Resumo
As rigorosas medidas de segurança adotadas pelos hospitais, em decorrência da pandemia, estenderam-se também às Unidades de Terapia Intensiva Neonatais (UTIN). Este artigo desvela, por meio de observação sistemática, as mudanças organizacionais e estruturais ancoradas na Teoria Ambientalista de Nightingale que ocorreram na UTIN de um hospital público do interior da Bahia. Observou-se a interconexão entre os Ambientes Físico, Psicológico e Social, porém, com comprometimento na comunicação e relação entre família, neonato e equipe, apresentando um viés sensível das consequências restritivas da covid-19. Salienta-se o paradoxo entre zelar pela segurança e o impedimento das práticas informativas e facilitadoras de vínculos que envolvem o trinômio mencionado. Contudo, novas estratégias emergem desse contexto, levando os profissionais a se reinventarem e ousarem na comunicação, por meio de recursos remotos antes não utilizados, destacando as tecnologias digitais.
Palavras-chaves: Unidade de Terapia Intensiva Neonatal; Familiares; Comunicação; Tecnologias em Saúde
Abstract
The strict safety measures adopted in hospital environments due to the pandemic have also been extended to Neonatal Intensive Care Units (NICU). By means of a systematic observation and based on Nightingale’s Environmental Theory, this article sought to unveil the organizational and structural changes in the NICU of a public hospital in the countryside of Bahia. Results indicate an interconnection between physical, psychological, and social environments, which were committed to the communication and relationship between family, newborn, and team, thus presenting a sensitive bias of the restrictive consequences of covid-19. These findings highlight the paradox between ensuring security and preventing informational and bond-facilitator practices that involve the aforementioned triad. From this context emerge new communication strategies leading professionals to reinvent themselves, and to dare in communication by remote resources not used before, emphasizing the use of digital technologies.
Keywords: Neonatal Intensive Care Unit; Relatives; Communication; Health Technologies
Introdução
O novo coronavírus, causador da doença covid-19, provocou diversas mudanças comportamentais, econômicas e no modo de promover a saúde das pessoas a nível mundial. Trata-se de uma doença altamente contagiosa, e a medida de isolamento social tem sido uma das ferramentas mais seguras no enfrentamento da doença (OPAS, 2020).
O isolamento social prevê um afastamento físico entre o indivíduo e sua rede de contatos. As restrições advindas desta medida levam a desordens na interação, na comunicação, nos afetos, e que culminam no mal-estar psíquico. Além desta conduta de proteção da doença, outras de alcance individual (lavagem das mãos e uso de máscaras), ambiental (higienização rotineira de superfícies) e comunitário (restrição ou proibição de funcionamento de espaços que possam promover aglomeração de pessoa), precisaram ser adotadas e/ou reforçadas por recomendação das políticas públicas em saúde como intervenção não farmacológica (Malta et al., 2020).
Nos ambientes hospitalares, por exemplo, têm-se tomado condutas rigorosas relacionadas aos cuidados para não propagar o vírus. Algumas das medidas administrativas modificam processos e fluxos de trabalho, incrementando equipamentos de proteção individual (EPI) para as equipes, formulando diretrizes clínicas relacionadas às medidas preventivas aos pacientes com suspeita da covid-19, entre outras (Wong et al., 2020). O objetivo é garantir qualidade assistencial aos pacientes hospitalizados, em quaisquer unidades, por meio de um plano de assistência condizente com as necessidades individuais, não fragmentadas, sublinhando a importância de práticas inovadoras e integradoras do cuidado (Meira; Oliveira; Santos, 2021).
Na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), o controle das infecções neonatais está envolvido num grupo de estratégias e práticas sistematizadas que têm como finalidade evitar infecções. Ainda que as condutas de higienização das mãos, protocolos de entrada e permanência no local, por exemplo, já fossem rigorosas antes da pandemia (Góes et al., 2020; Jurema, Cavalcante e Buges, 2021), a atenção à saúde do recém-nascido, nesse contexto pandêmico, sofreu adaptações importantes, dada a imaturidade imunológica do neonato. A nota técnica nº 6/2020 do Ministério da Saúde (Brasil, 2020), em parceria com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) sustenta a necessidade de medidas restritivas sociais como elemento importante de controle no contexto de infecção pelo novo coronavírus.
Embora as restrições pertinentes à prevenção e ao controle da pandemia sejam de extrema importância no cenário atual, é preciso lembrar que essas medidas transpassam o fluxo da organização do serviço, além de exigir da equipe de saúde local novas práticas de cuidado que garantam a qualidade assistencial (Morsch et al., 2020).
O estudo de Fonseca et al. (2020), realizado numa UTIN, indica que elementos de organização estrutural da instituição, bem como do setor assistencial, propicia uma atenção de qualidade humanizada ao recém-nascido e aos seus pais. Nesse contexto, Negro et al. (2020) destacam que a qualidade assistencial em saúde se relaciona com a qualidade da interação entre os usuários e os profissionais da equipe multiprofissional, sendo que o regozijo dos usuários está diretamente ligado às condições do serviço de saúde.
Araújo et al. (2021) reiteram essa afirmativa apontando que a comunicação clara e efetiva da equipe de saúde da UTIN com os pais, sobre o estado geral de saúde dos seus filhos, bem como os serviços assistenciais de qualidade que os bebês têm recebido, tem sido um importante fator gerador de satisfação. Ao pensar no sentido integrado que compõe a dinâmica de funcionamento da UTIN e na construção de práticas de saúde integrais que emergem da relação equipe e família, a assistência ao neonato não deve se limitar à oferta de cuidados apenas a eles, mas considerar também a necessidade de interação dos pais, sobretudo na construção dos saberes (Souza; Ferreira, 2010).
Contudo, experiencia-se atualmente um momento de difícil integração do trinômio pais, bebês e equipe multiprofissional, em decorrência do tempo pandêmico que requer medidas de distanciamento e isolamento social e que implicam em diversas restrições no ambiente hospitalar (Chaves et al., 2021).
Deste modo, este artigo desvela as mudanças organizacionais e estruturais ocorridas na UTIN de um hospital público do interior da Bahia em decorrência da pandemia em curso. Para essa discussão utilizaremos a Teoria Ambientalista de Florence Nightingale, a qual foca no ambiente de assistência à saúde dos indivíduos e amplia o conceito de ambiência considerando o aspecto emocional e social (Levachof; Martins; Barros, 2021). Tavares et al. (2020) afirmam que o primeiro aspecto, ou ambiente emocional, pode ser afetado num espaço que proporcione múltiplas experiências. Por sua vez, o ambiente social seria afetado por meio das inter-relações entre as pessoas que estão envolvidas no ambiente físico de cuidado.
Salienta-se que a preocupação com o meio ambiente, no âmbito do cuidado, existe, especialmente, desde meados do século XIX, na ocasião da enfermagem reconhecida como profissão. Esse zelo repercute na atualidade por meio de uma assistência humanizada fundamentada no controle do ambiente em que o doente está inserido. Para Nightingale, este controle trata dos aspectos da higiene ambiental e demanda pelos dispositivos de cuidado, mas considera equilibrá-los com o que está ao redor do paciente, tornando-o um ser de relação e interação com o meio em que está inserido (Medeiros; Enders; Lira, 2015).
Para a Teoria Ambientalista de Florence, um local equilibrado colabora com o restabelecimento da saúde do indivíduo por meio de cuidados gerais e específicos. Tais cuidados, portanto, devem ser compreendidos em sua integralidade considerando os fatores externos que interagem com o indivíduo, ocasionando, assim, condições favoráveis de recuperação (Levachof; Martins; Barros, 2021).
Métodos
Trata-se de um estudo observacional de abordagem qualitativa e descritiva. A técnica para coleta de dados foi a observação sistemática, seguindo um plano pré-definido. A vantagem dessa técnica é a possibilidade de obter uma variedade de acontecimentos e poder compreender comportamentos típicos a partir de informações e diferentes fenômenos. Para este mesmo autor, a observação nada mais é do que o uso dos sentidos para adquirir informações do cotidiano, porém, é utilizada como método científico quando serve a um objetivo formulado de pesquisa ao mesmo tempo que é sistematicamente planejada. (GIL, 2008)
A ideia de sistematizar uma observação para gerar este estudo está vinculada a um estudo maior de pesquisa operacional baseada nas mudanças de rotina da UTIN de um hospital público do interior da Bahia, considerando o crítico cenário da pandemia do novo coronavírus.
O hospital, onde ocorreu o estudo, é de administração pública, destinado a atendimento médico-hospitalar de média e alta complexidade à demanda espontânea e referenciada pactuada com outros municípios. Embora seja de característica geral, não realiza procedimentos de obstetrícia como partos, sendo a UTIN destinada para pacientes externos. Estas características tornam o local propício para realização do estudo, pois a probabilidade de existir famílias de outras regiões atravessadas pelas medidas restritivas da covid-19 pode ser maior (local de trabalho dos pesquisadores). O setor da UTIN apresenta 10 leitos instalados, um posto de enfermagem, uma sala de prescrição médica, uma sala de preparação dos medicamentos com pequeno almoxarifado, uma sala de recepção, uma copa, uma sala de ordenha de leite materno, três salas de descanso para a equipe multiprofissional, dois banheiros/vestuários e um expurgo.
Como instrumento de coleta de dados foi elaborado um roteiro observacional (Quadro 1).
O roteiro foi dividido nas ambiências previamente categorizadas, conforme a Teoria Ambientalista de Nightingale. Por Ambiente Físico, entende-se o espaço físico e material que se modificam a partir do modo como os cuidadores se organizam. O Ambiente Psicológico tem relação com o estresse gerado pelo ambiente de cuidado isoladamente, e pode associar-se a alguma medida que tensione as ações de quem cuida. O Ambiente Social relaciona-se com a mudança de comportamento daquilo que é externo e que pode interferir em quem está sendo cuidado (Levachof; Martins; Barros, 2021; Peres et al., 2021).
Os olhares dos observadores estavam direcionados às implicações da covid-19 dentro destes ambientes, que são modulados pelo cuidado presencial de modo participativo e colaborativo ao trinômio equipe, neonato e família. Os servidores do setor estavam cientes da realização da pesquisa operacional e, nessa ocasião, do procedimento das observações, bem como dos objetivos da pesquisa.
Três pesquisadores, também com vínculo funcional no hospital, procederam com as observações em momentos distintos, durante o período diurno, por tempo máximo de 4 horas por dia, entre os dias 4 e 30 do mês de outubro de 2020. Uma escala de observação para organizar as idas ao setor foi elaborada e apresentada previamente à coordenação da UTIN, por se tratar de um local de circulação restrita.
A pesquisa operacional foi aprovada pela coordenação local e pelo Núcleo de Educação Permanente do hospital. Essa pesquisa zelou pela não divulgação de dados que possibilitassem identificar o hospital ou seus servidores, zelando por sua integridade e dignidade.
Resultados
Os resultados foram organizados em três categorias coincidentes com a perspectiva Ambientalista de Nightingale e observados à luz dos efeitos da covid-19: Ambiente Físico; Ambiente Psicológico; Ambiente Social (Figura 1).
Diante dos achados, a composição da figura ocorreu mediante relação de interconexão e fluidez no trânsito entre as Ambiências. A Comunicação e o Relacionamento foram elementos observados como chaves que perpassam todos os Ambientes e que foram afetados diante das edidas restritivas oriundas da covid-19.
Cada categoria deste estudo traz como resultados os principais pontos observados e que emergiram do campo durante a coleta de dados referentes aos Ambientes estudados (Quadro 2).
No Ambiente Físico, algumas mudanças estruturais aconteceram para melhor atender à possível demanda relacionada ao diagnóstico de algum neonato com covid-19. Uma sala, antes com 3 boxes, direcionada à ordenha de leite por mães, precisou ser adaptada para receber um leito de isolamento respiratório a neonatos, passando a ter 9 leitos comuns e 1 leito de isolamento. A sala da coordenação de enfermagem do setor, dispondo de apenas 1 box, também precisou ser adaptada para acolher as mães que ordenham.
Ressalta-se que foi feito o controle do fluxo de servidores entre os ambientes no setor; o reforço da não circulação por outros espaços do hospital; a incrementação quanto ao uso, descarte e higienização de EPI; a intensificação de higienização das incubadoras, das superfícies em geral, sobretudo, as mãos; a não divisão de talheres, copos, toalhas e/ou alimentos com outras pessoas na copa do próprio setor.
No que tange a Ambiência Psicológica, notou-se o uso constante dos EPIs pelos colaboradores do setor e pelos pais que estiveram presentes durante o período observacional. Houve redução temporária do quadro de funcionários, o que repercutiu numa menor disposição do número de leitos, em decorrência do afastamento de membros da equipe por apresentarem sintomas gripais sugestivos ou confirmados da covid-19. Outros ainda precisaram ter suas atividades remanejadas por se enquadrem em grupo de risco.
No que diz respeito a Ambiência Social e que pode relacionar-se com a Ambiência Psicológica, houve mudanças no fluxo de visita e permanência de familiares na UTIN, entre as quais, destacam-se: a permissão de visitas apenas aos pais; a permanência dos pais na unidade reduzida para 1 hora por dia, sendo possível livre acesso apenas às lactantes, e a passagem de boletins médicos restrito aos pais ou responsáveis. Aos familiares que não podem estar presentes, adotou-se o uso de tecnologia digital para informações clínicas e momentos vivenciados pelos bebês (banho, dietas e sono).
Tais resultados serão discutidos e ancorados em um conjunto de conceitos, relacionamentos e hipóteses que projetam a visão sistêmica do fenômeno.
Discussão
Devido à consideração da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o caráter pandêmico da covid-19, instituições públicas e privadas passaram a adotar medidas de controle baseado no que se conhecia sobre a doença. O momento requer uma visão integral que atenda todas as solicitações diante de uma doença que segue em constante estudo. As exigências quanto às medidas de prevenção, sobretudo as de isolamento e consequente diminuição da circulação de pessoas passaram a ser medidas orientadas pelas autoridades e adotadas, portanto, pelo estabelecimento de saúde do estudo (OPAS, 2020).
O conceito de Ambiente leva em conta o local onde o doente e a família se encontram para a prestação de cuidados, considerando seus componentes físicos, sociais e psicológicos, os quais necessitam ser compreendidos de maneira interrelacionadas junto àqueles que prestam o cuidado (Medeiros; Enders; Lira, 2015).
Diante das observações feitas, percebeu-se a interlocução dos ambientes e o atravessamento entre os achados como apontado na Figura 1. Corroborando com o que foi observado, Fernandes e Silva (2020) dizem que, conforme Florence já ressaltava, o ambiente influencia o estado de saúde geral do indivíduo, por entender que o estresse físico poderia repercutir no estresse psicológico sugerido, ainda, por alterações no âmbito social.
Em resposta às ações de vigilância implementadas por meio das medidas protetivas à covid-19, os servidores atuantes passaram a adotar maior rigorosidade, em especial, à lavagem das mãos e ao uso sistemático do EPI. Silva et al. (2020) acrescentam que estes cuidados devem ser desenvolvidos em parceria com os pais. Nas observações deste estudo, tais condutas não só se estenderam aos genitores que passaram a viver o cotidiano de internamento com a realidade de biossegurança ainda mais exigente pelo serviço como, de alguma forma, pode ter gerado obstáculo para construção de vínculo.
O fato de haver copa, banheiro e confortos disponíveis no setor é um facilitador para a não circulação em outros ambientes do hospital, levando ao cumprimento das orientações previstas e colaborando para minorar riscos de contaminação e disseminação do vírus, além de reforçar a perspectiva de Nightingale no que tange a Ambiência Física (Barboza et al., 2020).
A necessidade que alguns membros da equipe têm de se afastarem das atividades laborais pode ter trazido maior sobrecarga física e emocional aos colaboradores, já que as medidas restritivas da covid-19 implicam, em sua essência, sofrimento à equipe prestadora de cuidados (Benedetto; Moreto; Vachi, 2020). Além disso, leva a gestão ao desgaste quanto à (re)adaptação das escalas de serviço, para fins de otimização da assistência. Com o afastamento dos colaboradores, foi necessário bloquear, temporariamente, alguns leitos de internamento, o que diminui a oferta desse serviço especializado à população.
Diante deste cenário e das múltiplas facetas que a equipe multidisciplinar assume dentro da unidade com suas tarefas instrumentais, quer sejam por volume ou complexidade, a possibilidade de repercussão no relacionamento entre equipe de saúde e família podem acarretar a desconsideração de fenômenos que envolvam o estado psicoafetivo e informativo/educativo aos familiares (Duarte et al., 2020). O estudo de Campos et al. (2017) aponta a necessidade de enfrentar os estressores, como a sobrecarga de trabalho e até conflitos relacionados à comunicação, a fim de buscar um melhor entrosamento entre a equipe e, por conseguinte, a relação com os usuários.
Deste modo, é possível perceber, para além da interrelação ambiental entre o espaço físico e suas exigências restritivas de caráter social, a repercussão na ambiência psicológica tanto dos profissionais quanto das famílias envolvidas. Conforme Fernandes e Silva (2020), a teoria ambientalista abarca um conjunto de condições e influências externas. Elas são capazes de prevenir, suprimir ou contribuir com a saúde, a doença e até mesmo a morte nas dimensões física, psíquica, social e espiritual. Essa abordagem teórica, inclusive, coincide com o conceito de saúde definido pela OMS, pois também indica que as dimensões supracitadas afetam a saúde do indivíduo.
Ao mensurar ao máximo o risco de exposição da família ampliada, recém-nascidos e equipe de saúde local, optou-se por suspender a visitação de quaisquer membros da família que não fossem os pais, à exceção da impossibilidade da presença destes. Neste caso, outro familiar responsável assume as funções parentais (visitação ao neonato e recebimento dos boletins médicos). Silva et al. (2020) evidenciaram que a ausência dos avós e outros familiares interfere negativamente na construção de vínculo entre o binômio bebê e família ampliada, e na possibilidade de escuta qualificada com potencial de intervenção direta a estes membros, por parte dos profissionais (e especialmente da psicologia).
As medidas restritivas relacionadas ao acesso da família à UTIN possibilitam algum controle relacionado à exposição ao vírus no ambiente hospitalar. Talvez isso corrobore com uma sensação de segurança maior aos profissionais atuantes e aos bebês que estão sob cuidados intensivos. Porém, cabe sublinhar que essas medidas podem atravessar arduamente as conquistas relacionadas às práticas facilitadoras de vínculos e proteção neurossensorial dos neonatos, aumentando o desafio da equipe multiprofissional na prestação dos cuidados (Morsch, 2020).
Nesse contexto, há pais que não podem estar presentes na unidade. Alguns por cumprirem as orientações de quarentena, em decorrência dos sinais e sintomas sugestivos ou confirmados da covid-19, e outros por residirem em regiões circunvizinhas e não apresentarem condições socioeconômicas de se alojarem na cidade.
Essas limitações trazem inúmeros desafios ao binômio família e equipe: desperta nos profissionais a necessidade de organizar estratégias que influenciem novas práticas de comunicação, buscando garantir, dentro do que é possível, a humanização do serviço dando apoio aos familiares, não só emocional, mas informativo (Dalmolin et al., 2016).
Com essa evidente necessidade, foi possível perceber a singularidade da comunicação em todas as ambiências da UTIN. O estabelecimento de uma comunicação clara na transmissão de informação sobre o que tem acontecido com o neonato enfermo aproxima a equipe multiprofissional dos pais. Isso tende a aflorar a sensação de segurança sobre os cuidados que estão sendo ofertados na unidade hospitalar, podendo reverberar no aumento da esperança em relação à recuperação e até na vida futura do neonato (Rolim et al., 2017).
Pensando nesse aspecto, foram introduzidas as seguintes ações para promover aproximação das famílias ausentes: transmissão de boletins médicos mediados por mídia digital (ligação telefônica) e a utilização deste para estimular a vinculação afetiva (envio de fotos dos bebês às famílias e de áudios recebidos destas para os bebês).
Essas ações procuram aliviar, em alguma medida, a tensão provocada pelo distanciamento físico somada à angústia pela constante expectativa de notícias sobre o estado de saúde do bebê. Entretanto, pode não ser eficaz para garantir a compreensão dos pais sobre o que se passa. Talvez seja necessário aproveitar as potencialidades tecnológicas para inovar nas estratégias de comunicação procurando avançar no relacionamento equipe-família e, assim, incorporá-lo também como proposta interventiva (Dalmolin et al., 2016; Balbino et al., 2020).
Miranda et al. (2019) ressaltam que as hipermídias, como intervenção para educação e promoção da saúde, estão sendo extensamente desenvolvidas, validadas e utilizadas, visando melhor comunicação entre equipe de saúde, família e usuário. Além disso, estimulam e fortalecem o público a quem se dirige, fornecendo ferramentas para desenvolver estratégias de enfrentamento, convívio e cuidado.
Essa possibilidade dentro da UTIN torna-se especialmente importante, já que o isolamento reduz o processo de interação dos cuidadores com a equipe e, por conseguinte, a parceria no cuidado. Possibilita ainda a aproximação entre a equipe multiprofissional e os pais, atendendo a necessidade de compreensão acerca do processo de internamento do seu filho, o que promove também uma maior segurança sobre cuidados prestados e contribui para a diminuição do estresse (ORR et al., 2017; Rocha; Dittz, 2021).
A inovação tecnológica com maior exploração do uso das mídias digitais, para fins de informação e comunicação em saúde com os familiares, pode ser uma boa estratégia de práticas educativas no cenário pandêmico. A comunicação com os cuidadores é um dos aspectos mais valorizados do cuidado em qualquer nível de assistência (Negro et al., 2020).
Conclusão
A partir desse estudo, foi possível desvelar as repercussões da covid-19 no Ambiente da UTIN e os efeitos das mudanças impostas por ela na equipe de saúde, na família e no neonato. As mudanças que ocorreram em detrimento da pandemia se traduzem em novos modos de vida e novas formas de prática representando uma nova cultura local, onde busca-se manter comunicação e relacionamentos de forma ativa, por meio de recursos ainda não utilizados. O referencial da Teoria de Nightingale foi um aporte que oportunizou uma compreensão mais clarificada da interligação entre as normas impostas pelo momento pandêmico sobre as interações nos diferentes ambientes da UTIN. As observações feitas levaram ao ponto de intersecção Relacionamento e Comunicação mostrando um viés sensível das implicações restritivas da covid-19, levando a equipe multidisciplinar a se reinventar e ousar na comunicação e interação por meio de recursos remotos. Observa-se, assim, a nova cultura do uso das tecnologias de comunicação como um campo fecundo a ser explorado neste ambiente. Como limitações do estudo, aponta-se o não aprofundamento das repercussões das mudanças, numa análise singular, para os sujeitos dos ambientes. Com isso, esse estudo traz as necessidades de novas pesquisas que busquem uma análise pelos afetos da equipe e dos familiares a partir das mudanças impostas pelo contexto pandêmico.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
21 Mar 2021 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
28 Set 2021 -
Revisado
01 Ago 2021 -
Revisado
28 Set 2021 -
Aceito
08 Nov 2021