Open-access Na era das descrenças e incertezas: a cobertura jornalística sobre as vacinas nos jornais portugueses

Resumo

Os países europeus estão experimentando uma redução nas taxas de imunização em um momento de expansão dos movimentos antivacinas. Nesse contexto, a mídia pode desempenhar um papel crucial, tanto na difusão de crenças, quanto na circulação de informações confiáveis sobre o tema. Este estudo analisou a cobertura jornalística sobre vacinas na imprensa portuguesa. Foi realizada uma análise de conteúdo em uma amostra de 300 artigos publicados no Diário de Notícias e no Jornal de Notícias de 2012 a 2017. Houve uma predominância de textos relacionados às vacinas contra a gripe, sarampo e meningite. Os temas mais frequentes foram: estoque de vacinas, pesquisa sobre vacinas, cobertura vacinal e campanha de vacinação. A maioria dos artigos apresentou um tom positivo e neutro em relação à imunização. Os jornais colocaram as vacinas em sua agenda midiática, possivelmente influenciados pelas políticas de saúde pública presentes em Portugal. Tais achados reforçam a percepção que a mídia pode ser um instrumento na divulgação de informação confiável sobre o tema. Apesar de o tom negativo ser pouco presente, títulos de notícias com ênfase nas reações adversas das vacinas poderiam contribuir para despertar ou aumentar a desconfiança nos seus benefícios.

Palavras-chave: Imunização; Mídia; Saúde Pública

Abstract

At a time when anti-vaccine movements are spreading, European countries are experiencing a decrease in immunization rates. In this context, the media can play a key role both in spreading beliefs and in circulating reliable information on the subject. This study aimed to analyze the journalistic coverage of vaccines in the Portuguese press by assessing the content of 300 articles published from 2012 to 2017 in the newspapers Diário de Notícias and Jornal de Notícias. Most texts addressed themes related to vaccine stock, vaccine research, vaccination coverage, and vaccination campaign regarding influenza, measles, and meningitis. Possibly influenced by public health policies in Portugal, vaccines comprise the media agenda of newspapers. These findings reinforce the perception that the media can be used as a tool for disseminating reliable information on this subject. Most of the articles had a positive and neutral tone concerning immunization, but, although little present, headlines emphasizing adverse reactions could foment or increase distrust in the benefits of vaccines.

Keywords: Immunization; Media; Public Health

Introdução

Uma das ferramentas mais eficientes para a promoção da saúde individual e pública, a imunização contribuiu para o declínio de várias doenças infecciosas, reduzindo drasticamente as taxas de mortalidade infantil a partir do século XX, o que levou a um grande desenvolvimento na saúde pública mundial (Greenwood, 2019).

Apesar dessa trajetória, atualmente, alguns países experimentam uma descrença em relação às vacinas, enfrentando uma redução nas taxas de imunização. Tal situação está levando a um aumento no número de doentes e de óbitos relacionados a enfermidades preveníveis por vacinação. Um exemplo significativo é o do sarampo, com um incremento de casos em torno de 30% em nível global nos últimos anos (WHO, 2019).

Um dos fatos atribuídos à diminuição dessas taxas é o lobby antivacina que vem ganhando espaço nesses países. Nesse cenário, muitos governos, bem como a Organização Mundial de Saúde (OMS), estão em estado de alerta em razão do impacto que os movimentos antivacinas podem causar à saúde da população. Uma das medidas tomadas pela OMS foi classificar a hesitação em vacinar entre as dez principais ameaças à saúde pública mundial (WHO, 2019). A hesitação em vacinar é um conceito complexo e depende do contexto cultural e histórico, que varia conforme o tempo, o lugar e as vacinas. Esse conceito refere-se à relutância ou a recusa em relação à vacinação, apesar dos serviços de vacinação estarem disponíveis à população (MacDonald, 2015).

Nesse contexto, os meios de comunicação, uma das mais importantes instituições de constituição dos imaginários sociais (Oliveira, 2014), podem desempenhar um papel crucial na canalização de informações relacionadas à saúde, podendo influenciar os comportamentos relacionados à temática (Catalan-Matamoros, 2015).

Sobre os estudos que analisaram a cobertura jornalística sobre vacinas, Catalan-Matamoros e Peñafiel-Saiz (2019a), em uma revisão sistemática, constataram que, na maioria dos artigos analisados, predominaram as mensagens negativas e com baixa qualidade de informação relacionada às vacinas. Os autores ainda identificaram que a maioria das investigações centrou sua análise nos meios de comunicação americanos, sendo que, na Europa, predominou a imprensa do Reino Unido. Em Portugal, foi encontrado um estudo que analisou a cobertura sobre a prevenção nos meios de comunicação portugueses com enfoque nas fontes de informação sobre as vacinas (Gomes; Lopes, 2019). Essa lacuna no campo da comunicação e saúde aponta para necessidade de novos estudos que abarquem outros países, contribuindo para ampliar o conhecimento sobre como a mídia em diferentes nações e culturas, apresenta e dá visibilidade ao tema.

Este trabalho buscou preencher essa lacuna ao analisar os meios de comunicação portugueses. Portugal, que dispõe de um Programa Nacional de Vacinação (PNV) desde 1965, tem assistido ao retorno de enfermidades evitáveis por vacinação, como o aumento de casos de coqueluche nos últimos anos (Santos, 2013) e surtos de sarampo em 2017 (Pimentel, 2017). A Portaria nº 248/2017, que estabelece o modelo de governança do PNV, expõe a necessidade de se continuar a divulgar a importância e benefícios da vacinação em um contexto europeu de hesitação em relação a essa prática (PORTUGAL, 2017).

O objetivo deste estudo foi mapear as características da cobertura sobre as vacinas em Portugal, identificando os temas e enfoques mais presentes na imprensa portuguesa.

Quadro teórico

Este estudo ancorou-se na teoria do agendamento (agenda-setting), cujas premissas baseiam-se na concepção de que os meios de comunicação não refletem a realidade, além disso, ainda a filtram e a moldam, dando focos em algumas questões que podem levar o público a percebê-los como mais importantes do que outros (McCombs; Shaw, 1972). Esses autores argumentam que os leitores não apenas aprendem sobre um determinado assunto, mas também são influenciados com base na quantidade e importância dada a essa informação na mídia.

Para Oliveira (2014), os meios de comunicação, ao recortar e dar a conhecer apenas alguns aspectos da realidade, constroem visões sobre o real, delimitando o que deve ser visto, observado ou comentado, criando uma agenda pública que moldará diferentes imaginários sociais.

No campo da saúde pública, Pacheco e Boushey (2014) analisaram a agenda-setting sobre as vacinas, constatando que tanto os grupos de interesse quanto os governos podem usar habilmente os meios de comunicação para conscientizar a população sobre questões relacionadas à saúde. Nessa perspectiva, essa teoria pode nos ajudar a entender como a mídia molda a consciência pública sobre as vacinas em um contexto em que a confiança na imunização está se tornando um desafio para a saúde pública.

Material e métodos

Por meio de um enfoque quanti-qualitativo, foi realizada pesquisa documental com análise de conteúdo, tendo como referencial teórico os aportes da teoria da agenda-setting. A escolha dos jornais investigados baseou-se nos critérios de representatividade e disponibilidade, o que nos levou a selecionar os jornais generalistas Diário de Notícias e Jornal de Notícias, ambos diários portugueses centenários e, atualmente, pertencentes ao Global Media Group.

Fundado em 1888, o Jornal de Notícias tem sede na cidade do Porto, no norte de Portugal, ainda que seja de circulação nacional, contando com um perfil mais popular. Conforme expresso em seu site, o periódico define a sua linha editorial “como próximo das pessoas e de suas causas, [...] marcado pela solidez, confiança e grande proximidade com os leitores”. Já o Diário de Notícias, com sede em Lisboa, é considerado o mais antigo jornal ainda em circulação no país. Fundado em 1864, é visto como um diário de referência, mantendo estreita ligação com a sociedade portuguesa. Em seu site, expressa como principal objetivo “assegurar ao leitor o direito a ser informado com verdade, rigor e isenção”.

O período investigado foi de 1 de janeiro de 2012 a 31 de dezembro de 2017. Foi realizada uma busca por meio da Factiva, base de dados internacional de notícias. Foram utilizadas palavras-chave em português [vacin* OR imuniza*], que deveriam estar presentes nos títulos e subtítulos. Foram incluídas na busca todas as peças publicadas nesse período (notícias, notas, reportagens, entrevistas, editoriais e textos de opinião). No decorrer deste estudo, o termo “texto” ou “artigo”, quando utilizado, refere-se a essas peças descritas. Os artigos duplicados e aqueles que utilizaram o termo “vacina” com significado metafórico foram excluídos da amostra.

Optou-se por iniciar o período de análise em 2012 por ser o ano em que a Europa vivenciou surtos significativos de doenças evitáveis por vacinação, como no caso do Reino Unido, que enfrentou quedas nas taxas de vacinação infantil em razão da presença expressiva de atividades de lobby antivacinação durante esse mesmo ano (Gander, 2017).

Para compor o corpus de análise, os artigos foram lidos e relidos na íntegra a fim de caracterizar os temas e enfoques mais frequentes nas peças analisadas. O tom de uma notícia pode indicar, desde uma perspectiva da saúde pública, se determinada vacina recebe apoio por parte da mídia ou se o seu uso é criticado. O presente estudo baseou-se em uma tipologia utilizada por Tsuda et al. (2016), em que o texto pode apresentar um tom positivo, neutro ou negativo. O tom é identificado como positivo quando o artigo enfoca os benefícios da vacinação; neutro, se não há uma posição nem contra nem a favor da vacinação; e negativo, se o texto destacar os riscos relacionados às vacinas ou desencorajar as pessoas em se imunizar.

Os artigos foram ainda agrupados em temas, tendo como critério para a sua classificação a presença de características similares, representando assim os acontecimentos que tiveram lugar na cobertura sobre vacinação nos jornais investigados. Embora em um único artigo pudesse estar presente mais de um tema, optou-se por classificá-lo com o mais predominante.

Em relação aos tipos de vacinas presentes na cobertura jornalística, as variáveis estão descritas na Tabela 1.

Tabela 1
Tipos de vacinas e especificidades das doenças relacionadas

Para garantir a confiabilidade na sistematização dos dados, estes foram compilados pelo primeiro autor (AL), seguido por um segundo investigador (DCM). Após a conclusão dessa fase, foram realizadas alterações no esquema de codificação para dirimir eventuais discordâncias identificadas a fim de alcançar 100% de concordância.

Resultados

De janeiro de 2012 a 31 de dezembro de 2017, foi publicado um total de 337 artigos, dos quais 37 foram desconsiderados de acordo com os seguintes critérios de exclusão: duplicação, presença de enfoque na vacinação de animais e uso do termo “vacina” de forma metafórica.

A amostra final incluiu 300 artigos. Desse total, o Jornal de Notícias publicou 166 artigos e o Diário de Notícias contou com 134 textos, sem diferenças significativas entre eles (χ2=3,413; p=0.065; df=1). Em relação ao volume de publicações por ano, houve diferenças significativas (χ2=15,160; p=.010; df=5). Os anos de 2013 (n=64) e 2017 (n=62) foram os que concentraram o maior número de artigos relacionados à vacinação, enquanto 2016 foi o ano com menos cobertura informativa (n=30), conforme mostra a Tabela 2.

Tabela 2
Número de artigos publicados por ano nos jornais investigados

Em relação ao gênero jornalístico, predominaram as notícias (n=208). Outros gêneros foram: nota (n=61), reportagem (n=18), opinião (n=8) e entrevista (n=5). Os textos que ganharam a primeira página dos jornais representaram 17% da amostra (n=50), sendo 14 deles manchetes.

Os artigos versavam sobre diferentes tipos de vacinas, no entanto, predominaram aquelas relacionados à gripe, sarampo e meningite (Tabela 3). É possível destacar ainda a presença expressiva de notícias sobre vacinas que ainda se encontram em fase de pesquisa, como aquelas relacionadas a doenças como ebola, aids, malária, Alzheimer, câncer, zika e hanseníase.

Tabela 3
Tipos de vacinas identificadas na cobertura jornalística em Portugal

Em relação ao tom do artigo, houve diferenças significativas entre as categorias (χ2=103,740; p=<.001; df=2). A maioria dos artigos continha um tom positivo (n=162) e neutro (n=117), como nos exemplos: “Vacina eficaz contra a meningite B” (Vacina, 2012) e “Ajuda para vacinas e consultas” (Ajuda, 2017). O “n” representa o número individual de cada uma dessas vacinas, que foram agrupadas por ter o mesmo “n”.

Os artigos foram agrupados em 17 categorias temáticas. Prevaleceram os relacionados ao estoque de vacinas, as pesquisas sobre vacinas, a cobertura vacinal e as campanhas de vacinação, representando juntos mais de 50% (Tabela 4).

Tabela 4
Categorias temáticas presentes nos artigos publicados no Jornal de Notícias e Diário de Notícias

A primeira categoria enfocou a falta de vacinas em centros de saúde, hospitais e em farmácias (n=54), como na notícia: “Norte está há três semanas sem vacinas” (Norte, 2012). Também houve cobertura informativa sobre a normalização do estoque.

A segunda categoria, “Pesquisas sobre vacinas”, trouxe artigos sobre investigações (n=48), a maioria internacionais, que se encontravam em andamento ou mesmo aquelas relacionadas ao possível surgimento de uma nova vacina, como no caso do título: “Vacina abre caminho contra dengue” (Vacina, 2012). As notícias sobre pesquisas versaram sobre diversas vacinas, no entanto, se destacaram aquelas relacionadas ao ebola (n=8), aids (n=6), malária (n=5) e gripe (n=4).

A terceira categoria, “cobertura vacinal” (n=36), reuniu, como linha geral, informações sobre o número de pessoas imunizadas, bem como a meta de vacinação do Ministério de Saúde português relacionada principalmente à gripe sazonal, enfocando ainda os casos de baixa adesão à vacinação. Relacionada a essa categoria, encontra-se a “campanha vacinal” (n=31), que contou com alguns temas como o chamamento para a adesão à campanha, os grupos de risco que deveriam ser vacinados, os benefícios e a quantidade de vacinas disponíveis na rede pública e nas farmácias para esse período.

No que diz respeito aos enfoques predominantes nos artigos (tons), houve diferença significativa entre os tipos de tons (χ2=103,740; p=<.001; df=2). Constatou-se que a maioria dos artigos apresentou um tom positivo (n=162) e neutro (n=117) em relação à vacinação (Tabela 5). No tom positivo, se destacaram notícias como, no exemplo: “DGS recomenda vacina da gripe” (DGS, 2013) e no neutro: “Vacina contra o cancro” (Vacina, 2016). Em contraposição, a frequência de textos negativos foi menor (n=21), destacando, por exemplo, as possíveis reações adversas de vacinas, como na manchete: “Vacina da meningite associada à morte de criança” (Vacina, 2015).

Tabela 5
Distribuição da categoria tom por anos de publicação

Ao analisar a evolução do tom por ano de estudo, constatou-se que 2017 incluiu um número maior de artigos positivos (n=44) (Tabela 5). Já nos artigos neutros e negativos, não houve diferença significativa ao longo do estudo (neutral: χ2=9,821; p=080; df=5; negative: χ2=9,000; p=.109; df=5). Em relação aos estudos negativos, 2014 foi o ano com mais frequência, enquanto, em 2016 e 2017, foram quase imperceptíveis (n=1 para ambos os anos). Observamos uma tendência de decréscimo dos artigos negativos e aumento dos artigos positivos, enquanto os artigos neutros se mantiveram em valores similares durante o período de estudo.

Discussão

Este estudo examinou a cobertura jornalística sobre vacinas a fim de compreender como esse tema tem sido apresentado na mídia portuguesa. Para alcançar esse propósito, analisamos 300 artigos relacionados às vacinas em jornais de alcance nacional, de 2012 a 2017, apresentando um amplo panorama sobre essa cobertura.

Os jornais investigados deram visibilidade às vacinas, no entanto, esse não foi um tema frequente nas capas e somente foi manchete quando se referia a alguma suspeita ou risco relacionado à vacinação ou quando houve problemas no estoque de vacinas, como no caso de algum surto, como o do sarampo. Sobre os gêneros jornalísticos, não foram encontrados editoriais sobre o tema, o que poderia indicar que os jornais não se posicionaram frente à vacinação como uma prática preventiva relevante para a sociedade portuguesa.

A vacina contra a gripe ocupou a primeira posição entre as mais citadas durante os seis anos de estudo em Portugal. O país vem sofrendo todos os anos perdas de vidas relacionadas a essa doença contagiosa, assim como outros países europeus. No período de gripe entre 2016 e 2017, 4.467 pessoas morreram em decorrência dessa enfermidade, o que pode refletir o interesse jornalístico pelo assunto devido ao seu elevado impacto social. Ambos os jornais produziram notícias sobre essa vacina com base nos dados divulgados pelo Vacinômetro, um projeto lançado em 2009 pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia que monitora, em tempo real, a cobertura vacinal contra o vírus da gripe em grupo prioritários durante a época gripal (SPP, 2019). O Diário de Notícias, por exemplo, comprometeu-se publicamente a divulgar os dados fornecidos por essa entidade durante o período de vacinação da gripe, o que se expressa em sua cobertura jornalística.

Em relação aos temas, destacaram-se aqueles relacionados ao estoque de vacinas, pesquisas sobre vacinas, bem como cobertura e campanhas de vacinação. A categoria “estoque de vacinas” trouxe principalmente a falta de vacinas em decorrência de problemas na produção, como no caso da BCG, elaborada em um laboratório na Dinamarca. Essa dificuldade afetou o abastecimento do produto em Portugal, recebendo atenção dos jornais investigados de 2012 a 2016. Essa vacina constava no plano nacional de vacinação, devendo ser ministrada nos primeiros dias de vida. Em junho de 2016, passou a ser aplicada apenas para os grupos considerados de risco, enquanto, em 2017, já não houve nenhuma notícia relacionada à BCG.

A falta de vacina contra a gripe nas farmácias também esteve presente na cobertura jornalística. Em Portugal, somente são vacinados gratuitamente idosos a partir de 65 anos, profissionais de saúde e pessoas portadoras de alguma doença específica, enquanto o resto da população deve comprar essa vacina nas farmácias.

Também houve cobertura informativa sobre a normalização do estoque, mostrando um seguimento de fatos que haviam sido noticiados anteriormente. Como esse foi o tema mais frequente, é um indicativo de que os jornais investigados cobrem acontecimentos que são próximos à população ao abordar um tema que reflete a necessidade de garantir o acesso à vacinação.

Na categoria “pesquisa sobre vacinas”, a maioria dos textos publicados sobre esse tópico era formada por notas (33,3%), o que significa um aporte limitado de informação aos leitores sobre os estudos realizados. Em alguns casos, não havia dados que mostrassem como foi o seu desenvolvimento ou mesmo relacionados ao órgão responsável pela pesquisa.

No caso do tema “campanha de vacinação”, as notícias mostraram uma abordagem preventiva destacando o papel da imunização como a melhor forma de prevenir doenças. Esses achados dialogam com os encontrados por Gomes e Lopes (2017; 2019), que constataram que os jornais generalistas portugueses dão destaque à vacinação nas notícias sobre saúde. Deve-se ter em conta, entretanto, que os textos, formados em sua maioria por notícias e notas, foram mais objetivos e, em linhas gerais, não ofereceram informação mais elaborada ou explicativa sobre as vacinas.

Os anos que concentraram o maior número de artigos foram 2013 (n=64) e 2017 (n=62) (Tabela 5). Em 2013, além das notícias sobre a falta de vacina, outro tema em destaque foi a dificuldade de acesso à vacina contra a meningite B, bem como a discussão sobre a sua inclusão no Plano Nacional de Vacinação. Também nesse ano, outros artigos que estiveram em evidência foram os relacionados às pesquisas contra HIV/aids com o início de ensaios clínicos na busca de uma vacina contra essa enfermidade.

Em 2017, das categorias analisadas, destacaram-se “movimentos antivacina”, “surtos/epidemias”, “discussões sobre a obrigatoriedade da vacinação” e “estratégias de prevenção”, temas relacionados principalmente aos casos de sarampo, representando 50,06% dos textos publicados nesse ano. As doenças evitáveis por vacinas, em geral, receberam mais atenção da mídia durante os surtos do que em outros períodos.

Desde 2004, o país não tinha casos de transmissão endêmica de sarampo, somente importados, o que levou a OMS a certificar o sarampo como eliminado no país em 2015 e 2016. Depois de 12 anos, em 2017, Portugal enfrentou um surto dessa doença. De fevereiro a maio daquele ano, houve 28 casos confirmados, dois quais 16 não eram vacinados (George et al., 2017). Uma adolescente não vacinada morreu dessa enfermidade, o que fez com que esse acontecimento recebesse ampla cobertura midiática, fomentando uma discussão se a vacinação deveria se tornar obrigatória. Em Portugal, não é uma prática imposta pelo Estado, pois é entendida como um ato de cidadania, como um direito e dever das pessoas, que devem ser conscientes da necessidade de proteger sua saúde, bem como a saúde pública. Outros países europeus, como Itália e França, acabaram adotando essa medida em 2017 em relação a algumas vacinas com o propósito de elevar suas taxas de imunização e reverter esse quadro (Bozzola et al., 2018).

Outro tema que surgiu durante esse ano foi relacionado ao movimento antivacinas, que tem na desinformação um dos seus principais objetivos (Gander, 2017). Alguns fatos que motivaram a produção dessas notícias: casos de pessoas infectadas por sarampo que não haviam sido vacinadas e alguns debates sobre o porquê da recusa em se vacinar.

A predominância dos tons positivo e neutro dos artigos indica que houve, por parte dos jornais, um olhar voltado para a valorização da imunização. Os achados se assemelham aos encontrados por Catalán-Matamoros e Peñafiel-Saiz (2019b) e Cuesta-Cambra, Martínez-Martínez e Niño-González (2019), que, ao analisar a mídia espanhola, constataram a predominância de uma abordagem positiva e neutra/neutra e positiva, respectivamente, ao analisar as notícias sobre vacinação.

Apesar do tom negativo ser pouco presente na cobertura jornalística investigada, é importante considerar que títulos que chamam a atenção para reações adversas das vacinas, inclusive sendo manchete, poderiam contribuir para despertar ou aumentar a desconfiança nos benefícios e na efetividade das vacinas. Tal fato poderia ocorrer porque, em muitos casos, as pessoas nem chegam a ler o texto na íntegra, se detendo na leitura do título e/ou do primeiro parágrafo (lead) devido a sua visibilidade. Para atrair os leitores, os títulos priorizam determinado enfoque, o que nem sempre reflete a totalidade do texto (Catalán-Matamoros; Peñafiel-Saiz, 2019b). A notícia pode até contrastar opiniões relacionadas à vacinação, mas o fato de dar destaque às reações adversas no título poderia induzir o leitor a uma interpretação distorcida do acontecimento, principalmente se este não lesse todo o texto. Como chama a atenção Catalán-Matamoros (2015), os meios de comunicação podem gerar de maneira inconsciente e, como parte da sociedade que são, falsas crenças, estereótipos e estigmas.

Outra notícia vinculou o hidróxido de alumínio presente em algumas vacinas com a doença miofascite macrofágica (A Luta, 2015), entretanto, somente é citada uma fonte, relacionada à associação francesa de pacientes com essa enfermidade, sem contrastar essa informação com alguma outra fonte médica ou científica. Esse dado vai ao encontro dos resultados de Gomes e Lopes (2019), que, ao analisar as fontes de informação de jornais portugueses, constataram que “uma grande parte dos textos nem chega a assegurar o princípio do contraditório e a pluralidade de perspectivas sobre o que se mediatiza” (Gomes; Lopes, 2019, p. 276).

Controvérsias relacionadas a vacinas surgiram na França desde o início da década de 1990 motivadas pela presença de adjuvantes nas vacinas, como no caso do hidróxido de alumínio e a sua suposta ligação com essa enfermidade (Fokoun, 2018). Estão na base de muitos dos argumentos que sustentam os movimentos antivacinas ao vincularem as vacinas a doenças, entretanto, não há consenso ou base científica sólida que sustente que a aplicação de vacinas que contêm alumínio possa representar algum risco para a saúde (WHO, 2008). A notícia sobre miofascite macrofágica também se destaca pelo fato de colocar os laboratórios como arqui-inimigos, o que endossa a baixa confiabilidade nos laboratórios, também presente nas ideias conspiratórias.

Este estudo apresenta algumas limitações que devem ser levadas em consideração. Nos centramos em dois jornais portugueses, por isso, nossos achados não podem ser generalizados, considerando que o país conta com outros diários, além de jornais regionais e revistas semanais e mensais, que poderiam trazer outra configuração a análise sobre a cobertura sobre vacinas. Seria relevante também em estudos futuros investigar outros meios de comunicação, como televisão, site de notícias, rádio, pois nem todos os meios impõem conceitos e comportamentos da mesma forma. Cada enunciador, assim como sua audiência, conta com características próprias (Sampaio, 2011). Um estudo incluindo uma diversidade de formatos e audiências enriqueceria a análise e contribuiria para uma compreensão mais ampla sobre o fenômeno investigado.

A centralidade e visibilidade que marcaram o jornalismo nos últimos séculos vêm passando por transformações com a expansão das redes sociais. Os meios de comunicação, durante muitos anos, centralizaram o processo de seleção de fatos que se tornariam públicos, entretanto, esse espaço está, cada vez mais, sendo ocupado pelas mídias sociais, o que possibilita a difusão de uma diversidade de informações, discursos e pontos de vista. Este estudo não incluiu a análise das redes sociais em Portugal, o que poderia contribuir para uma investigação do papel que as mídias sociais vêm desempenhando na difusão de informações pouco confiáveis sobre as vacinas. Cuesta-Cambra, Martínez-Martínez e Niño-González (2019), por exemplo, pesquisaram a comunicação de informações sobre vacinas e antivacinas por meio do monitoramento de sites de notícias e redes sociais. Os autores constataram que os grupos de Facebook sobre vacinas alteraram o seu perfil no decorrer do tempo, começando pela circulação de notícias antivacinas para se tornar espaços mais neutros em que as pessoas podiam compartilhar suas dúvidas. Entretanto, esses grupos não contavam com a participação de especialistas e tendiam a ter um tom negativo ou de medo em relação às vacinas.

Apesar da presença significativa dos meios de comunicação e das redes sociais no cotidiano da população, esses não são necessariamente a única fonte que as pessoas dispõem para obter informação sobre vacinas. Além desses, outros fatores relevantes são: o acesso aos serviços de saúde, percepções sobre os riscos relacionados a doenças e à segurança das vacinas também estão em jogo (Arriola et al., 2015). Para compreender um fenômeno tão complexo como a hesitação em vacinar, estudos qualitativos, com entrevistas e grupos focais, devem ser realizados, lançando luz sobre as crenças e atitudes dos pais para compreender como ocorre esse processo de construção da desconfiança em relação às vacinas e às instituições científicas. É ainda importante ter em mente que não necessariamente pais que não vacinam seus filhos ou mesmo que têm dúvidas sobre o assunto fazem parte dos movimentos antivacinas, sendo necessário considerar essas nuances em investigações futuras.

Considerações finais

Pode-se considerar que os jornais investigados colocaram as vacinas em sua agenda midiática, muito possivelmente influenciados pelas políticas de saúde presentes em Portugal, como apontam Gomes e Lopes (2019), enfocando ainda uma perspectiva positiva e de benefícios relacionados à imunização.

Esperamos que este estudo melhore e amplie o conhecimento sobre a cobertura jornalística de vacinas em países não anglo-saxônicos, pois os movimentos antivacinas estão difundidos em muitos países e, portanto, é necessário aprofundar-se em que tipo de informação a população recebe sobre uma estratégia preventiva que se mostra cada vez mais essencial na saúde pública.

Tais achados reforçam a percepção que a mídia pode ser um instrumento na divulgação de informação confiável sobre vacinas, evidenciando ainda que as instituições públicas de saúde devem dar mais atenção a estratégias comunicacionais que possam barrar a proliferação de desinformação relacionada à vacinação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    25 Fev 2021
  • Revisado
    25 Fev 2021
  • Aceito
    25 Mar 2021
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