EDITORIAL
No presente número, a Revista de Sociologia e Política apresenta um seleção de artigos diversos. Esses textos - aprovados para publicação pelo processo de double, blind, peer-review - foram submetidos pelos seus autores espontaneamente, ou seja, sem responderem a chamadas de dossiês temáticos. A variedade de temas, de abordagens teóricas e de procedimentos metodológicos, bem como a consistência de cada um dos artigos, atesta o grau de amadurecimento das Ciências Sociais no Brasil e, em particular, de nossas Sociologia Política e Ciência Política.
Começamos com dois artigos teóricos; um de José Chiappin e Carolina Leister sobre o contratualismo e os procedimentos teórico-metodológicos necessários à sua utilização profícua nas Ciências Sociais; em seguida, um texto de João Francisco Araújo Maria, a respeito do desenho institucional e da accountability, vistos a partir da teoria minimalista da democracia. Na seqüência, mais dois artigos, agora a respeito de questões de Política Internacional: o de Luciana Ballestrin procura teorizar o conceito de "sociedade civil transnacional", ao passo que o de Cláudio OliveiraRibeiro passa em revista a política externa brasileira para a África após o término da Guerra Fria.
Fernanda Petrarca inicia os textos mais diretamente relativos ao Brasil com uma pesquisa sobre a relação entre construção do Estado e a atividade profissional de jornalista no país; já a pesquisa de Rodrigo Czajka investiga a atividade editorial e política da revista Civilização Brasileira durante os primeiros anos do regime militar, enquanto José Maria Nóbrega Júnior trata da militarização da segurança pública e dos problemas que isso acarreta para nossa democracia. Cristiane Batista e Ximena Simpson discutem os determinantes políticos dos déficits fiscais dos estados brasileiros, enquanto Maria Andreazzi e seus colaboradores pesquisam as relações do sistema privado de saúde com as isenções fiscais promovidas pelo governo brasileiro.
André Borges pesquisa a consistência dos esquemas clientelistas nos estados brasileiros, enquanto Joel Marin discute o trabalho infantil no agronegócio. Finalmente, Fernanda Ramão e Yonissa Wadi tratam da distribuição geográfica dos homicídios no município de Cascavel, no Paraná.
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Cabe aqui uma crítica à atual classificação das revistas científicas, a base Qualis da Coordenação de Apoio ao Pessoal de Nível Superior, vinculada ao Ministério da Educação (Capes-MEC). Embora implantado no final de 2008 e já tendo sido objeto de elogios da parte da Revista de Sociologia e Política, já se podem perceber alguns problemas em sua realização e em sua aplicação.
As classificações de periódicos científicos - geralmente baseadas em parâmetros como o fator de impacto ou o fator h - visam, por um lado, a auxiliar os autores a decidirem em qual periódico publicarão seus artigos; mas, de maneira mais importante, tais classificações fornecem critérios para a alocação de recursos públicos: no caso brasileiro, recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (CNPq-MCT).
O procedimento do Qualis é simples: todo periódico que publica artigos de pesquisadores brasileiros é avaliado pelos vários comitês temáticos em que o artigo e o periódico podem ser indexados. Não importa se é nacional ou estrangeiro, o periódico será classificado de acordo com as categorias A (1 e 2), B (1 a 5) e C; por sua vez, as categorias não podem ser superpovoadas, no sentido de que as três principais categorias (A1, A2 e B1), que indicam excelência de qualidade, não podem exceder 30% do total de revistas científicas, de acordo com uma distribuição estatisticamente "normal" (poucos elementos nas extremidades, muitos na meio).
Essa contagem considera o total de revistas, ou seja, não apenas as revistas nacionais como também as estrangeiras. Entretanto, apenas as revistas nacionais são passíveis de receber auxílio para publicação do CNPq: dessa forma, a presença dos periódicos estrangeiros afasta os nacionais das categorias de ponta do Qualis e - nisso consiste o grande problema - impede o seu acesso a preciosos recursos.
Essa verdadeira distorção é perceptível nas seguintes tabelas, relativas às classificações Qualis mais importantes para a Revista de Sociologia e Política - as dos comitês de Sociologia (n. 34) e de Ciência Política e Relações Internacionais (n. 39).
Convém notar que as tabelas foram elaboradas seis meses antes de este editorial ser publicado (em fevereiro de 2010), mas suas informações permanecem desde então as mesmas. Além disso, desde a aplicação dos novos critérios do Qualis (em finais de 2008 e início de 2009) até o presente momento (fevereiro de 2010) não houve nenhuma divulgação dos critérios adotados para a definição de quais periódicos ocupam quais estratos - o que, sem dúvida, é motivo de confusão e desnorteamento.
O mercado brasileiro de publicações científicas não tem a mesma estrutura que o dos países anglossaxões, em particular dos Estados Unidos, em que gigantescas editoras comerciais publicam as revistas; mesmo as assinaturas nunca foram capazes de financiar as nossas revistas, correspondendo apenas a pequena parcela dos gastos correntes com essa atividade editorial, o que se intensificou bastante com as políticas de informatização e de acesso público, gratuito e universal dos periódicos brasileiros.
Os periódicos científicos brasileiros - em particular nas Ciências Humanas - consomem vultosos recursos e bastante tempo, sendo feitos por equipes dedicadas que recebem pouca ou nenhuma remuneração e que não têm nenhum reconhecimento institucional (como se pode comprovar pela ausência de campo específico no currículo Lattes); além disso, a dedicação dessas equipes aos periódicos baseia-se na busca da excelência intelectual e na crença de que é necessário manter o diálogo científico vivo e atuante no Brasil; com uma ou duas exceções, nenhuma dessas revistas busca o lucro. Dessa forma, a publicação dos periódicos é por assim dizer artesanal, embora a qualidade editorial e acadêmica, como se sabe, aumente cada vez mais.
Assim, a necessidade que as revistas científicas nacionais têm de financiamento público não é pequena. Considerando que o Qualis-Capes equipara as revistas nacionais às estrangeiras e que essas mesmas revistas estrangeiras são financiadas por editoras comerciais profissionais, o resultado é que a simples aplicação do Qualis como critério para obtenção de recursos do CNPq destinados a periódicos científicos é um procedimento insuficiente, porque distorcido - e, logo, profundamente injusto e antidemocrático.
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A Revista de Sociologia e Política integra o Programa de Apoio a Periódicos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), além de contar com os patrocínios do curso de Especialização em Sociologia Política, do Departamento de Ciências Sociais da mesma instituição, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), aos quais expressamos nossos agradecimentos.
Gustavo Biscaia de Lacerda
Editor
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Abr 2010 -
Data do Fascículo
Fev 2010