Open-access A Teoria da Modernização aplica-se à América Latina? Um estudo do século XIX ao XXI

Is Modernization Theory valid for Latin America? A study from the 19th to the 21st centuries

RESUMO

Introdução:  Investigamos a relação entre desenvolvimento econômico, medido pelo PIB real per capita, e níveis de democracia dos países da América Latina de 1870 até 2010 testando empiricamente a hipótese de Seymour M. Lipset proposta em “Some Social Requisites of Democracy: Economic Development and Political”, publicado em 1959 na The American Political Science Review.

Materiais e Métodos:  Estimou-se um modelo econométrico conhecido como probit ordenado. Dados sobre democracia foram obtidos a partir da mensuração feita pelo Polity IV. Para o PIB per capita foi utilizada a base de dados do Projeto Angus Maddison. As proxies para capital humano foram construídas por Morrisson e Murtin e estão descritas no artigo “The Century of Education” (2009).

Resultados:  A Teoria da Modernização é válida para os países com nível intermediário de democracia. Para esse conjunto de nações, notou-se também um efeito não linear; isto é, aqueles países mais pobres, quando diante de aumento do PIB per capita, têm maior probabilidade de apresentar um nível de democracia mais baixo. Porém, essa probabilidade se inverte à medida que o PIB per capita se expande.

Discussão:  O trabalho preenche simultaneamente três lacunas presentes nos trabalhos publicados sobre o tema: i) ao contrário da forma como a maioria deles usa a proxy para democracia, em nosso estudo ela não é uma variável binária; ii) o horizonte temporal é mais amplo, pois trabalhamos com dados desde o final do século XIX; e iii) a amplitude regional, posto que levamos em conta as particularidades da América Latina. Nossos resultados comprovam parcialmente a teoria da modernização nos países latino-americanos, além de identificar quais seriam os níveis de democracia mais prováveis diante de um nível de renda elevado.

PALAVRAS-CHAVE: teoria da modernização; desenvolvimento econômico; democracia; América Latina; Seymour M. Lipset

ABSTRACT

Introduction:  We investigate the relationship between economic development, measured by real GDP per capita, and levels of democracy in Latin American countries from 1870 to 2010, empirically testing the Seymour M. Lipset hypothesis proposed in “Some Social Requisites of Democracy: Economic Development and Political”, published in 1959 by The American Political Science Review.

Materials and Methods:  An econometric model known as an ordered probit was estimated. Democracy data were obtained from the measurement made by Polity IV. For the GDP per capita, the Angus Maddison Project database was used. The proxies for human capital were built by Morrisson and Murtin and are described in the article “The Century of Education” (2009).

Results:  The Modernization Theory is valid for countries with an intermediate level of democracy. For this group of nations, there was also a non-linear effect; that is, those poorer countries, when faced with an increase in GDP per capita, are more likely to have a lower level of democracy. However, this probability is inverted as GDP per capita expands.

Discussion:  The work simultaneously fills three gaps in the published works on the theme. (i) Contrary to the way most of them use the proxy for democracy, in our study it is not a binary variable. (ii) The time horizon is broader, since we have worked with data since the end of the 19th century. (iii) The regional scope, given that we take into account the particularities of Latin America. Our results partially prove the theory of modernization in Latin American countries, in addition to identifying which levels of democracy would be most likely in the face of a high level of income.

KEYWORKDS: Modernization Theory; Economic Development; Democracy; Latin America; Seymour M. Lipset

I. Introdução1

Teóricos da política têm debatido os requisitos para o bom funcionamento das instituições democráticas. Essas questões, que se iniciaram com Tocqueville em 1835, ganharam espaço no meio acadêmico com o trabalho de Lipset (1959) e a Teoria da Modernização. Mais especificamente, o artigo seminal, Some Social Requisites of Democracy: Economic Development and Political Development, foi, talvez, um dos primeiros trabalhos do século XX que estabeleceu o link teórico entre desenvolvimento econômico de um país e seu nível de democracia. Embora se faça referência ao filósofo Aristóteles como o precursor desta ideia, foi com Lipset (1959) que tal questão se desenvolveu.

Lipset (1959) sugere que todos os aspectos do desenvolvimento econômico, tais como urbanização, industrialização, riqueza e educação relacionam-se, em alguma medida, com a democracia. Para Wucherpfennig e Deutsch (2009), Lipset (1959) apontou as condições e não necessariamente as causas para o desenvolvimento democrático. No entanto, parece claro que a modernização manifesta-se através de mudanças nas condições sociais que aceleram a cultura da democracia.

Com base nessas ideias, diversos estudos empíricos tentaram investigar se, tal como preconizado pela teoria da modernização, o desenvolvimento econômico favorece a democracia. No entanto, grande parte desses trabalhos peca em alguns aspectos. O primeiro é em relação à utilização dos indicadores que servem de proxy para a democracia.

Tendo em vista os indicadores já amplamente difundidos na literatura, parte considerável dos estudos que tratam do assunto considera apenas duas possibilidades: ou determinado país é caracterizado como democrático, ou é visto como não democrático. Sob a ótica empírica, isto implica a construção de uma proxy binária para a democracia. O presente estudo, todavia, sugere que talvez esta não seja a forma mais apropriada para se lidar com esta questão. Assim, entende-se que, tal como efetivamente são construídos os principais indicadores2, a utilização empírica dos diversos níveis de democracia poderá ajudar numa análise mais precisa e mais próxima da realidade.

Uma segunda questão que merece ser considerada é o horizonte temporal. Ao se trabalhar com variáveis institucionais, é prudente que se leve em conta um conjunto de dados relativamente longos no tempo, pois as instituições tendem a mudar apenas lentamente. Dessa forma, os estudos empíricos que usam poucos dados temporais correm o risco de lidarem com variáveis de pouca variabilidade e comprometerem os resultados.

Por fim, autores como Mainwaring e Pérez-Liñán (2003; 2007) e Munck (2010) já haviam indicado que as regiões têm dinâmicas particulares e processos políticos específicos. Além disso, elas podem apresentar distintos padrões causais sistemáticos, os quais podem ser obscurecidos pela premissa de uma homogeneidade global. Isso significa que as especificidades regionais devem fazer parte dessas análises. A América Latina, por exemplo, é vista pelos autores como uma região que apresenta resultados particulares nesta matéria.

Dessa forma, este trabalho procura contribuir para a literatura no sentido de corrigir as três lacunas acima descritas (proxy para a democracia, horizonte temporal e questão regional). Para tanto, os resultados empíricos serão obtidos por meio da estimação de modelos ordenados, os quais permitem que sejam considerados diversos níveis da variável dependente (democracia). Em segundo lugar, o horizonte temporal é relativamente longo, pois inclui dados que vão de 1870 até 2010. Por fim, as especificidades regionais são consideradas na medida em que a proposta é estudar os países da América Latina.

Além desta introdução (I) e das considerações finais (V), este artigo está dividido em outras três seções. Na segunda parte será feita uma breve revisão de literatura sobre o assunto. A terceira seção irá apresentar os dados e o método empírico utilizado. A quarta seção, por sua vez, discutirá os resultados.

II. Revisão da literatura teórica

Tavares e Wacziarg (2001), definem democracia como “a body of rules and procedures that regulates the transfer of political power and the free expression of disagreement at all levels of public life” (Tavares e Wacziarg, p. 1342, 2001). Para os autores, ela é vista como um sistema político caracterizado por três elementos:

  1. Acrescenta voz a um grande número de pobres, mudando a composição da cidadania e influenciando o processo político;

  2. Diminui a natureza discricionária do poder - governantes com poder discricionário tendem a criar políticas discricionárias que beneficiam uma parcela pequena da população; e

  3. Provê regras transparentes para a alternância de forças políticas no poder

Diamond e Morlino (2004) apresentam mais características necessárias à democracia, tais como: i) voto adulto universal, ii) eleições justas, competitivas, livres e recorrente, iii) mais de um partido político sério e iv) fontes alternativas de informação. Além do mais, se as eleições são verdadeiramente livres e justas, então deve haver algum grau de liberdade civil e política além da arena eleitoral que permita aos cidadãos articular e se organizar em torno de suas crenças e interesses políticos. Segundo os autores, uma democracia ideal deve atingir quatro objetivos principais: i) liberdade civil e política, ii) soberania popular, iii) igualdade política e iv) amplos padrões de boa governança como: transparência, legalidade e regras responsáveis.

Diversas pesquisas têm sido realizadas na tentativa de compreender os principais fatores que determinam o nível de democracia dos países. Dentre as possíveis variáveis determinantes da democracia, aquelas que remetem ao nível de prosperidade econômica das nações tem chamado atenção de cientistas sociais. Em linhas gerais, tal ideia faz parte da chama “Teoria da Modernização”. Segundo Inglehart e Welzel (2009), a modernização é uma síndrome de mudanças sociais ligadas à industrialização. Ela tende a penetrar em todos os aspectos da vida: urbanização, aumento dos níveis educacionais, aumento da expectativa de vida e rápido crescimento econômico. Estes elementos criam um processo self-reinforcing que transforma a vida social, bem como as instituições políticas. No longo prazo, isto aumenta a participação política das massas e a probabilidade da implantação de instituições democráticas.

Parte dessas ideias foi disseminada pelo sociólogo Seymour Martin Lipset (1959). Segundo ele, para algum regime democrático sobreviver, ele deve fornecer legitimidade suficiente segundo a percepção de seus cidadãos. Isto seria alcançado pelo contínuo desenvolvimento econômico3. Tal ideia ficou conhecida na literatura como a hipótese de Lipset. Para o autor, a modernização manifesta-se através de mudanças nas condições sociais que aceleram a cultura democrática.

Segundo Inglehart e Welzel (2009), o desenvolvimento econômico produz democracia apenas quando for capaz de provocar mudanças sociopolíticas que alteram o comportamento das pessoas. Por conseguinte, “economic development is conducive to democracy insofar as it, first, creates a large, educated, and articulate middle class of people who are accustomed to thinking for themselves and, second, transforms people's values and motivations” (Inglehart e Welzel, p. 41, 2009).

No auge da Guerra Fria, uma versão da teoria da modernização emergiu nos EUA. Ela retratou o subdesenvolvimento como uma consequência dos traços culturais e psicológico dos países. Assim, as ricas democracias poderiam introduzir valores modernos e levar o progresso para as nações atrasadas através de assistências culturais, econômicas e militares. Porém, como tal assistência não trouxe progresso em direção à prosperidade ou democracia, a teoria da modernização perdeu credibilidade.

Inglehart e Welzel (2009) reconhecem que a teoria da modernização precisa ser revista em vários aspectos, mas sugerem que sua premissa central está correta: o desenvolvimento econômico tende a trazer importantes mudanças políticas e culturais na sociedade.

II.1 Revisão da literatura empírica

A ideia geral de que fatores econômicos seriam potenciais determinantes da democracia, ou da sua sustentabilidade, foi levada em conta em diversos trabalhos: Diamond (1992), Arat (1991), Hadenius (1992), Przeworski e Limongi (1997), Przeworski et al. (2000), Boix e Stokes (2003), Hadenius e Teorell (2005), Inglehart e Welzel (2006), Acemoglu et al. (2008), Barro (1999) entre outros.

Barro (1999), por exemplo, afirma que a hipótese de Lipset (1959) possui forte regularidade empírica. Assim, segundo o autor, é possível verificar que o aumento em várias medidas de padrão de vida consegue prever um aumento gradual na democracia. Por outro lado, democracias que surgiram sem um desenvolvimento econômico anterior tendem a não durar.

O autor supracitado sugere que países com baixos níveis de desenvolvimento econômico não sustentam a democracia. Por outro lado, regiões não democráticas que experimentam substancial desenvolvimento econômico tendem a se tornar mais democráticas. Neste estudo, Barro (1996) ele utiliza dados entre 1972 e 1995 de um conjunto de países para estimar os determinantes da democracia. Ele observou que os coeficientes do PIB per capita e do nível de escolaridade são positiva e estatisticamente significativos para explicar o índice de democracia.

Fiorino e Ricciuti (2007) argumentam, seguindo Lipset, que uma população melhor educada terá maiores chances de praticar a democracia. Para medir a democracia direta, eles usaram o Direct Democracy Index (DDI). Como variáveis explicativas eles incluem: log do PIB per capita, log da população, taxa de urbanização, medida de fracionalização étnica, dummy para regimes presidencialistas, percentual da população católica e mulçumana, log da taxa de educação. Usaram a latitude como instrumento para o log do PIB por conta da causalidade reversa. Seus resultados confirmam a ideia de que a democracia é um bem cujo consumo aumenta com a renda. Ademais, eles percebem que a América Latina tende, sistematicamente, a estar associada com menor nível de democracia direta. Mais uma vez, isto indica que a questão regional não pode ser desconsiderada neste tipo de estudo.

A despeito de Barro (1999) sugerir uma forte regularidade empírica, observa-se, na prática, que a relação entre desenvolvimento econômico e democracia não é clara. Acemoglu et al. (2009), por sua vez, afirmam que tal regularidade empírica ocorre, na verdade, porque os trabalhos existentes não controlam pela presença de variáveis omitidas. Os efeitos fixos, segundo os autores, são correlacionados com fatores históricos que afetam tanto o nível de renda per capita quanto a probabilidade de democracia em dado país. Tal como os demais trabalhos, os autores usam os principais indicadores de democracia - Freedom House e Polity IV.

Alguns fatores explicam os motivos de tantas divergências entre os trabalhos empíricos. Os resultados podem ser influenciados por várias razões, quais sejam: i) seleção de países incluídos na mostra; ii) o período analisado; iii) a seleção dos indicadores socioeconômicos de controle; iv) a medida de democracia; v) a especificação do modelo (se linear ou não). É por isso que os estudos sobre a tese de modernização têm sido objeto de intenso debate metodológico.

A literatura que trata deste tema apresenta dois pontos amplamente aceitos: estudos com grandes amostras sugerem que o PIB per capita é um bom preditor da democracia (Bollen, 1980; Bollen e Jackman, 1985; Burkhart e Lewis-Beck, 1994; Coppedge, 1997; Cutright, 1963; Dahl, 1971; Diamond, 1992; Huntington, 1984; Jackman, 1973; Lipset, 1959; Lipset, Seong e Torres, 1993; Londegran e Poole, 1996; Przeworski e Limongi, 1997; Przeworski, Alvarez, Cheibub, e Limongi, 2000). Outros trabalhos apontam que, acima de certo nível, a probabilidade de ser democrático já é tão grande que aumentos adicionais na renda per capita não produzem efeitos (ver por exemplo Diamond (1992) e Przeworski e Limongi (1997)).

Tendo em vista que os resultados destes trabalhos são sensíveis à amostra, alguns autores têm procurado verificar a hipótese da modernização em contextos regionais específicos. Mainwaring e Pérez-Liñán (2003), por exemplo, sugerem a existência de quatro fases que mostram a relação entre renda per capita e democracia na América Latina. Antes de um estágio intermediário de desenvolvimento, o crescimento econômico deve apoiar a democracia. Isso deve ser seguido por uma segunda fase de retração em que o desenvolvimento econômico não é significativo (podendo ter até efeito negativo sobre a democracia). Posteriormente, tem-se um novo efeito positivo até a última fase de estabilização. Esta não linearidade talvez seja a principal contribuição deste trabalho.

Em estudo semelhante, Mainwaring e Pérez-Liñán (2007) testam hipótese da modernização em duas amostras: a primeira, com um conjunto amplo de países, e a segunda, restrita aos países latino-americanos. Enquanto a hipótese pode ser comprovada para o primeiro grupo, é rejeitada para o segundo. Chama a atenção, neste estudo, o fato de que o PIB per capita tem maior poder preditivo sobre a democracia no resto do mundo do que nos países da América Latina. Ao se usar uma amostra de países que possuem o mesmo nível de renda daquela região, nota-se que o poder preditivo do PIB per capita sobre a democracia é também pequeno. Porém, mesmo se comparado com esses grupos, o poder preditivo para os países da América Latina é ainda menor. Nesse sentido, Mainwaring e Pérez-Liñán (2003) asseguram que só neste conjunto de países observam-se os efeitos não lineares tão evidentes. Isso indica que há, ali, alguma excepcionalidade. Uma das explicações, segundo os autores, decorre do fato de que o crescimento econômico nesta região gerou desigualdades que, por sua vez, alimentaram o conflito de classes.

Mainwaring e Pérez-Liñán (2003) observam que o nível de desenvolvimento teve um impacto modesto sobre a democracia na América Latina entre 1945 e 1996. Ou seja, tal regime tem sobrevivido sob baixo nível de desenvolvimento nesta região. Tais estudos - Mainwaring e Pérez-Liñán (2003) - sugerem que o PIB per capita é um preditor ruim para a democracia na America latina, se comparado com outras nações.

Nessa mesma direção, Fittipaldi et al. (2017), apresentam dados da América Latina no período 2004-2013, em estrutura de painel dinâmico, buscando evidências de uma relação de causalidade entre instituições políticas e expansão da riqueza agregada. Para os testes empíricos das hipóteses de trabalho, recorreu-se ao Método dos Momentos Generalizados (GMM), usando estimadores Arellano-Bond.

No entanto, o artigo identificou uma inadequação na literatura empírica acerca da relação entre regime político e crescimento econômico. Os resultados encontrados para os países latino-americanos, no período analisado, não corroboram os achados de Acemoglu et al. (2019), não havendo significância estatística para a democracia explicar crescimento econômico dos países da região.

O efeito positivo sobre o crescimento do PIB não decorre, portanto, da natureza do regime democrático, mas, antes, da estabilidade das instituições formais de regulação da distribuição de poder político nos países da América Latina.

III. Dados e métodos

Na tentativa de analisar os efeitos do desenvolvimento econômico sobre a democracia na América Latina, este trabalho apresenta duas principais diferenças em relação aos demais. Em primeiro lugar, não é adotada, aqui, uma estratégia relativamente comum de se considerar a democracia como uma variável dicotômica. Ao contrário: admite-se que existem níveis distintos de democracia nos países. Isso implica que o método de estimação deverá obedecer a alguma ordem na variável dependente. Em segundo lugar, a base de dados inclui um período relativamente longo se comparado com outros trabalhos semelhantes. O presente estudo utiliza dados de 1870 até 2010.

A proxy para a democracia foi obtida pelo Polity IV. Este indicador leva em conta três “variáveis conceituais” para a construção deste artigo: i) eleições para o executivo - que considera a presença de instituições e procedimentos através dos quais os cidadãos podem expressar suas preferências sobre líderes e políticas alternativas; ii) restrição aos poderes do chefe do executivo - leva-se em conta a existência de instituições e mecanismos para se restringir o poder do executivo; e iii) regulação da competitividade política e participação dos opositores - é uma medida das liberdades civis. A partir dessas informações, é construído um indicador que varia de −10 a +10. Contudo, o próprio Polity IV constrói uma classificação da seguinte forma: países “totalmente democráticos” são aqueles com valor igual a +10; “democracias” são as nações cujo índice está entre +6 e +9; “anocracias abertas” são aquelas cujo índice varia de +1 até +5; os países classificados como “anocracias fechadas” possuem valores entre 0 e −5; por fim, os “autocráticos” receberam notas entre −6 e −10. Na Tabela 2A em anexo é possível verificar a evolução deste indicador para cada um dos dezessete países analisados entre 1870 e 2010.

O critério acima descrito foi utilizado para a identificação da variável dependente, nível de democracia. Em outras palavras, a variável a ser explicada possui cinco categorias, tal que 5 = totalmente democráticos; 4 = democracias; 3 = autocracias abertas; 2 = autocracias fechadas; e 1 = autocracias. Os dados utilizados neste trabalho são observados de 10 em 10 anos. Duas razões justificam este fato. Em primeiro lugar, variáveis institucionais têm pouca variabilidade anual. Em segundo, para o período proposto, algumas variáveis de controle estão disponibilizadas apenas de dez em dez anos. O Gráfico 1 apresenta a quantidade relativa de países latino-americanos por cada nível de democracia entre 1870 e 2010.

Gráfico 1
Níveis de democracia na América Latina (1870-2010)

Munk (2010) afirma que a história da luta pela democracia na América Latina é extensa e variada. Entre as décadas de 1960-70 houve um período de autoritarismo duro e nas duas décadas seguintes tivemos um período de transição. Porém, este não é um assunto concluído. Tivemos na América Latina quebra da democracia (1970), transição (1980), consolidação (1990) e qualidade (2000).

É possível se perceber que, a partir dos anos 1960, a quantidade de países latino-americanos classificados como “democráticos” aumentou substancialmente. Na virada dos anos 1980 para os anos 1990, isso se tornou mais contundente. Por outro lado, a quantidade de países considerados totalmente democráticos avança mais timidamente. Em 2010, apenas três países tiveram essa classificação: Uruguai, Chile e Costa Rica. Durante um século - de 1870 até 1970 -, o número de países latino-americanos “autocráticos” cresceu, mas sofreu forte redução na década de 1990. As “autocracias fechadas” tiveram redução substancial desde 1870. Diante desse quadro, parece clara a tendência democrática que os países da América Latina têm buscado.

Para o PIB per capita foi utilizada a base de dados do Projeto Angus Maddison (2013), que é umas das poucas bases de dados disponíveis para períodos longos. As proxies para capital humano foram construídas por Christian Morrisson e Fabrice Murtin (2009) e estão descritas no artigo “The Century of Education”. Foram utilizadas quatro proxies para o capital humano que serão descritas logo mais.

A mostra total foi composta por 17 países: Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, El Salvador, Guatemala, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Vale ressaltar que, por falta de dados para as variáveis de educação, três nações não puderam ser consideradas: Bolívia, Colômbia e Equador. Aqueles países formam, ao todo, 168 observações entre 1870 e 2010.

A investigação dos determinantes da democracia foi realizada através da estimação com dados em painel, cujas principais vantagens são as seguintes: i) permite controlar pela heterogeneidade individual e resolver o problema das variáveis omitidas; ii) possuem maiores informações, variabilidade, menor colinearidade entre as variáveis, mais graus de liberdade e maior eficiência; iii) são melhores para estudar a dinâmica de ajustamento; e iv) são mais capazes de identificar e medir efeitos que não seriam detectados em cross-section ou séries de tempo. Dessa forma, o modelo estimado pode ser apresentado conforme a equação a seguir:

(1) D e m i t = β 1 + β 2 P I B i ( t 1 ) + β 1 ( P I B i ( t 1 ) ) 2 + β 4 E D U C i ( t 1 ) + c i + u i t

em que Dem = proxy para a democracia baseada nas cinco categorias do Polity IV; PIBt-1 = logaritmo natural do PIB real per capita do período anterior; PIBt-12 = logaritmo natural do PIB real per capita do período anterior ao quadrado; EDUCt-1 = proxy para capital humano do período anterior; ci pode ser chamada de componente não observado, variável latente ou heterogeneidade não observada. Note que este componente não varia ao longo do tempo, e uit é o erro idiossincrático

As variáveis explicativas são do período anterior, para se evitarem problemas de simultaneidade. Em relação ao capital humano, quatro medidas foram utilizadas: a) anos médios de escolaridade para as pessoas acima dos 15 anos (Educ_15+); b) anos médios de escolaridade primária (Educ_P); c) anos médios de escolaridade secundária (Educ_S); e d) anos médios de escolaridade no ensino superior (Educ_T).

Dada a especificidade da variável dependente, a qual assume valores que indicam ordenamento dos dados, as estimações seguintes foram realizadas pelo modelo do probit ordenado. Este modelo é uma extensão do probit que também é expresso em termos de uma variável latente, D*, tal que:

(2) D i * = f ( X i , e i )

em que D* é uma variável latente que representa o nível de democracia de um país; Xi é o vetor de variáveis explicativas; ei são os fatores aleatórios. Tal como já foi dito, existem cinco categorias (ou níveis) de democracia.

Em linhas gerais, considere-se um modelo probit ordenado cuja variável dependente discreta é composta por valores multinomiais ordenados, tal como y = 1, 2, …, m. Pode-se expressar o modelo como:

(3) y i * = x β + e , e | x ~ N ( 0 , 1 )

Note-se que β é um vetor K x 1, e y1* é a variável latente não observável, tal que:

(4) y = 0 se y * μ 1 y = j se μ j < y * μ j + 1 para j = 1 , 2 , m 1 y = m se μ m < y *

Como representados na Tabela 1, os pontos de corte (cut-points) correspondem aos valores limites, m, em que um país se move de um nível de democracia para outro. Ao se assumir que os erros são normalmente distribuídos, as probabilidades condicionais são dadas por:

(5) P ( y = 0 | x ) = Φ ( μ 1 x β ) P ( y = j | x ) = Φ ( μ j + 1 x β ) Φ ( μ j x β ) , para j = 1 , 2 , , m 1 P ( y = m | x ) = 1 Φ ( μ m x β )
Tabela 1
Determinantes do nível de democracia

Vale dizer que Φ(.) é a função de distribuição normal padrão. Note-se que, se j = 0, tem-se um probit binário. Este modelo, contudo, parte do pressuposto de que a hipótese das linhas paralelas é válida. Isto é, que o efeito das variáveis explicativas é o mesmo para todos os níveis da variável dependente. Posteriormente, tal hipótese será flexibilizada.

IV. Resultados e discussão

Conforme apresentado no início deste trabalho, o objetivo é investigar a relação entre desenvolvimento econômico, medido pelo PIB per capita, e níveis de democracia. A investigação ocorrerá em três partes: a primeira, apresentada na Tabela 1, expõe os resultados de um modelo mais simples que assume, por hipótese, que os efeitos dos parâmetros estimados são os mesmos para todos os níveis de democracia. Posteriormente, tal hipótese será flexibilizada. Por fim, estima-se o modelo mais geral em que se consideram efeitos não lineares sobre a democracia.

A Tabela 1 mostra os resultados para um modelo com efeitos aleatórios. Isto ocorreu porque após a realização dos testes de Hausman não foi possível rejeitar a hipótese nula de ausência de diferença entre os coeficientes estimados para a maioria dos modelos. Em apenas três deles - Modelo 5, Modelo 6 e Modelo 9 - poder-se-ia justificar a estimação por efeitos fixos, tendo como base os resultados do teste de Hausman. O último deles, inclusive, não apresentou parâmetros estatisticamente significativos seja na estimação por efeitos fixos, bem como naquela por efeitos aleatórios. De qualquer forma, é possível verificar na Tabela 1A em anexo os parâmetros estimados com efeitos fixos. Pode-se perceber que não há grandes diferenças nos resultados. Ao final da Tabela 1 apresenta-se o p-valor referente ao teste de Hausman.

Nota-se, a partir da Tabela 1, que em praticamente todas as estimações o PIB per capita de dez anos atrás aumenta a probabilidade de um país apresentar maiores níveis de democracia. Quando se controla pelo nível de educação de dez anos atrás, os resultados permanecem. Ou seja, aqueles países que na década anterior apresentaram altos níveis de desenvolvimento econômico e de educação, tiveram maior probabilidade de apresentarem níveis mais elevados de democracia.

Também foi testada a hipótese de que a relação entre desenvolvimento econômico e democracia não é linear. A princípio, os resultados comprovam esta ideia, pois o PIB per capita é negativo e significativo, mas o PIB per capita ao quadrado é positivo e significativo em três dos quatro modelos estimados. Esse fenômeno sugere que, para países pobres, o crescimento econômico pode sustentar um regime pouco democrático. Contudo, se o progresso continua, cresce a probabilidade de a nação se situar em níveis mais elevados de democracia. Tal resultado é observado, mesmo quando se controla pela educação, cujos parâmetros, inclusive, não são significativos quando a especificação do modelo leva em conta a não linearidade.

Esta noção foi apresentada por Inglehart e Welzel (2009). Segundo eles, a modernização não é linear e ela não se move indefinidamente na mesma direção. De acordo com os autores, as evidências empíricas indicam que cada fase da modernização traz mudanças distintas na visão de mundo das pessoas. Este processo não é determinístico, pois os fatores econômicos não são os únicos que influenciam. Além disso, mudanças na modernização não são irreversíveis já que colapsos econômicos severos podem revertê-la.

Das cinco primeiras estimativas apresentadas na Tabela 1 - do “Modelo 1” até o “Modelo 5” -, em que o PIB per capita está controlado sem seu termo quadrático, quatro apontam para o efeito positivo e significativo do PIB sobre a democracia. Ademais, o efeito da educação também é positivo e significativo em todos. É importante se ratificar que o maior parâmetro é aquele associado à educação superior. Dos quatro modelos seguintes - do Modelo 6 até o Modelo 9 -, nota-se um efeito não linear em três deles, tal como observado por Mainwaring e Pérez-Liñán (2007). Esses resultados iniciais sugerem que a hipótese de Lipset (1959) pode fazer sentido para a América Latina, apesar da não linearidade.

Deve-se ressaltar, porém, que o probit ordenado, tal como foi estimado na Tabela 1, pode não ser a forma mais adequada para se investigar esta questão, pois esses modelos partem do princípio de que a hipótese das linhas paralelas é válida. Ou seja, que os efeitos dos coeficientes são os mesmos para todos os níveis de democracia. Contudo, quando esta hipótese é flexibilizada, os resultados são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Determinantes do nível de democracia sem a hipótese das linhas paralelas

Observe-se que, se o pressuposto das “linhas paralelas” não fosse violado, todos os coeficientes, com exceção do intercepto, deveriam ser os mesmos para todos os níveis de democracia (N1, N2, N3 e N4) dentro do mesmo modelo. Quando o probit ordenado falha na premissa das linhas paralelas, a alternativa é realizar a estimativa pelo método do Probit Ordenado Generalizado (Generalized Ordered Probit Estimates), que libera todas as variáveis da restrição antecitada. A Tabela 2 é interpretada de forma diferente da Tabela 1, pois coeficientes positivos indicam que os valores mais elevados na variável explicativa tornam mais provável que o país esteja em uma categoria superior de democracia que a atual. Por outro lado, coeficientes negativos indicam que os valores mais altos na variável explicativa aumentam a probabilidade de se estar na categoria corrente ou inferior. As categorias correntes ou atuais são representados pelo código N1 (nível de democracia 1), N2 (nível de democracia 2), N3 (nível de democracia 3) e N4 (nível de democracia 4). O maior nível de democracia, o 5, é a categoria base.

O Modelo 1 mostra que o desenvolvimento econômico aumenta a probabilidade de os países apresentarem níveis maiores de democracia. Observe-se, no entanto, que o efeito do desenvolvimento econômico alcança seu pico nos países com nível intermediário de democracia (até N3). Posteriormente, esse efeito se reduz.

Ao não controlar pelas variáveis associadas ao capital humano, a hipótese de Lipset (1959) parece fazer sentido para os países da América Latina, independentemente do nível de democracia em que se encontrar inicialmente. Porém, tal como apresentado a partir do Modelo 2, o controle pelas variáveis de educação deixa os resultados não muito claros.

Os Modelos 2, 3 e 4 mostram que o aumento do PIB per capita faz crescer a probabilidade de que um país esteja em um nível de democracia maior que os níveis 1 e 3. Além disso, é possível notar que o aumento da escolaridade cresce a probabilidade de as nações se encontrarem em níveis de democracia acima dos níveis 2 e 3.

O valor negativo da proxy de capital humano para o menor nível de democracia (N1), observado nos Modelos 2 e 4, não permite assegurar que a educação produza sempre resultados positivos no sentido de favorecer o desenvolvimento democrático. Este resultado é alterado quando se controla pelos anos médios de escolaridade no ensino superior. Neste caso, conforme pode ser observado no Modelo 5, à medida que aumentam os anos médios de estudo no ensino superior, maior será a probabilidade de um país se encontrar em níveis maiores de democracia.

Cuaresma e Oberdabernig (2014) verificaram que níveis de educação, desigualdade educacional e estrutura demográfica são robustos determinantes de democracias sustentadas. A educação superior, segundo os autores, é um importante guia para a transição em direção à democracia. Quando o capital humano é levado em conta, os efeitos do PIB per capita sobre a mudança política são fracos. Os resultados apresentados na Tabela 2 se assemelham aos achados de Cuaresma e Oberdabernig (2014), pois que, ao controlar pelas proxies de capital humano, o PIB real per capita só é significativo para determinados níveis de democracia.

Os trabalhos de Cuaresma e Oberdabernig (2014) sugerem, ainda, com base na hipótese de Lipset, que o desenvolvimento econômico é uma precondição à democratização, mas apenas como um início da transição, e se estiver acompanhada de melhoras na educação. Hegre et al. (2002) também investigaram os efeitos da educação sobre a democracia. As variáveis que serviram de proxy para o capital humano foram robustas e apresentaram sinal positivo sobre a probabilidade de democratização.

O próximo passo foi investigar o efeito não linear do desenvolvimento econômico sobre o nível de democracia.

Ao se testar a não linearidade no modelo, através da inclusão do PIB per capita ao quadrado, nota-se que a hipótese da não linearidade é verificada apenas para o grupo de países com nível de democracia de, no máximo, 3. Neste caso, em países relativamente pobres, um crescimento inicial do PIB per capita aumenta a probabilidade de que ele esteja no nível de democracia 3 ou menor. Porém, quando o PIB per capita superou U$ 804,00 (Modelo 1), U$ 1.571,00 (Modelo 2), U$ 1.465,00 (Modelo 3), U$1.450,00 (Modelo 4) e U$ 1.118,00 (Modelo 5), houve um favorecimento à democracia. Constate-se que o valor do parâmetro cresce, mas depois decresce, à medida que o controle pelo capital humano estiver associado com maiores níveis de escolaridade.

Devem-se observar o Modelo 1 da Tabela 1 e o Modelo 1 da Tabela 2. Enquanto se controla apenas pelo PIB per capita, o primeiro caso dá indícios da validade da hipótese de Lipset (1959) para qualquer nível de democracia em que o país se encontre. No segundo, por sua vez, a não linearidade, defendida por Mainwaring e Pérez-Liñán (2003, 2007), só se verifica quando se consideram países com nível intermediário de democracia. Portanto, os resultados parecem sensíveis à especificação do modelo, bem como ao nível democrático atual das nações.

Nos Modelos 2, 3 e 4 da Tabela 2, o parâmetro que remete à educação é negativo e significativo para o menor nível de democracia (N1). Esse aspecto não nos permite assegurar que a educação sempre aumenta a probabilidade de que determinado país esteja em um nível democrático mais elevado. Entretanto, esta afirmação torna-se verdadeira, se considerarmos um grupo de nações cujo indicador de democracia foi, no máximo, igual a 3.

O aumento do PIB per capita ou do nível educacional em um país relativamente democrático (nível 4) não aumenta a probabilidade de que ele esteja em níveis maiores. Uma possível explicação pode ser o estoque de conhecimento da população, pois ela já passou por uma trajetória nos ciclos fundamental e médio.

O que há de comum em todos os modelos da Tabela 3 é que, se levarmos em conta os países com nível de democracia até 3, a não linearidade, tal como analisada por Mainwaring e Pérez-Liñán (2007), parece fazer sentido. Ou seja, países pouco democráticos que experimentam expansão no nível do PIB per capita não necessariamente aumentam as chances de estarem em níveis maiores de democracia. Porém, quando diante de aumento do PIB, aqueles com nível intermediário de democracia crescem as chances de serem classificados em níveis mais elevados de democracia.

Tabela 3
Determinantes do nível de democracia e o efeito não linear

Tudo isso indica que a validade ou não da hipótese de Lipset (1959) está condicionada não apenas à amostra de países, mas também ao critério utilizado para classificá-los como democráticos ou não democráticos. Os trabalhos anteriores que comprovaram esta hipótese através de um modelo cuja variável dependente é binária chegaram a tais conclusões exatamente por conta do critério adotado para se definir quais nações seriam democráticas ou não. O mesmo acontece em relação à não linearidade apontada por Mainwaring e Pérez-Liñán (2007). Em suma, este trabalho sugere que não se pode sustentar a hipótese de Lipset (1959) para o caso de países com níveis muito baixos de democracia, mas talvez o seja para um conjunto de nações com níveis intermediários.

V. Considerações finais

Vários trabalhos sugerem que o desenvolvimento econômico é um dos principais determinantes da democracia. Esta ideia, que ficou conhecida como a hipótese de Lipset, foi alvo de várias investigações empíricas. Contudo, muitos estudos não levam em conta as especificidades regionais. Ignorar tais particularidades acaba por obscurecer o fato de que as regiões apresentam dinâmicas particulares e processos políticos específicos.

Desconsiderar a questão regional não é a única lacuna que alguns estudos sobre o tema apresentam. Em muitos casos, a proxy utilizada para classificar uma nação como “democrática” representa outra limitação empírica. Isso acontece porque a grande maioria dos estudos considera apenas duas possibilidades: ou determinada nação é “democrática”, ou é “não democrática”. Tal abordagem restringe sobremaneira os vários níveis de democracia que possam existir entre as nações.

Por fim, não raros são os trabalhos que levam em conta horizontes temporais relativamente curtos - entre 50 e 60 anos. Ora, as variáveis institucionais - e a democracia se inclui nesta categoria - mudam apenas lentamente, de tal modo que é imperativo um estudo temporal relativamente longo.

Visando por contribuir com a literatura, este trabalho tenta preencher algumas lacunas. Para tanto, o estudo empírico concentra-se nos países da América Latina; utilizam-se dados num horizonte temporal relativamente longo - 1870 até 2010; e realiza-se uma estimação baseada no logit ordenado, o qual permite considerar a variável dependente (democracia) em vários níveis.

Os resultados mostram que, quando a especificação do modelo é apenas linear, a hipótese de Lipset parece se ajustar bem aos dados dos países Latino-Americanos. Ademais, tal como Cuaresma e Oberdabernig (2014), os resultados apontam que o capital humano, medido especialmente pela educação superior, tem efeitos positivos e significativos sobre o nível de democracia de um país.

No entanto, quando a especificação do modelo leva em conta a não linearidade proposta por Mainwaring e Pérez-Liñán (2007), os resultados mudam. Quando se consideram apenas os países com nível intermediário de democracia (até o nível 3), a não linearidade, tal como analisada pelos autores sobreditos, parece fazer sentido, ou seja, países pouco democráticos que experimentam expansão no nível do PIB per capita não necessariamente aumentam as chances de estarem em níveis maiores de democracia. Porém, quando diante de aumento do PIB, aqueles com nível intermediário de democracia veem crescer as chances de serem classificados em níveis mais elevados.

Desse modo, a validade ou não da hipótese de Lipset está condicionada não apenas à amostra de países, mas também ao critério utilizado para que possamos classificá-los como democráticos ou não democráticos.

  • 1
    Agradecemos aos comentários e sugestões dos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política.
  • 2
    Freedom House e Polity IV, por exemplo.
  • 3
    Vale destacar que Bresser-Pereira (2008) distingue o desenvolvimento econômico de um país como o processo de acumulação de capital e incorporação de progresso técnico ao trabalho e ao capital que leva ao aumento da produtividade, dos salários, e do padrão médio de vida da população. Esse decorre tanto da acumulação de capital físico quanto humano. Nesse sentido, o desenvolvimento econômico visa atender diretamente um objetivo político fundamental das sociedades modernas - o bem estar. Por outro lado, o crescimento econômico pode ser definido como simples aumento da renda per capita. No entanto, pode haver crescimento da renda per capita sem desenvolvimento econômico.
  • A produção desse manuscrito foi viabilizada através do patrocínio fornecido pelo Centro Universitário Internacional Uninter à Revista de Sociologia e Política.

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Outras fontes

Anexos

Tabela 1A
Determinantes do nível de democracia - Painel com efeitos fixos
Tabela 2A
Indicador do Polity IV para os países da América Latina

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2018
  • Revisado
    27 Ago 2019
  • Aceito
    24 Set 2019
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