Open-access A REDUCA como semeadora de consensos na América Latina: avaliação, padronização e subordinação

RESUMO

A América Latina tem sua história marcada por processos brutais de expropriação por parte das potências europeias desde o século XVI. Guerras, reformas, lutas pela independência e revoluções convivem com o assédio dos países imperialistas, em conluio com as diferentes frações burguesas da região, pela manutenção de uma condição de subordinação. Com base nisso, o presente artigo visa refletir sobre os consensos que as frações empresariais, articuladas em torno da Rede Latino-Americana de Organizações da Sociedade Civil pela Educação (REDUCA), formularam para a educação na América Latina nas últimas décadas. A REDUCA foi oficialmente lançada em Brasília no ano de 2011, com o patrocínio do BID e de grandes empresas e fundações empresariais. Os principais documentos analisados defendem que as economias latino-americanas padecem de baixa produtividade, sustentando o argumento de que o aumento na escolaridade da população amplia diretamente a produtividade, pressupondo uma relação linear entre educação e competitividade empresarial. Nesse bojo, o BID e demais organismos supranacionais impulsionam a formação de redes sociais, como a REDUCA, que se constitui de diversos ‘aparelhos privados de hegemonia’, nos termos gramscianos, para atuar na efetivação de reformas educacionais, implantando avaliações em larga escala, padronizações curriculares e controle do trabalho docente.

Palavras-chave:  REDUCA; Reformas Educacionais; Consensos; América Latina; Avaliação

ABSTRACT

Latin America has a history marked by brutal processes of expropriation by European powers since the 16th century. Wars, reforms, struggles for independence, and revolutions coexist with the harassment by imperialist countries, in collusion with different bourgeois factions in the region, to maintain a condition of subordination. Based on this, the present article aims to reflect on the consensuses that business sectors, articulated around Rede Latino-Americana de Organizações da Sociedade Civil pela Educação (REDUCA), have formulated for education in Latin America in recent decades. REDUCA was officially launched in Brasília in 2011, sponsored by the IDB, big companies, and corporate foundations. The primary documents analyzed argue that Latin American economies suffer from low productivity, supporting the claim that increased schooling directly enhances productivity, presupposing a linear relationship between education and business competitiveness. In this context, the IDB and other supranational organizations promote the formation of social networks, such as REDUCA, which consists of various ‘private apparatuses of hegemony,’ in Gramscian terms, to act on the implementation of educational reforms, introducing large-scale evaluations, curriculum standardizations, and control of teaching work.

Keywords:  REDUCA; Educational Reforms; Consensus; Latin America; Evaluation

Introdução

A América Latina tem sua história marcada por processos brutais de expropriação da terra e da cultura dos seus povos originários por parte do colonialismo europeu desde o final do século XV, conforme sinalizam Berardo (1981) e Galeano (1981). Passados os processos de guerras, reformas, independências e revoluções nacional-democráticas, persiste na região, com algumas exceções, sociedades capitalistas marcadas pela dependência perante as potências do centro do capitalismo, com economias voltadas, sobretudo, para a exportação de matéria-prima e produtos semimanufaturados (commodities), implicando em uma indústria pouco desenvolvida. O conjunto dos países que compõem a América Latina e Caribe chegou a 2019 com cerca de 26 milhões de desempregados, ou mais de 8% de trabalhadores sem emprego. Entre os jovens essa taxa estava próxima dos 20%, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2019) coletados antes da pandemia de Covid-19. Esta, por sua vez, fez com que postos de trabalho fossem dizimados pelo mundo a partir de 2020. Dentre os empregados, 53% estavam na informalidade, e essas proporções pioram entre mulheres, jovens e negros.

O abismo entre as classes sociais é gritante na América Latina e Caribe. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), aproximadamente 185 milhões de pessoas (30,1%) estavam em situação de pobreza1 na região em 2018, das quais 66 milhões em situação de pobreza extrema, 20 milhões a mais do que em 2014 (CEPAL, 2020). Estimativas indicavam que ao final de 2020 teríamos 230 milhões de latino-americanos e caribenhos em situação de pobreza (CEPAL, 2020).

Em um sistema econômico que relega às massas trabalhadoras apenas uma fração do que essas produzem e que mantém um enorme exército industrial de reserva, os conflitos são constantes e precisam ser administrados pela classe dirigente para a garantia das condições necessárias à extração de mais-valor. Enquanto a classe subalterna organiza com muito custo as suas trincheiras - sindicatos de trabalhadores, partidos, associações, movimentos sociais, mídias independentes etc. - para se libertar das amarras do trabalho subsumido ao capital, a classe dirigente se organiza dispondo de um arsenal midiático, jurídico e militar, garantidor da ordem burguesa que visa, por meio da atuação de seus intelectuais orgânicos nos aparelhos privados de hegemonia e no aparato estatal, estabelecer o máximo de consentimento da classe subalterna ao projeto histórico burguês. Em situações nas quais falha o consentimento, age o braço armado do Estado com vistas a garantir, pela força, a manutenção da sociedade de classes.

No Brasil, as principais fontes de financiamento externo para projetos ligados à área da educação provêm do Banco Mundial (BM) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que somavam mais de 80% desses tipos de empréstimos realizados pelo país, influenciando políticas das mais diversas áreas (Melgarejo, 2017). No que se refere à educação, ambos possuem setores específicos para tratar do tema, além de um histórico de importantes projetos financiados no Brasil. Entretanto, a agenda educacional dos dois é bastante convergente2, tendo como base a definição da educação como formadora de capital humano para suprir as demandas de reprodução do capital.

Os principais documentos desses organismos supranacionais para as políticas educacionais (Vegas; Gonzalez; Vera, 2013; Vegas et al., 2016; Banco Mundial, 2010; 2018; 2019) têm como argumentação que as economias latino-americanas padecem de baixa produtividade desde as últimas décadas, o que implicaria na perda da competitividade internacional das empresas. Como solução defendem a retórica de que o aumento na escolaridade de uma população ampliaria a produtividade, estabelecendo, portanto, uma relação linear, de causa e efeito, entre educação e competitividade empresarial, balizando toda a organização escolar para a lógica de mercado, culminando na defesa da privatização da gestão de escolas públicas.

Assim, as propaladas preocupações do empresariado com a evasão escolar dos jovens, o baixo desempenho dos alunos nas avaliações em larga escala, as desigualdades de acesso à escola, as dificuldades de permanência, entre outros, devem ser entendidas pela ótica de que esse quadro afetaria a produtividade, assim justificando o caráter reducionista da formação defendida nas reformas educacionais em detrimento de uma concepção de formação humanística e integral.

O projeto de educação hegemônico, definido nas reformas educacionais, parte da falsa premissa de que o acesso igualitário à educação escolar transformaria estudantes de origens distintas em competidores com chances e condições iguais de acesso ao emprego no mercado capitalista. Por meio desse discurso, os Aparelhos Privados de Hegemonia (APHs) que defendem o projeto hegemônico burguês, bem como os organismos supranacionais como o BM, UNESCO, e BID, produzem uma lógica perversa de esvaziamento do conteúdo da educação escolar pública em favor da homogeneização curricular, em que só admite aquilo que pode ser verificado por meio de avaliações em larga escala e pela substituição da historicidade dos conteúdos em nome do desenvolvimento das habilidades socioemocionais, ao defenderem que essas são as competências necessárias ao mercado de trabalho do século XXI.

Vende-se, como se fosse de interesse universal, aquilo que é o projeto de uma classe em específico. A necessidade de formação de trabalhadores desconhecedores das determinações mais básicas de sua vida é generalizada como um processo de “educação para todos”, quando, na prática social, é um projeto de educação desenhado para a classe subalterna, uma vez que a formação da classe dirigente passa longe da escola pública.

A formação de redes sociais tem sido difundida pelos principais organismos supranacionais nas últimas décadas para legitimar a agenda política consensuada pelo capital nos fóruns mundiais de educação, em especial o ciclo de encontros composto pela Conferência de Jomtienem1990, Cúpula Mundial de Educação de Dakar em 2000 e o Fórum Mundial de Educação de Incheon em 2015 (Melgarejo, 2023). Nesse bojo, o BID e demais organismos supranacionais impulsionam a formação de redes sociais, como é o caso da Rede Latino-Americana de Organizações da Sociedade Civil pela Educação (REDUCA), numa forma de driblar a resistência aos seus projetos, atuando na articulação e produção do consenso para a efetivação das reformas educacionais.

Pelo presente artigo procuramos refletir sobre os consensos que as frações empresariais, articuladas em torno da REDUCA3, formularam para a educação na América Latina nas últimas décadas, em particular as avaliações em larga escala.

A função da REDUCA na América Latina e os consensos necessários

A REDUCA foi oficialmente lançada em Brasília no ano de 2011, durante o congresso internacional organizado pelo movimento empresarial Todos Pela Educação (TPE), intitulado “Educação: Uma Agenda Urgente”, que contou com o patrocínio do BID e de grandes empresas e fundações empresariais: DPaschoal, Faber-Castell, Fundação Bradesco, Fundação Itaú Social, Instituto Camargo Corrêa, Instituto Gerdau, Instituto Unibanco, Itaú BBA, Santander, Suzano Papel e Celulose. Contou também com os apoios de: AMICS, Amigos da Escola, Canal Futura, DM9DDB, Fundação Santillana, Fundação Victor Civita, GIFE, Gol Linhas Aéreas Inteligentes, Grupo ABC, Instituto Ayrton Senna, Instituto HSBC Solidariedade, Instituto Natura, Instituto Paulo Montenegro, McKinsey & Company, Microsoft, Patri Políticas Públicas, Rede Energia e Rede Globo (REDUCA, 2011).

Pode-se afirmar que a REDUCA é um movimento muito além da educação escolar, por ser fruto da articulação da classe dirigente em torno da manutenção e atualização da hegemonia burguesa, orquestrado por grupos de intelectuais orgânicos que atingiram um grau de homogeneidade, consciência e organização, que atuam como uma espécie de elites orgânicas em nossa sociedade (Dreifuss, 1987)4. Segundo Melgarejo (2023) a REDUCA pode ser considerada uma frente móvel de poder transnacional5, que se organiza baseada em aparelhos privados de hegemonia (APHs), nos termos de Gramsci, estes oriundos de 15 países, conforme quadro abaixo:

Quadro 1:
Países membros da REDUCA e respectivos APHs em 2023

Na perspectiva gramsciana, considera-se que as ditas ‘organizações da sociedade civil’ nada mais são do que aparelhos privados de hegemonia (APHs), cujo papel é o de formular proposições mais adequadas às frações sociais às quais estão vinculadas. Por seu turno, todo APH constitui-se de intelectuais que, para Gramsci (2010), são aqueles que desempenham uma função organizadora na sociedade por meio de elaboração e divulgação de uma visão de mundo própria da classe à qual estão organicamente ligados. Ou seja, trata-se da elaboração de consensos.

Consenso, na perspectiva gramsciana, deve ser entendido em conjunto com seu par oposto, que é a força. Assim, “[...] enquanto o elemento ético faz referência ao consenso, construído e disputado na sociedade civil, a política se referiria à iniciativa estatal-governamental, à dimensão institucional e coercitiva” (Aliaga, 2021, p. 99).

Segundo o revolucionário comunista sardo, para apreender o sistema de dominação do Estado moderno burguês, é preciso compreender o Estado para “[...] além do aparelho de governo, também [como] o aparelho privado de hegemonia ou sociedade civil” (Gramsci, 2014, p. 258). Desse modo, Gramsci desenvolve o conceito de Estado integral, ou ampliado, que, organicamente, contém em si a sociedade política, ou Estado restrito, e a sociedade civil, espaço no qual ocorre a luta de classes. O que pressupõe a total ruptura com a noção, cada vez mais recorrente, de que, de um lado, teríamos um Estado neutro e, de outro, a chamada sociedade civil, representada pelas mais variadas organizações. Conforme apontam Silva et al. (2021, p.3), na ordem burguesa, ao se referirem às análises críticas sobre as políticas educacionais, [...] não existe a política educacional per se, tampouco o Estado per se.

Ao se tomar por base a compreensão gramsciana de Estado integral, a análise que se faz da REDUCA e do seu espraiamento na América Latina é de que suas proposições precisam ser entendidas como expressões da ordem burguesa. Esses APHs que compõem a REDUCA atuam em confluência com as diretrizes definidas pelas elites orgânicas que formulam as políticas do BID e da Comissão Europeia em absoluta articulação com os aparelhos de Estado. Dessa forma, carrega em si um projeto de classe, ainda que floreado e ocultado em suas publicações. A rede insere-se na agenda educacional capitaneada pelos maiores organismos supranacionais.

Os documentos internacionais de referência da REDUCA, segundo seu posicionamento público, são aqueles ditados pelos organismos supranacionais legitimadores da ideologia burguesa, conforme explicitado abaixo:

Educación para Todos [UNESCO], as Metas 2021 [OEI, em parceria com CEPAL] e o processo para o direito à Educação que se desenvolve em torno das Metas post-2015 [...], o conceito de Educação como direito fundamental de acordo com a Declaração dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1959 (REDUCA, 2016, p. 5).

Identifica-se que os membros da REDUCA possuem projetos, assistência financeira, parcerias ou alianças diretas com o aparelho de Estado dos EUA, principalmente via USAID e embaixadas nos respectivos países. A Fundação Omar Dengo, Educación 2020 e o grupo Faro possuem alianças diretas com a embaixada dos EUA. Já o Unidos por la Educación, do Paraguai, apresenta aliança com os Peace Corps6. Os APHs mais antigos, que foram criados nas décadas de 1980 e 1990, contaram inclusive com dinheiro da USAID desde a sua fundação, ou nos primeiros anos, a exemplo da Fepade; Fundação Omar Dengo; Eduquemos; Educa; Ferema. (Melgarejo, 2023). Outros APHs mais recentes também possuem patrocínio ou parcerias com a USAID, a exemplo do Grupo Faro (Equador) (Faro, 2023), Empresarios por la Educación (Colômbia) (Empresarios por la Educación, 2022), Empresarios por la Educación (guatemala) (Empresarios por la Educación, 2023).

Os princípios apregoados pela REDUCA são apontados em seu documento constitutivo, a Carta de Brasília, que a define como:

[...] una asamblea de organizaciones de diversos países de Latinoamérica, que sostiene un compromiso público y común para participar y contribuir activamente a que los niños, niñas y jóvenes ejerzan en plenitud su derecho a una educación inclusiva y de calidad, en cada uno de nuestros países y en la región entera (REDUCA, 2011, p. 1).

Em relação à sua organização interna, a REDUCA opera em duas instâncias, a Assembleia de Membros e o Conselho de Governança, conforme explica Martins (2019):

As Assembleias se configuram como o espaço operativo da rede, dela participam todos os integrantes da REDUCA. O Conselho de Governança tem a tarefa de liderar as ações da REDUCA. Este Conselho é considerado uma instância técnica cuja função é traçar as diretrizes de ação e encaminhar questões que viabilizam a rede, como a busca por financiamento junto aos organismos internacionais, por exemplo. Do Conselho de Governança participam os representantes de 6 integrantes da REDUCA, eleitos em Assembleia. Este Conselho é coordenado por um Secretário Geral, também eleito dentre os integrantes para um mandato de 1 ano (Martins, 2019, p. 114).

Outros princípios anunciados na ocasião de seu lançamento foram: a disposição a aprender pelo intercâmbio de experiências; trabalho colaborativo na busca das ditas “melhores práticas”; “Estado e educação”, em que pregam o accountability; corresponsabilidade, defendendo que os cidadãos devem participar ativamente da formulação, monitoramento e avaliação das políticas educacionais; e a participação, que se resume em propor uma relação “construtiva” entre setor público e privado (REDUCA, 2011).

No documento, Posicionamento: REDUCA, são listados os seguintes princípios da rede:

O entendimento de que a Educação é um direito humano fundamental, pois se trata de condição para o exercício de outros direitos. A compreensão de que o direito à Educação é exercido quando se asseguram as condições de aprendizagem para todos, independentemente de sua origem e situação.

A responsabilidade do Estado em garantir que tal direito se exerça mediante uma Educação pública de qualidade e promovendo a participação de todos os setores e atores.

O entendimento de que a qualidade da Educação é um componente sem o qual não se cumpre o exercício do direito à Educação, seja em sua oferta ou em seus resultados, entendendo a qualidade em sentido integral.

O foco da Educação na sua contribuição para reduzir a desigualdade e a pobreza e para promover a equidade e a inclusão, fatores que constituem o maior desafio ao progresso social na região (REDUCA, 2016, p. 4).

Em outras palavras, a REDUCA se posiciona, e vem trabalhando arduamente, a favor da participação do chamado setor privado na oferta pública de educação, fenômeno que tem se alastrado na América Latina sob diversas formas. Elevam a educação ao patamar milagroso de solução de todos os problemas econômicos, defendendo que “[...] os problemas psicossociais, os comportamentos de risco e os níveis de emprego e renda estão relacionados com a qualidade educacional” (REDUCA, 2016, p. 3). Mais uma perversa tentativa de imputar à educação pública a responsabilidade pelas mazelas crônicas que tem origem na exploração das classes subalternas na lógica totalizante da valorização do capital.

Lamosa (2017, p. 8), ao analisar a composição da REDUCA, destaca sete pontos de semelhanças entre os Aparelhos Privados de Hegemonia que dela participam:

1) Uma organização administrativa muito similar (assembleia geral que reúne os sócios, uma junta diretiva, um conselho superior, um conselho assessor, além de comitês para assuntos específicos); 2) Produção de agendas de longo prazo (no Brasil, por exemplo, a data de 2022 foi eleita como marco histórico, no Chile este marco foi definido para 2020 e na Argentina para 2050); 3) Apoio às Parcerias Público-Privadas; 4) Valorização de programas de inserção do trabalho voluntário em políticas de garantia do direito à educação; 5) Demarcam sua separação com o governo e com o mercado, definindo-se como parte de um “Terceiro setor” ou de uma “Sociedade Civil” que é a expressão da cidadania, enunciam uma origem “apartidária”; 6) Trabalho estreito com a imprensa, incluindo entre seus associados grandes empresas de comunicação (como por exemplo no Brasil em relação às empresas do grupo Roberto Marinho e no México, onde a Televisa é um dos associados do movimento “Mexicanos Primeiro”); 7) Assumem estatuto de especialistas (“Think Thanks”), apresentando-se como especialistas nas reformas educacionais em seus países.

Pela análise desses pontos, percebe-se haver claramente um procedimento padrão comum, indicando uma metodologia de atuação com vistas a alcançar uma estratégia definida para a região latino-americana. Logo, o caráter em rede da REDUCA diz muito sobre os seus propósitos.

Embora não se possa desenvolver no escopo deste artigo, é relevante mencionar que a estratégia definida para a América Latina e o Caribe expressa uma agenda internacional, e que a articulação entre essa agenda e as especificidades que compõem cada país da região precisa conduzir para a manutenção da divisão internacional do trabalho, garantindo a subordinação desses países que compõem a periferia do capital ao capitalismo central (Marini, 2005). Trata-se da manutenção da dependência desses países, evidentemente buscando as formas históricas mais atualizadas, próprias do desenvolvimento das forças produtivas no movimento do capital. Conforme observam Silva et al. (2021, p.10):

A questão que se coloca é compreender [...] [os] argumentos vaticinados em uníssono pelas entidades empresariais [...], que reduzem o problema a uma mera questão de má distribuição de renda, para a qual uma ‘justa’ reforma tributária, combinada com uma educação atinente aos avanços tecnológicos e atenta às competências socioemocionais, teria o condão de resolver. Desvendar essa cilada exige um método de análise capaz de alcançar a raiz dos fenômenos aparentes, e é no legado de Marx que estão esses fundamentos.

Daí que, pensar uma agenda de reformas para a educação pública nesses países, sob o ponto de vista dos interesses do capital, implica a atualização das formas de subordinação. Sem dúvidas que a REDUCA cumpre esse papel, não por acaso, possui representantes de quase todos os países latino-americanos e caribenhos de língua espanhola, com a ausência gritante de representantes dos países que mais se distanciaram das garras do imperialismo: Cuba, Venezuela e Bolívia. Esse último, segundo Bittencourt (2021), é o único da região a diminuir a presença da educação privada no ensino básico nos últimos anos.

Desperta atenção a articulação internacional promovida pelo BID para financiar a REDUCA. Utilizando-se da cota de empréstimos disponível para o Brasil, em outubro de 2012, o banco firmou dois contratos de cooperação técnica com o Todos Pela Educação, em fundo não reembolsável. O contrato BR-T1246: All for Education Movement: New Educational Practices and Policy Agenda teve um custo total de 639 mil dólares, enquanto o BR-X1027: All for Education Movement: New Educational Practices and Policy Agenda custou 1 milhão e 700 mil dólares (Alfaro et al., 2012). Ambos os contratos contaram com a participação do Banco Itaú BBA, Instituto Natura, Fundação Telefônica, instituições que participam do TPE, e a sul-coreana Samsung, líder mundial em venda de smartphones. Por parte do BID, foi utilizado o fundo de Doações Específicas para Projetos e o Korean Poverty Reduction Fund. O Banco Itaú firmou o acordo por meio de sua sucursal em Nassau Branch, em Bahamas, famoso paraíso fiscal. Quanto à REDUCA, o que propõe no acordo de cooperação técnica entre o BID e o TPE resume-se ao seguinte:

Este componente apoiará o trabalho do TPE no intercâmbio de experiências bem sucedidas entre as organizações da REDUCA, para maximizar a sua capacidade de incidência nas políticas públicas. Com os recursos do KPR alocados a este componente serão financiadas as seguintes atividades para consolidação da rede: i) estabelecer uma rede de intercâmbio de boas práticas na criação e gestão de movimentos sociais pela educação na América Latina no que tange aos seus objetivos, programas, financiamento, estratégias de comunicação, mobilização social, estratégias de incidência nas políticas públicas, e de promoção da participação da sociedade civil no diálogo e controle social das políticas educativas; ii) apoiar a implantação de processos de acompanhamento das políticas e metas educativas ao nível regional ou em outros países; e iii) organização de encontros regionais ou nacionais com os principais atores da política pública, da sociedade civil e dos setores público e privado (Alfaro et al., 2012, p. 6).

Vê-se que o TPE ocupa lugar de destaque na REDUCA ao ser escolhido como beneficiário de mais de 2 milhões de dólares, não reembolsáveis, para articular e implementar os interesses do projeto educacional do BID, conectado aos governos nacionais, vinculando seu projeto educacional aos chamados “atores da política pública”, que nada mais são do que as elites orgânicas atuantes em cada país que a REDUCA cria e estende seus tentáculos. O apoio do BID à REDUCA “[...] não se limitou à seleção dos membros da rede ou ao seu subsídio, neste caso, o financiamento também é orientador das ações e da ‘prestação de contas’” (Martins, 2019, p. 122).

Assim, a REDUCA também definiu seus objetivos e apresentou os resultados de seus projetos na sede do BID em Washington. Por exemplo, em 2016, o Conselho de Governança da rede, se reuniu durante 3 dias com o vice-presidente e com representantes da Gerência do Setor Social do BID (incluindo a Divisão de Educação e a Unidade de Alianças Estratégicas). O objetivo deste evento foi o de definir as orientações estratégicas futuras da REDUCA e fortalecer a aliança entre a rede e o BID (Martins, 2019, p. 122).

Importante ressaltar que a utilização do fundo sul-coreano e a participação da Samsung podem ser explicadas pelo interesse em ampliar o mercado consumidor de novas tecnologias, uma vez que no acordo de cooperação é dado destaque para a introdução das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) na sala de aula. No documento de cooperação técnica entre TPE e BID apresentam o que seria o ensino mediante meios eletrônicos:

O e-learning (ensino através de meios eletrônicos) e os ambientes personalizados de aprendizagem nasceram das exigências do século XXI de manter o aprendizado ao longo da vida e do desafio de evitar que jovens continuem abandonando prematuramente o sistema educacional por apresentarem dificuldades significativas em sua vida escolar - para que eles tenham oportunidades de reintegrarem-se ao sistema escolar e alcançar os resultados de aprendizagem esperados. Nos ambientes personalizados, os estudantes podem explorar e criar de acordo com seus próprios interesses e objetivos, interagindo com a comunidade e com seus pares. É uma metodologia que permite reconhecer e trabalhar as diferenças de desempenho de cada aluno e identificá-los como gestores de seu próprio aprendizado (Alfaro et al., 2012, p. 21).

Com isso buscam promover um esvaziamento do papel do professor como responsável pelo processo de ensino-aprendizagem, ao mesmo tempo, em que preparam as novas gerações para o consumo de eletrônicos e os capacitam para o trabalho mediado e controlado por aparelhos eletrônicos. Américo Teixeira Mattar Junior, presidente da Fundação Telefônica, afirma no informe social de 20 anos:

Assim, criamos projetos que têm como base o potencial humano e que utilizam a tecnologia para gerar novas metodologias de ensino-aprendizagem, estimular o desenvolvimento social e o exercício da cidadania. E, desta forma, desenhamos nossos pilares de atuação: Educação, Empreendedorismo e Voluntariado (Fundação Telefônica Vivo, 2019, p. 3).

Tais elementos são sintetizados nas proposições da REDUCA e ressoam na elaboração dos interesses de frações burguesas que atuam no campo educacional, seja para fomentar a realização de suas mercadorias, seja na transformação de setores educacionais em espaços para circulação de suas mercadorias.

Há uma confluência, entre os APHs estudados, na forma de construir seus quadros de intelectuais: convidam nomes influentes na política, como ex-presidentes e ex-ministros da educação; buscam quadros populares na sociedade, seja nos esportes ou na mídia; e montam uma rede de empresários dispostos a financiar a organização de uma agenda comum, consensuada na rede, para ação política em seus países.

Dentre as centenas de intelectuais que compõem as elites orgânicas presentes nos APHs, participantes da REDUCA, destacam-se aqueles ligados diretamente à fração financeira da classe burguesa. Como exemplos, temos o Citibank como membro fundador da Fepade (El Salvador), o Itaú e o Bradesco no Todos Pela Educação (Brasil), Banco Proamerica no Eduquemos (Nicarágua), Bancolombia no Empresarios por la Educación (Colômbia), Santander e Citi, no Proyecto Educar 2050 (Argentina), além de intelectuais ligados ao Banamex e Bancomer no Mexicanos Primero (México), ao Banco de Credito del Peru, no Empresarios por la Educación (Peru) (Melgarejo, 2023).

Uma característica marcante que encontramos entre os APHs que atuam na REDUCA é de que todos possuem, em sua composição, representantes de variadas empresas, dos mais distintos ramos (com presença marcante de intelectuais ligados ao capital financeiro e à grande mídia), além de políticos e outros intelectuais, com ampla exposição midiática e diferentes laços com o aparelho de estado, atuando de coordenadamente num longo processo de reforma educacional em toda a América Latina.

Também há um modelo de ação em comum: campanhas publicitárias em conjunto com as corporações de mídia locais, concursos, medalhas e premiações de “melhores práticas”, lobby parlamentar para influenciar diretamente na elaboração, proposição e aprovação das leis e normas educacionais, além de uma miríade de projetos com empresas e aliados que garantem o financiamento de suas estruturas. A grande mídia é uma aliada imprescindível para os membros da REDUCA, que possuem estreitas relações com os maiores detentores de meios de comunicação de massa em seus países.

Na essência, as políticas defendidas pela REDUCA não se diferem do que encontramos nas recomendações do BID e do Banco Mundial para a educação ao longo das últimas décadas. O discurso presente nos documentos publicados pelos APHs em estudo aponta, com muita eloquência, os resultados de cada país no exame Pisa, organizado pela OCDE, sempre abaixo do esperado e demandando ações urgentes; assinala a necessidade de um cuidado maior na primeira infância; propaga a ideia de trajetórias completas de aprendizagem; clama por gestores mais eficazes; defende a valorização dos professores via políticas meritocráticas; enfatiza como solução para os currículos o desenvolvimento das habilidades para o século XXI e as habilidades socioemocionais.

Martins (2019, p. 118) aponta que:

[...] os integrantes da REDUCA, ao se associarem em rede, buscam a ‘utilidade das conexões da rede’ através do seu fortalecimento no sentido de aprimorarem sua capacidade de incidência nas políticas públicas. Esta foi a principal tática traçada desde os primórdios da REDUCA, quando o BID coordenou uma sessão de trabalho denominada “A rede em ação” para definir as diretrizes e traçar o “Plano de Ação” da rede recém-criada, onde se discutiu a tática de incidência política da rede; as alianças público-privadas; formas de comunicação e mobilização, dentre outros temas. Aí também foi delineado o planejamento das ações para os próximos 12 meses, com base nos projetos já desenvolvidos pelos membros (Pavisich, 2011). Como metas comuns, foram propostas para o ano de 2024, trajetórias completas de 12 anos de escolaridade para os estudantes e o alcance da média da OCDE no teste padronizado PISA nos países da América Latina.

Na análise do documento da REDUCA (2011) percebe-se a imputação da responsabilidade pelos péssimos resultados nas avaliações em larga escala aos professores e a utilização, como recurso persuasivo, da orientação de um importante intelectual orgânico contemporâneo, Eric Hanushek7, com passagens pela Banco Mundial, conforme excerto abaixo:

Existen evidencias de que un mejor docente aumenta el desempeño de los estudiantes, por lo que las apuestas que se hagan por mejor formación y mejores condiciones para los docentes y directivos tendrán impactos directos en los resultados de aprendizaje de los estudiantes: “Tener un buen maestro implica más de un año escolar en diferencias de aprendizaje para un estudiante, así como tener un maestro de bajo desempeño implica dominar en promedio un 50% o menos del currículo escolar. (Hanushek et al., 2010) (REDUCA, 2011, p. 39).

Há um consenso na rede em torno dos princípios gerais que regem a concepção de educação defendida pela REDUCA. Todos os APHs envolvidos utilizam a mesma abordagem, com diferentes nuances: a) diagnóstico catastrófico via resultados de avaliações em larga escala organizadas pela UNESCO e OCDE; b) culpabilização dos professores, que seriam os responsáveis pelo atraso da educação; c) defesa da profissionalização docente, que se materializa em diversas políticas meritocráticas para ingresso e permanência, controle e ascensão na carreira; d) defesa das reformas curriculares de todos os níveis para se adaptar às “habilidades do século XXI”, com ênfase no uso de tecnologias e nas habilidades socioemocionais; e) apoio às mais diversas formas de privatização da educação.

Dentre os temas abordados como prioritários para a REDUCA em 2014, destaca-se: a) desenvolvimento da primeira infância; b) formação e carreira docente; c) políticas para diretores escolares; d) deserção e retenção escolar (REDUCA, 2013). Com base nesses eixos, a REDUCA assinou um Projeto de Cooperação Regional com a União Europeia, que também contava com a criação de um observatório educacional, o que garantiu o financiamento da rede em seus primeiros anos. O observatório foi lançado em 2015 (EBC, 2015).

Já em seu manifesto de 2019, a REDUCA elencou cinco eixos como prioritários: garantir trajetórias escolares completas; assegurar aprendizagem com sentido; potencializar o papel dos professores e diretores; somar esforços por meio de alianças; ir além dos testes padronizados (REDUCA, 2019).

Durante a pandemia de Covid-19, que vitimou mais de 1 milhão e 700 mil pessoas na América Latina e Caribe, a REDUCA encontrou grandes oportunidades para o futuro:

Aproveitar os esforços e as ferramentas online, além de um acompanhamento pedagógico e gestão de crise serão fundamentais para fazer a diferença em cada escola. Estamos diante de um possível legado para repensar processos de aprendizagem, de inovação, fortalecer as relações nas comunidades escolares, introduzir o uso de múltiplas plataformas e recursos digitais que ajudarão na continuidade da aprendizagem nesta etapa de confinamento, mas também deve-se acelerar o investimento em infraestrutura para a conectividade das famílias mais vulneráveis e marginalizadas. É um momento de nos unirmos e potencializar as alianças multissetoriais, a qual temos muitas evidências na REDUCA do seu grande potencial (REDUCA, 2021, p. 3).

Em seu posicionamento mais recente, a REDUCA apontou para três focos de urgência devido à pandemia: em primeiro lugar a busca e retorno de estudantes que estão fora da escola ou não voltaram; no segundo, a aprendizagem socioemocional “[...] como elemento fundamental da experiência formativa” (REDUCA, 2021, p. 1), discurso que ganhou muita força devido às consequências devastadoras da pandemia para a saúde mental de escolares; a terceira prioridade da rede seria a reativação e reforço das aprendizagens, “[...] não procurando concluir nominalmente cada atividade e conteúdo dos programas de disciplinas e do currículo, mas gerando oportunidades de aprendizagem inovadoras para todos e todas” (REDUCA, 2021, p. 2, tradução nossa).

Cabe lembrar que as avaliações em larga escala têm se consolidado como uma das principais estratégias de regulação do trabalho dos docentes. Essa centralidade é verificável desde os documentos oriundos da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em 1990, em Jomtien, sob a coordenação das Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), bem como pelo Banco Mundial (BM) e no documento Educação para Todos, organizado em 2000, também pela UNESCO por ocasião do Encontro sobre Educação para Todos (Anjos, 2013). Pode-se afirmar, portanto, que as avaliações em larga escala na América Latina passam a se constituir como um importante mecanismo de controle, objetivando o amoldamento da educação pública aos novos desígnios do capital. No Brasil, particularmente, observa-se que a partir da (contra)reforma do Estado iniciada na década de 1990, as avaliações em larga escala adquirem maior peso com a fundação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB)8; o Provão, destinado ao ensino superior9; o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM); o Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos - Encceja.

Nas décadas subsequentes, em que pese os 14 anos de gestão petista à frente do governo federal, as políticas de avaliações em larga escala e a gestão por resultados não sofrem abalo, seguem, inclusive, com o aperfeiçoamento de políticas e ampliação do seu escopo, como pode ser constatado em recente pesquisa de Lima (2023), na qual constata a existência de uma verdadeira rede de Avaliação em Larga Escala (ALE) mediante um estudo de caso do Complexo CAEd10. Para o autor, o CAEd, como um importante APH da burguesia, opera um sistema de avaliação em larga escala com potencial escalável, em conjunto com outros APHs, cujas implicações são sintetizadas em três aspectos:

  • i) na mercadorização da educação, a partir da expansão de nichos de mercado, seja pelas parcerias ou pelas tecnologias utilizadas, como a Plataforma de Apoio à Aprendizagem desenvolvida pelo CAEd;

  • ii) na mercantilização da educação, por meio da formação da força de trabalho em seu estreito processo com a BNCC, na formação por meio do PPGP [Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública] e no estímulo à Educação Financeira e à consciência econômico-liberal;

  • iii) na financeirização da educação, com a aplicação de recursos excedentes em operações financeiras e as relações estabelecidas com instituições financeiras e Oms (Lima, 2023, p. 264).

Para finalizar, ressalta-se que as avaliações em larga escala parecem se configurar como um importante esteio na preparação e, ao mesmo tempo, na manutenção de um terreno propício sob o qual devem germinar sementes portadoras de consensos que precisam ser alçadas à categoria de “verdades”, sem as quais as reformas educacionais, do ponto de vista do capital, não lograriam êxito. Portanto, os consensos plantados precisam brotar como se fossem orgânicos, de dentro para fora, e não de fora para dentro.

Considerações finais

A REDUCA cumpre o papel de semeadora de consensos na América latina. Sua atuação em rede ou, na expressão de Martins (2019, p. 105), “rede de redes”, lhe garante lugar privilegiado na formulação de consensos em torno dos quais estejam alinhados os interesses do capital em sua dinâmica global, considerando a particularidade da América Latina e os distintos modus operandi de cada país da região na composição dessa dinâmica, cujo interesse a salvaguardar é sempre o do processo de acumulação do capital. Em outros termos, pode-se afirmar que as disputas intraburguesas no interior das frações da classe dominante precisam sempre ser acomodadas e reacomodadas conforme o próprio movimento do capital na sua vã tentativa de superar as contradições que lhes são inerentes, como nos demonstrou Marx (2008, 2011).

A REDUCA, em grande medida subsidiada e controlada pelo BID, sendo esse também seu principal interlocutor internacional (Martins, 2019), pode ser entendida como um mirante sobre o qual as diferentes frações burguesas, representadas pelos seus aparelhos de hegemonia, conforme Gramsci, organizam-se para dirigir e direcionar as políticas para a educação pública na América Latina. Assim, ocupando um lugar estratégico para difundir formulações que lhes garantam o melhor posicionamento possível nas disputas intraburguesas e, ao mesmo tempo, agir e reagir às implicações do acirramento das contradições sociais no terreno da luta de classes, sempre estabelecendo os consensos necessários.

As reformas educacionais, aqui entendidas como expressão do movimento de das contradições do capital, estão focalizadas na intensificação do trabalho pelo aumento da jornada, redução dos salários e dos custos da força de trabalho pela retirada de direitos, utilização do fundo público pelo setor privado, expansão e aprofundamento da mercantilização da educação, e formação humana voltada exclusivamente para as necessidades do mercado de trabalho - traduzidas pela rede como habilidades para o século XXI.

Para os trabalhadores da educação significa a perda de setores inteiros do serviço público para as políticas de terceirização da força de trabalho; a precarização das relações de trabalho de professores; o fim da hora-atividade em razão de contratos de ‘horistas’; a contínua fragmentação da categoria docente; a desintelectualização do professor em um processo de reconversão docente. Travestidas de flexibilização e modernização das relações de trabalho e modernização da gestão dos recursos públicos, difundidas sob o slogan da melhoria da qualidade da educação, tais reformas exigem um enfrentamento à altura por parte da classe trabalhadora organizada em partidos, sindicatos, coletivos e movimentos sociais.

Como vimos, as políticas educacionais estão intrinsecamente ligadas aos movimentos do capital em dois eixos complementares: de um lado, pela necessidade da classe burguesa de garantir, desde o berço, o mais alto grau de consentimento ativo da classe trabalhadora, ou seja, que acate sua condição social e assuma, individualmente, a responsabilidade pelo seu fracasso ou êxito; de outro, pela necessidade de valorização do valor que impõe aos capitalistas a necessidade de expandir seus mercados, mirando na educação pública oportunidades de expansão dos grandes negócios.

Referências

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  • APOIO/FINANCIAMENTO
    Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação em Santa Catarina (FAPESC). 2023/TR 265.
  • DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA
    Não se aplica.
  • COMO CITAR ESTE ARTIGO
    MELGAREJO, Mariano Moura; SILVA, Mariléia Maria da. A REDUCA como semeadora de consensos na América Latina: avaliação, padronização e subordinação. Educar em Revista, Curitiba, v. 40, e94040, 2024. https://doi.org/10.1590/1984-0411.94040
  • 1
    Conceito utilizado pelo Banco Mundial para distinguir um grupo populacional conforme sua renda. São considerados em extrema pobreza aqueles que vivem com menos de US$ 1,90 por dia.
  • 2
    Exemplo dessa convergência foi a passagem de Emiliana Vegas, que atuou por mais de uma década no Banco Mundial, para o cargo de chefe da Divisão de Educação do BID, em 2012. E Guiomar Namo de Mello foi Especialista Sênior de Educação no Banco Mundial e no Banco Interamericano de Desenvolvimento.
  • 3
    O artigo em tela apresenta os resultados de uma pesquisa documental de doutorado que tem como objeto a REDUCA. Essa pesquisa está ao abrigo de um estudo guarda-chuva, com financiamento da FAPESC/UDESC, sobre as contribuições de Lênin e Gramsci para pensar as políticas educacionais na atualidade. Para mais detalhes da pesquisa Cf. Melgarejo (2023).
  • 4
    René Armand Dreifuss, professor e pesquisador de origem uruguaia, apresentou categorias e conceitos de análise importantes para a compreensão da atuação empresarial na construção da hegemonia, dentre as quais, “Frentes Móveis de Ação” e “elite orgânica”. Utilizaram-se aqui, de forma livre e pontual, tais conceitos no sentido de explicitar a organicidade empresarial na formulação de políticas, considerando o forte vínculo do autor na análise, bastante original, da conjuntura político-econômica brasileira na condição de professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e em outras instituições do país. No entanto, no artigo em tela, essa adoção é apenas complementar à perspectiva gramsciana, a qual se filia a presente discussão; posto que, em nosso entendimento, o conceito de “Frentes Móveis” parece apontar para um sentido mais operativo, não prescindindo da categoria de Gramsci de Aparelhos Privados de Hegemonia. Isto é, as frentes móveis agem como tal porque são APHs. No que se refere à “elite orgânica”, trata-se de uma ‘elite’ de intelectuais orgânicos. Portanto, a questão fundamental é a compreensão da função que tais intelectuais desempenham nos respectivos APHs.
  • 5
    Conforme Dreifuss (1987, p. 26), “[...] uma frente móvel de poder [...] [funciona] como central de informações, como laboratório de ideias e como foro para os grandes conglomerados empresariais, em questões relacionadas à propaganda ideológica e política; desenvolve meios de mobilização popular e assegura a consecução da hegemonia ideológica da estrutura de poder capitalista, através da legitimação da ordem empresarial, definindo os parâmetros do permissível e do rejeitável e os pontos de referência do debate público, carimbando e separando “realismo” de “utopia”.
  • 6
    Em seu site oficial, o Peace Corps, agência de Estado dos EUA, afirma que sua missão seria: “1) Ajudar os países interessados em suprir suas necessidades de pessoal capacitado. 2) Ajudar a promover uma melhor compreensão dos americanos por parte dos povos servidos. 3) Ajudar a promover uma melhor compreensão de outros povos por parte dos americanos” (Peace Corps, 2023).
  • 7
    Hanushek é professor na universidade de Stanford e, desde 1973, soma ao menos vinte passagens pelas mais diferentes áreas do governo dos EUA, desde a força aérea até o Departamento de Educação. Hoje atuano National Assessment Governing Board, setor responsável pela avaliação em larga escala do sistema educacional estadunidense. Foi consultor do Banco Mundial entre 1984 e 1995. Atua no setor privado como consultor econômico global para a Learn Capital (Hanushek, 2023).
  • 8
    Atualmente definido pela Portaria nº 366, de 29 de abril de 2019.
  • 9
    Exame Nacional de Curso (ENC), definido pela Portaria nº 249, de março de 1996. Atualmente Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), definido pela Portaria nº 611, de junho de 2024.
  • 10
    Segundo informações no seu próprio site, o “Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF) é referência em avaliação educacional em larga escala, formação de gestores da educação pública e desenvolvimento de tecnologias de gestão escolar. Com foco em pesquisa e produção de medidas de desempenho e fatores relacionados à aprendizagem dos estudantes, o CAEd atua há mais de vinte anos em parcerias com o governo federal, as redes municipais e estaduais de ensino e instituições e fundações da área educacional. São muitas ações e projetos, inseridos em diferentes contextos, mas cujo objetivo é sempre o mesmo: garantir a todas as crianças e a todos os jovens o seu direito de aprender” (https://caeddigital.net/index.html).

Disponibilidade de dados

Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2024
  • Aceito
    25 Jul 2024
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