Resumos
OBJETIVO: Analisar a capacidade funcional e a qualidade de vida em indivíduos idosos após AVE Isquêmico, comparando sujeitos com e sem disfagia. MÉTODOS: Estudo transversal em 60 sujeitos idosos após AVE, sendo 30 com disfagia e 30 sem disfagia. Para avaliar o estado cognitivo dos pacientes foi utilizado o Mini-Mental. As escalas utilizados foram: de KATZ, de Lawton, de Barthel e o SF-36. RESULTADOS: A capacidade funcional foi similar nos dois grupos estudados. No SF-36, o grupo sem disfagia apresentou mais dor e melhor estado geral de saúde. Na capacidade funcional, limitação por aspectos físicos, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, limitações por aspectos emocionais e saúde mental os grupos foram similares. Entre os homens, em todos os instrumentos, encontrou-se capacidade funcional similar. Entre as mulheres, a capacidade funcional foi similar enquanto que, na qualidade de vida, o domínio vitalidade do grupo sem disfagia foi maior. Não houve diferença quanto à renda econômica baixa, tanto na capacidade funcional quanto na qualidade de vida. Também não houve diferença entre os dois grupos quanto a ter ou não cuidador. CONCLUSÕES: 1) A capacidade funcional foi similar nos dois grupos estudados. 2) O grupo sem disfagia apresentou melhor estado geral de saúde.
Qualidade de vida; Transtornos de deglutição; Idoso
OBJECTIVE: The objective was to analyze the functional capacity and quality of life of elderly individuals with ischemic stroke comparing these with and without dysphagia. METHOD: Cross sectional study was realized in 60 elderly individuals after ischemic stroke, 30 with dysphagia and 30 without. Their cognitive state was evaluated with the Mini-Mental test. The scales used were: KATZ, Lawton, Barthel and SF-36. RESULTS: The functional capacity was similar in both groups studied. In the SF-36, the group without dysphagia presented more pain and a better general health. Functional capacity, physical limitations those due to emotional aspects, general state of health , social vitality, mental health limitation were similar in both groups. Among men, for all scales used, functional capacity was similar. Among women, functional capacity was similar in both groups; however, in the quality of life, the domain "vitality" was higher in the group without dysphagia. The income bracket did not influence the functional capacity or the quality of life. There was no difference between groups whether they had or not a care provider. CONCLUSIONS: 1) functional capacity was similar in both groups studied. 2) the group without dysphagia presented better general health.
Elderly vital capacity; Stroke; Deglutition disorders
ARTIGO ORIGINAL
Capacidade funcional e qualidade de vida em pacientes idosos com ou sem disfagia após acidente vascular encefálico isquêmico
Dênis Marinho da Silva BrandãoI, * * Correspondência: SQS 307 - Bloco H - Apto 301 Bairro: Asa Sul. Brasília - DF. CEP: 70354-080 ; Joanna Lopes da Silva NascimentoII; Lucy Gomes ViannaIII
IMédico Gastroenterologista e pesquisador da Secretaria de Estado de Saúde do Governo do Distrito Federal; Mestre em Gerontologia pela Universidade Católica de Brasília; especialista em Gastroenterologia, Medicina Interna, Endoscopia Digestiva, Endoscopia Peroral e Saúde Pública, Brasília, DF
IIAcadêmica de Medicina da Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF
IIIMédica doutorado pela Universidade de Londres, professora do mestrado em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília e professora titular da Universidade de Brasília (aposentada), Brasília, DF
RESUMO
OBJETIVO: Analisar a capacidade funcional e a qualidade de vida em indivíduos idosos após AVE Isquêmico, comparando sujeitos com e sem disfagia.
MÉTODOS: Estudo transversal em 60 sujeitos idosos após AVE, sendo 30 com disfagia e 30 sem disfagia. Para avaliar o estado cognitivo dos pacientes foi utilizado o Mini-Mental. As escalas utilizados foram: de KATZ, de Lawton, de Barthel e o SF-36.
RESULTADOS: A capacidade funcional foi similar nos dois grupos estudados. No SF-36, o grupo sem disfagia apresentou mais dor e melhor estado geral de saúde. Na capacidade funcional, limitação por aspectos físicos, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, limitações por aspectos emocionais e saúde mental os grupos foram similares. Entre os homens, em todos os instrumentos, encontrou-se capacidade funcional similar. Entre as mulheres, a capacidade funcional foi similar enquanto que, na qualidade de vida, o domínio vitalidade do grupo sem disfagia foi maior. Não houve diferença quanto à renda econômica baixa, tanto na capacidade funcional quanto na qualidade de vida. Também não houve diferença entre os dois grupos quanto a ter ou não cuidador.
CONCLUSÕES: 1) A capacidade funcional foi similar nos dois grupos estudados. 2) O grupo sem disfagia apresentou melhor estado geral de saúde.
Unitermos: Qualidade de vida. Transtornos de deglutição. Idoso.
INTRODUÇÃO
A mortalidade de idosos com AVEI (Acidente Vascular Encefálico Isquêmico) é problema de saúde pública no Brasil. Furkin1 relata que a disfagia neurogênica está presente em aproximadamente 25% a 50% dos AVEs e chama a atenção para o fato da prevalência do AVE ser alta em indivíduos idosos, destacando que 45% dos pacientes apresentam alterações da deglutição na fase aguda do AVC, frequentemente com aspiração persistente. O Acidente Vascular Encefálico (AVE) pode provocar disfagia orofaríngea, com consequentes distúrbios da deglutição em pacientes idosos2. Harrison3 refere que os pacientes que cursam com disfagia/distúrbios da deglutição necessitam de adequada avaliação, pois esta alteração pode levar a aspiração do conteúdo gástrico ou de orofaringe com consequente pneumonite ou pneumonia aspirativa. Schelp4 refere 65% a 81% de disfagia em pacientes com AVE localizado em tronco encefálico (diencéfalo, mesencéfalo, ponte e mielencéfalo ou medula oblonga).
A aspiração é definida como entrada na região subglótica de líquido ou alimento, sendo frequente sequela da disfagia após AVE. Segundo Daniels5, ocorre em 40% a 70% dos pacientes com AVE.
Há a necessidade de novos conhecimentos sobre o processo de envelhecimento a fim de que se promovam medidas que possibilitem o envelhecer saudável, não apenas com preocupação de acrescentar anos à vida, mas, principalmente de oferecer qualidade de vida para a população idosa, segundo Gai 6.
O estudo atual pode trazer benefícios em termos de políticas públicas e de gestão em saúde, contribuindo para a melhoria da morbidade, diminuição do tempo de internação e melhor qualidade de vida em idosos de risco. O objetivo deste estudo é analisar a capacidade funcional e a qualidade de vida em indivíduos idosos após AVEI comparando sujeitos com e sem disfagia.
MÉTODOS
Trata-se de estudo transversal, aninhado em estudo coorte de pacientes (ou série de casos)7, com aplicação de instrumentos para avaliar o estado funcional e a qualidade de vida de 60 sujeitos idosos (60 anos ou mais) após AVEI. O estudo foi desenvolvido no Hospital de Base do Distrito Federal, que é nosocômio de referência para AVE, e tem plantão médico de Neurologia no serviço de emergência durante as 24 horas do dia. Foram avaliados pacientes na enfermaria, no serviço de emergência e nos ambulatórios. Foram feitas visitas domiciliares e a dois outros hospitais da Secretaria de Estado de Saúde do Governo do Distrito Federal: o Hospital Regional de Ceilândia e o Hospital de Apoio de Brasília.
Foram avaliados sujeitos idosos, três a 12 meses após episódio agudo de AVE, sendo 30 com disfagia e 30 sem disfagia. Foram critérios de inclusão: sujeitos idosos, com idade igual ou superior a 60 anos; diagnóstico médico de AVE (por diagnóstico clínico-tomográfico) nos três a 12 meses anteriores; sem limitações cognitivas no Mini-Mental, conforme Freitas8 (critérios para definir limitação cognitiva = analfabetos < 15 pontos, um a 11 anos de escolaridade < 22, com escolaridade superior a 11 anos < 27); sem limitações (como afasia e ventilação mecânica) que impedissem as respostas às questões dos instrumentos utilizados; assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), após os esclarecimentos sobre o tema.
A avaliação clínica da deglutição contemplou no mínimo o que foi definido como avaliação no leito por Daniels5. Os instrumentos aplicados para avaliação da capacidade funcional e da qualidade de vida foram: 1. Escala de Atividades Básicas de Vida Diária (AVD) ou Avaliação Funcional de Katz9; 2. Escala de Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD) de Lawton10,11 ; 3. Inventário de Barthel, que avalia as inabilidades físicas, como em Mahoney12 ; 4. Avaliação da qualidade de vida, realizada por meio da versão brasileira do Questionário de Qualidade de Vida - SF-36, baseada em Ware13,14 e Ciconelli15,16.
Na análise estatística, foi utilizado o Teste de Mann-Whitney para amostras independentes, estipulando-se um erro de 5%. Foram consideradas variáveis independentes: idade (60 a 79, 80 ou mais anos), gênero, se tem cuidador e renda (baixa, média, alta). Foram variáveis dependentes: Escala de Atividade de Vida Diária -Katz (AVD), Questionário Atividades Instrumentais de Vida Diária de Lawton (AIVD), Índice de Barthel (IB) e versão brasileira do Questionário de Qualidade de Vida (SF-36). Foi realizada a associação entre duas variáveis: preditoras e de desfecho. As variáveis preditoras foram idade, gênero, cuidador e renda, sendo a disfagia a variável de desfecho (uni ou bivariada).
Para testar a normalidade da distribuição dos dados coletados foi utilizado o Teste de Kolmogorov-Smirnov, que define se os dados são paramétricos ou não-paramétricos. O resultado deste teste mostrou que todos os dados eram não-paramétricos e por isso. foi utilizado o teste de Mann-Whitney17,18. O programa utilizado para realização da análise estatística foi o SPSS versão 13.0 para Windows - Chicago, IL, EUA, como citado por Bisquera19.
O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Estado de Saúde do Governo do Distrito Federal, projeto número 168/07, sendo aprovado em 14 de janeiro de 2008.
Para aplicação do SF-36, foi obtida a autorização da dra. Rozana Mesquita Ciconelli, da disciplina de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo.
RESULTADOS
Analisando a função cognitiva com o Mini-Mental de sujeitos idosos na fase crônica de AVE, com e sem disfagia, observou-se não haver diferença significativa desses resultados nos dois grupos.
A capacidade funcional, medida pelos instrumentos Katz, Lawton e Barthel, foi similar nos dois grupos estudados (p>0,05), em todos os instrumentos utilizados (Tabela 1).
No SF-36, o grupo sem disfagia apresentou medianas maiores e maior variabilidade dos valores do que o grupo com disfagia nos domínios: 1) dor (p = 0,040) e 2); estado geral de saúde (p = 0,017). Para todos os outros domínios do SF-36, as medianas dos grupos com e sem disfagia foram similares (p>0,05). Assim, o grupo sem disfagia apresenta mais dor e melhor estado geral de saúde do que o grupo com disfagia.
O gênero masculino teve um percentual de 58,3% (35 sujeitos) e o feminino 41,7%.
Entre os homens, a capacidade funcional medida pelos instrumentos Katz, Lawton e Barthel foi similar nos dois grupos estudados (p>0,05) em todos os instrumentos. No questionário SF-36, verificou-se que os homens apresentaram: 1) mediana do domínio estado geral de saúde do grupo sem disfagia maior do que a do grupo com disfagia (p = 0,003); e 2) para todos os outros domínios, medianas similares nos grupos sem e com disfagia (p>0,05).
No Gráfico 2, verifica-se que a mediana e a variabilidade dos valores do domínio dor no questionário SF-36 no grupo sem disfagia é maior do que a no grupo com disfagia. Esta diferença é significativa (p = 0,04). A mediana, o terceiro quartil e o valor máximo tem o mesmo valor de 100 no grupo sem disfagia.
Entre as mulheres, a capacidade funcional medida pelos mesmos três instrumentos foi similar entre os dois grupos estudados (p>0,05) em todos os instrumentos. No SF-36, foi encontrado que: 1) a mediana do domínio vitalidade do grupo sem disfagia foi maior do que a do grupo com disfagia (p = 0,043); e 2) em todos os outros domínios, as medianas dos grupos com e sem disfagia foram similares (p>0,05).
Os resultados da capacidade funcional e da qualidade de vida dos sujeitos com e sem distúrbios de deglutição, com renda econômica inexistente, mostram que: (1) a capacidade funcional foi similar entre os dois grupos estudados (p>0,05), em todos os instrumentos utilizados; (2) a mediana do domínio dor no grupo sem disfagia foi maior do que a do grupo com disfagia (p = 0,015); e (3) para todos os outros domínios do SF-36, as medianas dos grupos com e sem disfagia foram similares (p>0,05).
A maioria absoluta dos idosos apresentou renda inexistente (menor que um salário mínimo) com uma frequência percentual de 76,7%, como renda média baixa (de um a dois salários mínimos) o percentual foi de 13,3% e como renda média alta (de três a quatro salários) o percentual foi de 10%.
Tanto nos sujeitos com renda econômica média baixa quanto naqueles com renda econômica média alta, a capacidade funcional foi similar entre os dois grupos estudados (p>0,05), em todos os instrumentos utilizados. Também, em todos os domínios do SF-36, as medianas dos grupos com e sem disfagia foram similares (p>0,05).
A capacidade funcional dos sujeitos idosos que tinham ou não tinham cuidador foi similar nos dois grupos estudados com e sem disfagia após AVE (p>0,05), em todos os instrumentos utilizados. Em todos os domínios do SF-36, as medianas dos grupos com e sem disfagia também foram similares (p>0,05), tanto naqueles com ou sem cuidador.
No grupo etário de 60 a 79 anos, a capacidade funcional foi maior no grupo sem disfagia do que no com disfagia (p=0,002) quando avaliado pelo domínio Capacidade Funcional do SF-36. Ainda na aplicação deste instrumento, foi encontrado que: 1) o domínio limitação por aspectos físicos teve a mediana daqueles sem disfagia maior do que a dos sujeitos com disfagia (p=0,029); (2) no domínio estado geral da saúde, a mediana do grupo sem disfagia foi maior do que a do grupo com disfagia (p=0,0001); e (3) para os demais domínios, as medianas dos dois grupos foram similares (p>0,05).
Nesta mesma faixa etária (60 a 79 anos), na Escala de Atividades Básicas de Vida Diária - Katz, Escala de Atividades Instrumentais de Vida Diária de Lawton e no Índice de Barthel as medianas do grupo sem disfagia foram maiores do que as do grupo com disfagia.
Nos indivíduos no grupo etário de 80 anos ou mais, no SF-36 a capacidade funcional teve a mediana do grupo sem disfagia menor do que a do grupo com disfagia (p=0,045), sendo as medianas dos dois grupos similares (p>0,05) nos demais domínios. No teste de Lawton, a mediana foi menor no grupo sem disfagia (p<0,05).
DISCUSSÃO
O presente estudo é piloto e iniciático, aplicando-se pela primeira vez no Brasil o SF-36 em sujeitos idosos com AVE, comparando aqueles com e sem disfagia. No nosso meio, o SF-36 já foi utilizado em idosos portadores de Diabetes mellitus tipo 220. Pesquisa com idosos após AVE e apresentando disfagia requer o entendimento destes indivíduos dentro de uma visão holística, na qual a pessoa idosa é vista como sujeito de seu próprio processo, sendo um ser indivisível biopsico sócio cultural. O estudo atual, utilizando na pesquisa os vários instrumentos já citados, contemplou todos esses aspectos do idoso: biológico, psicológico, social e cultural, conforme discutido em Brandão 21,22.
A importância deste estudo é enfatizada por trabalhos que mostram 700.000 americanos acometidos por AVE23. Neste mesmo trabalho, é citado que a disfagia está clinicamente presente em 42% a 67% desses pacientes dentro dos primeiros dias após o episódio agudo.
Entre os pacientes em fase de reabilitação do AVE, 4,9% desenvolvem pneumonia e, naqueles que foram internados em Unidade de Terapia Intensiva em função de severas complicações, 30% adquirem pneumonia24. Vinte por cento dos pacientes com AVE morrem no primeiro ano, sendo 35% deles por pneumonia durante a hospitalização. Esta complicação é atribuída a graus variados de disfagia, levando à broncoaspiração23 .
Perry25 relatou que 4,7% dos indivíduos acima de 55 anos de idade são afetados por AVE, o que justifica uma prioridade de ações, tanto do ponto de vista clínico como de políticas públicas. Segundo este autor, a disfagia está comumente associada, afetando mais de 67% dos pacientes nas primeiras 72 horas. Para a maioria destes, isso se resolve rapidamente: aproximadamente metade nos primeiros sete dias e 3/4 em um mês26.
Na presente pesquisa, nos pacientes após AVE com e sem disfagia, não foi encontrada diferença no domínio cognitivo aplicando-se o Mini-Mental. Entretanto, deve-se lembrar que os pacientes com déficit cognitivo foram excluídos do trabalho atual, pois suas respostas não seriam confiáveis. Alguns dos pacientes com disfagia que apresentavam alteração cognitiva provavelmente tinham este distúrbio da deglutição com severidade suficiente para levar à desnutrição e consequente deficiência vitamínica, como a hipovitaminose B12, que pode levar a distúrbios cognitivos. Damasceno27 sugere colocar no diagnóstico diferencial das demências os polifármacos e as doenças sistêmicas associadas como a hipovitaminose B12.
No estudo atual, avaliaram-se os autocuidados ao aplicar a Avaliação de Atividades Básicas de Vida Diária (AVD) / Avaliação Funcional de Katz11 modificada, que inclui: capacidade para se alimentar, continência, tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro e manutenção de independência. Também foram utilizados para avaliar a capacidade funcional outros dois instrumentos, o das Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD)/ Avaliação de Lawton11,25, assim como o Índice de Barthel12. A capacidade funcional, em todos os instrumentos utilizados, foi similar nos grupos com e sem disfagia. Portanto, a presença da disfagia não alterou as atividades do cotidiano destes pacientes. Entretanto, pacientes com AVE intubados ou com afasia foram excluídos do estudo atual, sendo estes os que teriam capacidade funcional prejudicada em grau maior do que aqueles participantes desta pesquisa.
Quando se estudaram separadamente os idosos por gênero, tanto entre os homens quanto entre as mulheres, a capacidade funcional foi similar nos grupos com e sem disfagia, em todos os instrumentos aplicados. Portanto, não houve influência marcante do gênero na capacidade funcional dos idosos após AVE, com ou sem disfagia.
Também não houve influência da renda econômica (inexistente, média baixa e média alta) ou se tinham ou não cuidadores na capacidade funcional dos idosos após AVE, com e sem disfagia.
Entre os pacientes pesquisados, quando se reviram aqueles no grupo etário de 60 a 79 anos, observou-se que a capacidade funcional foi maior no grupo sem disfagia do que no com disfagia. Mais uma vez verificou-se que a presença de disfagia foi deletéria, afetando a capacidade funcional dos pacientes estudados nesta faixa etária. Naqueles na faixa etária de 80 anos e mais, a capacidade funcional (utilizando-se o questionário de Lawton) também foi maior naqueles sem disfagia do que nos com disfagia. Uma possível explicação é que os pacientes sem disfagia tenham melhor padrão alimentar, apresentando-se com os macro e micronutrientes normais. Isso pode ser melhor estudado em outros projetos de pesquisa ou dando continuidade a este estudo.
A natureza abstrata do termo qualidade de vida explica o porquê boa qualidade tem significados diferentes para diferentes pessoas, em lugares e ocasiões diferentes. É por isso que há inúmeras conceituações de qualidade de vida, talvez cada indivíduo tenha o seu próprio conceito. Assim, qualidade de vida é um conceito que está submetido a múltiplos pontos de vista e que tem variado de época para época, de país para país, de cultura para cultura, de classe social para classe social e, até mesmo, de indivíduo para indivíduo. Mais que isso, varia para um mesmo indivíduo, conforme o decorrer do tempo e como função de estados emocionais e da ocorrência de eventos cotidianos, socio-históricos e ecológicos. Essa multiplicidade de conceitos, colocados de forma tão heterogênea, dificulta comparações, levando à complexidade da abrangência do termo qualidade de vida segundo Freitas 10. Um modelo de qualidade de vida na velhice foi construído por Lawton 11,28, levando em conta a multiplicidade de aspectos e influências inerentes ao fenômeno (condições ambientais, competência comportamental, qualidade de vida percebida e bem estar subjetivo). Estudos e avaliações da qualidade de vida têm sido importantes em vários segmentos e disciplinas, e revelam-se importantes na população idosa segundo Freitas10.
Embora tenha determinado uma maior complexidade, no estudo atual foi usado o instrumento SF-36, que tem interpretações claras, resultando em indicadores estabelecidos em literatura internacional e validados no Brasil por Brazier29 e Ciconelli 15,16, respectivamente. Este instrumento padronizado é adequado para comparação com novos estudos em outros centros de pesquisa brasileiros.
Quando se verificou a qualidade de vida com a aplicação do SF-36 nos idosos após AVE com e sem disfagia, verificou-se que o grupo sem disfagia apresentou mais dor e melhor estado geral de saúde do que o grupo com disfagia. Nos domínios capacidade funcional, limitação por aspectos físicos ou emocionais, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais e saúde mental, os resultados foram similares nos grupos com e sem disfagia. Em idosos após AVE, não apresentar disfagia, que como já mencionado anteriormente pode levar à aspiração e consequente pneumonia, leva a apresentar melhor estado geral de saúde. Também, alguns pacientes com disfagia severa podem até necessitar manter sonda nasoenteral por apresentarem um padrão de ingesta deficiente. Entretanto, não conseguimos encontrar explicação plausível na literatura publicada para que o grupo sem disfagia apresente mais dor.
Imaginava-se que poderia haver uma tendência ao isolamento social nos pacientes idosos com disfagia, decorrente da dificuldade para se alimentar em público, mesmo no restrito ambiente familiar. Entretanto, este achado não foi corroborado no estudo atual, não se encontrando diferença no domínio social.
Quando se verificou a qualidade de vida nos grupos com e sem disfagia, separando-se por gênero, verificou-se que entre os homens o estado geral de saúde foi melhor no grupo sem disfagia do que no com disfagia, não havendo diferenças nos outros domínios do SF-36. Entre as mulheres, o domínio vitalidade foi maior no grupo sem disfagia do que no com disfagia, não havendo diferença entre os dois grupos nos demais domínios (capacidade funcional, limitação por aspectos físicos ou emocionais, dor, estado geral de saúde, aspectos sociais e saúde mental). Assim, a presença de disfagia leva à apresentação de pior estado geral de saúde e menos vitalidade, nos homens e mulheres, respectivamente. Não foram encontrados trabalhos avaliando este item. É possível que ambos domínios se superponham: quem tem pior estado geral de saúde apresente menor vitalidade. Entretanto, segundo o gênero, as percepções do estado geral de saúde e da vitalidade podem ser diferentes. Existe associação entre a qualidade de vida percebida, o bem-estar subjetivo e mecanismos da personalidade, como o senso de controle, o senso de eficácia pessoal, o senso de significado e as estratégias de enfrentamento10.
Não houve influência da renda econômica na qualidade de vida dos sujeitos idosos após AVE, com e sem disfagia, com renda média e alta. Nos idosos com renda inexistente, aqueles sem disfagia apresentaram mais dor. Provavelmente isto ocorreu porque o número maior de pacientes estudados tinha renda inexistente, já que mais dor nos pacientes sem disfagia já tinha sido encontrada anteriormente.
Também não houve diferença significante na qualidade de vida entre estes sujeitos idosos dos dois grupos, tendo ou não cuidador.
Nos pacientes na faixa etária de 60 a 79 anos, o domínio aspecto geral de saúde do SF-36 foi melhor no grupo sem disfagia do que naqueles com disfagia. Naqueles com 80 anos ou mais, todos os domínios do SF-36 (limitação por aspectos físicos, dor, vitalidade, aspectos sociais, limitações por aspectos emocionais e saúde mental) foram similares nos dois grupos. Portanto, a presença da disfagia altera a qualidade de vida por promover pior aspecto geral da saúde nos idosos na faixa etária até 79 anos, não influenciando este domínio a partir dos 80 anos de idade. Uma possível explicação é o melhor padrão nutricional daqueles na faixa etária de 60 a 79 anos, que não foi objeto de estudo nesta pesquisa. Nos idosos com 80 anos ou mais, é possível que se alimentem pior, independente da presença ou não da disfagia, por apresentarem falta de dentes e diminuição da sensibilidade gustativa, entre outros aspectos. Certos aspectos da anatomia podem interferir com mais intensidade nos mais idosos. Os dentes, devido ao atrito ao longo da vida, se desgastam, sendo elevada a porcentagem de idosos com prótese dentária e doença periodontal. A língua sofre perdas de papilas e mudanças quanto ao seu aspecto, sendo frequente a presença de varizes. Existem lesões osteoporóticas e disco-artrósicas das vértebras. Ocorre cifose na parte superior da coluna, região cervico-dorsal, reduzindo a distância entre a nuca e os ombros 10.
Não foi possível estudarmos especificamente a associação de disfagia com depressão, o que deve ser feito dando continuidade a este trabalho. A depressão pode mudar a sensibilidade de sintomas somáticos segundo Coster 30, merecendo estudos com escalas específicas 31,32,33,34.
CONCLUSÕES
1. Analisando a função cognitiva com o Mini-Mental de sujeitos idosos na fase crônica de AVE com e sem disfagia, observou-se não haver diferença significativa desses resultados nos dois grupos.
2. A capacidade funcional, medida pelos instrumentos Katz, Lawton e Barthel, foi similar nos dois grupos estudados (p>0,05) em todos os instrumentos utilizados.
3. O grupo sem disfagia apresenta mais dor e melhor estado geral de saúde do que o grupo com disfagia.
4. Os homens sem disfagia têm melhor estado geral de saúde do que os homens com disfagia.
5. As mulheres sem disfagia tem maior vitalidade do que as com disfagia.
6. A capacidade funcional dos sujeitos idosos, que tinham ou não tinham cuidador, foi similar nos dois grupos estudados com e sem disfagia.
7. No grupo etário de 60 a 79 anos, a capacidade funcional foi maior no grupo sem disfagia do que no com disfagia.
8. O estado geral da saúde foi melhor para idosos entre 60 e 79 anos no grupo sem disfagia comparados com o grupo com disfagia.
Artigo recebido: 09/04/09
Aceito para publicação: 04/08/09
Conflito de interesse: não há
Trabalho realizado na Secretaria de Estado de Saúde do Governo do Distrito Federal - Hospital de Base do Distrito Federal e Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF
- 1. Furkin AM, Célia SS. Disfagias orofaríngeas. São Paulo: Pró-Fono Departamento Editorial; 2001.
- 2. Achem, SR, Devault, KR. Dysphagia in aging. J Clin Gastroenterol. 2005;39:357-71.
- 3. Braunwald E, Fauci AS, Kasper DL, Hauser SL, Longo DL, Jameson JL, editores. Harrison medicina interna. 15th ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill; 2002.
- 4. Schelp AO, Cola PC, Gatto AR, Silva RG, Carvalho LR. Incidência de disfagia orofaríngea após acidente vascular encefálico em Hospital Público de Referência. Arq Neuropsiquiatr. 2004;62:503-6.
- 5. Daniels SK, Brailey MSK, Priestly DH, Herrington LS, Wisberg LA, Foundas AL. Aspiration in patients with acute stroke. Arch Phys Med Rehabil. 1998;19:14-8.
- 6. Gai J, Campos MPS, Martins MSNP, Brandão DMS, Gomes L. Quedas relacionadas a distúrbios visuais na população idosa. J Bras Med. 2007;92:9-18.
- 7. Pereira MG. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002.
- 8. Freitas EV, Cançado FAX, Gorzoni ML, Doll J, editores. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2002.
- 9. Katz S, Down TD, Cash HR, Grotz RC. Progress in development of the index of ADL. Gerontologist. 1970;10:20-30.
- 10. Freitas EV, Cançado FAX, Gorzoni ML, Doll J, editores. Tratado de geriatria e gerontologia. 2nd. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006.
- 11. Lawton MP. Environment and other determinants of well-being of older people. Gerontologist. 1983;4:349-57.
- 12. Mohoney FI, Barthel D. Functional evaluation: the Barthel Index. Mt Sinai Med J. 1965;14:61-5.
- 13. Ware JE, Gandek B, IQOLA Project Group: The SF-36 health survey: development and use in mental health research and the IQOLA project. Int J Ment Health. 1994;23:49-73.
- 14. Ware JE, Kosinski M, Keller ED. The SF-36 Physical and Mental Health Summary Scales: a users manual. Boston: The Health Institute;1994.
- 15. Ciconelli RM. Tradução para o português e validação do questionário genérito de avaliação de qualidade de vida "Medical Outcomes Study 36 - Item Short - Form Health Survey (SF-36)" [tese]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo; 1997.
- 16. Ciconelli RM, Feraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF 36). Rev Bras Reumatol. 1999;39:143-50.
- 17. Campos, GM. Estatística prática para docentes e pós-graduandos 2000. [citado 22 fev Cited 2009]. Disponível em: http://www.forp.usp.br/restauradora/gmc/gmc_livro/gmc_livro_cap14.html
- 18. Freund JE, Simon GA. Estatística aplicada: economia, administração e contabilidade. 9Ş ed. Porto Alegre: Bookman; 2000.
- 19. Bisquera R, Sarriera JC, Martinez F. Introdução à estatística: enfoque informático com o pacote estatístico SPSS. São Paulo: ARTMED; 2004.
- 20. Agostinho F. Avaliação da qualidade de vida em idosos portadores de Diabetes Mellitus Tipo 2 [dissertação]. Brasília (DF): Universidade Católica de Brasília; 2005.
- 21. Brandão DMS, Crema R, organizadores. O Novo paradigma holístico. 4Ş Ed. São Paulo: Summus; 2005.
- 22. Brandão, DMS, Crema, R. (org). Visão holística em psicologia e educação. 3nd. São Paulo: Summus, 2005. 194 p.
- 23. Hincchey JA, Shepard TS, Furie K, Smith MD. Formal dysphagia screening protocols prevent pneumonia. Stroke. 2005;36;1972-6.
- 24. Hung SW, Tsay TH, Chang HW, Leong CP, Lau YC. Incidence and risk factors of medical complications during inpatient stroke rehabilitation. Chang Gung Med J.2005;28:31-8.
- 25. Perry, L. Screening swallowing function of patients with acute stroke. Part two: detailed evaluation of the tool used by nurses. J. Clin. Nurs. 2001; 10: 474-481.
- 26. Smithard DG, Paul AO, England RE, Park CL, Wyatt R, Martin DR, et al. The natural history of dysphagia following a stroke. Dysphagia. 1977;12:188-93.
- 27. Damasceno BP. Envelhecimento cerebral: o problema dos limites entre o normal e o patológico. Arq Neuropsiquiatr. 1999;57:78-83.
- 28. Lawton MP, Moss MF, Morton H. A research and service-oriented multilevel assessment instrument. J Gerontol. 1982;37:9199.
- 29. Brazier JE, Harper R, Jones NMB, O'Cathian A, Thomas KJ, Unsherwood T, et al. Validating the SF-36 health survey questionnaire: new outcome measure for primary care. BMJ. 1992;305:160-64.
- 30. De Coster L, Leentjens AL, Lodder J, Verhey FE. The sensitivity of somatic symptoms in post-stroke depression: a discriminant analytic approach. J Geriatr Psychiatry. 2005; 20:358-62.
- 31. Gorestein C, Andrade LHSG, Zuardi AW. Escalas de avaliação clínica em psiquiatria e psicofarmacologia. São Paulo: Lemos-Editorial;2000.
- 32. Gorestein C, Andrade L. Inventário de depressão de Beck: propriedades psicométricas da versão em português. Rev Psiq Clin. 1988;25. [citado 11 dez 2005. Disponível em: http://www.neurodome.psc.br/slides/IDB_intro.asp
- 33. Beck AT, Ward CH, Mendelson M, Mock J, Erbaugh J. An inventory for measuring depression. Arch Gen Psychiatry. 1961;4:53-63.
- 34. Beck AT; Steer RA, Garbin MG. Psychometric properties of the Beck Depression Inventory: twenty-five years of evaluation. Clin Psychol Rev. 1988;8:77-100.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Fev 2010 -
Data do Fascículo
2009
Histórico
-
Aceito
04 Ago 2009 -
Recebido
09 Abr 2009