Resumos
Este artigo aborda a história de um jovem morador de um bairro periférico de São Paulo sumariamente executado no contexto dos “Crimes de Maio” ocorridos em 2006. Utiliza-se do arcabouço conceitual da vulnerabilidade como forma de compreender os diferentes elementos envolvidos na sua vitimização. Esse conceito proporciona uma perspectiva ampla e dinâmica que considera a suscetibilidade a um determinado evento enquanto dependente não só de aspectos individuais, mas também relacionais e contextuais, evitando efeitos estigmatizantes. A análise desenvolvida enfatiza a incerteza social juvenil e a situação de liminaridade em relação ao “mundo do crime”; os processos de violência policial que recaem sobre determinadas parcelas da população, bem como a situação de impunidade. Tais elementos ocupam hoje uma posição central na conformação da vulnerabilidade de jovens à violência letal, o que torna necessária sua problematização para o desenvolvimento de ações de prevenção, inclusive no setor da saúde.
Vulnerabilidade; Jovens; Execução Sumária; Violência Policial
This article discusses the life story of a young resident of a suburb of Sao Paulo executed in the context of “Crimes of May” which occurred in 2006. We used the conceptual framework of vulnerability in order to understand the different elements involved in his victimization. This concept provides a broad and dynamic perspective that considers the susceptibility of potentially threatening events as dependent not only on individual aspects, but also on relationa processes and contextual elements, avoiding stigmatizing effects. The analysis emphasizes the uncertainty and the situation of social limiarity of the young population with the “world of crime”; cases of police violence directed at particular groups of people, and the situation of impunity. These elements occupy a central role in youth vulnerability to lethal violence, making it necessary to consider all the above mentioned elements for the development of preventive actions, inclusive in the health sector.
Vulnerability; Youth; Summary Execution; Police Violence
Introdução
A morte violenta de jovens, sobretudo nos grandes centros urbanos, é um problema que vem desde a década de 1980 suscitando preocupações no cenário nacional, especialmente no que concerne aos homicídios. Dados do Ministério da Saúde (Brasil, 2012) mostram um crescimento acentuado desse fenômeno que passa a ocupar o primeiro lugar entre as causas de mortes na faixa etária de 15 a 24 anos. O Mapa da Violência (Waiselfisz, 2011) indica que, de 1998 a 2008, a vitimização de jovens por homicídios mais que duplicou quando comparada à vitimização de não jovens. Em 2008, a taxa de mortalidade foi de 53/100 mil habitantes para os jovens e 20,5 para não jovens. Ademais, a magnitude dessa mortalidade é ainda mais acentuada entre os jovens do sexo masculino, que foram vítimas em mais de 92% dos casos. No município de São Paulo (MSP), esse quadro não é diferente. De acordo com Mello-Jorge (1998), no grupo de 15 a 19 anos, do sexo masculino, os coeficientes de mortalidade passaram de 9,6/100 mil habitantes (em 1960) para 186,7/100 mil habitantes (em 1995), o que representa um aumento de mais de 1.800% (no período de 35 anos). Atualmente, mesmo diante da acentuada queda nas taxas de homicídios no município, a partir de 2001 (Peres e col., 2011)2, os jovens continuam a figurar como as principais vítimas.
Vários são os estudos preocupados com essa problemática. Ressaltam-se, por um lado, as análises que consideram as alterações profundas na própria estrutura social e seus efeitos sobre a produção da violência, entre as quais a reestruturação do campo do trabalho, que atinge sobremaneira as novas gerações; o processo de globalização econômica, promovendo a expansão na circulação de mercadorias (por vezes ilegais, como a das drogas), aliado à intensificação do desejo de consumo; bem como o envolvimento cada vez mais precoce de jovens em atividades relacionadas ao “mundo do crime” (Peralva, 2000; Zaluar, 2004; Feltran, 2008; Telles, 2006; Telles e Hirata, 2010). Por outro, despontam como essenciais nesse entendimento as permanências culturais no País na produção e aceitação da violência como forma de resolução de conflitos, inclusive no âmbito das instituições policiais, bem como a ineficácia das instituições estatais em assegurar a justiça (Caldeira, 2000). Não menos importantes são as considerações sobre as profundas desigualdades sociais que se afiguram entre e dentro das diferentes unidades nacionais na conformação dessa violência (Adorno, 2002). Assim, embora todos os jovens vivam as incertezas provocadas pela contemporaneidade, há um hiato social que interfere diretamente nas possibilidades presentes nas suas trajetórias.
Este artigo coloca-se em consonância com esses estudos, procurando contribuir para o aprofundamento da análise sobre os processos sociais envolvidos nesse tipo de violência fatal entre os jovens e para uma reflexão sobre sua prevenção. Para tanto, apresenta a reconstrução da história de vida de um jovem morador de um bairro periférico do MSP sumariamente executado no contexto dos “Crimes de Maio” ocorridos em 2006, problematizando os diferentes aspectos que estiveram presentes na sua vulnerabilidade diante da violência.
Adota-se como arcabouço teórico fundamental o conceito de vulnerabilidade, a fim de promover uma compreensão dinâmica dos processos culturais e sociais envolvidos nas situações de violência. A referência são os estudos sobre HIV/Aids, que vem utilizando de forma progressiva esse escopo conceitual, diante das insuficiências das tradicionais análises epidemiológicas de risco no entendimento das suscetibilidades à doença (Ayres e col., 2003; Delor e Hubert, 2000). Uma aproximação teórica sobre as possibilidades e vantagens da utilização desse conceito para os estudos sobre violência e, mais especificamente, sobre os homicídios entre os jovens, foi desenvolvida em trabalho anterior (Ruotti e col., 2011) e também está presente em Ayres (2010). De forma geral, essa é uma perspectiva mais ampla e dinâmica que evita os perigos de denominações estigmatizantes, como “grupos de risco”, ao considerar a suscetibilidade a um determinado evento enquanto dependente não só de aspectos individuais, mas também relacionais, contextuais e programáticos (Ayres, 2010). Em contraposição à análise de risco, o conceito de vulnerabilidade não fixa identidades grupais, desse modo procura evidenciar que um indivíduo não “é” vulnerável, mas “está” por conta do conjunto de constrangimentos de diferentes ordens que configuram sua experiência e suas relações em determinado momento e contexto. Apresenta assim uma natureza potencialmente instável (Delor e Hubert, 2000) e dependente das próprias respostas institucionais oferecidas3.
Esse conceito é entendido aqui como a fragilidade dos indivíduos, em certos momentos ou lugares, em lidar com a ocorrência de certos riscos (isto é, eventos adversos ou potencialmente hostis) (Delor, 1997; Delor e Hubert, 2000), o que põe em jogo tanto as possibilidades de exposição do sujeito a situações de crise (exposição), os recursos que esse apresenta para enfrentá-las (capacidade), e por fim, as consequências desta exposição (potencialidade) (Watts e Bolhe apud Delor e Hubert, 2000). De acordo com Delor (1997), esse conceito possui três níveis de inteligibilidade: 1) o nível da trajetória social, que diz respeito à posição no curso de vida ocupado pelo indivíduo, com destaque aos momentos de mobilidade social e de forte afirmação identitária, como a transição para a maioridade, a partida do núcleo familiar, o reconhecimento da homossexualidade, etc. (que consistem em passagens-chaves compartilhadas por várias pessoas); 2) o nível da interação, momento em que duas trajetórias se cruzam e põem a descoberto diferenças de status e poder, entre outras; 3) o nível do contexto social, que implica nas configurações sociais e normas culturais que atuam diretamente nas formas e interesses que afetam o encontro de duas trajetórias. Ayres (2010) inclui ainda a dimensão programática, ou seja, as ações desenvolvidas (ou não) pelas instituições diante de determinado agravo, como “parte ativa da produção de situações de vulnerabilidade ou, ao contrário, de sua superação” (p. 65). Esses níveis, em conjunto, permitem um olhar denso sobre os diferentes aspectos presentes em uma dada circunstância de vulnerabilidade.
Este artigo está dividido em duas partes centrais: a primeira que reconstrói a trajetória de Gabriel, a partir das informações disponibilizadas pelos entrevistados, sem estabelecer ainda nenhum tipo análise, nem uma explicação entre os fatos apresentados e sua morte. E a segunda, dividida nos três eixos propostos por Delor e Hubert (2000), dedicada à análise dos elementos que se destacam na sua vulnerabilidade ao homicídio. Essas partes são precedidas pelas considerações metodológicas e sucedidas pelas considerações finais, em que é ressaltada a necessidade de um incremento nas ações intersetoriais, incluindo a área da saúde, voltadas para a proteção dos jovens em relação à violência. De forma geral, a análise desenvolvida enfatiza a incerteza social juvenil e a situação de liminaridade em relação ao “mundo do crime”; a violência policial que recai sobre determinadas parcelas da população, denotando processos de estigmatização e criminalização; bem como a situação de impunidade. Tais elementos ocupam hoje uma posição central na conformação da vulnerabilidade de muitos jovens à violência letal, o que torna necessária sua problematização para o desenvolvimento de ações de prevenção.
Metodologia
O caso abordado neste artigo faz parte de um estudo qualitativo, cujo objetivo geral foi identificar as situações de vulnerabilidade presentes nos percursos de jovens assassinados no MSP, a partir dos anos 2000, no qual se adotou como procedimento metodológico a reconstrução da trajetória de jovens (entre 15 e 24 anos) vítimas de homicídio, através de entrevistas em profundidade com membros de sua rede social próxima: familiares, amigos e parceiros (considerados vítimas indiretas).
As entrevistas foram realizadas no período de outubro de 2008 a março de 2010. No total foram reconstituídas as trajetórias de 5 jovens do sexo masculino e 3 do sexo feminino, por meio de 34 entrevistas (em média 4 por caso)4. Com esta estratégia, objetivou-se captar uma pluralidade de discursos, a fim de identificar distintas dimensões da trajetória e, por conseguinte, situações de vulnerabilidade relacionadas aos assassinatos. Com o intuito de facilitar a identificação de casos e o contato com essas vítimas indiretas, bem como propiciar um ambiente seguro, a realização do estudo foi feita através do Centro de Referência e Apoio à Vítima (CRAVI)5. Para a seleção dos casos, foram estabelecidos critérios capazes de conferir heterogeneidade no que concerne ao sexo da vítima, idade, local de moradia e circunstância do crime.
A estratégia metodológica adotada insere-se na abordagem de história de vida, a qual tem como eixo central o relato do narrador sobre a sua existência (Queiroz, 1991). Embora essa metodologia seja empregada, prioritariamente, para a reconstrução de uma trajetória por meio da narração do próprio investigado, às vezes isso não é possível, inclusive devido ao seu falecimento. Utiliza-se, nessa situação, de uma derivação das histórias de vida, denominada narrativas biográficas (Meihy, 2005). Constitui-se em um método privilegiado para o estudo da vulnerabilidade, uma vez que é destinado à compreensão das mediações existentes entre os aspectos estruturais de determinada sociedade e as trajetórias individuais. Desse modo, volta-se à apreensão não apenas do singular, mas do caráter das configurações sociais das quais cada indivíduo faz parte.
Cada trajetória reconstruída foi considerada “um caso de vida” (Pais, 2005). Especificamente para os fins deste artigo, apenas um caso foi selecionado. Esta seleção deveu-se à sua exemplaridade, que permite discutir em profundidade algumas situações de vulnerabilidade ao homicídio dos jovens que vivem nas periferias do MSP. A partir da trajetória de Gabriel, é possível observar que os aspectos envolvidos no seu assassinato estão presentes na morte de muitos outros jovens que compartilham com ele um posicionamento social semelhante. Assim, embora não existam duas trajetórias iguais, há classes de experiências que proporcionam o estabelecimento de uma aproximação de diferentes trajetórias por uma “afinidade de destinos” (Alvim e Paim, 2004). Dessa maneira, como indica Pais (2005) “um caso não pode representar o mundo, embora possa representar um mundo no qual muitos casos semelhantes acabam por se refletir” (p. 89).
As entrevistas foram dirigidas seguindo um guia de perguntas abertas com a menor intervenção possível, de acordo com a metodologia de história de vida, que privilegia a liberdade na narrativa e cronologia dos fatos (Queiroz, 1991; Meihy, 2005). Diferentes eixos temáticos foram abordados, os quais se constituíram em categorias primárias de análise: estrutura e relacionamentos familiares; condição socioeconômica (trabalho, escolaridade, renda, condições de moradia); amizades e relacionamentos afetivos; situações de risco (uso de álcool e drogas; cometimento de infração; institucionalização, porte de armas e outras); violência na comunidade; evento homicídio e suas implicações. Seguindo a proposta de Delor e Hubert (2000), os fragmentos narrativos, inicialmente classificados segundo esses eixos temáticos, foram categorizados nas três dimensões que compõem as situações de vulnerabilidade: trajetória social, interação e contexto social.
A trajetória de Gabriel
A tentativa de reconstruir a trajetória de qualquer pessoa está imbuída de muitas limitações. Vários são os vieses presentes nessa tarefa. No caso de jovens vítimas de homicídio, uma das principais barreiras que se coloca é a própria ausência daquele de quem se tenta recordar. A estratégia de tentar evocar as lembranças daqueles que mais de perto viveram com esses jovens, apesar de tentar suprimir essa primeira barreira (decerto intransponível) lança também como entraves os limites que a própria memória nos coloca: além dos lapsos, dos esquecimentos, aquilo que é lembrado está irremediavelmente contaminado pelo momento presente. Dessa forma, o próprio evento violento, que encerrou tão precocemente essa trajetória, também imprime seus contornos naquilo que é lembrado, naquilo que é mobilizado para tentar entender o que aconteceu, para torná-lo plausível. Assim, a reconstrução da trajetória de Gabriel, que se apresenta a seguir, é uma reconstrução a partir dos diferentes discursos dos entrevistados, portanto, consiste em uma reconstrução a partir de outras tantas reconstruções. Nesse momento, as informações foram, ainda que arbitrariamente, organizadas para compor alguns dos eventos que compuseram sua trajetória, não necessariamente relacionadas às circunstâncias que motivaram seu homicídio.
Uma vida e alguns contornos
Gabriel nasceu em julho de 1986 e estava com 19 anos no dia do seu assassinato. Morava em um bairro periférico do MSP e foi criado, em grande medida, pela mãe, devido aos problemas de alcoolismo do pai. Tinha apenas um irmão, quatro anos mais velho. Não completou o ensino fundamental. A desistência em estudar ocorreu após um distanciamento progressivo da escola. A partir da terceira ou quarta série já apresentava alguns problemas de indisciplina, o que demandava a presença frequente da mãe. Começou a repetir várias séries, primeiro a quinta, depois a sexta. Não apresentava mais vontade de ir à escola. A mãe, por conta do trabalho, embora repreendesse o filho, não conseguia supervisionar diretamente sua frequência às aulas. Entretanto, seu afastamento total teve um motivador decisivo: sua prisão, como resultado da tentativa de um furto, quando estava com 17 ou 18 anos. Esse fato foi utilizado pelos outros alunos como fator de diferenciação e estigma em relação a ele, o qual, abalado com a situação, não quis mais frequentar a escola.
Nessa ocasião, Gabriel estava, de madrugada, em companhia de um grupo que resolveu efetuar um furto em uma avenida próxima a sua casa. A polícia apareceu e levou todos para a delegacia. A mãe, diante da surpresa do envolvimento do filho com esse evento, contrariando todos os seus conselhos, resolveu deixá-lo preso. Foi atrás da sua liberação somente após dois dias. Também não foi vê-lo, queria que a prisão servisse como forma de castigo e aprendizado. Segundo ela, isso teria apresentado efeito, uma vez que desse momento em diante passou a estar em casa por volta das 22h e não praticou mais nada “de errado”, recusando convites para prática de atividades ilícitas que provinham do seu grupo de amigos.
Longe da escola, a possibilidade de permanecer mais tempo na rua tornou-se maior. Foi então que a mãe, preocupada com essa situação, levou-o para trabalhar no mesmo estabelecimento comercial que ela. Além disso, Gabriel exerceu algumas atividades informais, a exemplo do trabalho como ajudante de carreto com o pai de um amigo, o qual tinha um caminhão de mudanças. Seu último emprego foi em um lava-rápido, no qual ainda estava trabalhando na época do seu assassinato. Esta era uma atividade que lhe permitia certa flexibilidade. Ele passava o dia nesse local, começava às 11 da manhã e ia embora por volta das 22h. No entanto, entre a lavagem de um carro e de outro, conseguia tempo para se divertir com os amigos em frente ao lava-rápido ou em locais nos arredores, como a quadra de uma escola, utilizada para as partidas de futebol. Como o tio ressalta, ele não arrumava grandes empregos por conta da baixa escolaridade. O próprio lava-rápido não lhe rendia muito dinheiro, por isso, ainda dependia da ajuda de sua mãe.
Gabriel não era de frequentar muitos locais fora do bairro, divertia-se ali mesmo, sendo considerado um rapaz alegre, espontâneo, brincalhão, que sempre estava na presença de muitos amigos. Ele também não costumava beber; a única vez que apareceu em casa com sinais de embriaguez, após uma festa, foi repreendido verbal e fisicamente pela mãe. Após o episódio, com 12 anos, o uso de álcool ficou restrito, de forma moderada, a ocasiões festivas e esporádicas. Contudo, começou a fazer uso de maconha por volta de 13, 14 anos, através do seu contato com um rapaz do bairro que estava envolvido com a venda de drogas. Costumava fumar junto ao grupo de amigos, na “ruinha” do lava-rápido. Embora a mãe soubesse e pedisse para ele abandonar o vício, isso não aconteceu. Algumas vezes, ela mesma forneceu dinheiro: tinha medo que o filho se envolvesse em atividades ilegais a fim de conseguir a droga. Procurava, dessa forma, protegê-lo, tentando ajudá-lo a contornar riscos maiores.
Contudo, a preocupação da mãe não foi capaz de evitar certas complicações relacionadas a esse consumo, especialmente no que se refere ao contato com as instituições policiais. Dessa maneira, destacam-se as abordagens da polícia, das quais geralmente Gabriel era alvo quando estava com seu grupo de amigos em frente ao lava-rápido, bem como um episódio específico no qual foram encontradas drogas ilícitas na casa onde ele estava em companhia do rapaz que o aproximou desse consumo. Nessa circunstância, Gabriel foi encaminhado à delegacia e a mãe precisou buscá-lo. Ademais, de acordo com os relatos, em frente ao lava-rápido havia a presença de um grupo responsável pelo tráfico de drogas. Assim, os dois grupos compartilhavam praticamente o mesmo espaço no bairro e ambos eram enquadrados, indistintamente, de forma violenta, nas batidas policiais. O lava-rápido era, portanto, um local visado pela polícia e acabou sendo o cenário onde Gabriel foi vitimado fatalmente.
Foi só tiro, tiro, tiro...
Era maio de 2006, próximo à comemoração do dia das mães. São Paulo estava sendo palco de conflitos associados à atuação da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC)6. O clima de medo e insegurança rondava a população desde o fim de semana. Nesse período, a facção foi responsável por coordenar megarrebeliões dentro das unidades prisionais, ataques contra agências bancárias, prédios públicos e atentados contra a vida de policiais e agentes públicos.
A preocupação com essa onda de violência chegou diretamente à família de Gabriel, uma vez que alguns de seus parentes eram policiais, um dos quais em pleno exercício da função. Existia, portanto, o medo direto de represálias. Diante dessa situação, na segunda-feira, 15 de maio, a família se mobilizou para tentar se proteger, inclusive evitando sair de casa. A preocupação com Gabriel era evidente, já que permanecia grande parte do tempo no lava-rápido e, portanto, próximo ao espaço da rua. Esse foi o dia em que a sensação de desordem e ruptura provocada pela violência atribuída ao PCC ocasionou mudanças na rotina do MSP, com a paralisação dos transportes públicos e o fechamento de estabelecimentos comerciais, escolas e faculdades.
No dia seguinte, no período da manhã, a mãe de Gabriel saiu para trabalhar normalmente e o deixou dormindo. Segundo ela, tudo estava mais calmo. Por isso, achou que tudo já tinha passado: na segunda-feira foi dia 15 que deu aquele fuá todo, na terça-feira acordou tudo bem, tudo normal, todo mundo seguindo a vida ali. Desse modo, não mais temia por Gabriel, acreditava que ele iria trabalhar e após o trabalho voltaria normalmente para casa. Entretanto, não foi isso que aconteceu.
No período da noite, um pouco antes das dez horas, Gabriel estava em frente ao lava-rápido, sentado e conversando com seus amigos. Nesse momento, seis ou oito motos sem placa passaram pela rua e os motoqueiros os abordaram. Disseram, em tom de ameaça, que não era para correr, que eles voltariam, dirigindo-se especificamente para o rapaz que o aproximou das drogas. Diante dessa ameaça, esse rapaz não permaneceu no local e teria dito aos outros para saírem dali, mas esses não quiseram, alegando não dever nada a ninguém. Foi quando os motoqueiros foram até o final da rua e voltaram encapuzados. Nesse retorno, começaram a atirar contra Gabriel e seus amigos. Quase todos conseguiram sair correndo, mas Gabriel não. Ele e dois amigos foram executados, mesmo diante de seu pedido para que não o matassem.
Depois de matar os três jovens, os motoqueiros continuaram atirando, com o objetivo de ferir aqueles que tinham corrido para dentro do estacionamento (localizado junto ao lava-rápido). Contudo, não conseguiram atingir mais ninguém. Como relata a amiga da família, que morava em frente, a intenção clara dos motoqueiros era matar e não deixar ninguém como testemunha. Assim, embora tivessem demonstrado, em princípio, ter um alvo preferencial, na verdade parecem ter ido lá para matar quem estivesse presente. Foi isso que ela mencionou também em seu depoimento na polícia, no qual foi questionada sobre a responsabilidade em relação às mortes, ou seja, se teria sido “bandido” ou “polícia”.
[...] eles entraram pra eliminar, pra não deixar um resquício sequer, como testemunha. [...] eu fui chamada no DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) prestei depoimento, porque infelizmente eu moro em frente, então o pouco que eu vi, o que deu pra ver. Agora que nem eles perguntaram se era polícia, se era bandido, eu falei: “não sei, como é que eu vou saber? Isso eu não posso saber, eu sei que chegaram pra matar” (Miriam, amiga da família).
Se naquele momento ninguém poderia ao certo indicar qual era a identidade daqueles motoqueiros, vários indicativos começaram a apontar para uma direção: tinham sido policiais.
Vários indícios e uma suspeita: a ação violenta da polícia
Alguns estudos sobre os “Crimes de Maio” assinalam que as ações do PCC concentraram-se nos dois primeiros dias dos ataques, culminado na morte de agentes públicos, entre policiais civis e militares, bombeiros e agentes penitenciários (Cano e Alvadia, 2008; Justiça Global e IHRC, 2011). Não obstante essas mortes e a disseminação do medo provocada pela facção, os crimes perpetrados nos dias seguintes não se restringiram a sua autoria. O número elevado de vítimas civis mortas com armas de fogo7, entre 14 e 17 de maio, indica a existência de operações que podem ser qualificadas, ainda de acordo com esses estudos, como represálias da instituição policial. Isso porque se observa, não só o aumento das intervenções policiais, como o recrudescimento de ações violentas e arbitrárias, na forma de grupos de extermínio, com fortes indícios de participação policial.
Os relatos sobre a morte de Gabriel evidenciam a forma suspeita com que os acontecimentos se conformaram, levantando a desconfiança sobre a autoria policial. Logo após as mortes, sem tempo hábil para solicitar ajuda, uma viatura policial chegou e levou Gabriel e outro rapaz, já mortos, para o hospital. O terceiro rapaz, que ainda estava vivo, também foi levado e apareceu morto com um tiro na cabeça. Assim, a cena do crime não foi preservada para averiguação da perícia. Nem os rapazes permaneceram no local, nem os cartuchos das balas8.
Além disso, após a morte de Gabriel, seguiu-se um conjunto de ameaças. Já no dia seguinte, alguns policiais deram uma batida no estacionamento. Exigiram silêncio sobre o que havia ocorrido, caso contrário iria ter represália. Ademais, a própria família começou a ser alvo de ameaças, inclusive um dos seus membros, que era policial, quase foi vítima de uma emboscada, diante da mobilização para tentar apurar quem eram os culpados dentro da própria corporação. A mãe também relata ocasiões em que se sentiu ameaçada, inclusive pela presença de um policial aposentado, que teria assumido a função de justiceiro no bairro. Este seria o pai de um dos policiais que participaram da execução de Gabriel.
A investigação inicialmente ocorreu na delegacia da região e depois foi transferida para o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Entretanto, diante da ineficácia atrelada a esse sistema formal, as identidades de alguns policiais, possivelmente envolvidos, foram sendo levantadas pelos próprios familiares. Contudo, a obtenção de informações e também seu repasse à polícia não foram realizados sem entraves e riscos. De início, essa relação foi mediada por um forte temor, já que não havia a confiança em denunciar policiais para a própria instituição. Só depois de alguns meses a família começou a falar o que sabia. Contudo, a mãe de Gabriel não podia dizer à polícia de onde vinham as suas informações, pelo próprio medo de represália: [...] porque você não tem fé, policial vai ligar lá pro outro e vai falar e vão pegar ele numa esquina qualquer, então você fica assim num beco sem saída. Então eu falava “não, eu fiquei sabendo, fiquei sabendo”.
De acordo com as averiguações do DHPP, foi reconhecida a responsabilidade policial, especialmente ao constatar um modo de agir peculiar: E daí esse investigador lá chegou a essa conclusão mesmo, “é realmente foi policiais mesmo, o modo de agir, como eles fazem, é isso mesmo que aconteceu”, ele falou. Entretanto, até o momento da entrevista (final de 2009), muito pouco parece ter sido feito para identificar realmente os culpados e garantir os procedimentos legais para sua punição. Diante dessa morosidade e limites da justiça formal em dar uma resposta ao caso, observa-se a reprodução de uma violência privada após o episódio: os relatos indicam o assassinato de dois ou três policiais envolvidos na execução de Gabriel. Assassinatos que, de um lado, parecem ter sido cometidos pela polícia, para silenciar possíveis denúncias dentro da própria corporação, e de outro, por pessoas envolvidas com a criminalidade local, numa lógica de vingança pelas mortes no bairro perpetradas pelos policiais, as quais parecem não ter cessado e, portanto, não se restringido a maio de 2006, embora tenham adquirido uma proporção alarmante nessa circunstância.
Como ressalta o relatório da Justiça Global e da International Human Rights Clinic (2011), as execuções praticadas por policiais nos “Crimes de Maio” foram marcadas pela ausência de resposta do poder público. As investigações foram seletivas e corporativistas. De forma geral, os casos envolvendo os ataques aos agentes públicos foram esclarecidos, ao contrário daqueles que os policiais figuravam como suspeitos – a maior parte foi arquivada pelo Poder Judiciário de forma precoce. O esclarecimento foi dificultado pela própria ação dos policiais que, além de alterarem as cenas de crime, registraram muitas das mortes “como autos de resistência”9, além de ameaçarem testemunhas e familiares.
Discussão: esferas de vulnerabilidade
Nível da trajetória social: a condição juvenil, a ausência de suportes sociais e a liminaridade com o mundo do crime
Na trajetória de Gabriel, evidencia-se um percurso que o situava muito próximo a eventos de risco, inclusive pela condição de liminaridade que ele apresentava em relação ao “mundo do crime”. A região onde ele morava caracterizava-se pela forte presença do tráfico de drogas, de conflitos armados e assassinatos, sendo que alguns de seus amigos estavam diretamente envolvidos em atividades ilegais. No seu próprio percurso, há situações de envolvimento com estas atividades, além de um processo de institucionalização (prisão por furto).
Para compreender essa proximidade, é preciso atentar para um conjunto de mudanças sociais em curso nas últimas décadas, que vêm mobilizando um conjunto de tensões, inclusive para as novas gerações. Alterações que dizem respeito a processos sociais mais amplos (com repercussões locais), como flexibilização e precarização do mercado de trabalho, urbanização intensa, processos de globalização econômica, bem como aquelas referentes ao crescimento da criminalidade violenta. Segundo Feltran (2010), nas últimas décadas é cada vez mais emblemático nas periferias do município um menor alheamento da população no que concerne a esse “mundo”. Isso acaba por influenciar a sociabilidade dos jovens, independentemente de sua adesão e participação em atividades ilícitas. A própria reestruturação da esfera do trabalho (Sennett, 2005) contribui para o embaralhamento dessas fronteiras, ao estimular o desenvolvimento de economias informais e mesmo ilegais. Assim, pauta-se como questão crucial para as novas gerações a própria transição para a vida adulta e os desafios a fim de lograrem sua inserção social, diante de configurações sociais marcadas, principalmente, pelo trabalho precário e desemprego. De forma relacionada, evidencia-se também a dificuldade que outras instituições, como a escola, têm apresentado em referenciar atualmente a trajetória dos jovens, produzindo processos de fracasso, estigmatização e exclusão.
Como indica La Mendola (2005), a fase juvenil “representa a primeira vez de um processo de construção, experimentação e afirmação da própria identidade” (p. 79). Assim, são de suma importância os repertórios sociais e simbólicos disponíveis aos jovens para referendar esse processo, bem como as redes de proteção, diante de diferentes riscos, que deem suporte à construção de seus percursos. Ao atentar para a trajetória de Gabriel e para o contexto no qual estava inserido, observa-se a insuficiência dos mecanismos institucionais de proteção, de um lado, e a proximidade com as práticas e referenciais simbólicos do “mundo do crime” (com os diferentes riscos que lhe estão atrelados), de outro, atuando como fatores que potencializam sua exposição a situações de violência. Conectado a esses fatores, tem-se a própria imagem social que lhe é atribuída constituindo-se como fator de vulnerabilidade.
Na imagem construída pela família e amigos, sua liminaridade em relação ao “mundo do crime” não o vinculava à categoria “bandido”. Contudo, não é possível dizer o mesmo em relação às outras instituições sociais, como a polícia e a escola. Assim, muitas das instituições existentes, ao invés de operarem como suporte aos jovens, têm potencializado sua fragilização. Nesse sentido, uma imagem social conectada a essa categoria pode ser considerada, no seu percurso, um fator de fragilidade em relação a diferentes riscos sociais. Corroboram para essa imagem, o cruzamento de dois eventos-chaves: o rompimento total com a escola, após um distanciamento progressivo, e a prisão em decorrência do furto. Esses são eventos que assinalam uma suspensão em relação a padrões sociais de conduta e a expectativas sociais de inserção, produzindo um processo de tensão identitária e favorecendo processos de estigmatização social. Como indica Becker (2008) “[...] ser apanhado e marcado como desviante tem importantes consequências para a participação social mais ampla e a autoimagem do indivíduo. A mais importante é uma mudança drástica em sua identidade pública” (p. 42). Soma-se, aos fatos assinalados, o consumo de maconha, que também corrobora para uma imagem social de “desviante”, além de aproximá-lo daqueles envolvidos na venda de drogas. Nessa perspectiva, não é o consumo de drogas em si que está em questão como fator de vulnerabilidade ao homicídio, mas o que isso tem significado em termos da imagem social desse jovem no contexto em que está situado, inclusive para as instituições de segurança, e de riscos associados à proximidade com os conflitos advindos do “mundo do crime”.
Desse modo, as clivagens sociais influenciam diretamente não só na exposição ou mesmo engajamento em certas práticas de risco como nos recursos disponíveis para lidar com estes riscos e consequências advindas dessa situação, conformando condições de vulnerabilidade. Assim, como assinala Souza (2001), residir em certa comunidade ou pertencer a determinado grupo social faz com que viver já seja um risco para uma parcela de jovens.
Nível da interação
Imagem social e práticas institucionais de estigmatização
A imagem social construída em torno das populações moradoras de determinadas localidades de baixa renda, fortemente conectada ao aumento da criminalidade, relaciona-se diretamente com o tratamento diferencial adotado pelas instituições estatais, inclusive a polícia. Nesse sentido, vários estudos têm identificado as áreas periféricas e/ou favelas dos centros urbanos no País como espaços onde a atuação policial é mais violenta e arbitrária (Zaluar, 1994; Caldeira, 2000; Peralva, 2000). No interior desses mesmos espaços, entretanto, operam mecanismos diacríticos que aumentam a vitimização de certos grupos.
Conforme Delor e Hubert (2000), há grupos mais propensos não só a atos danosos, mas também à “criminalização”, ou seja, mais vulneráveis a serem enquadrados como criminosos de acordo com a situação problemática em que estão implicados, evidenciando processos mais gerais de diferenciação e estigmatização social. Essa interpretação já está presente em Becker (2008), que chama atenção para o caráter relacional e político na definição dos comportamentos e grupos a serem considerados desviantes ou marginais, indicando, portanto, os diferenciais de poder como um aspecto essencial nessa nomeação. Seguindo os estudos nessa tradição, Misse (2008, 2010) explicita os efeitos perversos existentes no País no que concerne à acumulação de desvantagens sociais e econômicas e à incriminação preventiva de certos “tipos sociais”, inclusive crianças e adolescentes vítimas fatais de ações policiais contra supostos “bandidos”.
Nessa perspectiva, a clivagem entre as categorias “trabalhadores” e “bandidos” mantém importância nesses contextos tanto na conformação identitária da população moradora como no âmbito das instâncias estatais (Zaluar, 1994; Feltran, 2007). Ademais, essas não são categorias estáticas (Feltran, 2007) e a plasticidade que comportam, notadamente no espaço público, gera implicações significativas no que diz respeito às intervenções policiais e, consequentemente, à violência produzida. Desse modo, “bandido” não seria alguém que necessariamente comete atos criminais. Em momentos de maior crise social, como ocorreu em maio de 2006, essa categoria se expande e a ação oficial de repressão acaba destinando-se de forma difusa aos moradores das áreas periféricas, especialmente jovens (ligados ou não a atividades ilícitas) (Feltran, 2007).
Como salientado, Gabriel e seu grupo de amigos eram constantemente alvo de abordagens policiais. A proximidade com pares envolvidos na comercialização de drogas situava-o publicamente nas fronteiras da categoria “bandido”, bem como suas experiências de prisão por furto e consumo de drogas. Portanto, as ações arbitrárias e violentas da polícia vinculadas a essa imagem social constituíam fatores de vulnerabilidade no seu percurso. Assim, seu assassinato, embora contenha elementos de excepcionalidade relacionados a uma crise de segurança, reafirmam uma dimensão processual da violência atrelada às instituições policiais no município, inclusive pela conexão de seus agentes a grupos de extermínio. Conforme Pinheiro e Mesquita Neto (1998), o crescimento da criminalidade serviu de estímulo, nas áreas mais desfavorecidas, à formação desses grupos10 com a participação de policiais ou mesmo ex-policiais voltados para a prática sistemática de uma violência extralegal, especialmente sob a égide do discurso de controle do crime, contando com o apoio de parcelas significativas da população.
Construção social da vítima e o processo de impunidade
Esse processo de categorização social perverso continua operando após as práticas violentas da polícia, como forma de desfigurar a imagem das vítimas, culpabilizando-as pela sua própria morte. De acordo com Galar (2011), a morte, sobretudo violenta, não se resume a uma experiência individual. Por conta do impacto que gera, esta costuma assumir também uma dimensão política e passa a ser (re)significada no âmbito público, tornando-se alvo de um intrincado jogo de relações político-institucionais. Em casos de grande repercussão social, vários discursos são mobilizados, priorizando entre outros elementos a discussão sobre valores morais que operam a inclusão ou exclusão de certas pessoas dentro da categoria de “vítimas”.
Literalmente, vítima seria toda pessoa que sofre algum tipo de dano. Contudo, segundo Schillagi (2009), o estatuto de “vítima” aparece como uma qualidade seletiva que não é atribuída a todos aqueles que sofrem uma agressão, mas como algo passível de discussões e interpretações culturais que buscam um consenso quanto à sua aplicabilidade ou não a determinado indivíduo. A partir desse processo de seleção e diferenciação, constituem-se no discurso público dois tipos de vítimas: as “inocentes” e as “duvidosas” (Schillagi, 2009). Estas qualidades estão relacionadas à visibilidade e à aceitação social daqueles que sofrem a agressão, sendo fundamental para a atribuição do estatuto de vítima o pertencimento ou não a uma comunidade moral que é identificada pelo bom proceder daqueles que a constituem.
Durante a apuração do assassinato de Gabriel, um dos aspectos que chama a atenção diz respeito justamente ao caráter seletivo na condição de vítima presente nas investigações. Sua conduta foi posta em questão pelo investigador responsável pelo caso, pois existiam algumas características no jovem vistas como “ameaçadoras”, um perfil que lhe outorgava o estatuto de “vítima duvidosa”: até o investigador: “ah, mas da maconha pro tráfico é um pulinho”, eu falei “então prova pra mim que ele era traficante”. Eles foram e investigaram direitinho e realmente ele não tinha nada não (mãe). Este é um artifício acionado com o intuito de justificar os assassinatos praticados e impedir o reconhecimento público da vítima.
Desse modo, depreende-se que essa seletividade é um aspecto fundamental para entender o subsequente processo de impunidade presente não só no caso de Gabriel como de outras vítimas de violência perpetrada por agentes estatais, bem como sua invisibilidade social. Isso porque está baseada no pressuposto que nem todas as “vítimas” têm direito ao reconhecimento público e à consideração de seu sofrimento como igualmente legítimo ou intolerável pela sociedade. Dentro dessa lógica, pouco é feito para elucidar as mortes e punir judicialmente seus responsáveis. Assim, esses são processos que, embora ocorram após a morte das vítimas, constituem-se também em aspectos de vulnerabilidade à violência letal, uma vez que compõem os mecanismos sociais de estigmatização e criminalização enunciados anteriormente, corroborando para um ciclo de violência.
Nível do contexto social: crime organizado e violência policial
O assassinato de Gabriel indica que a vitimização por morte violenta transcende situações individuais de vulnerabilidade, evidenciando toda uma dimensão processual e contextual que nos previne de considerar a vulnerabilidade enquanto um estado, uma característica essencial dos indivíduos (Delor e Hubert, 2000). Na sua vitimização ganha relevância a conjuntura que deflagrou os “Crimes de Maio”, na qual está envolvida uma imbricada relação entre o crime organizado e as instituições de segurança pública, bem como uma visão de punição fortemente atrelada à vingança privada e à eliminação física (Caldeira, 2000; Misse, 2008, 2010).
Conforme Adorno e Salla (2007), o processo de encarceramento no País, que quase dobrou de 2000 a 2006, não foi acompanhado de políticas apropriadas para conter a criminalidade organizada nos presídios e seu enraizamento na sociedade civil. Essa tendência de crescimento, que foi mais acentuada no Estado de São Paulo, contribuiu ainda mais para o quadro de precariedade do sistema prisional. É dentro desse panorama que o surgimento do PCC dentro das penitenciárias paulistas vem sendo situado (Biondi, 2006; Adorno e Salla, 2007; Teixeira, 2009; Dias, 2009).
De forma atrelada, a dificuldade para conter a expansão dessa criminalidade tem sido indicada como decorrência das ligações perigosas entre os agentes do Estado e aqueles pertencentes ao “mundo do crime”, por meio de toda uma rede de agenciamentos baseada em transações de “mercadorias políticas” (Misse, 2007). Estas ligações, feitas por meio de alianças, disputas, compra de proteção, troca de favores, estão sempre sujeitas a desestabilizações, uma vez que estão em jogo mercadorias valiosas em circulação pelas margens da ilegalidade, a exemplo do comércio varejista de drogas. A conformação de “equilíbrios instáveis” entre estes atores pode desembocar em ações violentas quando as alianças são rompidas (Telles e Hirata, 2010).
A violência perpetrada pela facção dentro e fora dos presídios em 2006 comporta indícios de uma desestabilização desse tipo11. Como resultado, observou-se uma atuação policial severa, conformando uma espécie de “revanche” (Cano e Alvadia, 2008), com a mobilização de uma exacerbada violência extralegal. Em momentos como esse, conforme Telles e Hirata (2010), ocorre uma suspensão da diferença entre o crime e a lei, acionando-se uma “licença para matar” sem que isso seja considerado um crime. Assim, “[...] sob o pretexto de ‘caça aos bandidos’, sucedem-se batidas policiais, invasão de domicílios, espancamentos, expropriação de bens, e também as execuções sumárias, os extermínios” (Telles e Hirata, 2010, p. 43).
Gabriel foi mais uma vítima entre os muitos outros jovens executados em ações ilegais de policiais, com fortes indícios de integrarem grupos de extermínio, que se intensificaram em maio de 2006. Crise, portanto, que exacerbou processos de criminalização da população moradora de áreas periféricas, especialmente jovens do sexo masculino portadores dos signos que os aproximam da categorização social de “bandidos”. Como coloca Feltran (2007, 2008), nesse momento, observa-se uma menor seletividade da repressão policial, o que evidencia uma “plasticidade” daqueles que são considerados “bandidos” no espaço público. Segundo a hipótese do autor, quanto mais ampla a ação policial repressiva, menos dirigida diretamente aos atos ilícitos e mais aos indivíduos que, pelos sinais diacríticos que carregam, seriam considerados “suspeitos”.
Segundo Cruz-Neto e Minayo (1994), é possível pensar esses atos na perspectiva de uma política de extermínio, a qual está baseada na prerrogativa que existem segmentos da sociedade “supérfluos”, para os quais a morte seria desejável, no intuito de promover uma “limpeza social” – presente mesmo em sociedades democráticas. Essa reflexão também adquire significado em Foucault (2000), para o qual o racismo (no sentido de que quanto mais forem eliminados os degenerados, mais fortes e vigorosos serão os demais) é utilizado pelos Estados modernos para justificar a introdução de um corte entre aqueles que merecem viver e os que devem morrer. O racismo nestes moldes, inclusive referente à criminalidade, reatualiza dentro do atual contexto político institucional o velho direito do poder soberano de matar, com ampla ressonância na sociedade em geral.
Os discursos de diferentes autoridades públicas, veiculados através da mídia no período, demonstram que essa ação violenta e extralegal dos agentes de segurança pública tem ampla sedimentação dentro das estruturas estatais, assim, em nome de uma pretensa ação de combate ao crime, essas mortes acabam sendo legitimadas publicamente. A fala do comandante geral da Polícia Militar na ocasião é emblemática: com marginal não se negocia, bandido é bandido, Estado é Estado; e bandido, se vai para confronto, morre mesmo12. Conforme Misse (2010), sempre houve no País certa justificação para eliminação física de supostos criminosos. Os persistentes esquadrões da morte e/ou grupos de extermínio não podem ser entendidos sem esse pano de fundo, sem considerar que existe “algum tipo de ambientação social em busca de sua legitimação” (Misse, 2010, p. 19), em claro detrimento aos direitos civis.
Gabriel foi vítima dessas violações – um caso emblemático sobre a persistência de práticas autoritárias e ilegais dos agentes de segurança pública. Este tipo de atuação, na qual ficam manifestas a invisibilidade das vítimas e consequente impunidade, traz, por sua vez, impasses para a real consolidação de um sistema democrático de direito no País. Reafirma-se, dessa forma, um ordenamento social desigual, violento, de deslegitimação dos direitos humanos para uma ampla parcela da população.
Considerações finais: vulnerabilidade à violência e ações intersetoriais de prevenção
Como salientam Delor e Hubert (2000), os vários “espaços de vulnerabilidade” intersectam-se e frequentemente reforçam-se um ao outro. Na análise do caso de Gabriel, observa-se nos diferentes níveis (trajetória social, interação e contexto) esses espaços que sobrepostos parecem aumentar a probabilidade de um desfecho violento fatal: a desigualdade social, a situação de ser jovem, os processos de criminalização, a violência policial, a consolidação do crime organizado, a seletividade no sistema de justiça, que historicamente vem deixando de punir os agentes do Estado responsáveis por crimes, inclusive contra a vida, entre outros. Nesse sentido, vários são os desafios e várias devem ser as ações voltadas para a prevenção da vitimização por homicídios que é tão desigualmente distribuída e afeta sobremaneira os jovens de determinadas localidades.
Como indica Ayres (2010), a redução da vulnerabilidade implica na capacidade de transformação dos contextos produtores de violência, o que inclui as próprias respostas institucionais dadas à questão. Especificamente na área de saúde, o grande impacto sob a morbimortalidade que esse quadro da violência em geral representa vem resultando em uma perspectiva de atenção específica nas últimas décadas. Entretanto, embora esse espaço seja um dos mais sensíveis e apropriados para a identificação da violência, é frequentemente aquele que menos apresenta recursos “para produzir, isoladamente, uma ação mais efetiva sobre as condições de vulnerabilidade ao problema” (Ayres, 2010, p. 69). Reconhece-se, dessa forma, a necessidade do desenvolvimento de um sistema permanente de vigilância e ações preventivas, articuladas tanto internamente como externamente (com os setores de educação, assistência social, órgãos de proteção e garantia de direitos – conselhos tutelares, Ministério Público, defensorias, varas e delegacias) (Melo, 2010).
Assim, se há muito se reconhece a importância do desenvolvimento de ações intersetorias integradas para a prevenção da violência, em suas múltiplas formas, no caso específico da violência interpessoal letal que vitima, sobretudo, a população juvenil, essa importância torna-se imperativa. Nas “Diretrizes Nacionais para a Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens na Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde” (Brasil, 2010) a intersetorialidade é considerada uma “[...] ferramenta básica da atenção integral à saúde” (p. 123). Cabe, desse modo, não apenas garantir a articulação dos diferentes níveis de atenção, políticas e programas internos ao próprio setor da saúde, mas também, criar mecanismos para viabilizar uma articulação entre diferentes âmbitos da administração pública e sociedade civil.
Nesse sentido, os resultados do artigo assinalam não só para a necessidade de um incremento substantivo nas ações de prevenção voltadas para a população jovem como para o desafio de uma atuação impreterivelmente intersetorial, que crie mecanismos de suporte necessários às trajetórias dos jovens e promova mudanças de práticas nas diferentes instituições, para que estas possam contribuir para alterar as situações de violência e não para reproduzi-las.
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1
Texto inédito, resultado da pesquisa “Violência, risco e vulnerabilidade: homicídios e violações de direitos humanos de jovens no Município de São Paulo”, desenvolvida no Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP) com apoio da FAPESP (processo 98/14262) e com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde (protocolo no004/2008). Este projeto foi desenvolvido com o apoio do Centro de Referência e Apoio à Vítima, vinculado à Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo.
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2
Considerando-se o período de 2001 a 2008, tem-se um decréscimo de 74% nas taxas de mortalidade por homicídios (TMH) no MSP. Essa queda deu-se de maneira generalizada por todo o seu território, entretanto foi ainda maior entre: pessoas do sexo masculino, jovens (de 15 a 24 anos) e moradores de áreas de exclusão extrema (Peres e col., 2011). Isso não significou, contudo, uma alteração nos padrões de distribuição desigual das TMH. Estas continuam a ser mais acentuadas nos distritos que apresentam condições socioeconômicas mais desfavoráveis, bem como entre os jovens. Em 2010, conforme dados do DATASUS, a TMH foi de 12,1/ 100 mil habitantes para a população total e de 18,7 (na faixa etária de 15 a 19 anos) e de 27,5 (de 20 a 24 anos).
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3
Entretanto, cabe ressaltar, que o próprio termo “vulnerabilidade” não está ausente de riscos ao ser empregado, comportando diferentes significados não só nos estudos acadêmicos, mas também nas concepções do senso comum e nos usos institucionais. Embora a forma como o conceito é aqui trabalhado tente claramente fugir da fixação de identidades e de processos de estigmatização, chamar a atenção para desigualdades presentes na vulnerabilidade à violência, como ressalta Soares (2004), pode ter o efeito contrário ao esperado, dependendo da leitura empregada, servindo não para proteger e humanizar, mas para estigmatizar ainda mais certos grupos ou, ainda como indica Telles (2010), para transformá-los não em sujeitos de direitos mas em indivíduos que devem ser alvos de vigilância constantemente. A saída para tal problema seria não abandonar esse tipo de análise e o discurso preventivo que lhe é inerente, mas ter uma postura sempre crítica sobre as ambivalências que tais enunciados comportam (Soares, 2004).
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4
Todas as entrevistas foram feitas após leitura conjunta do consentimento informado livre e esclarecido, conforme estabelecido na Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde.
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5
Vinculado à Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo. Disponível em: <http://www.justica.sp.gov.br/Modulo.asp?Modulo=45&Cod=45>. Acesso em: 4 jun. 2014.
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6
Facção que surgiu no interior das penitenciárias do Estado de São Paulo, em 1993, mais especificamente no Anexo da Casa de Custódia de Taubaté (Teixeira, 2009; Dias, 2009).
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7
Segundo os laudos, foram registradas 493 mortes por armas de fogo no período, para todo o Estado de São Paulo, e estima-se que 400 estejam relacionadas com o evento (Cano e Alvadia, 2008).
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8
Características semelhantes foram observadas em pelo menos outras 121 execuções relacionadas com a possível atuação de policias nesse período (Justiça Global e IHRC, 2011). Embora essa participação não conste oficialmente nos boletins de ocorrência, vários são os indícios posteriores que a confirmam (Cano e Alvadia, 2008).
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9
Termo utilizado pelos policiais, ao registrarem Boletim de Ocorrência, para definir as mortes e os ferimentos ocorridos em pretenso confronto com a polícia.
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10
Sucessores dos antigos esquadrões da morte constituídos e amplamente tolerados no período militar.
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11
Relatório da Justiça Global e International Human Rights Clinic (IHRC) (2011) põe em questionamento a hipótese de transferências de presos como único desencadeador das rebeliões e ataques. Embora não descarte esse fator, coloca em relevo o papel da corrupção no estopim da crise. Conforme o Relatório, desde 2005, com autorização judicial, estavam sendo monitoradas ligações telefônicas dos líderes presos do PCC e alguns agentes policiais apropriaram-se de forma indevida das informações obtidas e as utilizaram para extorquir dinheiro e ameaçar seus familiares.
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12
“Bancos são novo alvo do PCC, diz polícia”. Folha de S. Paulo, 15 de maio de 2006.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2014
Histórico
-
Recebido
14 Mar 2013 -
Recebido
16 Set 2013 -
Aceito
08 Out 2013