PANORAMA INTERNACIONAL
ENDOCRINOLOGIA
Como fazer valer a máxima da ética médica Primum non nocer ao oferecer continuidade de tratamento com drogas experimentais a pacientes de pesquisa clínica?
Sonia Mansoldo Dainesi
Correspondência Correspondência: Rua Ribeiro Lisboa, nº 165 - Morumbi CEP 05657-020 -São Paulo - SP
Embora discutindo temas diferentes, a segurança de novos medicamentos (ou procedimentos) foi o ponto em comum de dois artigos publicados no final de 2008, no JAMA1,2. O primeiro aborda o desafio de combinar os resultados de estudos clínicos randomizados, tidos como referência na avaliação de eficácia, com os de estudos observacionais, também reconhecidos no quesito segurança e avaliação de causalidade1. O segundo artigo, sobre acesso a medicamentos experimentais a pacientes terminais, discorre sobre o difícil, mas necessário equilíbrio entre este acesso facilitado, a proteção ao paciente e a integridade científica2. Quanto ao acesso, há cada vez menos dúvidas, uma vez que, nestes casos, o paciente não dispõe de outra opção terapêutica. Entretanto, além do benefício, existe o risco. O princípio da não-maleficência, Primum non nocere, não pode ser deixado de lado. E se medicamentos novos, após sua aprovação regulatória e lançamento, ainda carregam o risco de novos eventos adversos, quanto mais um ainda em fase de pesquisa? Finalmente, talvez porque estes acompanhamentos pós-pesquisa não utilizem a randomização, eles nem sempre são publicados ou o são de formas diversas, ora como relatos observacionais, ora como estudos de intervenção3. Desta forma, nem sempre estão descritos nos registros internacionais de estudos clínicos, nem há adequada garantia da integridade científica, no sentido de geração de conhecimento utilizável2.
Estas questões seguramente se aplicam também à continuidade do fornecimento do medicamento da pesquisa após a sua conclusão. A mais preocupante é a relativa à segurança e proteção do paciente. Algumas vezes, os benefícios individuais não têm respaldo nos resultados obtidos no estudo como um todo3. A superioridade de uma nova droga somente pode ser comprovada a partir da avaliação estatística dos dados da pesquisa. A complexidade dessa situação é ainda maior em estudos de fase III, habitualmente duplos-cegos, em que nem o pesquisador nem o paciente sabem qual é o tratamento administrado ao paciente3. Poder-se-ia quebrar o código de mascaramento, mas este procedimento implica em violação de protocolo de acordo com as regras de Good Clinical Practices, descritas no ICH-E6 e no documento das Américas. Adicionalmente, o monitoramento de eventos adversos fora de um ambiente de pesquisa é outro ponto a ser perseguido por patrocinadores e pesquisadores4.
Muito se caminhou nos últimos anos neste tema, graças à discussão aberta e profunda que vem sendo desenvolvida envolvendo todos os stakeholders deste processo. Importantes questões éticas, entretanto, permanecem não adequadamente respondidas. Embora exista a previsão de acesso aos medicamentos investigacionais em várias diretrizes de pesquisa em seres humanos, nacionais e internacionais, esta situação não pode ser analisada de forma superficial. Sem dúvida, o debate continua aberto.
- 1. Vandenbroucke JP, Psaty BM. Benefits and risks of drug treatments: how to combine the best evidence on benefits with the best data about adverse effects. JAMA. 2008;300(20):2417-19.
- 2. Falit BP, Gross CP. Access to experimental drugs for terminally ill patients. JAMA. 2008;300(23):2793-95.
- 3. Goldim JR. O uso de drogas ainda experimentais em assistência: extensão de pesquisa, uso compassivo e acesso expandido. Rev Panam Salud Publica. 2008;23(3). Available from: http://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S1020-49892008000300007&script=sci_arttext
- 4. Schlemper-Junior BR. Acesso às drogas na pesquisa clínica. Rev Bioética. 2007; 15(2):248-66
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Jul 2009 -
Data do Fascículo
2009