Open-access Análise da trajetória dos recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar de 2014 a 2020

Analysis of the resource trajectory of the National School Food Program from 2014 to 2020

Análisis de la trayectoria de los recursos del Programa Nacional de Alimentación Escolar de 2014 a 2020

Resumo

O presente estudo busca analisar as alterações nos repasses financeiros do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), e quais os estados, as etapas e as modalidades de Ensino foram as mais prejudicadas no período de 2014 a 2020. Os resultados foram obtidos por meio da estatística e análise descritiva dos dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). As variáveis utilizadas são ano, estados, municípios, etapas, modalidades de Ensino e repasses financeiros. Os resultados mostram que, na maioria dos anos, ocorreu a redução dos repasses financeiros do Pnae, bem como a redução do número de secretarias de Educação estaduais e dos municípios contemplados pelo programa. Destaca-se que em 2020 ocorreu o fechamento das escolas devido à pandemia da Covid-19 e, portanto, houve um número menor de municípios atendidos pelo Pnae.

Educação; Segurança Alimentar; Pandemia; Política pública

Abstract

This study seeks to analyze the changes in the financial transfers of the National School Feeding Program (Pnae), and identify which states, stages and teaching modalities were the most affected in the period from 2014 to 2020. The results were obtained through the statistics and descriptive analysis of data from the National Fund for the Development of Education (FNDE). The variables used are year, states, municipalities, stages, teaching modalities, and financial transfers. The results show that, in most years, there was a reduction in financial transfers from the Pnae, as well as a reduction in the number of state education departments and municipalities covered by the program. It is noteworthy that in 2020 schools were closed due to the Covid-19 pandemic and, therefore, there was a smaller number of municipalities served by the Pnae.

Education; Food Safety; Pandemic; Public policy

Resumen

El presente estudio busca analizar las alteraciones en los repasos financieros del Programa Nacional de Alimentación Escolar (Pnae), y cuáles los estados, las etapas y las modalidades de enseñanza fueron las más perjudicadas en el período de 2014 a 2020. Los resultados fueron obtenidos por medio de la estadística y análisis descriptivo de los datos del Fondo Nacional de Desarrollo de la Educación (FNDE). Las variables utilizadas son año, estados, municipios, etapas, modalidades de enseñanza y repasos financieros. Los resultados muestran que, en la mayoría de los años, ocurrió la reducción de las transferencias financieras del Pnae, así como la reducción del número de secretarías de educación estaduales y de los municipios contemplados por el programa. Se destaca que en 2020 se produjo el cierre de las escuelas debido a la pandemia de Covid-19 y por lo tanto hubo un número menor de municipios atendidos por el Pnae.

Educación; Seguridad Alimentaria; Pandemia; Política pública

1 Introdução

A pandemia da Covid-19 tem agravado as dificuldades de países como o Brasil, marcado por oscilações econômicas, dependente de países desenvolvidos e com grande parte da população em condições de vulnerabilidade, o que a faz necessitar das políticas públicas para conseguir sobreviver. Nesse contexto, a crise não afeta somente a saúde, a sobrevivência dos seres humanos e as atividades econômicas, mas afeta também a segurança alimentar e os setores sensíveis da sociedade, como a Educação, principalmente em países mais vulneráveis (JOSHUA, 2020; SILVA, 2020; SWINNEN; MCDERMOTT, 2020; UDMALE et al., 2020).

Embora cada setor seja impactado de forma diferente, a relação entre eles leva ao retrocesso no bem-estar e no desenvolvimento sustentável dos países (JOSHUA, 2020). Os impactos causados na economia e as interrupções na cadeia de abastecimento de alimentos demandam maior atenção dos formuladores de políticas públicas, pois com o avanço da pandemia, surge, para além da necessidade de conter o vírus, evitar crises econômicas e de segurança alimentar, que afetam principalmente os mais pobres (DEBUCQUET et al., 2020; UDMALE et al., 2020).

Esse cenário aumentou o desemprego, a pobreza e a fome no Brasil (vulnerabilidades presentes no país antes mesmo da pandemia). Os impactos da suspensão de atividades econômicas devido à pandemia, a fim de evitar a disseminação e transmissão comunitária, foram sentidos socioeconomicamente em todas as regiões do país (CARVALHO; VIOLA; SPERANDIO, 2021; GURGEL et al., 2020; SOARES; ROESLER, 2020).

Com efeito, a pandemia no Brasil tem deixado mais evidente a enorme discrepância entre as suas diferentes realidades sociais. Para garantir o acesso à alimentação adequada, saudável e reduzir os seus efeitos na alimentação, saúde e nutrição, principalmente entre as pessoas mais vulneráveis, faz-se necessário o conhecimento da extensão e magnitude da problemática, considerando a articulação de medidas nas três esferas governamentais (federal, municipal e estadual) (RIBEIRO-SILVA et al., 2020).

Estudos recentes, como os dos autores Castro (2019) e Corrêa et al. (2020), destacam a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN). Há, inclusive, morosidade em instituir regulamentações a serem realizadas durante a pandemia da Covid-19 por parte do Governo Federal. Em contrapartida, atualmente, torna-se ainda mais importante a expansão das transferências diretas de benefícios para proporcionar acesso à alimentação mais saudável (GUPTA et al., 2021).

Segundo Campbell e Wood (2021), a literatura ainda não fornece evidências conclusivas sobre as mudanças na qualidade alimentar devido à pandemia da Covid-19. A hipótese mais evidente é que a qualidade da alimentação diminuiu durante a pandemia. Logo, são necessários estudos específicos que forneçam resultados robustos sobre essas consequências, a fim de que sejam examinadas e corrigidas tais irregularidades.

Diante desse contexto, o presente estudo parte da hipótese do enfraquecimento das políticas públicas na área de alimentação e nutrição, devido à vulnerabilidade do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), o que acarreta como consequência a violação do direito humano à alimentação adequada e a segurança alimentar e nutricional nas escolas.

Assim, surgem inquietações quanto aos repasses financeiros do Pnae nos estados e municípios brasileiros expressas nas seguintes questões: quais estados foram mais ou menos beneficiados pelo programa no período de 2014 a 2020? Houve aumento ou redução dos repasses para cada etapa e modalidade de Ensino? Que etapas e modalidades de Ensino foram mais prejudicadas?

Na tentativa de responder às perguntas formuladas, este artigo busca analisar e comparar os anos de 2014 a 2020 dada a trajetória dos repasses financeiros do Pnae. O período de estudo escolhido justifica-se por ter sido no ano de 2014 que o Brasil saiu do Mapa da Fome, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Em contrapartida, em 2019 ocorreu a extinção do Consea, o que contribuiu para a ampliação e agravamento das limitações provocadas pela pandemia em 2020.

Além desta introdução, o artigo tem mais quatro seções, que são a revisão da literatura; os procedimentos metodológicos do estudo; os resultados e discussão; e as considerações finais.

2 Revisão da literatura

Na presente seção, são apresentadas contextualizações sobre segurança alimentar, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o quadro geral da pandemia da Covid-19.

2.1 Segurança alimentar

O conceito de segurança alimentar é amplo, de modo a envolver questões relacionadas à natureza, qualidade, segurança do abastecimento alimentar, além de questões de acesso aos alimentos. Porém, aumentar a oferta de alimentos não significa, necessariamente, a melhoria do acesso pelos grupos mais vulneráveis da sociedade. A insegurança alimentar pode ser consequência também de doenças, saneamento ineficiente e Educação inadequada. No contexto educacional, a boa nutrição de crianças em idade pré-escolar depende da segurança alimentar no âmbito familiar, de um ambiente com saúde, cuidados maternos e infantis adequados (IRAM; BUTT, 2004).

Segundo Pessanha (2002), são quatro as formas distintas de conceitos da segurança alimentar, a saber: garantias na oferta de alimentos e na produção agrícola; acesso aos alimentos de forma universal; qualidade nutricional e sanitária dos alimentos; controle e conservação da base genética do sistema agroalimentar. Por isso, enfrentar a insegurança alimentar significa superar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais, estender os direitos de cidadania e proporcionar assistência direta aos grupos vulneráveis.

No cenário internacional, os autores D’Haese et al. (2013) destacaram que, mesmo com programa de apoio à agricultura e transferências de renda do governo, é alta a insegurança alimentar nas áreas mais pobres. As principais fontes de renda são os benefícios sociais e o salário formal, os quais são fundamentais para a compra de alimentos das famílias com insegurança alimentar grave e com baixos níveis de renda.

Shen et al. (2015) evidenciaram que a insegurança alimentar é consequência de uma dieta de má qualidade e de resultados de saúde desfavoráveis. Entre os estudantes da China, essa insegurança está associada à desnutrição de crianças com idades entre 6 e 14 anos do Ensino Fundamental, residentes em áreas rurais.

No Brasil, os autores Sidaner, Balaban e Burlandy (2012) enfatizaram que, para melhorar o acesso a alimentação saudável, é necessária a produção local de alimentos, além da alimentação escolar e Educação nutricional estarem vinculadas a programas e políticas públicas. É evidente que a qualidade da alimentação escolar brasileira melhorou nos últimos anos, resultado do aumento da disponibilidade de frutas e vegetais, mas os padrões nacionais, quanto à composição do menu, ainda não foram atendidos. Isso em função de persistentes desafios relacionados ao conflito de interesses e à capacidade insuficiente dos produtores para atender às necessidades de abastecimento, em conformidade com procedimentos técnicos.

Para Deconinck, Avery e Jackson (2020), na busca por evitar o aumento da fome, principalmente em países subdesenvolvidos, tornam-se fundamentais redes de segurança e assistência alimentar. Isso porque o maior risco para a segurança alimentar pode não ser a disponibilidade de alimentos, mas a perda de renda dos consumidores e do poder aquisitivo em meio à elevação dos preços dos alimentos.

Autores como Dias e Pinto (2020) destacam a importância do governo e sua contribuição na oferta de políticas públicas com financiamento adequado para a Educação, por meio do uso das tecnologias disponíveis, priorizando os mais vulneráveis e protegendo os educadores e alunos com vistas à construção de um futuro mais saudável, próspero e seguro.

2.2 O Pnae e a pandemia da Covid-19

O Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), organizou e fortaleceu instâncias do Estado brasileiro, além de ter criado espaços formais para a participação social, por meio do Consea. Nesse sentido, também projetou e monitorou políticas públicas na área da soberania, segurança alimentar e nutricional (LEÃO; MALUF, 2012).

A Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional instituiu o Sisan, ficando evidentes as transformações na qualidade de vida da população. Por meio dessas transformações, o Brasil saiu do Mapa da Fome no ano de 2014. Esse mapa é elaborado pela ONU, e o Consea teve importante contribuição na concepção e no aprimoramento das políticas públicas para a garantia da soberania, segurança alimentar e nutricional do país (BRASIL, 2014).

A partir de 2019, porém, tem-se o retrocesso dessas conquistas com a Medida Provisória n° 870 (BRASIL, 2019), que extinguiu o Consea, fragilizando o funcionamento do Sisan e os processos de garantia do direito humano à alimentação adequada nas esferas do Governo. A extinção do Consea. De acordo com Castro (2019), trata-se de uma afronta à democracia e um retrocesso social, pois desmonta o espaço de participação, um dos pilares da democratização do Estado, conforme a Constituição Federal.

No contexto do direito à alimentação adequada, vale destacar o Pnae, que é uma importante estratégia para a promoção da alimentação saudável (PEDRAZA et al., 2018). Atualmente, o Programa é gerenciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), conhecido popularmente como merenda escolar (FNDE, 2017). O FNDE é responsável por repassar para as Secretarias Estaduais de Educação (Seduc) e às Prefeituras Municipais, os recursos federais do Pnae, que são divididos em até dez parcelas anuais, entregues entre os meses de fevereiro e novembro de cada ano. O valor total repassado é calculado pelo número de alunos matriculados nas escolas federais, estaduais, municipais e distritais, registradas no Censo Escolar, pela quantidade de dias letivos e pelos valores per capita definidos no Art. 47 da Resolução CD/FNDE nº 6/2020 (FNDE, 2021).

O Pnae surgiu na década de 1940, mas não foi concretizado por falta de recursos financeiros. Foi na década de 1950 que, pela primeira vez, se estruturou um programa de merenda escolar em âmbito nacional e de responsabilidade pública, mas apenas em 1979 passou a ser definido como Pnae. Com a Constituição Federal de 1988, ficou assegurado o direito à alimentação escolar a todos os alunos do Ensino Fundamental. Em 2009, com a sanção da Lei nº 11.947, de 16 de junho, houve a extensão do Programa para toda a rede pública de Educação Básica, além da garantia de que, no mínimo, 30% dos repasses do FNDE fossem para a aquisição de produtos da agricultura familiar (BRASIL, 2009). Quanto aos repasses dos recursos financeiros, o Pnae busca priorizar os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e quilombolas, principalmente na aquisição de gêneros da agricultura familiar (FNDE, 2017).

Apesar de o Pnae ter sido concebido para ser universal, na prática, ele tem beneficiado mais os alunos comprometidos nutricionalmente, que são de famílias com baixos rendimentos e escolaridades. Segundo Sturion et al. (2005), 46% dos alunos brasileiros de dois municípios de cada região geográfica do país consomem diariamente a alimentação oferecida na escola, sendo que 17% dos estudantes analisados não participavam do Programa.

Gomes (2009) destaca a melhoria dos desequilíbrios nutricionais dos alunos de escolas públicas com o Pnae, além da importância da atenção ao combate a subnutrição no Brasil, por parte dos formuladores de políticas públicas, pois seus efeitos podem ser não só sobre a saúde e bem-estar dos indivíduos, mas também sobre o aprendizado e acumulação de capital humano, que possibilitam efeitos de longo prazo na produtividade do trabalho e da desigualdade.

Autores como Jomaa, Mcdonnell e Probart (2011), destacam que os efeitos da alimentação escolar na ingestão de energia, status de micronutrientes, matrícula escolar e frequência das crianças participantes em programas de alimentação escolar, em comparação com as que não participam, são positivos. Para Nero, Garcia e Almassy Junior (2022), são importantes as ações de políticas públicas educacionais de merenda escolar para o Ensino Básico, em que o Pnae é um dos programas mais antigos do Brasil. Embora o processo histórico de sua consolidação tenha sido longo, com o tempo, acabou beneficiando o contexto educacional e nutricional, além de gerar renda para os pequenos agricultores e movimentado a economia local (ROCHA, 2016).

O Pnae é destinado aos alunos matriculados em instituições de Ensino das redes públicas, incluindo também escolas em áreas habitadas por indígenas e quilombolas. Todas as escolas públicas devem ofertar alimentação escolar e precisam atender às necessidades nutricionais diárias da criança em pelo menos 20% a 70% (KITAOKA, 2018).

Como durante a pandemia da Covid-19, as escolas foram fechadas, os autores Corrêa et al. (2020) avaliaram as estratégias de execução do Pnae pelas administrações estaduais durante a pandemia, e destacaram a fragilidade do programa. Esses autores, por meio de uma investigação descritiva de corte transversal, observaram que das 27 unidades federativas, 55% distribuíram kits alimentação, 26% forneceram cartões (vales-alimentação), e 19% forneceram kits e vales-alimentação. Houve também a redução da compra de alimentos comercializados por agricultores familiares das regiões, devido à dificuldade em relação ao volume de produção e à capacidade de entrega dos agricultores ou cooperativas. Foram priorizadas as compras de alimentos industrializados pelas administrações, após a implantação da opção de distribuição de kits de alimentos não perecíveis, dificultando, então a garantia da qualidade nutricional dos alimentos ofertados aos alunos (CORRÊA et al., 2020).

Amorim, Ribeiro Junior e Bandoni (2020) destacam estratégias importantes para serem adotadas no período em que as escolas estão fechadas, são elas: a distribuição de alimentação para os alunos de forma universal, a ampliação dos valores repassados aos municípios com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo ou baixíssimo, além de incentivar a compra de alimentos da agricultura familiar. Entre as transformações sociais ocorridas no período da pandemia, estão o aumento do desemprego e a diminuição da renda das famílias. Entretanto, na concepção de Soares e Roesler (2020), o Pnae pode contribuir com a minimização da fome dos estudantes, ao mitigar a insegurança alimentar de crianças e jovens.

Com a suspensão das aulas no Brasil, foram autorizadas distribuições de alimentos aos alunos. Os autores Santos et al. (2021) observaram que os responsáveis pela alimentação escolar tiveram dificuldades para definir os critérios de distribuição dos kits. Entre essas dificuldades, estão a periodicidade e manutenção das quantidades e qualidades nutricionais dos alimentos, além de problemas na aquisição de gêneros da agricultura familiar. Tais dificuldades foram potencializadas na pandemia.

A alimentação escolar também pode ser considerada uma ferramenta educacional e pedagógica (BASTOS et al., 2019; HAMERSCHMIDT; OLIVEIRA, 2014; OLIVEIRA et al., 2023), apesar de os avanços na implementação da legislação do Pnae não terem sido suficientes, principalmente, na conscientização dos atores educacionais. A esse respeito, Oliveira et al. (2023) argumentam ser necessário o estímulo a treinamentos para professores e coordenadores educacionais, quanto à discussão da importância dessa política, para que a execução das resoluções do Pnae seja realizada de forma qualificada.

3 Metodologia

Na presente seção, são apresentadas as variáveis utilizadas no estudo, bem como as fontes de pesquisa e o método adotado.

3.1 Base de dados

Os dados utilizados neste estudo foram disponibilizados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento para a Educação (FNDE, 2021). Como as variáveis utilizadas são ano, estados, municípios, etapas, modalidades de Ensino e os repasses financeiros, fez-se necessária a correção desses valores dos repasses financeiros ao longo dos anos pela inflação1.

Para uma melhor compreensão das informações dos resultados do presente estudo, são apresentadas, a seguir, a legenda das siglas relacionadas às etapas e às modalidades de Ensino: PNACN - Creche; PNAPN - Pré-Escola; PNAFN - Ensino Fundamental; PNAMN - Ensino Médio; Pnaee - Atendimento Educacional Especializado; Pnaen - Educação de Jovens e Adultos; Pnain - Indígena; PNAQN - Quilombola; Pnami - Ensino Médio em Tempo Integral; PN+FN - Programa Mais Educação do Ensino Fundamental; PN+MN - Programa Mais Educação do Ensino Médio; PN+IN - Programa Mais Educação Indígena; e PN+QN - Programa Mais Educação Quilombola.

3.2 Método utilizado para a obtenção dos resultados

Os métodos utilizados para obtenção dos resultados foram o da estatística e a análise descritiva. Segundo Gil (1995), a pesquisa descritiva permite pensar as características de determinada população ou fenômeno, estabelecer relações entre variáveis e fatos. Reis (1996) enfatiza que a estatística descritiva possibilita recolher, analisar e interpretar dados numéricos, por meio de quadros, gráficos e indicadores numéricos considerados instrumentos adequados. Medri (2011), por sua vez, ressalta que a análise descritiva permite a organização e a sintetização dos dados, a partir da utilização das tabelas, gráficos e descrição das informações.

Na estatística descritiva das variáveis são apresentadas a média, o desvio padrão, o valor mínimo, o máximo e o coeficiente de variação. Para um conjunto de n observações, a média aritmética pode ser calculada por:

X ¯ = 1 n i = 1 n X i

Logo, a média aritmética é o quociente da soma dos valores observados pelo número total de observações (MORAIS, 2005). Quanto ao desvio padrão, sua medida serve para mostrar a dispersão dos dados. Seus valores não podem ser negativos e quanto maiores forem, maior é a variabilidade dos dados. Mas se for igual a zero, não existe variabilidade. Ou seja, os dados são todos iguais. Como o desvio padrão é a raiz quadrada da variância (MORAIS, 2005), tem-se:

S = s 2

Enquanto a variância é a soma dos quadrados dos desvios das observações dos dados, ou seja, sua média é dividida por n ou n-1, e depende do tamanho da amostra (MORAIS, 2005). Para dados amostrais:

s 2 = 1 n 1 i = 1 n ( X i X ¯ ) 2

Já para dados populacionais:

s 2 = 1 n i = 1 n ( X i X ¯ ) 2 n > 20

Para uma análise de dados mais informativa, é importante além da média, analisar algumas medidas de dispersão ou de variabilidade. Entre elas, o coeficiente de variação tem-se destacado, devido à sua utilidade para especificar com mais eficiência os resultados. Sendo que, quanto menor for o coeficiente de variação, mais homogêneos são os dados. O coeficiente de variação é calculado por meio da fórmula a seguir. Esta é uma medida de dispersão relativa obtida por meio da razão entre o desvio padrão e a média (GARCIA, 1989; MORAIS, 2005):

C V = 100 S M

Como explica Morais (2005), quanto menor e mais próximo de zero for o coeficiente de variação, mais homogêneo é o conjunto de dados e mais representativa é sua média.

4 Resultados e discussão da distribuição dos recursos do Pnae

Na presente seção são apresentados e comparados a distribuição dos recursos do Pnae por estados e municípios brasileiros, nas etapas e modalidades de Ensino, no período de 2014 a 2020. O Gráfico 1 apresenta os repasses para os estados brasileiros. Observa-se que o estado de São Paulo, quando comparado com outros estados, foi o mais beneficiado em todos os anos, recebendo, no ano de 2014, um total de R$ 1.024.337.177,54, e R$ 872.264.226,46 em 2020. O segundo principal destino dos recursos foi o estado de Minas Gerais, e o terceiro a Bahia. Por outro lado, os estados que receberam menores recursos, e foram consequentemente menos beneficiados pelo programa no período analisado, foram Roraima, Amapá, Acre, Rondônia, Sergipe e Tocantins.

Gráfico 1
Repasses do Pnae para os estados brasileiros de 2014 a 2020, em R$ bilhões

No cenário da pandemia da Covid-19, os estados que apresentaram redução no valor recebido do programa, quando comparado com o ano de 2019, foram os estados do Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima e Tocantins. Quando comparado o ano de 2020 com o de 2014, apenas os estados do Amapá e Distrito Federal receberam maiores repasses financeiros em 2020. Assim, é possível constatar que houve redução dos repasses financeiros na maioria dos estados brasileiros.

Para facilitar a visualização da concentração dos recursos do Pnae por estados brasileiros, a Figura 1 mostra, nas áreas mais escuras, os estados que receberam os maiores valores em cada ano. Nas áreas mais claras, estão os que receberam menores valores, ficando evidente que cada estado passou por variações positivas ou negativas no recebimento dos recursos do programa ao longo do período analisado. Mesmo assim, os estados de São Paulo, Minas Gerais e Bahia, respectivamente, das regiões Sudeste e Nordeste do país, receberam os maiores valores. Em contrapartida, os estados da região Norte e Centro-Oeste foram os menos beneficiados pela política.

Figura 1
Recursos do Pnae repassados para os estados brasileiros de 2014 para 2020

A Tabela 1 apresenta a estatística descritiva das variáveis utilizadas no estudo, condicionadas às secretarias estaduais e aos anos de repasses. Por meio dessa Tabela 1, é possível afirmar que, em média, foram as secretarias dos estados da Bahia e de Minas Gerais as que mais receberam repasses. Consequentemente, as regiões Nordeste e Sudeste destacam-se por suas secretarias estaduais obterem em média os maiores repasses.

Tabela 1
Estatísticas descritivas das variáveis por secretarias estaduais, condicionadas aos anos de repasses

Os recursos do Pnae, repassados para as secretarias estaduais, apresentaram redução de 2014 para 2016, aumento de 2016 para 2018, redução em 2019, e aumento em 2020. Os recursos repassados variaram, em média, de 4 a 6 milhões de reais. A etapa e modalidade de Ensino mais beneficiada, no período analisado, com os repasses para as secretarias estaduais, foi a Educação de jovens e adultos.

É importante ressaltar que essa modalidade de Ensino pode ter se destacado com valores expressivos dos repasses, devido, por exemplo, às consequências da defasagem idade-série, como o atraso escolar no Ensino regular, tendo em vista que a Educação de jovens e adultos é uma possibilidade de conclusão do Ensino Médio. Essa modalidade atende especialmente ao público no qual grande parte estava em atraso na etapa escolar ou evadiram do Ensino regular, sendo assim uma possível justificativa para o aumento no número de matrículas, principalmente, na Educação de jovens e adultos do Ensino Médio, que em sua maioria é de responsabilidade estadual (BARBOSA; BRAGA, 2018).

Quanto à medida do desvio padrão, a maior variabilidade dos dados ocorreu entre os estados. Já em relação ao coeficiente de variação, ela é a mais homogênea, enquanto os valores dos recursos do Pnae é a variável menos homogênea.

Das secretarias estaduais contempladas com os recursos do Pnae por etapas e modalidades de Ensino, observa-se, na Tabela 2, que o maior número de secretarias atendidas entre 2014 e 2020 ocorreu no ano de 2016, com 250 secretarias no total. Entre elas, apenas dez tiveram recursos destinados para o Programa Mais Educação Quilombola, e nenhuma para o Programa Mais Educação do Ensino Médio.

Tabela 2
Secretarias estaduais atendidas por etapas e modalidades de Ensino

O Programa Mais Educação Quilombola teve os menores números de secretarias atendidas ao longo do período, e o Programa Mais Educação do Ensino Médio, nenhuma secretaria. A maioria das secretarias teve recursos destinados para o Ensino Fundamental, Ensino Médio, atendimento educacional especializado, Educação de jovens e adultos e para o Ensino Médio em tempo integral2, comprovando que são essas as modalidades de Ensino que estão mais presentes entre os estados brasileiros. No ano de 2020, apenas 206 secretarias de Educação estadual foram atendidas, sendo que nenhuma delas teve recursos direcionados para os Programas Mais Educação do Ensino Fundamental, Mais Educação Indígena, nem para o Programa Mais Educação Quilombola.

A Tabela 3 apresenta quantos municípios foram contemplados com os recursos do Pnae por etapas e modalidades de Ensino. Do ano de 2014 até 2015, cresceu o número de municípios atendidos pelo programa, reduziu de 2015 para 2018, aumentou em 2019, e reduziu em 2020. Diferente do número de secretarias estaduais atendidas pelo Pnae, pois, em 2015 o Brasil teve o maior número, com 29.387 municípios contemplados pelo programa.

Tabela 3
- Municípios atendidos por etapas e modalidades de Ensino

Tratando-se das modalidades de Ensino, foi o Programa Mais Educação Indígena que recebeu os menores recursos dos valores destinados aos municípios. Também não teve repasse para o Programa Mais Educação do Ensino Médio, nem para o Ensino Médio em Tempo Integral, que nos anos de 2018 e 2019, tiveram apenas 25 e 24 municípios atendidos, respectivamente.

O ano de 2020 foi marcado pelo fechamento das escolas devido à pandemia da Covid-19 e teve o menor número de municípios atendidos pelo programa, com apenas 25.759 municípios. Nesse ano, os municípios brasileiros não foram comtemplados com recursos para o Ensino Médio em Tempo Integral, Programa Mais Educação do Ensino Fundamental, Programa Mais Educação do Ensino Médio, Programa Mais Educação Indígena e Programa Mais Educação Quilombola. A maioria dos recursos de 2020 foi direcionada para creche, pré-escola, Ensino Fundamental, atendimento educacional especializado e para Educação de jovens e adultos.

5 Considerações finais

A pandemia da Covid-19 no Brasil agravou as dificuldades e vulnerabilidades já existentes no país, como, por exemplo, o aumento do desemprego, a pobreza e a fome. Dada a importância das políticas e programas para a sobrevivência, principalmente dos mais vulneráveis, o Pnae é um exemplo de programa que tem saciado a fome de indivíduos que dependem da alimentação escolar.

Por meio dos dados do FNDE, para os anos de 2014 a 2020, observou-se que estados e municípios passaram por variações positivas ou negativas no recebimento dos recursos do programa ao longo do período analisado. Ademais, na maioria dos anos, ocorreu a redução dos repasses financeiros do Pnae, e, por isso mesmo, redução do número de secretarias estaduais e municipais contemplados pelo programa.

No período analisado, os estados mais beneficiados foram São Paulo, Minas Gerais e Bahia, quando comparados aos outros estados. Por seu turno, os que receberam menores recursos foram Roraima, Amapá, Acre, Rondônia, Sergipe e Tocantins, consequentemente, sendo os menos beneficiados pelo programa.

No cenário da pandemia da Covid-19, apenas os estados do Amapá e Distrito Federal receberam repasses financeiros em 2020 maiores que no ano de 2014. Portanto, houve redução dos repasses financeiros na maioria dos estados brasileiros. Quanto aos recursos destinados às secretarias estaduais, o maior número de atendimentos ocorreu em 2016, com 250 secretarias ao todo. Já em 2020, apenas 206 secretarias de Educação estadual foram atendidas pelo programa, em que as etapas e modalidades de Ensino mais prejudicadas foram os programas Mais Educação do Ensino Fundamental, Mais Educação do Ensino Médio, Mais Educação Indígena e Mais Educação Quilombola.

Dos municípios contemplados com os recursos do Pnae por etapas e modalidades de Ensino, no ano de 2015, o Brasil obteve o maior número de municípios. Foi o Programa Mais Educação Indígena que recebeu os menores recursos destinados aos municípios, além de não terem tido repasse para o Programa Mais Educação do Ensino Médio, nem para o Ensino Médio em Tempo Integral, na maioria dos anos.

O ano de 2020 teve o menor número de municípios atendidos pelo programa, e os municípios brasileiros não foram contemplados com recursos para o Ensino Médio em Tempo Integral, Programa Mais Educação do Ensino Fundamental, Programa Mais Educação do Ensino Médio, Programa Mais Educação Indígena e Programa Mais Educação Quilombola. A maioria dos recursos de 2020 foi direcionada para as modalidades de creche, pré-escola, Ensino Fundamental, atendimento educacional especializado e para Educação de jovens e adultos.

Para concluir, torna-se pertinente destacar que o presente estudo buscou contribuir com a literatura sobre o tema, apesar das limitações quanto à disponibilidade de dados. Nesse contexto, com a redução dos recursos financeiros repassados e dos programas de ensinos contemplados, confirma-se a hipótese sobre as mudanças alimentares dos estudantes, o que pode afetar negativamente o desempenho escolar, já que a má alimentação/nutrição interfere na qualidade da aprendizagem dos indivíduos.

Referências

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Disponibilidade de dados

Os dados utilizados estão disponíveis no Ministério da Educação, em Repasses Financeiros por Entidade Executora, e podem ser acessados no link: https://www.gov.br/fnde/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/programas/pnae/consultas/pnae-repasses-financeiros

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    06 Abr 2022
  • Aceito
    11 Ago 2023
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