Resumo
Este artigo analisa a integração ensino-serviço como estratégia de Educação Permanente em Saúde no enfrentamento à covid-19 em serviços da Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa - PB (SMS/JP). Trata-se de um estudo exploratório, compreensivo-interpretativo com uma abordagem qualitativa. Os cenários foram os serviços da SMS/JP, que realizam ações de enfrentamento à covid-19 e também são espaços de prática de instituições de ensino. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e grupos focais, realizados com gestores dos serviços, profissionais de saúde, coordenadores de residências e residentes. A análise permitiu identificar as circunstâncias e adversidades que surgiram no período das pactuações e repactuações dos cenários de prática durante a pandemia, evidenciando também as contribuições da integração ensino-serviço para o processo de qualificação dos trabalhadores e alunos no enfrentamento à covid-19 e a relação com as necessidades dos serviços a partir dos movimentos de qualificação, elaborações de protocolos, fichas, formulários e criação de espaços de discussão. Desta forma, foi demonstrado que a integração ensino-serviço é uma potente estratégia de educação permanente em saúde, considerando a articulação entre os atores dos serviços e das instituições de ensino, provocando o desenvolvimento de um olhar crítico-reflexivo para o serviço, impulsionando espaços de aprendizado, evolução e crescimento.
Palavras-Chave: Integração Ensino e Serviço; Educação Permanente em Saúde; Covid-19; Internato e Residência; Gestão em Saúde
Abstract
This study analyzes the teaching-service integration as a strategy for Permanent Health Education against COVID-19, in healthcare services of the Municipal Health Department of João Pessoa, in the state of Paraiba (SMS/JP). This is an exploratory, comprehensive-interpretative study with a qualitative approach. The scenarios were the SMS/JP services, which carry out actions to combat COVID-19 and serve as practice spaces for educational institutions. Data were collected through semi-structured interviews and focus groups, conducted with service managers, health professionals, residence coordinators, and residents. The analysis allowed us to identify the circumstances and adversities that arose during the period of agreements and renegotiations of practice scenarios during the pandemic. Also highlighting the contributions of the teaching-service integration to the qualification process of workers and students in the face of COVID-19 and the relationship with the needs of the services, from the qualification movements, elaboration of protocols, sheets, forms, and creation of discussion spaces. It was confirmed that teaching-service integration is a powerful permanent health education strategy, considering the articulation between service agents and educational institutions, provoking the development of a critical-reflective look at the service, boosting learning spaces, evolution, and growth.
Keywords: Teaching and Service Integration; Permanent Health Education; COVID-19; Internship and Residence; Health Management
Introdução
A ordenação da formação de profissionais da área da Saúde está prevista no Artigo 200 da Constituição Federal e também na Lei 8080, de 19 de setembro de 1990, que regulamenta o Sistema Único de Saúde (SUS). Vários marcos fazem parte da construção do ordenamento e qualificação da formação de profissionais de Saúde no Brasil, desde o movimento da Reforma Sanitária, que culminou no SUS, anova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), as novas Diretrizes Curriculares Nacionais dos currículos da Saúde (2001), a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), em 2003, que a partir daí criou a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) e os programas de reorientação da formação (Pró Saúde, PET Saúde, Programa Mais Médicos) (Zapelon et al., 2017).
O Ministério da Saúde define a PNEPS como uma proposta de ação estratégica que visa contribuir para transformar e qualificar as práticas de saúde, a organização das ações e dos serviços de saúde, os processos formativos e as práticas pedagógicas na formação e desenvolvimento dos trabalhadores da área (Brasil, 2009).
A referida PNEPS (2009) nomina como suas diretrizes: o enfoque nos problemas cotidianos de práticas das equipes de saúde; a inserção de forma institucionalizada no processo de trabalho; a objetivação de transformações das práticas e técnicas sociais; e o ser contínuo dentro de um projeto de consolidação e desenvolvimento do SUS.
Por conseguinte, a Educação Permanente em Saúde (EPS) induz reflexões sobre a ligação entre educação e trabalho, bem como a integração ensino-serviço, incorporando pressupostos da aprendizagem significativa e destacando a relevância social do ensino.
Sobre a integração ensino-serviço, Albuquerque (2008, p. 357) enfatiza que a ideia expressa:
O trabalho coletivo, pactuado e integrado de estudantes e professores dos cursos de formação na área da saúde com trabalhadores que compõem as equipes dos serviços de saúde, incluindo-se os gestores, visando a qualidade da atenção à saúde individual e coletiva, à qualidade da formação profissional e ao desenvolvimento/satisfação dos trabalhadores dos serviços.
Diante das iniciativas postas e também de várias discussões que existem acerca do assunto, a integração ensino-serviço se destaca como uma importante estratégia em prol de mudanças no processo de formação em saúde, contribuindo para transformações das práticas profissionais e do modelo de atenção à saúde.
A gestão da formação em saúde no município de João Pessoa - PB se dá pela institucionalização da relação entre a rede de serviços de saúde do município e as instituições de ensino, englobando a concepção de formação entre gestores, trabalhadores e demais usuários, assim como os futuros profissionais de saúde e docentes das instituições de ensino conveniadas.
O município de João Pessoa possui uma rede ampla de serviços, com espaços de gestão e atenção, que constituem um campo de prática para o ensino, a pesquisa e a incorporação tecnológica na saúde, desempenhando um importante papel tanto na formação de profissionais quanto para suas equipes, com campo de estágios para estudantes de graduação e residências na área da saúde.
Com efeito, os serviços da Rede SUS têm um papel fundamental nos processos formativos e educativos na saúde e são afetados pelo contexto em que estão inseridos, como por exemplo a pandemia de covid-19, que assolou o mundo, o Brasil e o Estado da Paraíba.
Desde fevereiro de 2020 o estado da Paraíba atendia casos suspeitos de covid-19, vindo a confirmar o primeiro caso em março do mesmo ano. O estado estruturou o plano de contingência, organizando as redes pré-hospitalar e hospitalar, considerando a regionalização da saúde e a vasta extensão territorial com 223 municípios. Como era esperado, os primeiros casos de covid-19 na Paraíba foram importados de outros países por meio da atividade turística.
A rede de saúde de João Pessoa foi organizada como primeira frente de atendimentos, sendo abertas outras referências regionais quando decretada a transmissão comunitária. Nesse sentido, estiveram disponíveis serviços de referência para assistência a casos graves da covid-19, com oferta de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para municípios da 1ª Macrorregião de Saúde do Estado da Paraíba, sendo essa rede de atendimento composta por hospitais municipais e estaduais (Paraíba, 2020).
Com o decreto da pandemia e diagnóstico dos primeiros casos, inicialmente os estágios das instituições de ensino foram suspensos devido à alta exposição e escassez de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), mantendo-se apenas a inserção de residentes em alguns serviços. A Rede de Saúde do Município de João Pessoa não suspendeu a presença de residentes em alguns serviços de atendimento a covid-19, construindo a possibilidade de uma experiência diferenciada de aprendizagem significativa e de integração entre ensino e serviço.
Considerando a necessidade de aprofundar a experiência de institucionalização dos Serviços da Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa (SMS/JP) como cenários de prática para formação de futuros profissionais de saúde, bem como a necessidade de investigar sobre formação de profissionais no enfrentamento à covid-19, o estudo de que se trata esse artigo teve como objetivos descrever as formas de pactuação dos cenários de prática e inserção dos alunos nos serviços de saúde durante a pandemia; identificar contribuições da integração ensino-serviço para as necessidades dos serviços no enfrentamento à covid-19; e analisar a percepção dos gestores, profissionais dos serviços, coordenadores das residências e alunos sobre a integração ensino e serviço, como estratégia de Educação Permanente em Saúde no contexto da pandemia, em serviços da Rede de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa.
Caminhos metodológicos
O presente artigo trata de um estudo exploratório, compreensivo-interpretativo, de abordagem qualitativa. Esse tipo de estudo visa proporcionar maiores informações sobre o assunto investigado e uma familiarização com o fenômeno estudado (Leão, 2015).
A pesquisa foi realizada no Hospital Municipal Santa Isabel, na Gerência de Vigilância Epidemiológica e na Central de Orientações de Prevenção do Coronavírus (Central de Orientações/Telessaúde), serviços da Rede de Saúde da SMS/JP que realizaram ações de enfrentamento à covid-19 e também são cenários de prática de instituições de ensino.
Em relação às instituições de ensino, os cursos que integram a pesquisa, considerando critério de não interrupção das atividades acadêmicas, foram: Residência Multiprofissional de Saúde da Família e Comunidade (RMSFC) e Residência Médica de Família e Comunidade (RMFC), ambas ligadas à Faculdade de Ciências Médicas (FCM).
Os sujeitos participantes da pesquisa foram: (a) um gestor de cada serviço de saúde incluso no estudo; (b) dois profissionais de cada serviço de saúde; (c) coordenadores dos cursos de residência; e (d) seis alunos do segundo ano de residência (R2) inseridos nas ações de enfrentamento à covid-19.
Quanto à distribuição dos residentes nos cenários de prática, o Hospital Municipal Santa Isabel e a Gerência de Vigilância Epidemiológica receberam a Residência Multiprofissional, enquanto a Central de Orientações/Telessaúde recebeu a Residência Médica de Família e Comunidade.
Não foram incluídos docentes no quadro de participantes da pesquisa, considerando a realização de atividades apenas remotas pela maioria dos professores nos meses selecionados no critério de inclusão.
Foram considerados como critérios de inclusão para profissionais de saúde: aqueles que trabalharam e participaram de atividades relacionadas à covid-19 junto aos residentes, entre os meses de maio e junho de 2020; e, para os alunos, serem residentes R2, atuando no enfrentamento à covid-19 em pelo menos, um dos três serviços de saúde do estudo nos meses de maio e junho de 2020. Também como critério de inclusão, foi considerado o maior período em atividade no enfrentamento à covid-19 nos cenários de prática da pesquisa.
Foram considerados para critérios de exclusão: sujeitos que não estavam inseridos nos serviços no período de maio e junho de 2020.
Os dados foram coletados por meio de entrevistas e grupo focal entre os meses de setembro e dezembro de 2020. A entrevista, do tipo semiestruturada, foi realizada com profissionais e gestores do serviço de saúde e também com coordenadores das residências, de forma presencial, com agendamento prévio (com uso de EPI), enquanto com os residentes foi realizado um grupo focal de forma virtual.
No total, foram realizadas 11 entrevistas, agendadas em dia e horário conveniente para os entrevistados, todas ocorridas em seu local de trabalho, com duração média de 35 minutos e gravadas com consentimento dos entrevistados.
Foi realizado um grupo focal, de forma virtual, com o total de seis residentes, em dia e horário pactuado, com duração de 2 horas, gravado com consentimento dos participantes. Os residentes estavam à vontade durante o grupo focal, participando ativamente do processo, solicitando o uso da fala de forma espontânea. Observa-se que o espaço proporcionou acolhimento e interação entre todos para compartilhamento de suas vivências.
Os dados foram analisados utilizando o aporte da Técnica de Análise Temática de Conteúdo, proposta por Minayo (2018), com definição de núcleos de sentido/unidades de registro como eixos norteadores da análise a partir dos roteiros preestabelecidos, com a elaboração de uma matriz analítica. Para cada unidade de registro foram definidas categorias que possibilitam maior exploração dos resultados obtidos.
Seguiram-se as diretrizes da Resolução 466/2012 CNS/MS, que orientam as pesquisas envolvendo seres humanos, aprovada em Comitê de Ética e Pesquisa HUOL/UFRN, por meio do Parecer Consubstanciado Nº 4.247.072, de 31 agosto de 2020. Os sujeitos envolvidos foram informados previamente sobre todos os procedimentos, bem como sobre a finalidade da pesquisa e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados e discussão
Os resultados do estudo foram organizados em três unidades de registros: 1) Pactuação e inserção nos serviços de saúde no contexto da pandemia; 2) As necessidades dos serviços e as contribuições para a Integração ensino-serviço; e 3) Integração ensino-serviço como estratégia de Educação Permanente em Saúde.
Pactuação e inserção nos serviços de saúde no contexto da pandemia
Para a análise sobre a pactuação dos cenários de prática e a inserção dos alunos nos serviços de saúde no contexto da pandemia foram criadas as seguintes categorias:
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Conhecimento sobre a pactuação e passos realizados;
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Formas de inserção dos alunos.
Conhecimento sobre a pactuação e passos realizados
A conjuntura da pandemia causada pela covid-19 levou as instituições de ensino e a gestão dos serviços de saúde de João Pessoa a reverem a inserção dos alunos, considerando o alto risco sanitário, o desconhecimento da doença e as necessidades dos serviços frente à emergência sanitária.
A pactuação dos cenários de prática das instituições de ensino no município de João Pessoa ocorre por meio da Rede Escola SUS, política coordenada pela Gerência de Educação em Saúde (GES), da SMS/JP, se institucionalizando por meio de convênios firmados entre a GES/SMS-JP e as instituições de ensino, que apresentam interesse em utilizar a rede de saúde do município como cenário de prática e aprendizagem.
No período que corresponde ao início da pandemia até a diminuição do número de casos, no segundo semestre de 2020, as residências RMSFC e RMFC reorganizaram sua inserção nos serviços, levando em consideração o panorama apresentado e as dificuldades enfrentadas na rede de saúde. Os três cenários da pesquisa foram serviços estratégicos para o município de João Pessoa e todos tiveram inserção dos estudantes das residências supracitadas.
No início da pandemia, a coordenação da Residência Multiprofissional realizou uma reunião com a gestão da SMS/JP para deliberar a respeito da repactuação dos cenários de prática, considerando, prioritariamente, os seguintes fatores: 1) fechamento de alguns serviços de saúde; 2) mudança de perfil do Hospital Santa Isabel para atendimento da covid-19; e 3) papel estratégico da Vigilância Epidemiológica.
Ao entrevistar os envolvidos, foi possível encontrar coerência e observar que os gestores dos serviços, a coordenadora da residência e os residentes tinham ciência da pactuação feita para o período pandêmico, com distribuição dos residentes no Hospital Municipal Santa Isabel (HMSI) e na Gerência de Vigilância Epidemiológica (GVIEP), de acordo com necessidades postas.
Os profissionais entrevistados da vigilância epidemiológica relataram com clareza que sabiam da pactuação da inserção recorrente dos residentes no serviço, bem como no momento da emergência sanitária.
Já no Hospital Santa Isabel, as profissionais entrevistadas expuseram que não sabiam sobre a chegada de residentes, porém, informaram que comunicaram à direção do serviço sobre a necessidade de aumento do número de profissionais nas equipes.
Entendemos que a pactuação do cenário de prática é um momento importante para consolidação da integração ensino-serviço, devendo atentar-se não só para as demandas de aprendizagem dos alunos, como também para as carências e capacidades dos serviços de saúde, sem esquecer o diálogo e aproximação com os profissionais e gestores dos serviços.
Neves e Koifman (2021, p. 6) afirmam que “a ação de escolha por um campo de cenário de aprendizagem envolve ouvir os gestores, os trabalhadores e os usuários, o respeito, as reflexões sobre atuação e o trabalho articulado”.
A Central de Orientações COVID é um serviço de Telessaúde que não existia antes da pandemia e foi criada já no primeiro Decreto da Prefeitura de João Pessoa, na segunda quinzena de março de 2020. Tendo em conta que a pactuação desse serviço gerou a sua implantação, serão apresentados os passos de sua pactuação e implantação, à luz dos relatos dos entrevistados.
Alguns dias antes dos primeiros casos de covid-19 em João Pessoa, as Residências de Medicina de Família e Comunidade (FCM, UFPB e UNIPÊ) apresentaram propostas à SMS/JP para estruturação e implantação de um serviço de teleatendimento, com objetivo de evitar a maior circulação de pessoas doentes, diminuindo o contágio e a disseminação da doença.
Para consolidar a implantação do serviço, foram chamados pela coordenação das residências em reunião prévia professores, profissionais/preceptores, médicos egressos que estavam na rede de saúde e residentes, com objetivo de informar a pactuação e proposta de implantação da Central de Telessaúde, que seria construída de forma colaborativa.
O período da pandemia demandou aos gestores de serviços de saúde e às instituições de ensino organização rápida e eficiente para resposta às consequências da disseminação acelerada da covid-19, o que exigiu estratégias efetivas em um cenário de distanciamento social e necessidade de controle da transmissão viral, casos graves e mortes.
Sobre essa implantação, é possível constatar nas falas de profissionais e residentes que o espaço cumpriu papel de compartilhamento de informações, como seguem:
O serviço é municipal, mas a implantação partiu da residência de medicina de família e comunidade, criado a partir da necessidade imposta pelo contexto atual. (Profissional I Central de Orientações COVID)
O serviço de teleatendimento foi implantado no período de pandemia, como uma alternativa para tentar sanar a quantidade de casos e poder dar as primeiras orientações. (Residente I Central de Orientações COVID)
Com a covid-19, programas de residência precisaram ser reinventados, de forma a se adaptar, mudando a inserção de acordo com organização dos serviços, experimentando metodologias alternativas com aceleração do uso da tecnologia nas práticas e no ensino (Caetano et al., 2021).
Foi significativa para população a decisão de implantar um serviço que utiliza a Telessaúde no momento em que o distanciamento social era extremamente necessário, e em que manter a população informada sobre a prevenção e os riscos teria um grande impacto na redução da propagação da covid-19 e na proteção das pessoas.
Formas de inserção dos alunos
A chegada dos residentes aos cenários de prática, no Hospital Municipal Santa Isabel e na Gerência de Vigilância Epidemiológica ocorreu de formas e em tempos diferentes, como será possível observar na descrição construída a partir da escuta dos profissionais, gestores, coordenadores e residentes.
O acolhimento dos residentes na GVIEP ocorreu rapidamente por meio de uma reunião, com a apresentação da estrutura da vigilância e do cenário de enfrentamento à covid-19. Os profissionais e o coordenador do setor descreveram com clareza esse momento inicial, já os residentes relatam ter sido um momento rápido e com enfoque na emergência sanitária, com urgência à atuação prática.
Araújo (2017) afirma que a inserção dos residentes nos serviços de saúde coloca em pauta a maneira com que esses profissionais se inserem e as mudanças oriundas desse processo, tendo que se ajustar ao modelo de saúde que está em construção.
Dada a emergência de recepção rápida e, talvez, com poucas informações iniciais aos residentes, ficou em evidência o desafio de aproximação, agregação e construção do processo de trabalho para o dia a dia.
A organização da inserção dos residentes no processo de trabalho da vigilância epidemiológica proporcionou a efetivação do trabalho em equipe, com possibilidades de momentos de diálogo e reflexão sobre o processo de trabalho, gerando autonomia para os residentes e aprendizado para residentes e profissionais.
No HMSI, os residentes chegaram durante o momento de estruturação do serviço, antes da admissão do primeiro caso de covid-19, fato importante para aproximação entre profissionais e residentes no caminho da construção de um trabalho em equipe.
O modo como ocorre a inserção no cenário de prática, acolhimento, aproximação da equipe e do processo de trabalho pode impactar na adaptação e facilitação do desenvolvimento de processos de ensino-aprendizagem. Uma inserção mais tranquila e com oportunidade de visitação, reconhecimento e imersão no serviço de saúde, despertou nos residentes o sentimento de pertencimento, enquanto parte da equipe do serviço de saúde e daquele espaço.
Os cenários de aprendizagem são locais importantes para a formação em saúde, sendo espaços privilegiados no processo de ensino-aprendizagem. O momento de imersão do estudante no cotidiano dos serviços de saúde proporciona aprendizados relacionados à organização dos processos de trabalho, gestão e cuidado. (Albuquerque et al., 2008; Henrique, 2005).
A inserção dos residentes no HMSI ocorreu em setores que precisaram reorganizar seus fluxos e processo de trabalho para atender pacientes com covid-19. Os residentes puderam vivenciar a organização do serviço para atendimento ao perfil COVID, participando dos momentos de discussão, estruturação e organização das práticas.
Para Piovesan (2019), a incorporação dos residentes na assistência e nos espaços de gestão e EPS resultam em autonomia para que sejam coparticipantes na condução dos processos de trabalho das equipes, por meio de questionamentos, apontando caminhos e mudanças de rumos.
A residência multiprofissional não contou com preceptores designados formalmente nos campos de atuação relacionados à covid-19, porém, percebe-se nos relatos que houve a sensibilidade dos profissionais para estarem mais próximos dos residentes em alguns momentos, com papel de supervisão e orientação, na organização do processo de trabalho, como também de escuta e troca de experiências, como apresentam as falas que se seguem: “Precisávamos que os trabalhadores entendessem que, em campo, eles eram os preceptores dos residentes.” (Coordenador da GVIEP).; “Sempre parávamos para organizar as demandas, pensando tudo em torno do benefício do que os residentes poderiam estar aprendendo e levar isso para a prática.” (Profissional I GVIEP).
E reforçado: “Não tínhamos um preceptor, o preceptor era todo mundo que era do serviço. Nós estávamos conhecendo o serviço, sempre acompanhados de um trabalhador e, depois, fomos ganhando confiança e começamos a fazer algumas coisas sozinhos.” (Residente IV).
A presença de um profissional que atua como preceptor facilita a promoção de momentos de ensino e aprendizagem, articulando teoria e prática na realidade do trabalho. Mesmo sem a figura do preceptor oficial, o estímulo à equipe de enxergar o serviço SUS como uma escola e sua responsabilidade social na formação dos profissionais proporcionou aos residentes uma inserção supervisionada, sem engessar a construção do trabalho em equipe, das autonomias dos sujeitos e do trabalho crítico e reflexivo.
Nesta perspectiva, Bernardo et al. (2020) afirmam que o preceptor atua de forma estratégica no processo de ensino, estimulando o desenvolvimento de senso crítico nos residentes, motivando-os para ações interdisciplinares, atuando como exemplo profissional.
No enfrentamento à covid-19, a figura de alguém que atue como preceptor é ainda mais necessária frente à situação de emergência sanitária de uma doença infectocontagiosa, e que, na ocasião da pesquisa, era desconhecida em muitos aspectos terapêuticos e com inúmeros desafios de organização da vigilância, da gestão e do cuidado.
Na central de orientações COVID, o acolhimento e a inserção dos residentes ocorreram no mesmo momento de sua implantação e organização do processo de trabalho da equipe.
O desenvolvimento do serviço, avaliação das ações em andamento e o planejamento das intervenções foram se desenhando de forma horizontal, contando com a participação dos coordenadores, professores, profissionais e residentes.
Para De-Carli (2019), a adoção do SUS como cenário diversificado de ensino-aprendizagem nas práticas cotidianas apresenta-se enquanto iniciativa potente para estimular o caráter transformador da formação, visando o agir crítico-reflexivo, possibilitando o fazer em saúde em consonância com demandas reais.
Esse cenário de prática foi organizado com profissionais de saúde que cumpriam também o papel estratégico de preceptor, funcionando como elo para organização do serviço e do processo de trabalho em equipe, focado no cuidado às pessoas que buscam a Central de Telessaúde, somado ao trabalho de ensino-aprendizagem junto aos residentes.
O contexto da pandemia exige desenvolvimento de novas habilidades e competências pelos atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, como manejo de situações de crise, reorganização de fluxos e espaços, redistribuição de papéis, além de elaboração de protocolos (Lima et al., 2021).
As necessidades dos serviços de saúde e as contribuições da integração ensino-serviço
A integração ensino-serviço se concretiza no trabalho conjunto entre gestores, profissionais de saúde, estudantes e professores, a partir das necessidades reais dos serviços de saúde, construindo espaços de aprendizagem e mudanças, com vistas às melhorias na gestão e no cuidado em saúde.
Diante do exposto, para análise dessa unidade de registro, foram criadas duas categorias que refletem diretamente as contribuições da integração ensino-serviço, tendo como base as necessidades dos serviços:
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A reorganização do serviço e a qualificação profissional;
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Os espaços de diálogos e trocas.
A reorganização do serviço e a qualificação profissional
A organização do trabalho na Vigilância Epidemiológica nas ações de enfrentamento à covid-19 se deu a partir das necessidades apontadas pelo avançar da pandemia, priorizando o olhar vigilante para cuidado à população, monitoramento, investigação epidemiológica e apoio às equipes de saúde do município.
A integração entre a GVIEP e a residência multiprofissional no período da pandemia permitiram aos residentes a oportunidade de conhecer o processo de vigilância epidemiológica de doenças transmissíveis, além da reorganização do serviço e, também, foi provocadora de diálogo, reflexão, aprendizagem e mudanças com os trabalhadores do serviço.
Oliveira et al. (2020) refletem sobre a preocupação na formação dos futuros profissionais de saúde e especialistas, imposta pela pandemia, com desafio formativo frente ao cenário da crise sanitária, amplificando desafios logísticos relacionados à segurança do paciente e dos profissionais, sendo necessária uma redefinição de fluxos institucionais e de comunicação. A consequência foi o esvaziamento dos serviços de saúde, onde havia inserção de acadêmicos e professores, com raras exceções dessa manutenção.
Na GVIEP, os movimentos de diálogo, reflexão e organização do trabalho junto aos residentes permitiu à equipe uma vivência de processos de EPS dinâmica, gerando aprendizagem significativa, tendo como eixo norteador as necessidades dos serviços da rede de saúde.
Torres et al. (2020) afirmam que a integração ensino-serviço provoca mudanças no processo de trabalho e transformações nos serviços, alicerçadas pela EPS, que possibilita o aprimoramento contínuo de novos saberes.
Com relação ao HMSI, houve necessidade de mudar seu perfil para atender a emergência sanitária, precisando qualificar seus trabalhadores para esse novo momento e reorganizar os fluxos e o processo de trabalho das equipes.
O ponto de partida foi a qualificação dos profissionais, usando o modelo multiplicador/matriciador. Todos os residentes participaram das qualificações e alguns foram multiplicadores junto com profissionais do setor em que estavam inseridos.
Os primeiros meses da pandemia foram marcados pela elaboração de formulários, fluxos e protocolos, objetivando garantir a segurança do paciente e dos profissionais, sem esquecer a qualidade no cuidado ofertado às pessoas que chegavam ao serviço, acometidas pela covid-19.
É possível constatar que os processos de qualificação foram baseados nas necessidades do serviço naquele momento e que as ações de elaboração de fluxos e protocolos proporcionaram aos profissionais e residentes espaços de integração, organização do processo de trabalho e aprendizagem significativa.
As atividades de EPS, realizadas por meio da integração ensino-serviço, promovem a qualificação do serviço, possibilitando troca de saberes e reflexões, proporcionando protagonismo dos profissionais e estudantes na cogestão dos problemas do cotidiano. Tais atividades permitem aos acadêmicos a construção de uma práxis orientada pelas fragilidades e potencialidades da realidade da assistência (Oliveira et al., 2021).
A covid-19 trouxe mudanças significativas na rotina de trabalho dos serviços de saúde, sendo relevante a implementação de ações de educação permanente, visando o fortalecimento e o empoderamento dos profissionais (Ferreira et al., 2020; Santos et al., 2021).
Apesar de serem apresentados resultados positivos relacionados às contribuições da integração ensino-serviço no processo de qualificação no enfrentamento à covid-19, a ausência dos professores foi um fator marcante para os profissionais e residentes do HMSI e GVIEP, visto que esse seria um ator importante no desenvolvimento de ações reflexivas e problematizadoras.
A interação dos professores de forma presencial e/ou virtual seria mais uma ferramenta de apoio ao serviço nas ações de enfrentamento à covid-19, além de possibilitar um olhar externo nos processos de organização do serviço, nas discussões clínicas e elaboração de protocolos, fortalecendo as reflexões e construção da práxis.
Nos cenários de produção do cuidado e produção pedagógica, propõe-se uma relação além do ensino-aprendizagem, estreitando as relações entre docentes, estudantes e trabalhadores da saúde, construindo ações integradoras para contribuição na melhoria da qualidade dos serviços e da atenção aos usuários (Mello et al., 2018).
A Central de Orientações COVID foi implantada a partir de demandas sanitárias do período pandêmico e sua implementação ocorreu sempre com olhar direcionado para demandas apontadas pelos usuários do serviço e para a situação epidemiológica local.
A coordenação do serviço, junto às coordenações das residências, professores, profissionais/preceptores, egressos e os próprios residentes participaram de Grupos de Trabalho (GT) para discussão de temas relevantes relacionados à pandemia em tempo real e elaboração de protocolos para Central de Telessaúde e para rede assistencial, com ênfase à atenção básica, viabilizando a vivência de ensino-aprendizagem, qualificação e proposição de mudanças para o serviço.
A integração ensino-serviço foi meio para materialização da Educação Permanente em Saúde nos serviços, sendo causadora de movimentos reflexivos que geram a reorganização do serviço e a qualificação dos profissionais e alunos. Para Feliciano et al. (2020), a EPS valoriza e compreende como necessária a inclusão de todos os atores, para que os desejos e dúvidas sejam manifestados e dialogados.
A reorganização do processo de trabalho das equipes e a autonomia dos profissionais foram aspectos fundamentais para o enfrentamento à pandemia. O uso de ferramentas de tecnologia da informação e comunicação, por meio de teleatendimento, aproximou o setor da saúde da população e ajudou a identificar a situação real do território no momento de emergência (Daumas et al., 2020).
Os espaços de diálogos e trocas
A existência de espaços de diálogos e trocas diversos foi ressaltada fortemente nas falas dos sujeitos da pesquisa, em alguns momentos, despertados pela discussão acerca da organização do serviço e do processo de trabalho e, em outros momentos, refletidos em ações orgânicas, no dia a dia do trabalho e do cuidado em saúde.
Na Vigilância Epidemiológica, os espaços de diálogo, reflexão e troca de experiência ocorreram a partir das discussões de casos de investigação epidemiológica, da reflexão do valor de uso de instrumentos/fichas de notificação e também das ações realizadas em serviços assistenciais.
A aproximação da equipe com os residentes, se colocando à disposição para diálogo no dia a dia do trabalho, foi disparadora de espaços de trocas e reflexão, possibilitando a aprendizagem de forma dinâmica e a resolução de problemas de forma colaborativa.
As atividades práticas de troca de saberes e experiências entre residentes e profissionais de saúde produzem atendimentos humanizados e integrais, sendo importantes para criação de senso crítico diante dos desafios vivenciados, preparando melhor os residentes para atuação profissional, proporcionando uma visão mais efetiva do campo de atuação (Amarante et al., 2021).
Um aspecto que apareceu fortemente nas falas dos atores pesquisados no HMSI foi a importância dos espaços de diálogo, trocas de experiências, discussões de casos de forma uniprofissional e multiprofissional, como também as melhorias na organização do trabalho a partir da proatividade de escuta e argumentação técnica com setores afins. Nesses espaços, os residentes puderam conectar teoria à prática, experimentando o trabalho em equipe de forma horizontal, crítica e reflexiva, conquistando protagonismo e autonomia de pensar e agir no fazer saúde.
A inserção de residentes convocados a participar das atividades diárias com os demais trabalhadores do campo, possibilita contribuições nos serviços de saúde e na assistência à saúde, como troca de saberes e o fortalecimento do cuidado. A presença do residente incita processos de aprendizado, estabelecendo a integração ensino-serviço, uma vez que proporciona experiências a partir do cotidiano do trabalho (Mello et al., 2018; Garcia et al., 2014).
Na Central de Telessaúde, o formato de organização das ações para melhorias do serviço e da Rede de Saúde Municipal propiciou o desenvolvimento constante de espaços de troca de saberes, diálogo, escuta, reflexão, problematização e aprendizagem significativa. A integração ensino-serviço suscitou a prática da Educação Permanente em Saúde, gerando conhecimento teórico e prático, impactando no bom funcionamento do serviço e na qualidade do cuidado prestado aos usuários do SUS.
A integração ensino-serviço atua como fio condutor dos processos de reorientação da formação. As ações desempenhadas, planejadas e estruturadas coletivamente, respeitando as limitações dos envolvidos, demonstram que é possível apoiar o enfrentamento da pandemia de covid-19, bem como ensinar e aprender a partir da realidade cotidiana dos serviços de saúde (Souza et al., 2021).
Integração ensino-serviço como estratégia de educação permanente em saúde
A análise da percepção dos sujeitos da amostra sobre integração ensino e serviço, como estratégia de Educação Permanente em Saúde, foi organizada nas seguintes categorias:
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Transformação e qualificação das práticas;
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Aprendizagem a partir da realidade.
Transformação e qualificação das práticas
A aproximação entre ensino e serviço provoca reflexões sobre as práticas de atenção à saúde, suscitando o desejo de transformá-las por meio do ‘fazer diferente’, mediante a inserção do acadêmico no mundo da prática profissional e no mundo do ensino (Vendruscolo et al., 2016).
Os sujeitos da pesquisa apontam em seus relatos que a inserção dos residentes nos serviços estudados, com o trabalho articulado ao das equipes locais, estimulou espaços de diálogo que geraram a problematização do trabalho em saúde, transformando e qualificando as práticas de saúde.
É possível constatar a compreensão quanto à integração ensino-serviço como estratégia de transformação, compreendendo que o olhar crítico do residente para o serviço leva ao diálogo, à reflexão e à problematização da realidade, provocando mudanças no processo de trabalho, o que resulta na qualificação dos trabalhadores e alunos.
Reafirma-se a EPS como uma ferramenta de transformação das práticas em saúde, que se dá no e com relação ao próprio processo de trabalho, que deve envolver profissionais da saúde, gestão, instituições de ensino e usuários na busca por inovações e soluções para os desafios da saúde pública e da valorização da vida (Esposti et al., 2020).
A integração ensino-serviço pode se apresentar enquanto estratégia para desenvolvimento e concretização da Educação Permanente em Saúde, ao levar os atores do serviço a reverem seus modos de pensar e fazer saúde, despertando para reorganização do trabalho a partir das necessidades locais, gerando aprendizado na prática do dia a dia do trabalho em saúde.
A inserção do residente no campo de práticas mobiliza elementos que interferem positivamente na atuação profissional, passando a induzir a implementação de novas ações e práticas, que impactam na reestruturação do serviço. Essa reciprocidade, à medida que aprimora e aperfeiçoa a formação profissional do residente, também promove reflexões e mudanças positivas na gestão do cuidado em saúde dos demais profissionais atuantes naquela realidade (Oliveira et al., 2021).
Aprendizagem a partir da realidade
Albuquerque (2008) afirma que não é possível pensar na interface entre ensino e trabalho sem reportar-se à educação permanente. A proposta da EPS surge de um desafio central, ligado às finalidades da integração ensino-serviço: formação descentralizada, democrática, criativa, reflexiva e transdisciplinar, buscando soluções para os problemas encontrados (Brasil, 2005).
A partir dos relatos dos sujeitos da pesquisa, é possível perceber que a presença dos residentes nos serviços foi provocadora de atividades reflexivas, ações baseadas no diálogo, problematização e da construção de espaços diversos de aprendizagem.
Um ponto forte nas falas dos residentes foi o aprendizado diferenciado proporcionado pela inserção em serviços que estavam lidando diretamente com a covid-19. Todos os residentes destacaram a forma como os serviços foram construindo os espaços de aprendizagem, por meio da inserção no processo de trabalho das equipes, com ações dialogadas, que permitiram a vivência da realidade de forma pedagógica e despertaram para autonomia e crescimento profissional.
A pandemia da covid-19 trouxe o foco para reflexões sobre o processo de formação nas Instituições de Ensino Superior (IES) junto aos serviços de saúde, com foco na necessidade de reorientação na atuação no SUS. Os mundos do ensino e trabalho, ao serem reconhecidos como espaços dialógicos e de tomada de decisão, unem forças para avançar na prestação do cuidado e no desenvolvimento da ciência, ampliando e qualificando a formação dos profissionais e alunos (Geremia et al., 2020).
Para profissionais dos serviços, gestores e coordenadores de residência, a integração ensino-serviço é uma estratégia de educação permanente em saúde, considerando que tal integração permite a observação da realidade, o diálogo a partir do olhar sobre os problemas, aproximando o serviço dos espaços de formação, por meio de atividades pedagógicas problematizadoras, que se concentram na resolução de problemas, construindo espaços de mudança e produção de conhecimento. Alguns fragmentos de fala denotam: “O diálogo dos profissionais do setor com os residentes acontecia com troca de opiniões, construção de conhecimento, observação da realidade, colaboração” (Profissional II HMSI).
Acrescenta-se ainda: “A Instituição de Ensino é provocadora de ações de EPS, porque ela reconhece que o serviço produz conhecimento, talvez uma das características que a gente mais presa nessa relação de ensino-serviço” (Coordenador da RMFC).
Para os residentes, a integração ensino-serviço é uma estratégia de educação permanente em saúde, uma vez que viabiliza uma inserção ativa e horizontal, com a vivência da realidade do serviço e participação em espaços reflexivos de troca de conhecimento e experiência, objetivando a melhoria da realidade, a produção de conhecimento e o crescimento profissional, como afirma outro entrevistado:
O cenário da residência que eu mais aprendi, nestes 2 anos, foi esse. Foi uma oportunidade de aprendizado muito grande dentro do serviço mesmo, vivenciar a rotina desse serviço, nesse contexto de pandemia foi pedagogicamente enriquecedor, eu acho que todos os meus anos e graduação, de profissão, nunca eu tive essa experiência. (Residente IV).
Segundo Neves (2021), a formação profissional deve ocorrer a partir da inserção em cenários diversificados de aprendizagem e deve acontecer de forma a ampliar conhecimentos para entrada no mundo real das práticas.
A aproximação dos sujeitos da pesquisa permitiu conhecer mais de perto como a integração ensino e serviço possibilita a aprendizagem a partir da realidade. Nesta construção e ampliação de compreensões, observa-se que não só os estudantes/residentes são beneficiados com a integração ensino e serviço, mas também os trabalhadores e gestores, com o aprendizado proporcionado a partir da articulação entre teoria e prática, levando à percepção que a EPS é necessária para a produção de conhecimento no trabalho em saúde.
Considerações finais
Os elementos que sustentam os argumentos conclusivos foram evidenciados do material coletado a partir das entrevistas e do grupo focal, tendo como referências os objetivos traçados. O estudo permitiu identificar as circunstâncias de adversidades que ocorreram no período das pactuações dos cenários de prática da Rede de Saúde de João Pessoa - PB, durante a pandemia. Os serviços tiveram que se reorganizar para o atendimento à covid-19 e os residentes foram inseridos em locais que apontavam necessidade de apoio, enquanto, no caso da Central de Telessaúde, o desafio foi implantar um serviço partindo da escala zero.
As contribuições da integração ensino-serviço para o processo de qualificação dos trabalhadores e alunos no enfrentamento à covid-19 e sua relação com as necessidades dos serviços em estudo aconteceram a partir dos movimentos de qualificação dos profissionais e residentes, ações de criação de protocolos, fichas e formulários, discussões de casos uniprofissionais e multiprofissionais. Esses movimentos foram dinâmicos, norteados pelas necessidades apontadas pelos serviços, resultando em espaços de colaboração, troca de saberes, de processos ensino-aprendizagem e de resolução de problemas.
Constata-se que a integração ensino-serviço é uma potente estratégia de educação permanente em saúde, considerando a articulação entre os atores dos serviços e das instituições de ensino, provocando o desenvolvimento de um olhar crítico-reflexivo para o serviço, correlacionando com a vida cotidiana e o dia a dia dos territórios, desenvolvendo espaços de escuta, apoio entre os profissionais e estudantes, aprendizado, evolução e crescimento.
Destaca-se como limitação do estudo a não inclusão de professores de ambas as residências como participantes desta pesquisa, o que certamente ampliaria o olhar sobre o objeto em estudo. Recomenda-se que, em próximos estudos, sejam incluídos esses sujeitos na amostra.
Até o término da realização desta pesquisa não foram encontrados estudos semelhantes, do ponto de vista metodológico e também no contexto da covid-19, a fim de comparações diretas nas análises.
Referências
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Jan 2024 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
04 Jan 2023 -
Aceito
01 Mar 2023