Resumo
O artigo tem como objetivo analisar a problemática do subfinanciamento da saúde no Brasil e a expansão de mecanismos gerenciais de mercado no interior da política pública de saúde no contexto do capitalismo contemporâneo sob a dominância do capital portador de juros, sua crise e sua forma política específica materializada no Estado. A primeira parte analisa a crise capitalista numa perspectiva teórica marxista, ressaltando a tendência de queda da taxa de lucro e a expansão da dominância do capital portador de juros no centro das relações econômicas e sociais. A segunda parte evidencia a forma política específica do capitalismo, em que o Estado se constitui no elemento essencial das relações capitalistas de produção, contribuindo para a compreensão do perfil de atuação do Estado brasileiro na contemporaneidade. A terceira parte aborda os efeitos da crise capitalista na problemática do subfinanciamento da saúde, enquanto a última discute o fenômeno da apropriação privada das políticas públicas de saúde por meio do gerencialismo, com foco na adoção de instrumentos de gestão no interior da administração pública direta baseados na lógica do desempenho.
Palavras-chave: Capitalismo; Crise; Estado; Financiamento Governamental; Gerencialismo; Sistema Único de Saúde
Abstract
The article aims at analyzing the underfunding of health in Brazil and the expansion of market management mechanisms within the public health policy in the context of contemporary capitalism under the dominance of interest-bearing capital, its crisis and its political form specified in the State. The first part analyzes the capitalism crisis in a theoretical Marxist perspective, emphasizing the tendency of decreasing rate of profit and the expansion of the dominance of interest-bearing capital at the center of economic and social relations. The second part shows the specific political form of capitalism, in which the State constitutes the essential element of the capitalist relations of production, contributing to the understanding of the profile of the Brazilian state in the contemporary world. The third part deals with the effects of the capitalism crisis on the health underfunding matter, while the last part discusses the phenomenon of private appropriation of public health policies through managerialism, focusing on the adoption of management tools within the direct public administration based on the logic of performance.
Keywords: Capitalism; Crisis; State; Financing, Government; Managerialism; Brazilian National Health System
Introdução
Com a turbulência do capitalismo contemporâneo, torna-se importante refletir sobre sua essência e a persistência de seus problemas. Sobre essa situação, repetidas perguntas estão se tornando “lugar- -comum”, especialmente entre os que defendem a saúde pública no país.
Por que permanecer no diagnóstico “institucional” acerca dos ataques aos direitos sociais ao invés de compreender o mundo capitalista? Por que insistimos na ideia de que os limites das políticas sociais decorrem da irresponsabilidade de alguns governos? É possível apostar na construção institucional - reformas no Estado social (Boschetti, 2016) - como forma de superação da crise atual? Por que nos resignamos sobre a inexorabilidade da reestruturação neoliberal e julgamos que, contra ela, muito pouco pode se fazer? Por que os governos federais anunciam a melhoria do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo em que ampliam a mercantilização e a privatização dos seus serviços?
Entendemos que, sem uma reflexão crítica radical sobre essas perguntas, é praticamente impossível respondê-las simplificadamente. Por isso, para cumprir tarefa de tal envergadura, o pensamento requer uma qualidade infratora que rompa as fronteiras das análises corriqueiras e dos enfrentamentos mais setoriais.
Historicamente certos setores da esquerda advogam pelo caminho institucional das “reformas” por iludirem-se com a ideia de que o Estado existente possa estar a serviço de todos (Correia, 2015). Em nossa percepção, um passo promissor na constatação dos limites do Estado é compreender sua “intrincada” relação com o modo de produção capitalista na diacronia em que estamos vivendo.
Nesses tempos difíceis de supremacia do capital financeiro, o Estado brasileiro não parou de conceder apoio ao setor privado, utilizando-se de mecanismos de funcionamento que impõem riscos à saúde universal. Podemos identificar vários aspectos que vêm diminuindo a capacidade de atuação do Estado brasileiro, prejudicada, por exemplo, pelo subfinanciamento do SUS, bem como pela adoção de novas “modalidades de gestão” com mecanismos gerenciais mercantis.
Nessa perspectiva, este artigo tem como objetivo geral analisar a problemática do subfinanciamento da saúde no Brasil e a expansão dos mecanismos gerenciais de mercado no interior das políticas de saúde, no contexto da crise do capitalismo contemporâneo e do Estado como expressão de sua forma política.
O artigo está estruturado em quatro partes. A primeira parte analisa a crise capitalista numa perspectiva teórica marxista, ressaltando a tendência da queda da taxa de lucro e a centralidade do capital portador de juros nas relações econômicas e sociais. A segunda parte evidencia a forma política específica do capitalismo, em que o Estado se constitui como sustentáculo das relações capitalistas de produção. A terceira parte aborda os rebatimentos dessa crise capitalista à problemática do subfinanciamento da saúde. A quarta parte discute o fenômeno da apropriação privada das políticas públicas de saúde por meio do “gerencialismo”.
Traços fundamentais da crise capitalista contemporânea
No mundo contemporâneo, até agora, não assistimos a uma recuperação plena das economias capitalistas, inclusive da brasileira. A crise já se prolonga por cerca de dez anos, desde o crash da grande recessão de 2007/2008. As economias capitalistas entraram em colapso e ainda estão lutando para se recuperarem, especialmente em relação à produtividade e ao comportamento da produção (Roberts, 2016).
O Brasil não difere desse quadro geral, na medida em que ainda sofre de uma longa queda da taxa de lucro entre 2003 e 2014, passando de 28% a 23%. Entre 2015 e 2016, o Brasil acumulou uma contração de 7,5% em seu produto interno bruto (PIB) real, correspondendo a um declínio dramático em sua renda per capita de 9,2%. A rigor, essa contração foi muito mais intensa do que a da chamada “década perdida” (período 1981-1992), quando a renda per capita apresentou uma taxa negativa de 7,5% (Roberts, 2016).
Segundo Roberts (2016), o melhor termo a ser utilizado para descrever o quadro dos últimos 30 anos é uma “longa depressão”. Trata-se de entendê-lo como o produto de uma combinação entre baixo investimento e baixo crescimento da produtividade, decorrente de uma menor lucratividade do investimento em setores produtivos e de uma alteração no campo da especulação financeira.
As escolas neoclássica e keynesiana apontam distintas raízes para a crise capitalista, que, a nosso ver, são insuficientes. Contudo, o que há de comum entre elas é o reconhecimento de que a crise atual é de natureza financeira.
Em particular, para a visão keynesiana, pode-se dizer que as crises financeiras não são apenas resultado dos comportamentos irracionais dos agentes financeiros, mas decorrentes da forma de operação dos mercados financeiros globais liberalizados, inviabilizando a decisão de investir (Keynes 1936 apud Mollo, 2015). Trata-se de considerar que a internacionalização do sistema financeiro, ao se criar um único mercado mundial de dinheiro e crédito, impõe uma configuração econômica em que não existem regras monetário-financeiras e cambiais constantes. Nesse quadro, os instrumentos tradicionais de política macroeconômica acabam sendo frágeis para barrar os colapsos financeiros e cambiais no mundo, acarretando crises de demanda efetiva.
Entendemos ser fundamental se contrapor a essa abordagem, na medida em que se distancia da compreensão da natureza do processo experimentado pelo padrão da acumulação capitalista na sua fase contemporânea. Na abordagem da economia política marxista, a manifestação da crise estrutural do capitalismo deve se orientar pelo papel do lucro no movimento do capital (Roberts, 2016). Ressalta-se, então, que nos últimos 30 anos as economias capitalistas, em todo o período do pós-guerra, assistem a uma tendência de queda da taxa de lucro, com destaque para a economia norte-americana (Kliman, 2011). Por sua vez, para o enfrentamento dessa tendência, o capital vem buscando o caminho da valorização financeira, em que o capital portador de juros - especialmente sua forma mais perversa, o capital fictício - exerce sua hegemonia na dinâmica do capitalismo nesse período, principalmente depois de 1980 (Chesnais, 2016).
Marx, ao se referir à crise, nos orienta que a dinâmica do capitalismo sempre se desenvolve acumulando contradições que periodicamente levam a crises (Marx, 2013). Callinicos (2014) argumenta que isso reflete “uma concepção das crises como a soma de todas as contradições do modo de produção capitalista”. Nessa perspectiva, entendemos ser importante sintetizar as determinações da crise em três grupos, assim como o faz Callinicos (2014): (1) as possibilidades de crise inerentes à troca de mercadorias, o moderno sistema de crédito de capitais e as condições de troca (reprodução ampliada) entre os dois principais departamentos de produção (bens de produção e bens de consumo), necessários para a reprodução do sistema; (2) as interações entre flutuações nas taxas de salários e no tamanho do exército industrial de reserva, em conjunto com a rotação do capital fixo; e (3) a interação entre a tendência declinante da taxa de lucro e o ciclo de bolhas e de pânico nos mercados financeiros.
É importante reconhecer na argumentação de Callinicos (2014) que o primeiro grupo (1) refere-se a fatores que possibilitam a erupção de crises, enquanto o segundo (2) reúne fatores que condicionam o surgimento de desequilíbrios. Já o terceiro (3) relaciona-se com a causalidade das crises; daí o tratamento específico de Marx em relação à lei que expressa o conflito entre as forças e as relações de produção e quanto à forma mais fetichizada do capital, que são a lei da queda tendencial da taxa de lucro e o capital fictício, respectivamente.
Essa contradição fundamental do modo de produção capitalista, denominada de “lei da queda tendencial da taxa de lucro” (LQTTL), encontra-se exposta nos capítulos XIII a XV do terceiro volume de O Capital (Marx, 2017). Em Marx (2017), a acumulação prolongada de capital, com introdução de progresso técnico, remete ao aumento relativo de parte do capital investido em meios de produção - como máquinas, equipamentos e matéria-prima (capital constante) - e à diminuição da parte do capital investido em força de trabalho (capital variável), elevando a composição orgânica do capital. Como os lucros são provenientes do valor adicionado pela força de trabalho, mantendo assim a taxa de exploração constante, a taxa de lucro tende a sofrer queda. No momento em que essa queda ocorre, constata-se uma crise de superacumulação que é explicada não pela insuficiência da demanda efetiva, mas pela ausência de lucros.
Para Marx (2017), a solução que o sistema capitalista fornece para essa problemática decorre da própria crise, principalmente por meio de poderosas contratendências à LQTTL. Marx (2017) menciona seis delas: (1) elevação do grau de exploração do trabalho, seja pelo prolongamento da jornada de trabalho, seja pela intensificação do trabalho; (2) compressão do salário abaixo de seu valor, ou seja, redução dos salários; (3) o barateamento dos elementos do capital constante, buscando matérias-primas mais baratas, máquinas mais eficientes etc.; (4) aumento da superpopulação relativa, reunindo um contingente de força de trabalho além das necessidades do capital como maneira de pressionar o valor da força de trabalho para baixo; (5) ampliação e abertura do comércio exterior como forma de procriar o excedente produzido e encontrar fontes de matéria-prima e de recursos abundantes, barateando seus custos; e (6) aumento do capital acionário, de forma a compensar a queda na taxa de lucro com juros oferecidos pelo mercado financeiro, por empresas ou por títulos do Estado.
Somando-se a isso, se a desvalorização e a destruição de parte do estoque acumulado de capital não ocorrer por meio de falências, baixas e afins, o resultado é a contínua superacumulação. Para Marx (2017), a desvalorização de capital constitui-se como principal estratégia para a economia sair da crise, aumentando a massa de lucros e diminuindo a quantidade de capital, o que causaria a elevação da taxa de lucro e o direcionamento para outro período de acumulação. Sem dúvida, a saída da crise depende de vários fatores, entre eles da própria luta de classes.
Kliman (2012) argumenta que a recuperação da taxa de lucro, mesmo que não seja de forma estritamente econômica, ocorreu após o final da II Guerra Mundial. Diante da massiva destruição de ativos ocorrida antes e durante os anos desse grande conflito, foi possível constatar no pós-guerra um crescimento substantivo de acumulação das economias que se alastrou por 25 anos. No entanto esse crescimento no período posterior prejudicou sua base de subsistência. À medida que o capital foi sendo acumulado, ocorreu um declínio constante da taxa de lucro e, como resultado, a perda progressiva do próprio crescimento. É interessante destacar que, no caso dos Estados Unidos, houve uma persistente queda da taxa de lucro no setor corporativo das empresas industriais e financeiras. Registre-se: um declínio de cerca de 41,3%, entre 1949 e 2001 (Kliman, 2012, p. 82). Roberts (2018) nos informa que, pelos mesmos cálculos de Kliman, a lucratividade média do capital produtivo na economia norte-americana, como um todo, manteve-se reduzida até 2016, sendo que entre 1946 e 2016, declinou de 42% para 21%.
Por sua vez, a existência de uma pequena recuperação da taxa de lucro após a década de 1980 se deveu às políticas econômicas neoliberais que, como se sabe, reduziram os salários dos trabalhadores e impuseram condições de trabalho bem mais precárias (o que se articulará ao gerencialismo na quarta seção deste artigo).
No tocante à segunda tendência da acumulação capitalista nos últimos 40 anos, ressalta-se o agigantamento da esfera financeira por meio do comando do capital portador de juros (capital financeiro), levando ao vertiginoso crescimento do capital fictício - mencionado anteriormente como expressão da sexta contratendência à LQTTL. Entre 1980 e 2014, os ativos financeiros globais aumentaram significativamente, passando de quase 12 trilhões de dólares a 294 trilhões de dólares, respectivamente. Nesse mesmo período, essa extraordinária expansão superou de forma considerável o crescimento do PIB mundial. Em 1980, o estoque de ativos financeiros globais como percentagem do PIB representava 120%; em 1990, 263%; e em 2014, 378%.
Chesnais (2016) relata que o fraco ritmo de crescimento do PIB mundial contrasta tanto com a intensidade da exploração do trabalho nas fábricas de países industrializados e não industrializados quanto com o montante do que é considerado dinheiro se movendo incessantemente pelo sistema financeiro mundial. O resultado disso é a lógica de valorização fictícia, assegurada em última instância pelos Estados via emissão de dívida pública, que vem se expandindo.
O Estado como forma política do capitalismo
O Estado constitui expressão de uma forma social determinada, assumindo as relações de poder e de exploração nas condições capitalistas. A compreensão disso remete à análise do capital como uma relação social de produção - uma “forma social” - e de como a “forma política” se associa a essa dinâmica do capital (Hirsch, 2017). Por isso entendemos que o Estado brasileiro, na medida em que é parte integrante das relações capitalistas de produção, expressa sua consonância com a dinâmica do capital através de seu orçamento, comprometendo-se com a emissão de maior quantidade de títulos de dívida pública e com o crescimento substantivo do pagamento do serviço da dívida pública.
O conflito e a crise são marcas fundamentais da reprodução do sistema capitalista. O Estado, na realidade, é motor essencial para essa reprodução. A dinâmica do capitalismo é o que funda o Estado moderno no período da acumulação primitiva de capital, e não o contrário. O Estado, por meio de sua violência, já desempenhava um papel central no período inicial do modo de produção capitalista, e tem sido assim em toda sua história.2
Trata-se, então, de considerar que a relação Estado/capital é orgânica. Isso significa compreender que não existe separação entre o Estado e capital e que suas relações não são somente de exterioridade. Nesse sentido, referimo-nos aqui à contribuição do debate alemão a respeito da derivação do Estado nos anos 1970, que deduz (deriva) a “forma política” (Estado) das contradições da dinâmica do capital. Essa relação atribui ao Estado sua natureza capitalista, assegurando a troca das mercadorias na sua forma-valor e a própria exploração da força de trabalho (Caldas, 2015; Bonnet; Piva, 2017). Tal debate da derivação identifica o Estado para além da vontade da classe dominante, sendo ele determinado pelo modo de produção e pelas relações sociais que lhe são inerentes. Daí entendermos os sentidos das contrarreformas que o Estado capitalista vem adotando no contexto do capitalismo financeirizado e seus efeitos na saúde.
Segundo Mascaro (2013, p. 18), “o Estado se revela como um aparato necessário à reprodução capitalista, assegurando a troca das mercadorias”, na sua forma-valor, “e a própria exploração da força de trabalho sob a forma assalariada”. Contudo, é importante marcar que entre a forma-valor e a forma política estatal não há um desdobramento lógico necessário, nem de total ligação funcional. Mascaro (2013) ainda argumenta que o político e o jurídico se estabelecem na totalidade das relações de produção, sendo entrelaçados de forma dialética.
A respeito de desmitificar a essência das formas jurídicas e políticas muito já discorreu Evguiéni B. Pachukanis:
A máquina do Estado de fato se realiza como “vontade geral” impessoal, como “poder do direito” etc., na medida em que a sociedade se constitui como um mercado. No mercado, cada vendedor e cada comprador é, como vimos, um sujeito jurídico par excellence. Onde surge em cena a categoria do valor e do valor de troca, a premissa é a vontade autônoma das pessoas que atuam na troca. O valor de troca deixa de ser valor de troca, e a mercadoria deixa de ser mercadoria, se a proporção de troca é definida por uma autoridade situada fora das leis imanentes do mercado. A coerção, como ordem de um homem dirigida a outro e reforçada pela força, contradiz a premissa fundamental da relação entre possuidores de mercadorias. (Pachukanis, 2017, p. 174, grifo nosso)
A formulação teórica de Pachukanis constrói uma dedução lógica do Estado capitalista com o sentido de compreender sua essência, sua forma concreta de manifestação e as limitações que possuem as formas políticas e jurídicas. Desse modo, não há dúvida de que esta dedução lógica exige uma retomada do método de Marx, especialmente da dinâmica do capital, em sua obra seminal (O Capital), para que se possa elaborar, a partir da realidade concreta, categorias fundamentais para a reconstrução teórica do Estado. Em continuidade ao seu esforço intelectual, Pachukanis assevera:
Por isso, na sociedade dos possuidores de mercadorias e no âmbito do ato de troca, a função de coerção não pode atuar como função social sem ser abstrata e impessoal. A submissão ao homem como tal, como indivíduo concreto, significa para a sociedade produtora de mercadorias a submissão ao arbítrio, pois para ela coincide com a submissão de um possuidor de mercadorias a outro. Por isso também a coerção não pode atuar aqui em sua forma desmascarada, como ato de simples conveniência. Ela deve atuar como coerção proveniente de alguma pessoa abstrata geral, como coerção realizada não no interesse do indivíduo do qual ela provém - pois cada homem na sociedade mercantil é um homem egoísta -, mas no interesse de todos os participantes do intercâmbio jurídico. O poder do homem sobre o homem é realizado como poder do próprio direito, ou seja, como poder da norma objetiva imparcial. (Pachukanis, 2017, p. 174-175)
De fato, consideramos que o estudo das formas jurídicas deve ser, portanto, semelhante àquele feito por Marx no estudo da mercadoria. Torna-se fundamental iniciar pela compreensão das categorias mais simples das relações sociais para que se recupere o trajeto do todo, da totalidade social - do processo jurídico -, definido e organizado metodologicamente. Sabe-se que, na análise da produção, Marx identifica que a mercadoria se configura como a categoria mais simples e elementar do processo. Em semelhante análise, ao analisar o processo de relações jurídicas, intermediadas pelo direito, Pachukanis reconhece o sujeito como categoria mais elementar dessa relação. Nesse sentido, é por meio do sujeito que se inicia a análise da forma jurídica. Consideramos, então, diante dessa análise metodologicamente coerente, que se torna possível realizar a dedução lógica da forma jurídica a partir da forma mercadoria.
Aqui é indispensável lembrar que a constituição da forma econômica e da forma política - e o entrelaçamento de ambas - está permeada necessariamente pela história e pela luta de classes. Isso não significa que o Estado tenha autonomia perante as classes e, por isso, não revela indiferença em relação ao todo social. Mascaro (2013, p. 45) é bastante claro sobre essa tese quando afirma que “não é o domínio do Estado por uma classe que revela sua razão estrutural de ser; é a forma que revela a natureza da reprodução social”.
Nesse sentido, não resta dúvida de que o Estado desempenha um papel essencial no comando e no gerenciamento das contratendências no sentido de se contrapor à queda da taxa de lucro. Torna-se evidente o caráter do Estado de salvaguardar a forma do capital, colocando-se na dianteira da intensificação da exploração da força de trabalho, garantindo instrumentos que precarizam as condições de contratação e provocam a perda de direitos sociais. Portanto ficam claras as limitações do Estado no sentido de que este não pode ser compreendido como um elemento que pode salvar os trabalhadores da crise, contrapondo-se à lógica capitalista (como a visão keynesiana advoga), principalmente no campo de reforço das políticas públicas.
É importante asseverar que no contexto do capitalismo contemporâneo e de sua crise, o movimento do capital - sob a dominância do capital portador de juros e de sua forma perversa, o capital fictício - não permite ilusões quanto ao papel que desempenha o Estado contemporâneo. Nesse sentido, as palavras de Pachukanis são apropriadas para esse tempo histórico, na medida em que não poupa críticas ao caráter do “Estado de direito”; na realidade, o desmitifica:
O Estado como fator de força, tanto na política interna, como na externa: eis aí a correção que a burguesia foi forçada a fazer em sua teoria e prática do “Estado de direito”. Quanto mais instável se tornou a dominação da burguesia, mais comprometedora se tornou essa correção, mais depressa o “Estado de direito” transformou-se numa sombra imaterial, até que finalmente o excepcional aguçamento da luta de classe obrigou a burguesia deixar completamente de lado a máscara do Estado de direito e revelar a essência do poder como violência organizada de uma classe sobre a outra. (Pachukanis, 2017, p. 182)
Esse quadro é bastante significativo nesses tempos de vigência do neoliberalismo e da valorização fictícia no movimento do capital. Não se identifica a retirada do Estado da economia, mas, ao contrário, se assiste ao fortalecimento da rapinagem financeira em seus orçamentos. Para isso, a adoção de políticas austeras no mundo e no Brasil, com redução dos direitos sociais, inclusive da política de saúde, tem sido a ordem do dia.
Nesse contexto, Jessop (2016), no âmbito do debate da derivação, em sua pesquisa de cerca de três décadas sobre o Estado, nos brinda com uma reflexão sobre tendências das respostas estatais contemporâneas, em especial no tocante aos Estados capitalistas dependentes. Ainda que não aprofundemos nossa reflexão acerca de cada uma dessas tendências, é necessário citá-las, pois evidenciam a limitação e a fragilidade do Estado para formular políticas públicas no modo de produção capitalista contemporâneo. As três tendências envolvem: (1) a desnacionalização do Estado, que enfraquece seu poder de coordenação central (suas capacidades) no âmbito das fronteiras nacionais, tanto para uma dispersão territorial por meio de outros níveis - suprarregional, plurinacional ou para organismos internacionais - bem como para novas formas de instância governamental, alterando as atividades do Estado nacional para esferas regionais, metropolitanas e locais (ou seja, mais perto do mercado); (2) a desestatização da política, que representa o redesenho das fronteiras entre o Estado e aparelhos e atividades não estatais, alterando a natureza da relação público-privada e reduzindo a autoridade do Estado soberano nos campos da política e das políticas públicas, referido como uma mudança do governo para a governança (diversa escala territorial com a presença marcante das instituições privadas); e (3) a internacionalização dos regimes de políticas e da formulação de políticas públicas, que inclui a dominância de políticas externas sobre a política interna, com a participação de agentes e instituições estrangeiras como formuladores e implementadores das políticas.
Enfim, nesse quadro de tendências do Estado, na dinâmica do capitalismo contemporâneo e de sua crise, torna-se difícil aceitar que o Estado possa agir de forma a produzir políticas públicas em direção a interesses que não sejam da lógica do capital. Correia (2015) é exato quando afirma que não se pode tomar a questão do perfil das políticas públicas de forma individual. Não é possível deduzir que seus resultados satisfatórios decorram da qualidade de seus gestores, mas deve-se compreendê-los à luz da dinâmica do movimento do capital, particularmente da posição do Estado na reprodução típica da forma-valor. Fica reforçada, então, a presença do Estado no fortalecimento da lógica de valorização do capital que se apropria dos recursos financeiros do SUS, ratificando seu subfinanciamento, o que será discutido na próxima seção.
A problemática do subfinanciamento da saúde pública brasileira
No Brasil, tem sido tratado por alguns poucos estudos que o subfinanciamento histórico da saúde pública, especialmente do SUS, deve ser compreendido à luz do contexto do capitalismo contemporâneo e de sua crise, constituindo-se como política de Estado (Mendes, 2015).
Considerando os trinta anos de existência do SUS, deve-se de reconhecer, de forma mais ampla, a fragilidade financeira de seu financiamento, por meio de destinação insuficiente de recursos e do baixo volume de gastos com recursos públicos; de indefinição de fontes próprias para a saúde; de ausência de maior comprometimento do Estado brasileiro com alocação de recursos e com melhor distribuição de recursos no Orçamento da Seguridade Social (saúde, previdência e assistência social); das elevadas transferências de recursos para o setor privado, com recursos direcionados às modalidades privatizantes de gestão (organizações sociais - OS, organizações da sociedade civil de interesse público - Oscip, Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - Ebserh, e fundações estatais públicas de direito público/privado com contratos celetistas) e ao aumento significativo das renúncias fiscais; e de um gasto público financiado por um estrutura tributária defasada em relação à dinâmica do capitalismo financeirizado, sustentada por tributos que incidem com maior significância na dimensão produtiva.
Por outro lado, não adianta apenas pleitear a proibição de privatizações e de terceirizações na saúde se não se alinhar essa discussão à da extinção do limite com gastos em pessoal da saúde, previsto no art. 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Brasil, 2000b), que impede a contratação de trabalhadores na área da saúde pela administração direta. Trata-se de mais um artifício que drena recursos para formas privadas de vínculos trabalhistas.
Especificamente, as medidas adotadas no país por meio do tripé macroeconômico ortodoxo - metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante - pelo governo federal, desde o mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC) até o governo de Dilma Rousseff, vêm envolvendo a redução de recursos direcionados ao nosso sistema de proteção social. É possível admitir que nenhum desses governos atribuiu prioridade à saúde como política social de direito. De maneira intensificada no governo Temer, sustentado por setores conservadores e reacionários da sociedade brasileira, a lógica da política econômica se manteve, e constatam diversas medidas que vêm sendo impulsionadas no sentido de direcionar a saúde para o livre mercado.3
Os contextos mundial e nacional contribuem para os embates na história do financiamento do SUS desde sua criação, passando pela vinculação de recursos federais para aplicação na saúde, por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 29/2000 (Brasil, 2000b), com seu frágil esquema baseado no cálculo do montante aplicado no ano anterior corrigido pela variação nominal do PIB, até a Lei Complementar nº 141/2012, de regulamentação da EC 29 (Brasil, 2012), que não modificou essa base de cálculo. Entre 1995 a 2016, o gasto do Ministério da Saúde (MS) não foi alterado, mantendo-se de 1,7% do PIB, enquanto o gasto com juros da dívida representou, em média, 6,6% do PIB (Mendes; Funcia, 2016).
Não faltaram incentivos dos governos federais para que a saúde privada crescesse significativamente no decorrer das décadas de 1990, 2000 e 2010. Nesse sentido, quando se comparam o gasto público total com saúde (dispendido por União, estados e municípios) e o gasto privado em relação ao PIB, praticamente no mesmo período, verifica-se a intensidade do crescimento do investimento privado em relação ao público. Para se ter uma ideia, em 1993 o gasto público foi de 2,8% do PIB, e o privado de 1,4%; em 2002, ambos cresceram, sendo de 3,2% e 3,9%, respectivamente. Observa-se que o gasto privado ultrapassa o público em relação ao PIB, especialmente nos governos de FHC. Em 2014, o gasto público correspondeu a 3,9% do PIB, e o gasto privado a 4,2%. Fica evidente o aumento mais significativo do gasto privado no decorrer dos anos de existência do SUS (Levi; Mendes, 2015).
O subfinanciamento do SUS foi intensificado com a aprovação da Emenda Constitucional nº 86/2015 (Brasil, 2015). Ficou alterada a base de cálculo de aplicação do governo federal para 13,2% da receita corrente líquida (RCL) em 2016, elevando-se de forma escalonada até alcançar 15% da RCL, em 2020. Observa-se uma perda de R$ 9,2 bilhões para o orçamento do MS já em 2016 (Mendes; Funcia, 2016). Apesar do avanço que significou a criação do SUS, em 2015 seu gasto foi de 3,9% do PIB (União - 1,7%; estados - 1,0%; e municípios - 1,2%), enquanto a média do gasto público em saúde dos países europeus com sistemas universais correspondeu a 8,0% do PIB (Mendes; Funcia, 2016).
É recente a introdução de uma das maiores medidas de austeridade defendidas pelos arautos do capital financeiro, correspondendo ao “tacão de ferro” no histórico do subfinanciamento do SUS: a Emenda Constitucional nº 95/2016 (Brasil, 2016b), que impõe à saúde pública sua desestruturação e privatização crescente. A EC 95 (Brasil, 2016b) revogou o escalonamento previsto na EC 86 (Brasil, 2015) e limitou a expansão dos gastos públicos (despesas primárias) pelos próximos 20 anos, baseando-se no valor das despesas de 2017 corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IPCA/IBGE). Essa austera medida parece ser a expressão mais marcante do Estado em sintonia com a lógica do capitalismo contemporâneo sob a supremacia do capital fictício, especialmente porque não estabeleceu limites para juros e outras despesas financeiras.
Em 2017, com a EC 95 (Brasil, 2016b), passa a incidir o “teto” para a saúde de 15% da RCL. Mesmo assim, os prejuízos acumulados para os próximos 20 anos para o SUS devem ser de cerca de R$ 415 bilhões, considerando-se um crescimento do PIB de 2% ao ano (média mundial) e uma projeção do IPCA de 4,5%. Nessa perspectiva, o subfinanciamento do SUS certamente passará para um processo de desfinanciamento. Dito de outro modo, os recursos federais para o SUS devem reduzir de 1,7% do PIB para 1,0% até 2036, acumulando perdas superiores a três orçamentos anuais nesse período de 20 anos. Num cenário retrospectivo, entre 2003 e 2015, essa perda seria de R$ 135 bilhões, considerando-se preços médios de 2015, diminuindo os recursos federais do SUS de 1,7% do PIB para 1,1% (Mendes; Funcia, 2016).4
No âmbito da conhecida regressividade do sistema tributário brasileiro, deve-se mencionar os incentivos que o governo federal vem concedendo ao setor privado por meio do aumento da renúncia da arrecadação fiscal, prejudicando o financiamento do SUS. Referimo-nos aqui aos gastos tributários (renúncia fiscal) em saúde com o Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF), o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), a indústria farmacêutica (medicamentos e produtos químicos) e as organizações sem fins lucrativos (hospitais filantrópicos). O total desses benefícios tributários para saúde privada vem crescendo consideravelmente, passando de R$ 8,6 bilhões, em 2003, para R$ 25,4 bilhões, em 2013 (Ocké-Reis; Gama, 2016).
Com o advento do congelamento do gasto público pela EC 95 (Brasil, 2016b), observa-se um crescimento significativo dos gastos tributários em saúde como forma de pressão do capital. Dentre os gastos totais tributários do governo federal apresentados no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2018, a saúde constitui o terceiro maior montante, representando, aproximadamente, 14% - o que corresponde a R$ 39 bilhões de renúncias fiscais em saúde. Fica perceptível o aumento de tendência discricionária dos gastos tributários quando se compara o PLOA de 2018 ao de 2017, que registrou R$ 32 bilhões de renúncias fiscais em saúde (Machado, 2017).
Por último, merece menção no contexto do subfinanciamento do SUS o mecanismo denominado Desvinculação das Receitas da União (DRU). Tal mecanismo, criado em 1994, renovado a cada quatro anos e ainda em pleno funcionamento, é bastante conhecido por muitos. De acordo com o DRU, originariamente, 20% das receitas do Orçamento da Seguridade Social (OSS) - formado por saúde, previdência e assistência social - seriam retiradas e destinadas ao pagamento de juros da dívida, em respeito à já histórica política do governo federal de manutenção do superávit primário, sob as exigências do capital portador de juros (capital financeiro) dominante na fase contemporânea do capitalismo. A partir da Emenda Constitucional nº 93/2016 (Brasil, 2016a) houve alteração na alíquota desse mecanismo, passando para 30%, em vigor até 2023.
Para se ter uma ideia de alguns números, a apropriação do fundo público (OSS) por meio da DRU vem sendo materializada com a retirada dos seguintes montantes: em 2010, R$ 45,9 bilhões; em 2012, R$ 58,1 bilhões; em 2014, R$ 63,4 bilhões; e em 2016, R$ 99,2 bilhões (ANFIP, 2017). Isso significou uma extração, em média, de cerca de 77% do saldo superavitário do OSS, entre 2010 e 2013, sendo que, em 2014, a retirada foi superior a esse saldo, correspondendo a 117,1%, em virtude da queda da arrecadação das receitas no cenário da crise econômica. O quadro da perda de recursos para a seguridade social com a DRU fica mais complicado quando se analisa o período entre 1995 e 2016, em que corresponde a R$ 867 bilhões.
Não resta dúvida de que o governo federal vem funcionando em grande sintonia com a lógica da dinâmica do capitalismo contemporâneo e de sua crise, em que a prioridade do gasto público vincula-se muito mais aos interesses de apropriação do capital financeiro no orçamento público do que à alocação de recursos para a seguridade social, em geral, e para a política de saúde universal, em particular.
O gerencialismo na gestão da saúde pública
Ao se compreender o Estado como forma derivada da sociabilidade capitalista, o mundo do trabalho na administração pública também entra em consonância com a fase do capitalismo contemporâneo. Por essa razão, foi imposta ao serviço público a utilização de concepções e técnicas de gestão do setor privado sob o discurso da racionalização e da eficiência, que ficou conhecida como gerencialismo (Wood Junior, 1995).
O gerencialismo na gestão pública tem sido amplamente estudado, contudo numa vertente predominantemente “liberal-corporativa”. Essa vertente tenta dissimular que o gerencialismo funciona como estratégia a serviço das classes dominantes, na medida em que sua essência é o Estado mais flexível, leve e ágil para responder os requisitos necessários ao novo regime de produção comandado pela financeirização (Silva, 2016), e não para melhoria da atenção à população.
Tradicionalmente, o setor da saúde vem discutindo muito pouco sobre o processo de gerencialismo na saúde pública. O que há de publicações na área (Cecilio, 1999) se assenta na “naturalização” e na “inevitabilidade” dos processos de “gerencialização” do trabalho em saúde, especialmente na forma de gestão do tipo “comando-controle”, que busca mudar o (des)padronizamento dos serviços (Silva, 2016).
As principais “formas materiais” do gerencialismo na gestão pública que ganharam notoriedade dentro do marco do “Estado empresarial” (Oszlak, 2013) foram os “agenciamentos”, as “parcerias público-privadas”, as “contratualizações por resultados” e as “remunerações variáveis por desempenho”. Na gestão pública brasileira, essas formas ganharam respaldo jurídico após a contrarreforma administrativa do aparelho do Estado incitada por Bresser-Pereira em 1995.
Em que pese a amplitude da discussão sobre o gerencialismo e sobre como ele se manifesta nas formas jurídico-administrativas do Estado, para garantir uma análise mais precisa, alguns recortes são necessários. Nessa seção focaremos na questão do “desempenho” e de sua avaliação como “forma material” que cristaliza a lógica do capital no interior da administração pública direta, superintensificando o trabalho.
Basicamente dois mecanismos podem ser identificados na lógica do desempenho no bojo da administração pública em saúde. Um se dá através da dinâmica do capital e de seu processo de acumulação no interior do Estado (Chesnais, 2016), e outra ocorre pelo processo de socialização contemporânea entre os indivíduos e pela reflexividade do desempenho no trabalho como empresariamento-de-si (Han, 2015).
Já é costumeiramente sabido que a dinâmica do capital e seu processo de acumulação necessita de novas formas de capturar privadamente a dimensão pública do Estado, e o setor da saúde tem sido essa solução. Nesse processo da “ordem sociometabólica do capital”, para utilizarmos a expressão de Mészáros (2014), é possível perceber que a acumulação no Estado está escamoteada sob o rótulo da new public management (sinonímia para gerencialismo) no cotidiano das práticas gerenciais, fazendo o trabalhador refém dessa roda viva (ou seja, de sua “intensificação”).5
Os instrumentos de gestão são excelentes métodos de intensificar o trabalho e de deles expropriar mais-valia. Essa expropriação é o produto resultante (ou, sob o rótulo gerencialista, o “resultado”) da ação de intensificação. Na lógica do liberalismo (que preconiza relações “livres” entre os indivíduos) o “resultado” é substantivado sob o título de “contrato” ou contratualização (palavra esta eleita por ser mais palatável).
Assim, a contratualização de resultados na gestão pública, em especial na saúde (área cujos “resultados” não podem ser comparados a um processo administrativo tradicional), torna-se o mais novo modismo. Essa é a “chamada de boas-vindas” ao trabalhador que, muitas vezes, sem saída, ou seja, sem essa tal liberdade para contratualizar, se vê rendido ao processo de intensificação. Contudo, ponderemos.
Nas palavras de Garces e Silveira (2002), defensores dessa forma material de gerência, a contratualização de resultados pode ser considerada uma “reestruturação (Produtiva) das Organizações Públicas”, para atribuir-lhes flexibilidade administrativa e responsabilização. Daí então os resultados se tornam o alvo em potencial das organizações públicas, que passam a focar na “melhoria de seus desempenhos”. Para isso, as organizações tentam equacionar adequadamente os requisitos de autonomia (de gestão) e de controle (de resultados).6
Identificada com uma proposta de contratualização com foco no controle, a administração pública brasileira vem desenvolvendo uma gestão na qual o alcance dos resultados vem acompanhado de mecanismos de ganhos/perdas de incentivos. Mesmo sabendo que a maior restrição da administração pública do país é a rigidez de procedimentos administrativos e uma execução orçamentária legalmente difícil (à qual se aplicaria outra proposta), a aposta da vertente brasileira repousou na modificação do estilo de trabalho do servidor. Isso tem requerido a aquisição de um comportamento empreendedor dos gerentes públicos, inseridos em um ambiente organizacional tradicionalmente burocrático de modelagem clássica (Garces; Silveira, 2002).
Foi assim que a questão do desempenho adentrou a seara da administração direta. Do ponto de vista científico, o termo “desempenho” detém diversos sentidos e formas de aplicação que se diferenciam, basicamente, a partir ou do que está sendo avaliado ou da ênfase no processo que está sob avaliação (Irwin, 2010). Dentre as diversas significações, a definida por Siqueira (2002, p. 15) nos parece mais profícua: “desempenho é uma defasagem a ser mensurada a partir de uma expectativa criada sobre determinado comportamento”.
Nesse sentido, é consenso que o desempenho está relacionado a uma expectativa de cumprimento comportamental previamente estabelecida; o que não é consenso é: o comportamento do quê? Para quem? O desempenho está relacionado à lógica de superação de expectativas que atribuem um mérito funcional àquele (algo) que executou alguma coisa além do esperado. Não obstante, desempenho pode ser entendido como uma gradação de resultados conceitualmente relacionados à busca de um prêmio por mérito atingido e, portanto, compõe a noção de justiça distributiva não por necessidade, esforço, ou contribuição social do serviço, mas por “mérito”.
Foi assim que, no paradigma gerencialista, o desempenho ficou reduzido apenas à produtividade e à quantidade de trabalho. É importante ponderar que, mesmo sob essa crítica, todo trabalho gerencial necessita ser avaliado por meio de um sistema que possibilite, por processos de retroalimentação, rever suas estratégias e seus métodos de trabalho. Resta-nos problematizar aqui como o “desempenho” vem sendo usado como uma forma material de gerência para promover no trabalhador o “empresariamento-de-si”.
Em consonância com a lógica do capitalismo contemporâneo neoliberal, Han (2015) argumenta que a sociedade do século XXI não é mais a “sociedade disciplinar”, mas uma “sociedade do desempenho”. Seus habitantes também não são mais chamados de “sujeitos de obediência”, e sim “sujeitos de desempenho e produção”. São empresários de si mesmos. A sociedade disciplinar é baseada na negatividade do poder, ou no uso do “não” como forma obediência/controle. Na sociedade do desempenho, a positividade do poder emerge como inculcação da razão neoliberal nos indivíduos, ou seja, o uso do “sim” como forma de motivação/autocontrole.
Concretizado na administração pública como uma forma de “empresariar-se a si mesmo” (incorporação do desempenho como remuneração variável), o desempenho torna-se a forma material de suprimir a defasagem do trabalhador7 - defasagem que, a priori, é da experiência do trabalho não pago, isto é, daquele que é pago por aquilo que não se alcança. Expliquemos: o que não se alcança (e nunca se irá alcançar!) é a expectativa de comportamento para que o desempenho seja retribuível. Ou seja, sempre um, dentre vários, na competição instalada pela lógica meritocrática, será premiável, e tantos outros, cansados e frustrados, serão aqueles em que o desempenho realizou o mais-trabalho não pago.
É nessa chave que, na produção do trabalho sob a lógica do desempenho, se gera reflexivamente mais espoliação do trabalho concreto na prática dos serviços de saúde. A contínua e incessante repetição desse ciclo promove processos de trabalho que perdem o sentido de si e se transformam em números-síntese que representam, em última instância, o desempenho daquilo que poderia ser retribuível (mas não vai ser). E na tentativa de alcançar o humanamente inalcançável, o desempenho gerencialista se agudiza, se reinventa e, no seu exercício, é capaz de se fazer cada vez mais perverso. Isso fica bem claro na famosa frase que ganhou as mídias sociais e atualmente habita a representação da gestão na saúde pública: “se a gente alcança a meta, a gente dobra meta!”.
Os anseios do desempenho, já encarnados no inconsciente por meio de frases como essa, reforçam o argumento de Alemán (2017) quando este diz que a narrativa da autorrealização é absoluta e estruturalmente consonante com o neoliberalismo. Assim, é como se houvesse uma “cena fantasmática” que estivesse fixada no inconsciente coletivo. Quanto mais se persegue sua realização (“a cultura neoliberal do trabalhar”), mais realizamos a reprodução do capital nas práticas de desempenho. Isso tem sido a ordem vigente no interior da administração direta dos serviços de saúde.
Dados da pesquisa empírica realizada por Carnut (2015) comprovam essa teorização. Com a análise de 217 discursos captados de atores envolvidos na saúde (trabalhadores, gestores, usuários, políticos e pesquisadores) por meio do uso de uma ferramenta de avaliação de desempenho sobre o sistema de saúde - o Índice de Desempenho do SUS8 -, o autor demonstra como os próprios operadores da política de saúde têm dificuldades de realizar uma crítica ao procedimento gerencialista instalado.
Grande parte dos discursos analisados por Carnut (2015), 23,04% (50), perdiam tempo comparando indevidamente sistemas de saúde de municípios, estados e de nível federal, característica que metodologicamente não era possível através da ferramenta de desempenho utilizada. Em segundo lugar, 13,36% (29) dos discursos gastavam seus argumentos defendendo a avaliação positiva de seu sistema de saúde segundo os critérios da ferramenta. Em terceiro lugar, apenas, 11,52% (25) dos discursos iniciaram alguma crítica ao método e ao uso da ferramenta propriamente dita.
O mais impressionante é que 1,84% (4) dos discursos proferidos teceram elogios ao uso da ferramenta (Carnut, 2015). Os argumentos fundamentais se baseavam no “uso da ferramenta como um ponto de partida para melhoria dos sistemas de saúde”; no “vanguardismo e pioneirismo no uso da ferramenta para avaliar os sistemas de saúde” e ainda no “discurso de autoridade” baseado em organizações internacionais, incluindo a Organização Mundial de Saúde (OMS) (Carnut, 2015). Nesses discursos, percebe-se o apelo à tecnicalidade, ao discurso “modernizante” e à sintonia com o projeto da globalização financeira.
Como identificado por Marcelino (1988), é típica dos países latino-americanos a prática de buscar resolver um problema público extraindo, mecanicamente, soluções gerenciais com origem no setor privado. Nesse sentido, a adoção de um índice de avaliação de desempenho no âmbito da saúde como ferramenta gerencial promove mais injustiças, na medida em que são divulgados resultados na forma de números-síntese que quase nada expressam a complexidade dos sistemas de saúde.
Para se ter uma ideia, no caso do IDSUS (compreendido como parte de uma política pública de avaliação), deduz-se que essa ferramenta está desenhada mais para oferecer respostas ao núcleo gerencialista do Estado do que para captar uma realidade concreta. Assim, essa forma de avaliar conduz a um caminho de contratualização de resultados na gestão pública, que pouco ajuda o gestor a identificar os problemas que afetam o SUS, e desqualifica o debate na opinião coletiva.9
Por esses argumentos é possível dizer que os recursos gerenciais de flexibilização da ordem administrativa não possuem finalidade em si. Eles são funcionais para a manutenção da relação de dominação racional-legal e tradicional que se mantém necessária e imbricada para implementar o projeto de transnacionalização radical da economia, sob condução do pacto de dominação conservador (Souza Filho, 2018).
Considerações finais
Diante da densa análise realizada, podemos lançar luz sobre as perguntas que insistentemente vêm perturbando os defensores da saúde pública no país. Estamos convencidos de que o Estado, como forma política do capital, utiliza sua institucionalidade, via políticas públicas, em geral, e de saúde, em particular, para reprodução de sua valorização. Isso é um traço essencial para compreender que há uma possibilidade muito reduzida de tais políticas decorrerem apenas da irresponsabilidade dos governos.
Por isso entendemos que as propostas “reformistas”, de partida, são coniventes com os problemas aqui apresentados, pois apostam na condução das políticas públicas como forma de concretizar o direito à saúde, de forma incremental, regular e contínua. Mas o que a história contemporânea nos demonstra é o contrário: desmonte, desfinanciamento e desresponsabilização.
Acreditamos que, mesmo sob uma totalidade capitalista e na conjuntura da virada neoliberal, essa lógica não é inexorável. Depositamos na agudização da luta de classes a aposta para desconstrução dessa retórica. Por isso, crer que o SUS está melhorando, quando as problemáticas aqui relatadas aprofundam cada vez mais a impossibilidade de sua sobrevivência, é mais uma ilusão que habita a interpretação do concreto no âmbito do setor de saúde.
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1
Este artigo não é inédito, mas é original, tendo sido apresentado no XXIII Encontro Nacional de Economia Política - Crise, austeridade e luta de classes: o Brasil em um beco sem saída, realizado em Niterói pela Sociedade Brasileira de Economia Política, de 12 a 15 de junho de 2018.
-
2
Ao se referir ao capital como uma relação social de produção, Marx (2013) situa-o muito bem como produto historicamente específico de determinada formação social e econômica, em que o poderoso domínio político do Estado moderno assegurava o processo de expropriação violenta da terra. Para saber mais, consultar Marx no capítulo XXIV de O Capital, Livro I, denominado como “A assim chamada acumulação primitiva” (Marx, 2013).
-
3
Para maiores detalhes, ver FNCPS (2016).
-
4
Nessa situação, cabe reconhecer a importância de se contrapor à EC 95/2016 e, nesse sentido, torna-se fundamental ampliar a mobilização social pela sua revogação, conforme a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 5.658, em tramitação no Supremo Tribunal Federal.
-
5
Sobre a intensificação do trabalho por peça (produto/produção), Marx já dizia: “Na realidade, o salário por peça não expressa diretamente nenhuma relação com o valor. Não se trata de medir o valor da peça pelo tempo de trabalho nela incorporado, mas, ao contrário, de medir o trabalho gasto pelo trabalhador pelo número de peças por ele produzido. [...] Sob este aspecto, o salário por peça se torna a fonte mais fértil de descontos salariais e de fraudes capitalistas. Ele proporciona ao capitalista uma medida plenamente determinada para a intensidade do trabalho” (Marx, 2013, p. 623).
-
6
No decorrer do paradigma gerencial a contratualização foi tomando distintos significados nas administrações públicas. Para o conhecimento desses significados, ver Carnut e Narvai (2016).
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7
Marx já descreveu em 1865, em uma passagem quase imperceptível no capítulo 19 - “Salário por peça” (Marx, 2013) -, como a defasagem salarial permite que o controle externo da produção (a supervisão) passe a ser um controle interno (ou seja, um “autocontrole da produção”). Esse é um mecanismo técnico-gerencial potente para garantir que o trabalhador produza mais na tentativa de suprir sua defasagem individual, assim como para garantir que o capitalista aumente a produção e ainda evite gastos com pessoal para supervisão do trabalho (controle externo). Marx identificou que isso seria uma “tendência” da produção na sociabilidade capitalista, havendo a possiblidade de se desenvolver com o avanço das forças produtivas. Segundo suas palavras: “como a qualidade e a intensidade do trabalho são, aqui, controladas pela própria forma-salário, esta torna supérflua grande parte da supervisão do trabalho” (Marx, 2013, p. 624, grifo nosso).
-
8
O Índice de Desempenho do SUS (IDSUS) foi instituído pela portaria do Ministério da Saúde nº 720 (Brasil, 2011) e refere-se a um conjunto de indicadores, simples e compostos, que buscam fazer uma aferição do desempenho do SUS. Cf. Modelo avaliativo do IDSUS. Disponível em: <http://idsus.saude.gov.br/avaliativo.html>. Acesso em: 17 out. 2018.
-
9
Para maiores detalhes, ver Carnut (2015).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2018
Histórico
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Recebido
15 Abr 2018 -
Aceito
12 Set 2018