Open-access Qual a conduta terapêutica antifúngica mais segura na criança gravemente enferma?

À beira do leito

Pediatria

QUAL A CONDUTA TERAPÊUTICA ANTIFÚNGICA MAIS SEGURA NA CRIANÇA GRAVEMENTE ENFERMA?

Lactente MAS de 1 mês e 20 dias, masc., branco, nascido de parto normal em maternidade, pesando 2.200 g, trazido pelos pais, apresentou problemas na respiração tendo ficando internado no berçário por duas semanas; recebeu alta com 2.350 g, e foi amamentado com leite de vaca modificado em diluição correta. Após duas semanas em casa, parou de se alimentar, ficou "paradinho" e no pronto-socorro pós-exames fizeram o diagnóstico de infecção urinária. Ficou dois dias internado, e recebeu soro e medicação na veia que não soube informar. Foi dada alta com antibiótico via oral, e em casa foi piorando; pouco aceitou o remédio via oral e desenvolveu diarréia, procurando nosso serviço há 13 dias. Foi confirmado o diagnóstico de ITU, sem sinais de sepse na internação e medicado com ceftriaxone, confirmado como sensível para a E. coli isolada da urina. Após melhora inicial, voltou a fazer febre no 5º dia e com a piora do estado geral foi introduzida vancomicina; retirado o cateter endovenoso, a cultura de ponta mostrou um S. aureus, resistente à oxacilina; o hemograma dessa fase da evolução mostrava uma leucopenia com neutropenia (450 neutrófilos/mm3). Após 96 horas da introdução da vancomicina, a febre persistia e o estado geral era precário; foi, então, colhida urina e identificado no dia seguinte uma Candida em duas amostras por punção supra púbica; na hemocultura onde houve crescimento de Candida não-albicans (Candida guilliermondii); o estado geral da criança é grave e a questão é qual a conduta mais segura nesse momento?

Trata-se de um lactente, neutrôpenico, com febre prolongada apenas do esquema terapêutico antibacteriano; essa condição já deve servir de alerta para a possibilidade de em 20% dos casos estar acontecendo uma infecção fúngica; e de fato estava, o que foi confirmado pela candiduria e após uma candidemia evidenciada pela hemocultura positiva para Candida, que tipada revelou não ser albicans; para um neutropênico, a conduta já deveria ter sido tomada pela persistência da febre após 96 horas da introdução de vancomicina; estaria indicada empiricamente o uso da Anfotericina B, associada ou não ao fluconazol, até identificação dos eventuais testes de sensibilidade; a introdução precoce de terapêutica antifungica eficaz é crítica para a evolução do neutrôpenico; de outra parte, é absolutamente necessário o apoio do laboratório na identificação das Candidas mais freqüentemente identificadas na região; essa observação é muito importante em função do diferente comportamento de susceptibilidade das diferentes Candidas. De modo geral, as Candidas tropicalis, albicans e parapsilosis são sensíveis à anfotericina; as Candidas, glabrata e krusei são relativamente resistentes ao fluconazol; as Candidas lusitanae e guilliermondii são naturalmente resistentes à anfotericina. Dessa forma, alguns autores recomendam que nos casos graves ou em pacientes neutropênicos, em regiões de maior freqüência de identificação de Candidas não sensíveis à anfotericina ou azois, quando não houver o apoio laboratorial adequado, que se use a associação da anfotericina B com fluconazol. Para tal associação, existe a descrição de antagonismo "in vitro", entretanto, alguns outros sugerem que "in vivo" há um efeito aditivo e nenhuma interação. No caso em discussão, com a identificação da Candida guilliermondii, estaríamos indicando o uso do fluconazol de forma isolada; anteriormente, quando da introdução empírica da terapêutica antifúngica, essa criança teria se beneficiado com o uso da associação Anfotericina B e Fluconazol. Entretanto, essas estratégias de conduta, apesar de apoiadas em inúmeros trabalhos, ainda carecem de maiores estudos para um melhor consenso, e devem ser observados caso a caso, não sendo possível a generalização da orientação.

EVANDRO ROBERTO BALDACCI

Referência

Hugles WT, Flynn PM. Candidiasis In. Feigin RD, Cherry JD. Textbook of Pediatric Infectious Diseases. 4 th ed. Philadelphia: W.B. Saunders; 1998. v.2, p 2303-13.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jan 2002
  • Data do Fascículo
    Dez 2001
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