode alcançar um nível de complexidade superior ao do hospital, a depender do contexto, e não deve ser subestimada.16
No âmbito hospitalar, implantar programas, aperfeiçoar processos e produzir protocolos foram relatados pelas gestoras. A implantação de programas direciona ações a serem executadas como modo técnico de intervenção para produzir assistência, requerendo planejamento, visto ser uma proposição de trabalho. A exemplo, o Programa de Qualidade e de Certificação e Acreditação Hospitalar direciona a adequação de processos em nível assistencial, administrativo, de ensino e pesquisa, além de proporcionar mudanças na atuação do profissional, ao oferecer segurança em suas atividades e na melhoria dos processos para o atendimento ao cliente.17 O aperfeiçoamento de processos na gestão de enfermagem é fundamental para acompanhar a evolução tecnológica, as mudanças no contexto organizacional e assegurar a qualidade da assistência ao cliente.
A elaboração, a atualização e a utilização de protocolos para o cuidado e para os processos administrativos são uma construção coletiva e fazem parte das recomendações do programa de qualidade no serviço de saúde, visto que essas ações sistematizam, norteiam a assistência e transformam a prática com base em evidências científicas.18
As tecnologias administrativas produzidas por enfermeiras englobam novas formas de conduzir a gestão, estabelecer indicadores, estratégias diferenciadas para integrar e garantir a participação individual e coletiva na construção e reconstrução dos processos que envolvem os serviços de enfermagem, estabelecimento de redes de relacionamentos intra e extra-hospitalar e de redes de dados. O estilo de gerenciar pessoas e serviços está mudando para uma postura administrativa mais humanizada, aberta, flexível e que valoriza o aprendizado contínuo.19
A utilização do estilo de gestão participativa, coorporativa e modelos de organização do trabalho, por meio de comissões, planos de ação, indicadores de avaliação, metas e resultados, foram relatados pelas gestoras de enfermagem. O uso do modelo de gestão participativa e a constante busca de encontrar formas para dar visibilidade à produção da profissão devem fazer parte dos avanços na gestão da enfermagem. Estudo em instituições públicas brasileiras demonstra que existe correlação positiva entre um estilo participativo do gerente e o alto grau de autonomia dos funcionários, na melhoria do clima organizacional, e afirma que modelos de gestão rígidos e burocráticos reduzem a inovação e o aperfeiçoamento de processos.20 Estudo em hospital público municipal no Brasil avaliou a experiência de gestão participativa, articulada ao modelo de cuidado que propiciou um cuidado de saúde humanizado e de maior qualidade, ampliou a participação dos profissionais na gestão com maiores interação e autonomia, e contribuiu para o desenvolvimento da democracia institucional.21
Nesse âmbito, um dos modelos adotados é a gestão da qualidade, considerado importante para garantir a excelência do atendimento, com destaque para a gestão dos processos baseada em informações, análises, controle e aperfeiçoamento, utilizando indicadores nas avaliações sistemáticas. Foi comprovado, em estudo, o envolvimento dos profissionais de enfermagem com o alcance das metas pactuadas por meio dos indicadores, apesar das enfermeiras demonstrarem dificuldades em utilizar indicadores.22 Foi verificado o uso dos indicadores de saúde na prática dos enfermeiros gerentes das Unidades de Saúde da Família, em um município de médio porte do interior do Estado de Santa Catarina, constatando que os enfermeiros gerentes compreendem a importância do indicador como uma ferramenta para a gestão, porém poucos relataram que fizeram novas propostas, no sentido de inovar e de aproximar os indicadores de suas realidades.23
A relação com fornecedores e o controle de custos foram destacados na prática das gestoras. Os fornecedores são parceiros que influenciam positivamente na inovação e nas mudanças da estrutura organizacional. Nesta parceria, o fornecedor participa do desenvolvimento do projeto do produto, de melhorias do processo produtivo do seu cliente, contribuindo para qualidade do serviço. O cultivo de bons e dedicados fornecedores é uma forma de CE, que pode ser mensurada e capitalizada como recursos da organização a fim de aumentar os esforços de just in time, a qualidade, além de reforçar a velocidade necessária para atingir as metas.24
A parceria e o cultivo de bons fornecedores são mais viáveis em hospital privado devido ao processo de negócio direto entre gestores e fornecedores, bem como a participação do enfermeiro nesta relação. No setor público, é mais difícil manter o vínculo com fornecedores, pelo fato de o processo de compra ocorrer por meio de pregões e licitações, com a opção de escolha do menor preço. No entanto, observa-se que o enfermeiro vem aumentado sua participação em comissões de licitação, assessoria em setores de compras, emitindo pareceres técnicos nos processos de controle de qualidade, e seleção e compra de materiais e equipamentos, principalmente em setores públicos.25
Ao utilizar estratégias para reduzir custos, as gestoras utilizam várias formas inovadoras na implementação de mudanças que possam reduzir os custos assistenciais, como o retrabalho, uso irracional de materiais, desperdícios, entre outros. Estudo aponta que, em vários países do Oriente, Ásia, Europa, África e Américas, e inclusive no Brasil, os custos de atenção à saúde vêm aumentando desde os anos 1980, como também a incorporação de novas tecnologias, envelhecimento populacional e desperdício como as causas principais.26
Estudo analisou a evolução do custo da internação no período de 2008 a 2012, no Brasil, comprovando que os materiais e medicamentos são os itens que mais se elevaram, e os desperdícios representam entre 20 e 30% do aumento de custos em saúde nos Estados Unidos.27
Estratégia de reuniões frequentes, objetivando planejar e socializar experiências e avaliar resultados, foi relatada pelas gestoras. Reuniões são utilizadas como meio de obter mudanças e, quando bem planejadas e coordenadas positivamente, favorecem a qualidade dos processos organizacionais. A comunicação organizacional é importante ferramenta de gestão, que integra e coordena o fluxo de informação, permitindo o compartilhamento e a padronização de ações. As falhas e barreiras da comunicação provocam ruptura neste processo e comprometem a qualidade do trabalho.28 Na gestão de enfermagem, um processo de comunicação claro, rápido e efetivo, utilizando os meios tradicionais, como a reunião ou a tecnologia da informação, é importante para compartilhar conhecimentos e agilizar os processos operacionais.
O sistema de comunicação informacional está implantado ou em fase de implantação no serviço de algumas gestoras de organizações públicas e privadas, possibilitando a realização de reuniões virtuais e comunicação rápida, com aproveitamento do tempo de todos os profissionais. Por outro lado, destaca-se que a operacionalização do processo de comunicação, de qualquer modalidade, precisa ser planejada e efetiva.
As gestoras reconheceram a importância de informatizar para se obterem informações rápidas e interligadas no processo assistencial e gerencial. Essa afirmação é corroborada por estudo que aborda os benefícios à atuação da equipe de saúde e à qualidade do cuidado após a implantação de um sistema informatizado, voltado para o gerenciamento de indicadores da assistência de enfermagem de um hospital brasileiro.29 Outro aspecto apontado em estudo desenvolvido em 16 municípios do Estado da Bahia concluiu que a utilização dos Sistemas de Informação em Saúde ainda não atingiu todo seu potencial com vistas a agregar a produção e o compartilhamento do conhecimento para a tomada de decisão, embora gestores tenham procurado implementar a inovação de forma incipiente, para melhorar as práticas de gestão das informações, superando alguns obstáculos.30
A necessidade de investimento de recursos materiais e financeiros é citada como obstáculo ou dificuldade, podendo ser contornável pelos benefícios da ambiência do trabalho e o sentimento de orgulho do trabalhador, e pela maior efetividade no processo de comunicação e segurança no processo de cuidado, todos oferecidos pelo uso dessa tecnologia.31
Os bancos de dados são importantes no acompanhamento e controle de fluxos, incidências e outros dados, que servem de indicadores para o planejamento e para a avaliação da capacidade instalada do serviço, conforme o relato das gestoras que já os utilizam. O banco de dados é recomendado na gestão do CE por facilitar a socialização do conhecimento e servir de base para a avaliação do serviço e tomada de decisão.5
Reitera-se que a utilização de tecnologias dura, leve-dura e leve, as quais foram evidenciadas nos relatos das gestoras, pode apresentar facilidades e dificuldades para o serviço, pois facilita o processo de cuidar, possibilita a qualificação e segurança da assistência, sistematiza informações para a tomada de decisão, agiliza o processo de comunicação e compartilhamento do conhecimento, e melhora a administração do tempo da enfermagem, entre outros. Nas dificuldades, pode-se destacar: falta de adaptação e despreparo profissional às novas tecnologias; necessidade de investimento, nem sempre disponível, principalmente no serviço público, para aquisição e para a capacitação profissional; além da desumanização da assistência por distanciamento do paciente.32
A desumanização da assistência de enfermagem, em decorrência do uso da tecnologia dura, pode ser enfrentada com a utilização adequada da tecnologia leve, por esta permitir estabelecer inter-relações, para concretizar diretrizes no sentido de reduzir atitudes consideradas desumanas no processo assistencial. Nesse sentido, entende-se que a integração das tecnologias leve, leve-dura e dura torna-se fundamental para o cuidado qualificado.
Aliadas às facilidades e dificuldades apontadas pela enfermagem em relação ao uso de tecnologia, é notória a existência, no âmbito da atenção à saúde, da crescente relação cíclica de dependência de recursos tecnológicos avançados, da produção de assistência de alto custo para a sociedade e da precarização do trabalho. Este círculo é alimentado pelo subfinanciamento no setor e pelas estratégias de privatização dos serviços públicos que permeiam as políticas de saúde no Brasil, fortalecendo a propriedade privada e a produção do lucro. Tal cenário dificulta o acesso e a utilização dos recursos tecnológicos avançados, o que não garante atendimento às necessidades de saúde digno e de qualidade ao cidadão.16 Sabe-se, entretanto, que a produção de tecnologia no mundo empresarial privado é alicerçada sob a ótica capitalista, que busca elemento diferencial no contexto de competitividade organizacional e essencial para otimizar a produtividade, acumular ativos e aumentar o patrimônio e sua lucratividade.
Diante deste cenário político e organizacional, as gestoras relatam que a enfermagem utiliza e produz tecnologias, reconhecidamente importantes, no cotidiano de seu trabalho, ao inovar, aplicar e compartilhar conhecimentos para garantir a qualidade do cuidado e contribuir para o crescimento e desenvolvimento profissional e organizacional, seja em hospitais públicos, privados ou filantrópicos.
Considera-se como limitações neste estudo a impossibilidade de generalizar os achados para o universo das organizações hospitalares, pois eles refletem experiências vivenciadas por gestoras em determinados contextos organizacionais.
CONCLUSÃO
As gestoras utilizam na gestão de processos operacionais os componentes do capital estrutural: aperfeiçoamento de processos/produtos, tecnologia, eficiência/eficácia/gestão, processo de comunicação/banco de dados para a criação de Tecnologia Assistencial e Administrativa.
A produção e a utilização destas tecnologias ocorrem no cotidiano da produção do serviço de enfermagem, ao integrarem o saber individual ao coletivo para o alcance da melhoria da qualidade, segurança, eficiência, resultados e da redução de custos para o cuidado e a gestão de enfermagem.
As gestoras utilizam os componentes do capital estrutural em ações gerenciais recomendadas para o desenvolvimento do capital estrutural das organizações. No entanto, para aperfeiçoar essas ações, são necessários investimentos e estratégias que identifiquem os componentes que precisam ser otimizados quanto à sua utilização e ao seu desenvolvimento, uma vez que um componente, para ser efetivo, precisa ter alto nível de alinhamento e integração com os demais.
Este estudo contribui para a gestão das enfermeiras, uma vez que explora novos conhecimentos na área, especialmente ao enfocar a produção de tecnologia, inerente ao cotidiano do trabalho da enfermagem, que resulta na melhoria da qualidade do cuidado e no crescimento e desenvolvimento profissional e organizacional. Espera-se, ainda, propiciar às gestoras de enfermagem melhor compreensão sobre o capital estrutural, tendo em vista a sistematização da sua utilização nas práticas gerenciais.
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
21 Jun 2018 -
Data do Fascículo
2018
Histórico
-
Recebido
14 Dez 2016 -
Aceito
06 Set 2017