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Internacionalização e construção do ideário neoliberal no Brasil: os casos do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e Instituto de Estudos Empresariais do Rio Grande do Sul

Internationalization and construction of neoliberal ideal in Brazil: the cases of Instituto Liberal of Rio de Janeiro and Instituto de Estudos Empresariais of Rio Grande do Sul

RESUMEN

Introdução:

Analisamos o uso de dois institutos liberais brasileiros (o Instituto Liberal do Rio de Janeiro e o Instituto de Estudos Empresariais do Rio Grande do Sul) como aparelhos privados de hegemonia. A partir da Teoria Crítica Neogramsciana, demonstramos a hegemonia dos Estados Unidos na criação de consenso a partir de estratégias de internacionalização de interesses, práticas e valores de uma classe econômica dominante. Para isso, são utilizados institutos “parceiros” como a estadunidense Atlas Network no Brasil.

Materiais e Métodos:

Examinamos as estruturas, o funcionamento e as práticas destes dois Institutos brasileiros, bem como a trajetória de seus quadros dirigentes e as suas conexões internacionais com os EUA. Para isso, criamos uma base de dados própria para cada Instituto e eles foram analisados a partir de documentos primários e secundários.

Resultados:

Encontramos uma relação de simbiose entre o Instituto Liberal do Rio de Janeiro e o Instituto de Estudos Empresariais do Rio Grande do Sul, de um lado, e o Atlas Network, de outro, na divulgação e naturalização do ideário neoliberal.

Discussão:

Mais do que apresentar o estreito laço entre duas camadas dominantes nos EUA e Brasil e seus esforços na promoção de uma agenda neoliberal, este artigo nos incita a refletir sobre práticas e conceitos relativamente esquecidos (ou marginalizados) na Ciência Política e nas Relações Internacionais, como “imperialismo”, “hegemonia” e o papel da “ideologia” na manutenção da estrutura econômica dominante. Além disso, nos faz também questionar o papel predominante que o “Estado”, enquanto entidade única e detentora do “interesse nacional”, recebe nessas mesmas áreas de conhecimento. Mais especificamente, permite retomar abordagens teóricas fundamentais para entendermos o papel das classes dominantes na criação de consensos para países e classes subalternas com o objetivo de manutenção das estruturas hegemônicas.

Palavras-chave
neoliberalismo; Instituto Liberal; Instituto de Estudos Empresariais; Atlas Network; Estados Unidos

ABSTRACT

Introduction:

We analyze two Brazilian liberal institutes (“Instituto Liberal do Rio de Janeiro” and “Instituto de Estudos Empresariais do Rio Grande do Sul”) as private devices of hegemony. Through Neo-Gramscinian Critical Theory, we show the hegemony of United States on consensus creation through strategies of internationalization of interests, actions, and values by a dominant economic class. For this purpose, “partners” institutes have been used, like the American “Atlas Network” in Brazil.

Materials and Methods:

We examine the structures, operations, and practices of these two Brazilian institutes, as well as the trajectory of its executive boards, and its international connections with the USA. For this intent, we created a database for each institute, and they were analyzed from primary and secondary documents.

Results:

We found a symbiotic relationship between the “Instituto Liberal do Rio de Janeiro” and the “Instituto de Estudos Empresariais do Rio Grande do Sul” from one point, and the Atlas Network, on the other, by spreading and naturalizing the neoliberal ideal.

Discussion:

Aside from presenting the ties that unites both dominant classes in USA and Brazil, and its efforts on promoting the neoliberal agenda, this study incites us to reflect on practices and concepts almost forgotten (or marginalized) in Political Science and International Relations, such as “imperialism”, “hegemony”, and the role of “ideology” that maintains the dominant economic structure. Furthermore, this study makes us question the predominant role that the “state”, as an unique entity and owner of a “national interest”, is presented on these same fields of study. More specifically, it allows us to recapture fundamental theoretical approaches to understand the roles of the dominant classes on creating consensus to subaltern countries and classes aiming to maintain the hegemonic structures.

Keywords
neoliberalism; Instituto Liberal; Instituto de Estudos Empresariais; Atlas Network; United States

I. Introducción

Recentemente, alguns estudos vêm retomando a dimensão da ideologia para manutenção da estrutura capitalista atual e, portanto, de controle de uma determinada classe econômica dominante em relação a uma subalterna (Piketty, 2020Piketty, T. (2020) Capital and ideology. Cambridge: Harvard University Press.; Alperovitz, 2010Alperovitz, G. & Daly, L. (2010) Apropriação indébita: como os ricos estão tomando a nossa herança comum. São Paulo: Senac.). Assim como é muito difícil (senão impossível) tratar da história da América Latina sem levar em conta o papel dos Estados Unidos na região, da mesma forma é bastante limitado um estudo acerca do (sub)desenvolvimento latino-americano que não leve em consideração a dimensão da ideologia na propagação e na manutenção do modelo neoliberal hegemônico. Nesse sentido, o estudo aqui apresentado está ancorado na Teoria Crítica Neogramsciana, mas incorporando uma dimensão sociológica própria de Pierre Bourdieu.

Assim, de forma a compreender o papel dos Estados Unidos (EUA) enquanto poder hegemônico, utiliza-se, nesta pesquisa, a concepção de hegemonia desenvolvida por Antonio Gramsci entendendo-a como um conjunto de funções de domínio e direção exercidas por uma determinada classe social dominante sobre o restante da sociedade utilizando-se de uma “combinação da força e do consenso que se equilibram de modo variado” (Gramsci, 2007Gramsci, A. (2007) Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 73). A estratégia dos EUA consistiria, desse modo, em fazer prevalecer a internacionalização e a naturalização de ideologias e valores que se assentam em seus interesses nacionais ou, de forma mais específica, da classe econômica dominante. Apoiados em uma espécie de saber técnico (Cox, 1981Cox, R. (1981) Social forces, states and world orders: beyond international relations theory. Millenium, 10(2), pp. 126-155. doi
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) no qual as relações passam a serem definidas em termos de centro versus periferia - estando esta última destinada à mera reprodução dos saberes e conhecimentos desenvolvidos pelo centro; e levando em consideração que “toda teoria é sempre para alguém e para algum propósito” (Cox, 1981Cox, R. (1981) Social forces, states and world orders: beyond international relations theory. Millenium, 10(2), pp. 126-155. doi
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, p. 87)1 1 Tradução nossa. , compreende-se que as ideologias desenvolvidas por este centro estariam ancoradas em uma posição de domínio, dada uma diferença em termos de riquezas materiais e produção teórica desenvolvida2 2 Para a primazia dos EUA no âmbito teórico do campo das Relações Internacionais, ver TRIP (https://trip.wm.edu). .

Como consequência, há a conformação de uma espécie de neutralização do conceito histórico no qual corresponderia à circulação internacional de textos e do esquecimento correlato das condições em que eles teriam sido originados (Bourdieu & Wacquant, 2002Bourdieu, P. & Wacquant, L. (2002) Sobre as Artimanhas da razão imperialista. Estudos Afro-Asiáticos, 24(1), pp. 15-33. doi
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). Dada uma lógica de constante disputa entre as frações de classe, tais trocas podem ser entendidas como uma forma de aliança entre aqueles grupos interessados em fazer fortalecer as suas posições dominantes em seus espaços sociais domésticos. Com isso, a circulação de textos e teorias advindas dos EUA em relação à periferia, contribuem na luta para a dominação em matéria cultural, assim como para a imposição do princípio de dominação dominante ou, como Bourdieu destaca, “para a imposição de uma definição específica do exercício legítimo da atividade intelectual” (Bourdieu, 2002Bourdieu, P. (2002) As condições sociais da circulação internacional das ideias. Enfoques, 1(1), pp. 4-17., p. 11). Dentro deste quadro, a internacionalização e naturalização do neoliberalismo3 3 Neoliberalismo é entendido aqui como uma reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de bem-estar (Anderson, 1995). (entendido como um sistema não apenas econômico, mas também político e cultural) se apresentaria como uma importante dimensão da estratégia dos Estados Unidos de fazer prevalecer seu domínio e direção no âmbito internacional, uma vez que se entende que as ideologias servem a certos interesses particulares, ainda que se apresentem como universais. Nesse sentido, se faz importante também mencionar que o conceito de ideologia aqui empregado se assemelha àquele definido por Luc Boltanski & Ève Chiapello (2018)Boltanski, L. & Chiapello, E. (2018) The new spirit of capitalism. Londres: Verso.: um conjunto de valores compartilhados “inscribed in institutions, bound up with actions and hence anchored in reality” (Boltanski & Chiapello, 2018, p. 110). Esse conjunto de valores compartilhados e associados com o capitalismo pode ser caracterizado como o “novo espírito do capitalismo” (conceito que dá título ao livro) no sentido de sustentar, legitimar e propagar uma ideologia dominante que se apresenta como inevitável e universal e, portanto, reproduzida também pela classe subalterna.

De forma a fazer propagar o ideário neoliberal pelo globo, tem-se observado um desenvolvimento cada vez mais acentuado de centros de think tanks como aparelhos privados de hegemonia (Gramsci, 2007Gramsci, A. (2007) Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.). Dentro desses, destaca-se o estadunidense Atlas Network, organização comandada por Alejandro Chafuen (argentino radicado nos EUA) que se apresenta como instituição sem fins lucrativos e conectada a uma rede de mais de 510 organizações que pregam o livre mercado em 99 países (Atlas, 2019aAtlas Network (2019a) Website. Disponível em: <https://www.atlasnetwork.org/>. Acesso em: 12 de jan. 2019.
https://www.atlasnetwork.org/...
). Tal aparelho encontra-se atuante na América Latina, utilizando estratégias que visam fortalecer políticas e governos neoliberais na região. Atualmente, a Atlas conta com 95 parceiros na América Latina e o primeiro centro regional: o Atlas Network’s Center for Latin America, criado no fim de 2018 (Atlas, 2019bAtlas Network (2019b) Center for Latin America. Disponível em: <https://www.atlasnetwork.org/center-for-latin-america>. Acesso em: 20 de jan. 2019.
https://www.atlasnetwork.org/center-for-...
).

Como recorte espacial dessa pesquisa, optou-se por estudar exclusivamente os institutos liberais parceiros da Atlas no Brasil surgidos na década de 1980, em especial o Instituto Liberal do Rio de Janeiro (IL-RJ) e o Instituto de Estudos Empresariais do Rio Grande do Sul (IEE)4 4 “Liberal” aqui utilizado remete-se ao entendimento no Brasil enquanto concepção clássica do Liberalismo econômico e, mais contemporaneamente, do Neoliberalismo. Assim, difere-se do termo “liberal” usado nos EUA, sinônimo de políticas progressistas. dado o papel desempenhado por estes na conjuntura de redemocratização nacional e dada a importância desses na emergência de outros institutos liberais. Desse modo, objetiva-se neste trabalho analisar a atuação do Instituto Liberal - RJ e do Instituto de Estudos Empresariais - RS e a forma como eles se organizam e se articulam a partir da relação desses com a Atlas. Para tanto, este trabalho busca compreender estruturas, funcionamentos e práticas destes institutos, bem como a trajetória de seus membros. Nesse sentido, alguns dos indicadores e categorias utilizadas para analisar a trajetória de seus membros referem-se à formação acadêmica, atuação profissional, instituições nacionais e internacionais que frequentaram, gênero e, por fim, vínculos com o movimento liberal. Para a síntese desses dados, optou-se por criar uma base de dados própria em relação a cada instituto e categoria analisada nesta pesquisa, fazendo uso de documentos disponíveis nos websites dos institutos, da Atlas Network, de bibliografia especializada e de biografia fornecida por seus membros. No âmbito da trajetória desses quadros, em específico, utilizamos também informações apresentadas em redes como Linkedin e websites como Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC/FGV) e Escavador.

Entende-se que os Estados Unidos buscam, através da Atlas Network, exercer práticas de domínio e direção no Brasil por meio da conformação de institutos liberais condizentes com os interesses e objetivos da sua classe econômica dominante, promovendo políticas econômicas que sejam favoráveis a essa mesma classe. Ademais, a Atlas pode ser vista como o resultado de práticas de exportação de normas e valores por parte dessa mesma classe dirigente cada vez mais transnacional e que tem seus interesses representados pelos EUA na sua forma neoliberal. Como a condição de grande potência está relacionada com a “possibilidade de imprimir a atividade estatal uma direção autônoma, que influa e repercuta sobre os outros Estados” (Gramsci, 2007Gramsci, A. (2007) Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 55), cria-se um sistema de alianças com outros países e grupos de forma a estender os seus interesses e objetivos para além de suas fronteiras. Incluso neste jogo de forças, transportam-se visões de mundo do polo dominante para os dominados apresentadas enquanto universais, contribuindo para a manutenção de relações desiguais e de dependência. Como observa Stephen Gill (2018, p.14), “central para a manutenção da hegemonia é um sistema de regras baseado mais em aspectos consensuais do poder do que na coerção direta”.

Nesse sentido, uma hegemonia a nível internacional tratar-se-ia de uma expansão natural daquela hegemonia que teria sido conformada como dominante no âmbito interno do próprio Estado. De acordo com Robert Cox (1993Cox, R. (1993) Gramsci, hegemony and international relations: an essay in method. In: S. Gill, (ed) Gramsci, historical materialism and international relations. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 49-66. doi
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, p. 61), “as instituições econômicas e sociais, a cultura, a tecnologia associada a essa hegemonia nacional tornam-se padrões de emulação no exterior”. Assim, a estratégia dos EUA, enquanto poder hegemônico, consiste em fazer prevalecer no âmbito internacional a naturalização de ideologias e valores que representem os seus interesses e, de igual forma, os da classe dirigente que o mesmo representa. Como observa Brzezinski (1998)Brzezinski, Z. (1998) El gran tablero mundial. La supremacía estadounidense y sus imperativos geoestratégicos. Barcelona: Paidós.:

Na medida em que a imitação dos modos de atuar estadunidenses se vão estendendo no mundo, se criam umas condições mais apropriadas para o exercício da hegemonia indireta e aparentemente consensual dos Estados Unidos (Brzezinski, 1998, p. 36).

Nesse sentido, é importante destacar que, ainda que tratemos ao longo do texto de estados, o fazemos no entendimento mais amplo dos mesmos como um arranjo que inclui, mas não se limita, a classe dirigente e política. Ainda assim, nosso foco está nessa classe dirigente que se utiliza do “estado” e do “interesse nacional” para a manutenção de seus privilégios e promoção de seus interesses privados. Assim, quando falamos da hegemonia estadunidense, nos referimos a hegemonia de uma classe dominante e dirigente nesse país que atua em nome do estado. As estratégias para manutenção hegemônica estadunidense, desse modo, devem ser lidas como estratégias de uma classe dominante estadunidense que extrapola a dimensão doméstica e atua, também, no âmbito internacional na promoção de uma ordem mundial favorável aos seus interesses.

Por fim, não buscamos aqui minimizar o papel da classe dominante brasileira - pelo contrário. Entendemos que ambas - brasileira e estadunidense - compartilham de interesses e de estratégias para persuadir o restante da sociedade a internalizar ideias e valores que mantêm os privilégios dessa mesma classe. Essa estratégia só é efetiva, ao fim, porque conta com o apoio das classes dominantes nos outros países, sobretudo na América Latina5 5 Sobre o papel das classes dominantes latino-americanas atuando em conjunto com a estadunidense, duas obras recentes são emblemáticas: Prashad, 2020 e Schoultz, 2018. . Nesse sentido, uma das estratégias mais importantes na criação e manutenção do consenso são os intelectuais (no sentido amplo gramsciano) que, através do uso de instituições como aparelhos privados de hegemonia, incorporam a função de propagar e naturalizar um determinado ideário - caso do neoliberalismo. Por ser internalizada e naturalizada pela sociedade, inclusive pela classe subalterna, essas ideias não são vistas pelo seu potencial destrutivo - é aí que reside a violência simbólica. Já que é legítima, não é vista como violência. Para Terry Eagleton (1996Eagleton, T. (1996) A Ideologia e suas vicissitudes no marxismo ocidental. In: Slavoj Zizek (org) Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto., p. 224), “A violência simbólica é, pois, a maneira de Bourdieu repensar e elaborar o conceito gramsciano de hegemonia”.

Além da introdução, o artigo está estruturado da seguinte forma. A seção II contempla uma análise mais teórica voltada a elucidar categorias como neoliberalismo, aparelhos privados de hegemonia e o papel desempenhado pela Atlas Network. Já na seção III é examinado o contexto do surgimento dos primeiros institutos parceiros da Atlas no Brasil e, posteriormente, nas subseções (III.1 e III.2) são analisados o Instituto Liberal do Rio de Janeiro e o Instituto de Estudos Empresariais desde suas formas de atuação até o perfil de seus quadros de membros. Por fim, na seção IV, elencamos algumas das considerações finais.

II. Neoliberalismo, aparelhos privados de hegemonia e Atlas Network

Compartilhamos com Christian Laval & Pierre Dardot (2016)Laval, C. & Dardot, P. (2016) A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo. o entendimento de que o neoliberalismo transformou o capitalismo ao extrapolar a política econômica e adentrar nas relações sociais, anulando o princípio do comum e fortalecendo noções individualistas. A racionalidade neoliberal estrutura não só as ações de uma classe dominante, mas também da classe dominada - basta pensar nos relacionamentos sociais cada vez mais competitivos que estimula os indivíduos a pensar e atuar como uma empresa. Nesse sentido, o neoliberalismo pode ser visto como a “razão do capitalismo contemporâneo” (Laval & Pierre, 2016, p. 17) ao regrar comportamentos sociais a partir da lógica do mercado. Essa razão neoliberal, ainda que reproduzida em todas as esferas sociais, tem como principal propulsor atores econômicos dominantes, ou bloco oligárquico (Laval & Dardot, 2016, p. 8), que se apoiam mutuamente no âmbito doméstico e internacional no estabelecimento e na condução de estratégias para naturalizar e universalizá-la.

Para Gramsci (1989)Gramsci, A. (1989) Intelectuais e a organização da cultura. São Paulo: Civilização Brasileira., “cada grupo social cria para si ao mesmo tempo e de modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político” (Gramsci, 1989, p. 3). Dessa forma, a ideologia neoliberal cumpre com a função de criar uma homogeneização dos interesses da classe dominante em torno de um projeto hegemônico permitindo que se organize uma sociedade em torno de seus interesses particulares travestidos de interesse público. Utiliza-se, para tanto, de um discurso que privilegia uma série de premissas pró-empresariado e que busca se utilizar de um conjunto de palavras e simbolismos que separam a questão econômica, a ação das consequências, e que adotam uma aparência de inevitabilidade. Para Bourdieu (1998)Bourdieu, P. (1998) Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Zahar.:

“Ouve-se dizer por toda a parte, o dia inteiro” - aí reside a força desse discurso dominante - que não há nada a opor à visão neoliberal, que ela consegue se apresentar como evidente, como desprovida de qualquer alternativa. Se ela comporta essa espécie de banalidade, é porque há todo um trabalho de doutrinação simbólica do qual participam passivamente os jornalistas as ou os simples cidadãos e, sobretudo, ativamente, um certo número de intelectuais (Bourdieu, 1998, p. 27).

Para Gill (2005), este quadro caracteriza-se pelo esforço de se estabelecer uma forma neoliberal disciplinar de globalização envolvendo, para tanto, a globalização dos princípios constitucionais anglo-americanos e os mecanismos neoliberais de acumulação e disciplina econômica. De acordo com ele, “ao longo dos últimos vinte e cinco anos, as forças políticas e as instituições da direita foram consideravelmente fortalecidas, abrindo caminho para um neoliberalismo cada vez mais disciplinador e punitivo”. Argumentando ainda que “a atual era da globalização econômica é dominada pelos esforços dos EUA para ampliar o império da sociedade civil e assegurar o mercado mundial para o domínio do capital” (Gill, 2005Gill, S. (2005) The contradictions of US supremacy. In L. Panitch & L. Colin (eds) The empire reloaded. London: Merlin, pp. 23-45., p. 24 e 29).

Contudo, a condição de domínio que se origina a partir da atuação dos Estados Unidos e do discurso neoliberal não se trata de um efeito direto (coercitivo) das ações empreendidas por um conjunto de grupos e agentes (classe dominante) que o mesmo representa. Tal condição trata-se de efeito indireto originado por um conjunto complexo de ações, dos quais temos como exemplo a criação de centros de think tanks6 6 Para Tom Medvetz, “tornar-se um think tank é elevar-se acima da mera política baseada em interesses e reivindicar os dividendos simbólicos que advêm da filiação entre os produtores de conhecimento especializado” (Medvetz, 2008, p. 3). neoliberais. Por sua vez, muitos desses objetivam a disseminação do neoliberalismo e de seus princípios no âmbito externo aos EUA apresentando-se como instituições independentes e apartidárias. Apesar do uso desse “véu da neutralidade”, esses institutos operam como aparelhos privados de hegemonia. Por meio deste artefato, a classe dirigente desenvolve uma série de atividades, tanto práticas quanto teóricas, que contribuem na forma de justificativas para a sua condição de domínio. Nesse sentido, o think tank estadunidense guarda-chuva, Atlas Network, desempenha papel fundamental.

A Atlas se insere dentro de um engenhoso processo histórico de contrarrevolução intelectual iniciado na primeira metade do século XX na Inglaterra e nos Estados Unidos. Por meio deste movimento de cunho político e intelectual, liderado por indivíduos como Friederich Hayek, Ludwing Von Mises e Milton Friedman, visava-se articular através da disseminação de textos e de criação de institutos liberais um projeto que se opusesse ao Keynesianismo (Gros, 2003Gros, D. (2003) Institutos liberais e neoliberalismo no Brasil da Nova República. Tese de Doutorado. Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heureser.). Na década de 1980, com a chegada de Margareth Thatcher no Reino Unido e de Ronald Reagan nos Estados Unidos, o contexto internacional tornou-se favorável para que o discurso e as políticas neoliberais fossem internacionalizados7 7 Vale lembrar que a primeira tentativa de internacionalização (ou de importação) desse ideário ocorreu na América Latina antes da ascensão dessas lideranças. O Chile, sob a ditadura de Pinochet, foi o pioneiro do ciclo neoliberal da história contemporânea. ao redor do globo. Assim, em 1981, o britânico Antony Fisher, sob influência de Friedman e Hayek, cria em Washington a Atlas Economic Research Foundation (atual Atlas Network). A partir de então, a Atlas articularia a criação e manutenção de uma série de think tanks neoliberais espalhados pelo globo contemplando todos os continentes. Para Fischer & Plehwe (2013)Fischer, K. & Plehwe, D. (2013) Redes de think tanks e intelectuales de derecha en América Latina. Nueva Sociedad, 245, pp. 70-86., “com o passar do tempo, a Atlas tem passado a funcionar como um nó central de transmissão de fundos, pessoas e outros recursos que demanda o fluxo transnacional de ideias e políticas neoliberais” (Fischer & Plehwe, 2013. p. 77).

Objetivando “fortalecer uma rede global de organizações independentes da sociedade civil, que promovam a liberdade individual e removem as barreiras ao florescimento humano” (Atlas, 2019aAtlas Network (2019a) Website. Disponível em: <https://www.atlasnetwork.org/>. Acesso em: 12 de jan. 2019.
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), a Atlas tem mantido esforços na criação e manutenção de institutos parceiros dentro e fora dos Estados Unidos. Para isso, dá apoio financeiro e logístico a esses institutos, promove colóquios e eventos voltados a aproximar indivíduos que compartilhem de suas causas e ideias e treina indivíduos para maior aprofundamento do ideário neoliberal, assim como técnicas de persuasão em favor do livre-mercado.

Apesar de se apresentar como independente, a Atlas recebe financiamento do Departamento de Estado estadunidense a partir da Agência de Desenvolvimento Americana (USAID) e do National Endowment for Democracy (NED) (Atlas, 2019aAtlas Network (2019a) Website. Disponível em: <https://www.atlasnetwork.org/>. Acesso em: 12 de jan. 2019.
https://www.atlasnetwork.org/...
; Fang, 2017Fang, L. (2017) Esferas de influência: como os libertários americanos estão reinventando a política latino-americana. The Intercept. Rio de Janeiro. Disponível em: <https://theintercept.com/2017/08/11/esfera-de-influencia-como-os-libertarios-americanos-estao-reinventando-a-politica-latino-americana/>. Acesso em: 12 de jan. 2018.
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; Fischer, 2018Fischer, K. (2018) A rede atlas: espalhando think tanks de livre mercado pelo mundo. Diálogo Global, 8(2), pp. 10-12.). Nesse sentido, é importante mencionar que a fundação do NED foi acompanhada do surgimento de outras organizações como Center for International Private Enterprise, CIPE; Democratic Institute for International Affairs, NDI; International Republican Institute, IRI; e American Center for International Labor Solidarity. Essas instituições contribuíram para o estabelecimento de um consenso em favor de reformas políticas e econômicas ancoradas nos interesses estratégicos dos Estados Unidos, em especial na América Latina. Assim, “o NED serviria como a organização guarda-chuva através da qual esses quatro grupos e um número crescente de outros grupos do setor privado receberiam financiamento para realizar programas no exterior” (NED, 2019National Endowment for Democracy (2019) History. Disponível em: <https://www.ned.org/about/history/>. Acesso em: 15 de jul. 2019.
https://www.ned.org/about/history/...
). Vale mencionar que a economista membro da Atlas, Judy Shelton, fez parte da administração Donald Trump como presidente do NED. Além disso, Antony Fisher em 1982 já enviava pedidos de recursos ao então presidente Ronald Reagan quando da fundação da Atlas.

Grandes empresários e empresas como os irmãos Koch, Exxon Mobil, MasterCard e Philip Morris também são financiadores. Outros gigantes como Pfizer, Procter e Gamble e Shell financiaram sua viabilização quando da sua criação (Fang, 2017Fang, L. (2017) Esferas de influência: como os libertários americanos estão reinventando a política latino-americana. The Intercept. Rio de Janeiro. Disponível em: <https://theintercept.com/2017/08/11/esfera-de-influencia-como-os-libertarios-americanos-estao-reinventando-a-politica-latino-americana/>. Acesso em: 12 de jan. 2018.
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). De acordo com Aharonian & Rangel (2018), em uma de suas palestras, o presidente da Atlas, Chafuen, explicou a falta de publicidade quanto aos recursos advindos de grandes empresas por uma questão de credibilidade. Assim,

A Pfizer não pode patrocinar pesquisas sobre temas de saúde, nem a Exxon pode pagar sobre temas meio ambientais, mas os think tanks libertários de ultradireita, como os da Rede Atlas, não só podem apresentar essas pesquisas com mais credibilidade como fazê-lo de forma a obter cobertura dos meios de comunicação (Chafuen apud Aharonian & Rangel, 2018Aharonian, A. & Rangel, A. (2018) Rede Atlas: a força-tarefa dos “libertários de ultradireita” por trás da ofensiva capitalista na América Latina. Carta Maior. Disponível em: <https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Antifascismo/Rede-Atlas-a-forca-tarefa-dos-libertarios-de-ultradireita-por-tras-da-ofensiva-capitalista-na-America-Latina/47/41429>. Acesso em: 22 de jun. 2019.
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria...
, n.p).

Com a chegada do argentino radicado nos Estados Unidos, Alejandro Antonio Chafuen, à presidência da Atlas em 1991, esse instituto “mãe” passa a desenvolver maiores atividades voltadas à América Latina. Atualmente, são 95 os parceiros latino-americanos, além do primeiro instituto regional da Atlas. Dirigido por Roberto Salinas León8 8 Dirige o Fórum Empresarial do México e a Aliança Alamos, além de atuar como Assessor Sênior de Políticas para a TV Azteca e o Grupo Salinas, no México. , o Center for Latin America busca desenvolver na região um trabalho em conjunto com aquelas organizações da sociedade civil ancorado nos princípios da Atlas. Assim, prega que os indivíduos usem seus talentos “para responder às necessidades de seus concidadãos, conforme revelado pela ordem de mercado, em vez de perseguir privilégios concedidos por uma classe política que é frequentemente marcada por favoritismo e corrupção” (Atlas, 2019bAtlas Network (2019b) Center for Latin America. Disponível em: <https://www.atlasnetwork.org/center-for-latin-america>. Acesso em: 20 de jan. 2019.
https://www.atlasnetwork.org/center-for-...
).

De fato, a Atlas vem atuando de forma ampla e articulada com indivíduos e institutos neoliberais na região latino-americana a partir de uma estratégia baseada tanto na destinação de recursos financeiros, quanto por meio de suporte necessário para que estes institutos promovam ações em seus países aos moldes do que é difundido pela Atlas. Prova da centralidade da América Latina para a Atlas está no gasto desta organização na região: US 1.277.859,00 conforme relatório de 2019 da Atlas. É a segunda região que mais recebeu recursos, atrás apenas dos Estados Unidos que recebeu pouco mais (Atlas Network’s Center for Latin America, 2019Atlas Network’s Center for Latin America (2019) Annual report. Disponível em: <https://www.atlasnetwork.org/assets/uploads/misc/CLA-Annual-Report-2019-web.pdf>. Acesso em: 08 de set. 2019.
https://www.atlasnetwork.org/assets/uplo...
).

A Atlas não desempenha um papel inocente. Busca influenciar no próprio curso das mudanças políticas na América Latina em nome do ideário neoliberal. No Brasil, por exemplo, há que se considerar a relação do Movimento Brasil Livre com a Atlas e o papel desempenhado pelo grupo no impeachment da então presidenta Dilma Rousseff. Na Argentina, a Organização Pensar, atrelada à Atlas, também desempenhou um papel no anti-kirshnerismo, incorporada posteriormente ao partido do presidente Mauricio Macri. Em Honduras, a Fundação Eleutera foi ativa no golpe hondurenho mantendo estreitos laços com a Atlas, de quem recebeu recursos. Por fim, na Venezuela, desde 1998 a Cedice Libertad, ramificação da Atlas em Caracas, recebeu apoio financeiro dessa na campanha por uma mudança de governo (Aharonian & Rangel, 2018Aharonian, A. & Rangel, A. (2018) Rede Atlas: a força-tarefa dos “libertários de ultradireita” por trás da ofensiva capitalista na América Latina. Carta Maior. Disponível em: <https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Antifascismo/Rede-Atlas-a-forca-tarefa-dos-libertarios-de-ultradireita-por-tras-da-ofensiva-capitalista-na-America-Latina/47/41429>. Acesso em: 22 de jun. 2019.
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria...
). Conforme enfatiza Chafuen, ao se referir aos recentes escândalos de corrupção no Brasil, “surgiu uma abertura - uma crise - e uma demanda por mudanças, e nós tínhamos pessoas treinadas para pressionar por certas políticas” (Chafuen, 2017 apud Fang, 2017Fang, L. (2017) Esferas de influência: como os libertários americanos estão reinventando a política latino-americana. The Intercept. Rio de Janeiro. Disponível em: <https://theintercept.com/2017/08/11/esfera-de-influencia-como-os-libertarios-americanos-estao-reinventando-a-politica-latino-americana/>. Acesso em: 12 de jan. 2018.
https://theintercept.com/2017/08/11/esfe...
).

Dentro desse cenário, a Atlas atua enquanto uma organização da sociedade civil que, mesmo não se vinculando diretamente aos objetivos estratégicos do governo dos Estados Unidos, exerce uma espécie de dominação indireta (Gill, 2008Gill, S. (2008) Power and resistance in the new world order. New York: Palgrave Macmillan.) ao difundir aquelas premissas pertencentes à classe dominante do poder hegemônico. Como destaca Faria (2017Faria, A.L. (2017) Os laboratórios de ideias liberais e a batalha ideológica. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade Católica de São Paulo., p. 180), “os laboratórios de ideias ligados à Rede Atlas não são organizações da fundação, e sim organizações parceiras inseridas em uma vasta rede transfronteiriça, na qual a Atlas é o núcleo”. Ademais, ao receber apoio financeiro advindo de organismos privados vinculados ao governo dos Estados Unidos (a exemplo do NED), a Atlas estaria atuando enquanto extensão tácita da política externa estadunidense contribuindo para a promoção de políticas neoliberais e na própria desestabilização daqueles governos que desafiem a hegemonia estadunidense - algo já recorrente na história da América Latina. De fato, o imperialismo informal na América Latina é fortalecido com o fim da Guerra Fria seja a partir de atores firmemente ancorados nos Estados Unidos como o FMI e o Banco Mundial, seja a partir de instituições como a Atlas.

Assim, mesmo que a figura do Estado permaneça enquanto entidade básica das relações internacionais, é importante que possamos entendê-lo em sentido mais amplo, envolvendo não somente o aparelho governamental, mas também as organizações da sociedade civil e seus aparelhos privados de hegemonia. Nesse sentido, a constituição do NED teria se dado de forma que este pudesse substituir as ações militares diretas anteriormente desenvolvidas pela CIA na América Latina. Assim, por intermédio da institucionalização de diferentes organismos, os EUA lograram alcançar uma difusão e naturalização de uma ordem própria de uma classe econômica dominante e ancorada em seus interesses hegemônicos. Para Achin Vanaik (2010)Vanaik, A. (2010) Casus belli: cómo los Estados Unidos venden la guerra. Amsterdam, North Holland: Transnational Institute.,

A expansão política dos Estados Unidos também pretende expandir o neoliberalismo. E expandir o neoliberalismo (como doutrina econômica e orientação em matéria de política) promove e ajuda a estabilizar o projeto de consolidação da hegemonia política estadunidense em todo o mundo mediante o recrutamento de grupos de adeptos que se beneficiam materialmente com tal expansão (Vanaik, 2010, p. 12).

Não é à toa que o crescimento no número de institutos parceiros da Atlas no Brasil converge com a manutenção de um governo relativamente desenvolvimentista, como o governo de Luis Inácio Lula da Silva. De fato, durante o governo Lula (2003-2011) e no discorrer do governo Dilma Rousseff (2011-2016), tem-se o surgimento de novos institutos e organizações liberais como Instituto Millenium (2005), Instituto Ludwing von Mises (2007), Movimento Brasil Livre - MBL (2014), entre outros; que logo se articulariam com seus congêneres fundados nos anos 80 no Brasil e com a Atlas nos Estados Unidos. De acordo com Fischer, os “combatentes da liberdade”, afiliados à Atlas, “tornaram-se os principais organizadores contra o Partido dos Trabalhadores (PT) e a presidência de Dilma Rousseff” (Fischer, 2018Fischer, K. (2018) A rede atlas: espalhando think tanks de livre mercado pelo mundo. Diálogo Global, 8(2), pp. 10-12., p. 09). Como observa Rocha (2018)Rocha, C. (2018) “Menos Marx, mais Mises”: uma gênese da nova direita brasileira (2006-2018). Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo.,

[...] foi apenas a partir da reeleição de Dilma Rousseff em 2014, que a nova direita começou a se materializar de fato a partir do primeiro protesto pró-impeachment, organizado logo após o anúncio da vitória da petista. Logo após o primeiro pico de mobilização atingido pela Campanha Pró-Impeachment, em março de 2015, jovens e militantes até então desconhecidos, oriundos dos contra-públicos digitais, passaram a angariar influência junto a públicos dominantes e nas eleições de 2016 alguns militantes se candidataram a cargos legislativos (Rocha, 2018, p. 112).

Foi relevante o apoio destinado pela rede Atlas para seus associados no Brasil para a destituição do governo de Rousseff. A Atlas auxiliou e apoiou mobilizações contra o governo vigente e contribuiu para a materialização do impeachment em 2016. Para Fischer, “não se tratou de uma mudança espontânea, mas sim do resultado da ação de diversos atores e fatores. Alguns já estavam em campo, enquanto outros surgiram e se consolidaram junto com a própria conjuntura” (Fischer, 2018Fischer, K. (2018) A rede atlas: espalhando think tanks de livre mercado pelo mundo. Diálogo Global, 8(2), pp. 10-12., p. 16). Conforme listado na Figura 1, atualmente a Atlas conta com 14 institutos liberais parceiros no Brasil.

Figura 1
Parceiros da rede Atlas no Brasil

Esses parceiros da Atlas atuam mediante uma série de atividades pedagógicas (ou colonização pedagógica), conforme Arturo Jauretche, (1975)Jauretche, A. (1975) Los profetas del odio y la Yapa: la colonización pedagógica. Buenos Aires: Pena Lillo. incluindo recursos materiais e simbólicos que visam universalizar os interesses da classe dominante na forma de consenso. A exemplo dessas atividades, há a divulgação de livros e textos, organização de eventos e colóquios, e a criação de projetos que vinculam uma ampla rede de organizações internacionais - especialmente aquelas pertencentes aos Estados Unidos. A tradução de livros de autores importantes para a consolidação do neoliberalismo é estratégia frequente desses institutos. Obras de Hayek, Mises e Friedman, por exemplo, foram traduzidas para o português e divulgadas a partir dos institutos liberais brasileiros parceiros da Atlas. Eventualmente são criados panfletos ou obras de coletâneas - caso da série Pensamentos Liberais, organizado e publicado pelo Instituto de Estudos Empresariais. No caso da Atlas, o meio de maior divulgação de trabalho escrito se dá no seu próprio website. Nele, são publicados artigos de notícias, livros, revistas e até mesmo um podcast. Ainda que o conteúdo seja em defesa do livre mercado e da adoção de políticas neoliberais, não raro esses preceitos são apresentados como sinônimo de sociedades livres, liberdade individual, segurança e empoderamento. No caso do IEE, objeto do nosso estudo, seus integrantes e corpo dirigente também publicam artigos em jornais de grande circulação no estado: é o caso do Jornal Zero Hora e do Jornal do Comércio. Neles, são tratadas questões políticas, econômicas e sociais.

Com isso, os institutos liberais objetivam auferir uma maior coesão de suas propostas e atividades de modo a difundir suas agendas neoliberais na sociedade e contribuir para a implementação de reformas políticas e econômicas de livre mercado no país. O neoliberalismo, assim, é apresentado por estes institutos (e pelas frações de uma elite econômica que os compõem) como solução inovadora para os problemas que constrangem e dificultam o desenvolvimento dos países da América Latina, em sincronia com o discurso proferido pelos Estados Unidos e por organizações vinculadas ao mesmo, como a Atlas. Funciona, como nos alerta Bourdieu (1998Bourdieu, P. (1998) Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Zahar., p. 28), enquanto uma espécie de “gota-a-gota simbólico”, na qual a rede Atlas e seus institutos parceiros, contribuem para que os preceitos neoliberais sejam vistos sob a aparência da inevitabilidade. Nesse sentido, aponta-se para a construção de um espaço transnacional de instituições e práticas de elite, as quais são inseparáveis da promoção de um modelo nacional estadunidense (Bigo, 2011Bigo, D. (2011) Pierre Bourdieu and international relations: power of practices, practices of power. International Political Sociology, 5(3), pp. 225-258. doi
doi...
).

Esses institutos têm ampliado e intensificado cada vez mais as suas ações e práticas, fazendo uso dos novos meios de comunicação digital e das redes sociais, como forma de reproduzir o seu discurso contra políticas e governos considerados nocivos ao “mercado” no Brasil. Para Casimiro (2018)Casimiro, F.H. (2018) As classes dominantes e a nova direita no Brasil contemporâneo. In: E. Solano (org) O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo: Boitempo., esse conjunto de aparelhos privados se tornou uma espécie de porta-voz de uma direita “com enorme agressividade, ao lado de posições de uma subordinação impactante a certos padrões ideológicos vigentes nos países centrais, com destaque para os Estados Unidos” (Casimiro, 2018, p. 47). Dentro desses, os pioneiros no Brasil (IEE e IL-RJ) merecem destaque.

III. Institutos liberais no Brasil parceiros da Atlas: IEE e IL-RJ

O Instituto Liberal (1983) e o Instituto de Estudos Empresariais (1984) fizeram parte da primeira onda de institutos liberais construídos no Brasil. Figuras como Hayek e Fisher tiveram papel importante na construção de laços com membros de uma elite empresarial brasileira, como Og Leme, Donald Stewart, Henry Maksoud, Nahum Manela e José Stelle, aconselhando e apoiando-os na criação de institutos liberais. De acordo com Onofre (2018)Onofre, G. (2018) O papel de intelectuais e think tanks na propagação do liberalismo econômico na segunda metade do século XX. Tese de Doutorado. Niterói: Universidade Federal Fluminense., à exceção da Europa, o Brasil foi o país mais visitado por Hayek entre fins da década de 1970 e início de 1980. Realizadas a partir de patrocínios conferidos pela Revista Visão9 9 Nessa revista eram publicados entrevistas e ensaios inéditos de intelectuais como Hayek, Friedman e Murray Rothbard (Fonseca, 1994). , sob a direção de Henry Maksoud10 10 Henry Maksoud, empresário e engenheiro, foi um dos donos da revista Visão, membro do IL-RJ e da Sociedade Mont Pelerin (Casimiro, 2016). , essas viagens permitiram uma maior aproximação entre Hayek, empresários nacionais e o meio acadêmico, aproximando indivíduos de capital e trajetórias convergentes11 11 Como destaca Onofre (2018, p. 268), “o empresário brasileiro [Maksoud] era um grande admirador de Hayek e acabou amigo do famoso economista, quando ingressou na Sociedade Mont Pelerin”. . Para isso, Hayek indicaria como seu principal interlocutor no relacionamento com os empresários e intelectuais brasileiros Antony Fisher que, a partir de sua trajetória a frente da Atlas, se credenciava para essa tarefa. Os primeiros nomes a procurar Fisher foram os de Nahum Manela, empresário do setor de roupas, e José Stelle12 12 Stelle, graduado em Economia nos EUA, foi tradutor e editor de opinião da revista Visão, co-fundador do IL-RJ e coordenador da publicação de obras de Hayek no Brasil (Friderichs, 2019). , que buscavam fundar um instituto em São Paulo (Onofre, 2018).

Fisher, mesmo tendo sucesso na obtenção de recursos para a criação da Atlas, não pode investir dinheiro na criação de um instituto liberal no Brasil. Comprometeu-se, entretanto, em procurar empresários que pudessem contribuir para a construção de um think tank no país. Assim, não há como analisar os institutos liberais atuais no Brasil sem recorrer à Atlas. Da mesma forma, não há como estudar a internacionalização e a importação do modelo neoliberal no Brasil sem levar em conta o papel dos Estados Unidos. Conduzida de dentro da Atlas, a implantação de institutos neoliberais e a condução de uma política neoliberal para o Brasil já estava em curso em Washington (sede da Atlas) antes mesmo de chegar aqui. No início de 1983, Fisher viajou ao Brasil para se reunir com Manella, Og Leme13 13 Og Leme, fundador do IL-RJ, fez doutorado em Economia na Universidade de Chicago sendo aluno de Milton Friedman (Casimiro, 2016). e com grupos de empresários e estudantes. Com apoio de Fisher, a criação de um instituto no Brasil materializou-se a partir da disposição do empresário do ramo de engenharia, Donald Stewart, com a criação do IL-RJ em 1983.

III.1 Instituto Liberal do Rio de Janeiro

A criação do Instituto Liberal marcou o início de um processo de consolidação de uma série de aparelhos privados de hegemonia difusores do neoliberalismo no país. Fundado em 1983 no Rio de Janeiro por Stewart (diretor presidente da Ecisa Engenharia)14 14 Ecisa foi uma das maiores empreiteiras no período da ditadura militar, associada durante esse período à estadunidense Leo A. Daly para construir escolas no Nordeste sob o financiamento da USAID que funcionava como braço da CIA na América Latina (Campos, 2012). , o instituto contou com o auxílio de um grupo de empresários e intelectuais de orientação ideológica liberal que compartilhavam do objetivo de difundir essas premissas entre as elites “formadoras de opinião” no Brasil (Casimiro, 2016Casimiro, F.H. (2016) A nova direita no brasil: aparelhos de ação político-ideológica e a atualização das estratégias de dominação burguesa. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense., p. 238). Dentre essa elite, se destacam Jorge Gerdau Johannpeter (Grupo Gerdau), Jorge Simeira Jacob (Grupo Fenícia), Roberto Konder Bornhausen (Unibanco) e Winston Ling (Olvebra). Incluso nessa lista, aparecem intelectuais orgânicos que contribuíram para a articulação ideológica da instituição como José Luiz Carvalho (Membro da Sociedade Mont Pélerin, Doutor em Economia pela Universidade de Chicago, aluno de Milton Friedman e professor na Escola de Pós-graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas - FGV), Antônio Porto Gonçalves (Mestre e doutor em Economia pela Universidade de Chicago e professor na Escola de Pós-graduação em Economia da FGV) e Og Francisco Leme. Atrelados à Escola de Economia da Universidade de Chicago, podemos perceber o papel dessa instituição estadunidense na direção de promoção e ação ideológica neoliberal que, como argumenta Gramsci, serve para dar “homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político” (Gramsci, 1989, p. 3). De acordo com Stewart (1989),

Em outros países, os institutos de caráter similar ao nosso eram invariavelmente coordenados e dirigidos por professores universitários, economistas, intelectuais e não por empresários. No Brasil foi diferente. Nós achamos que se não havia, nas universidades, quem estivesse disposto a criar um instituto, nós, empresários, deveríamos fazê-lo (Stewart, 1989 apud Gros, 2003Gros, D. (2003) Institutos liberais e neoliberalismo no Brasil da Nova República. Tese de Doutorado. Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heureser., pp. 144-145).

Inicialmente, a atuação do Instituto Liberal concentrou-se em três eixos específicos de ação: pesquisa, produção e divulgação de ideias liberais. Para o IL, a literatura sobre o liberalismo era escassa no Brasil, por isso havia a necessidade de uma organização ocupar-se da produção e da circulação dessas ideias (IL-RJ, 2019Instituto Liberal do Rio de Janeiro (2019) Website. Disponível em: <https://www.institutoliberal.org.br/>. Acesso em: 02 de set. 2019.
https://www.institutoliberal.org.br/...
). Assim, o trabalho inicial do instituto pautou-se pela tradução, edição e publicação de livros de autores clássicos para o neoliberalismo, como Hayek e Mises, e panfletos; além de promoção de palestras, colóquios e seminários.

Em 1986 constatou-se a necessidade de regionalizar as suas atividades. Assim, o instituto criou ramificações em cidades como São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília, Salvador e Recife. Para que tais institutos regionais mantivessem os princípios do mantenedor, foi criado o Conselho Nacional dos Institutos Liberais (CONIL) pelo qual definiu-se que todas as instituições estaduais deveriam manter o nome e ser geridas pelo mesmo estatuto15 15 Foram presidentes do Conselho Nacional dos Institutos Liberais desde sua criação: Jorge Gerdau Johannpeter (1990-1992); Donald Stewart Jr. (1992-1994); Roberto Konder Bornhausen (1994-1996) e Jorge Wilson Simeira Jacob (1996-1998) (Gros, 2003). . Ampliou-se o número de mantenedores e as formas de captação de recursos e, como resultado, houve uma crescente participação de grupos econômicos nacionais e transnacionais financiadores das atividades desenvolvidas. Dentre os primeiros apoiadores, destacam-se Votorantim, Sharp, Gradiente, Nestlé, Banco de Boston, Philco, Banco Itaú e Unibanco (Casimiro, 2016Casimiro, F.H. (2016) A nova direita no brasil: aparelhos de ação político-ideológica e a atualização das estratégias de dominação burguesa. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense.).

Contudo, a vitória de Fernando Henrique Cardoso à presidência do Brasil e o alcance inicial dos objetivos traçados por tais institutos, levou a uma retração e redução do crescimento dessa rede causando o fechamento da maior parte dos institutos liberais regionalizados pelo país16 16 IL - RS altera o seu nome para Instituto Liberdade, enquanto o IL-SP se funde com o IL-RJ. . Para Bernardo Santoro (ex-Diretor Executivo do IL-RJ),

Após a vitória de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, com forte influência teórica liberal, houve uma paulatina diminuição de doação de recursos para todas as instituições liberais. A impressão generalizada é que já não haveria mais necessidade de think tanks liberais, pois o Brasil já estaria no bom caminho de reformas institucionais liberalizantes (Santoro, 2014Santoro, B. (2014) Perspectivas liberais com a vitória de Aécio Neves. Instituto Liberal. Disponível em: <https://www.institutoliberal.org.br/blog/perspectivas-liberais-com-vitoria-de-aecio-neves/>. 24 de nov. 2019.
https://www.institutoliberal.org.br/blog...
).

Contudo, ao longo da década de 1990, o Instituto Liberal incorporou uma nova estratégia de ação voltada a promover a reconfiguração do papel do Estado. Intitulado de “Série Notas”, este projeto buscava formular estudos que, ao serem enviados diretamente a parlamentares, visavam influenciar suas decisões e propostas de políticas públicas e emendas constitucionais (Friderichs, 2019Friderichs, L.E. (2019) A atuação política dos think tanks neoliberais brasileiros e argentinos: os casos do Instituto Liberal, do Instituto de Estudos Empresariais e do Instituto para el Desarrollo Empresarial de Argentina (1983-1998). Tese de Doutorado. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos.). De acordo com Gros (2003)Gros, D. (2003) Institutos liberais e neoliberalismo no Brasil da Nova República. Tese de Doutorado. Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heureser., os estudos eram encomendados a especialistas de cada tema e financiados por empresas locais e instituições liberais, como a Tinker Foundation17 17 A Tinker Foundation foi criada nos EUA em 1959 por Edward Tinker para financiar projetos de políticas públicas relacionadas com questões ambientais, econômicas ou de governabilidade na Espanha, Portugal, América Latina e, mais recentemente, Antártica. e a Atlas. Essa ação insere-se em um projeto maior, desenvolvido por uma série de organizações patronais em outros países latino-americanos que, sob o nome de “Programa de Assessoria Legislativa para a América Latina”18 18 Esse projeto foi idealizado em 1985 pelo embaixador da República Dominicana nos EUA, Carlos Despradel (Casimiro, 2016). , contou com o apoio financeiro de várias instituições, dentre elas NED, CIPE e Atlas.

Ao longo da década de 1990, o Instituto Liberal demonstrou articular os interesses de um complexo conjunto organizações estrangeiras, em sua maioria representantes dos interesses estadunidenses, que também financiou suas ações e atividades (Tabela 1).Como reflexo da condição em que foi criado, o quadro de membros da diretoria do IL-RJ durante os seus primeiros 15 anos (1983-1998), como expresso na Tabela 2, é predominantemente de indivíduos homens pertencentes tanto ao setor empresarial, como ao meio acadêmico - muitos destes vinculados à Escola de Chicago19 19 Não foi possível reconstituir todas as diretorias do IL-RJ, porque elas não foram publicadas nos documentos dos Institutos Liberais. Encontrou-se uma referência no boletim A Ideia Liberal n. 18, de novembro de 1989. .

Tabela 1
Organizações estrangeiras financiadoras IL-RJ (1991-1997)
Tabela 2
Diretorias IL-RJ (1983-1998)

Com relação à atuação profissional de seus membros durante esse período, observa-se que em sua maioria constituem-se de empresários, economistas, executivos e professores e, em muitos casos, apresentam mais de uma profissão. Assim, no Gráfico 1 optou-se por contar todas as ocupações, atentando-se para as sobreposições já que se considera aqui a multiplicidade de atuações.

Gráfico 1
Atuação profissional - Diretorias IL-RJ (1983-1998)

Apesar da diretoria nesses primeiros anos ser composta em grande parte de empresários, a maior parcela destes tiveram uma formação acadêmica em Economia, conforme Gráfico 2, possuindo vínculos com universidades estadunidenses: Dos 10 membros da diretoria, 6 passaram por universidades estadunidenses (IL, 2019).

Gráfico 2
Formação acadêmica: Diretorias IL-RJ (1983-1998)

Além disso, metade dos diretores do Instituto Liberal apresenta ou apresentou alguma espécie de vínculo com o movimento liberal, apontando uma certa circulação homogênea entre os respectivos agentes já que muitos destes frequentaram os mesmos espaços. Nesse sentido, a reunião desses indivíduos pode ser justificada pela convergência de suas disposições em termos de preferência ou até mesmo de capitais e trajetórias.

No ano de 2013, o Instituto Liberal passou por uma reformulação no seu quadro de dirigentes e no uso de determinados recursos e tecnologia audiovisual, adaptando o histórico material produzido pela instituição às novas tecnologias e tendências midiáticas. Uma das principais mudanças foi a chegada de Rodrigo Constantino à presidência do instituto. Figura midiática, o economista e colunista da Revista Veja é conhecido nos circuitos liberais, refletindo essa guinada do IL-RJ na atual dirigência (Tabela 3).

Tabela 3
Dirigentes do Instituto Liberal (2019)

A reformulação institucional do IL-RJ tratou de adequar a sua linha editorial a uma nova conjuntura político-ideológica marcada por conflitos intraclasse que se apresentava em distintas matrizes do pensamento liberal. Nesse sentido, o Instituto Liberal na contemporaneidade busca estabelecer contato com novos canais de difusão e recrutamento a partir de mídias como blogs, redes sociais, postagem de vídeos em rede, entre outras ferramentas digitais. O atual quadro de colunistas do IL-RJ aponta para uma maior heterogeneidade de sua composição, contribuindo para a ampliação da capacidade do instituto em difundir o seu discurso no conjunto da sociedade. No que diz respeito à atuação profissional de seu quadro de colunistas, percebe-se que em sua maioria atuam professores, economistas e jornalistas. Ademais, um número expressivo de seus colunistas são membros da diretoria de outros aparelhos privados de hegemonia. Com relação a esses, destacam-se: Bernardo Santoro (Coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica - SP), Fernando Fernandes (Coordenador Projetos do IL-RJ), Lucas Pagani (Coordenador local do Students For Liberty Brasil), Rafael Valladão (Coordenador do Students for Liberty), Roberto Rachewsky (Conselheiro do IEE), Rodrigo Constantino (Membro-fundador do Instituto Millenium), Catarina Rochamonte (Vice-Presidenta do Instituto Liberal do Nordeste) e Robeto Rachewsky (Vice-Presidente do Instituto Liberal - RS), demonstrando um processo endógeno de circulação. De fato, 20 dos 24 colunistas possuem ou possuíram alguma forma de aproximação com outros institutos, partidos políticos liberais ou até mesmo formação acadêmica em escolas liberais.

Por fim, é importante reconhecer a dimensão de gênero nesse instituto. Todas as diretorias apresentadas são compostas por homens. As mulheres não estão representadas nas Diretorias do IL-RJ e estão sub-representadas no quadro de Colunistas (onde do total de 24 pessoas, 22 são homens). Diante disso, observa-se que o IL-RJ é composto em seus quadros de membros (diretores e colunistas) por homens; majoritariamente empresários, economistas e professores; com vínculo com os Estados Unidos e com outros institutos liberais. O IL-RJ caracteriza-se por distintas frações de uma elite nacional, desenvolvendo papel enquanto intelectual coletivo que articula diferentes interesses de classe e desenvolve uma série de ações voltadas a atingir a sociedade e dirigentes políticos. Dessa forma, o IL-RJ configura-se como um aparelho privado de hegemonia com acentuada capacidade de representação que, a partir de uma série de atividades pedagógicas, corrobora para formar e educar quadros de intelectuais que disseminam princípios e premissas condizentes com os interesses da elite econômica no Brasil.

III. 2 Instituto de Estudos Empresariais

O Instituto de Estudos Empresariais (IEE), criado em 1984 na cidade de Porto Alegre, surge como iniciativa do empresariado local que, sob a liderança de William Ling (Presidente do IEE, 1984-1986) e Roberto Rachewsky (Vice-Presidente do IEE, 1984-1986), reuniu um grupo de 30 jovens empresários rio-grandenses20 20 Alguns dos empresários que estavam presentes desde a primeira reunião: William Ling (Presidente, 1984-1986); Roberto Rachewsky (Presidente, 1986-1987); Renato Malcon (Vice-Presidente, 1987-1988) e Daniel Tevah (Presidente, 1991-1992). pertencentes ao comércio, serviços, indústria e agricultura com objetivo de construir uma instituição voltada a formar e capacitar líderes que, posteriormente, pudessem atuar ativamente em suas empresas, entidades e governos (Friderichs, 2019Friderichs, L.E. (2019) A atuação política dos think tanks neoliberais brasileiros e argentinos: os casos do Instituto Liberal, do Instituto de Estudos Empresariais e do Instituto para el Desarrollo Empresarial de Argentina (1983-1998). Tese de Doutorado. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos.). Essas lideranças comprometer-se-iam com o

[...] ideal democrático de liberdades individuais subordinadas ao estado de direito [...] defendendo, de forma honesta e convicta, a liberdade de empreender e trabalhar, o lucro como prêmio pelos sacrifícios da poupança e do risco e a propriedade privada ou o direito de usufruir o fruto do trabalho (IEE, 2019Instituto de Estudos Empresariais (2019) Website. Disponível em: <https://iee.com.br>. Acesso em: 20 de set. 2019.
https://iee.com.br...
).

Com esse propósito, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, figura atuante na criação do IL-RJ, contribuiu diretamente por meio de doação de livros (traduzidos pelo IL-RJ) para os jovens empresários fundadores do IEE. De acordo com o IEE:

O material que chegou às suas mãos nos anos 80 encheu seus corações e suas mentes. Ali estava a essência do pensamento da Escola Austríaca, muito influente desde o início do século XX, baseada no conceito do individualismo e responsável por várias gerações de economistas brilhantes como Frédéric Bastiat, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek (Nobel de Economia em 1974) e Murray Rothbard, e também as primeiras discussões dos novos economistas clássicos americanos, como Milton Friedman (Prêmio Nobel de Economia em 1976), Arthur Laffer e George Gilder, convocados pelo presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, para conceber e implementar uma estratégia para tirar a economia americana da “estagflação” no início dos anos 80 (IEE, 2014Instituto de Estudos Empresariais (2014) 30 anos formando líderes. Porto Alegre: IEE. Edição comemorativa de 30 anos da entidade. Disponível em: <https://iee.com.br/wp-content/uploads/2019/06/miolo_iee_final2.pdf>. Acesso em: 20 de out. 2019.
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, p. 18).

Definido como uma instituição civil sem vinculações partidárias, o IEE conta com investidores e apoiadores de peso como CMPC, Grupo Ipiranga, AGIBANK, Belmondo, Carrion advogados, DANA, Dallasanta, Faculdade Getúlio Vargas, Évora, Irani, Lojas Lebes (rede varejista), Tomasetto Engenharia e Vokin Investimentos (IEE, 2019Instituto de Estudos Empresariais (2014) 30 anos formando líderes. Porto Alegre: IEE. Edição comemorativa de 30 anos da entidade. Disponível em: <https://iee.com.br/wp-content/uploads/2019/06/miolo_iee_final2.pdf>. Acesso em: 20 de out. 2019.
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).

Desde sua origem, o instituto manteve proximidade com o Instituto Liberal do Rio Grande do Sul - IL-RS21 21 O IL-RS - atual Instituto Liberdade - foi fundado em 1986 por um grupo de jovens empresários com apoio dos membros do IEE e do empresário gaúcho Jorge Gerdau Johannpeter, Presidente do Conselho Nacional dos Institutos Liberais à época (IL, 1989 apud Gros, 2010, p. 187). , compartilhando inicialmente a mesma sede, promovendo eventos em conjunto e, sobretudo, comportando em seu quadro de membros o mesmo grupo de jovens empresários. Contudo, o IEE se apresenta como uma estrutura organizacional distinta de seu congênere (IL-RS), especialmente no que diz respeito aos seus mecanismos de atuação e formas de filiação institucional. Para ingressar no IEE é preciso ser indicado por um membro, ter entre 20 e 32 anos e estar à frente ou na linha de sucessão de alguma empresa (IEE, 2019Instituto de Estudos Empresariais (2014) 30 anos formando líderes. Porto Alegre: IEE. Edição comemorativa de 30 anos da entidade. Disponível em: <https://iee.com.br/wp-content/uploads/2019/06/miolo_iee_final2.pdf>. Acesso em: 20 de out. 2019.
https://iee.com.br/wp-content/uploads/20...
). Após serem selecionados, os indicados são entrevistados pela diretoria do instituto onde são encaminhados para a análise do Conselho Deliberativo e posterior período de experiência podendo variar de seis meses a um ano. Após o período de experiência, caso se decida pela sua aprovação, o novo membro do IEE poderá participar de todas as atividades de formação oferecidas pelo instituto (até os seus 35 anos) desde que mantenha frequência nas reuniões e efetue as leituras indicadas. Para Casimiro (2016, p. 282), “a entidade empresarial de caráter eminentemente classista, organiza-se no sentido de formar/educar seus quadros de intelectuais orgânicos, como um clube fechado dos escolhidos”. Com relação às suas diretoriais, é estabelecido que sua renovação ocorra a cada ano de modo que, ao encerrarem os seus mandatos, os presidentes se tornam associados honorários do IEE. No final de cada ciclo das diretorias, sob aval dos membros honorários, se organiza o Fórum da Liberdade.

O Fórum da Liberdade, realizado desde 1988 em Porto Alegre, consiste em um dos principais eventos da agenda liberal no país. Nele, reúnem-se uma série de nomes nacionais e internacionais do empresariado, da economia e da política, articulando ao mesmo tempo uma ampla rede de indivíduos vinculados aos mais diversos think tanks liberais estrangeiros. Dentre estes, pode-se mencionar a presença de Alejandro Chafuen presidente da Atlas Network, assim como de seu vice-presidente de Programas Internacionais, Tom Palmer. Além disso, no Gráfico 3 são listados os nomes de alguns dos Institutos liberais também representados no evento. Os mais assíduos são Sociedade Mont Pelerin (14x), Cato Foundation (9x), Atlas Network (7x), Foundation for Economic Education (6x), em sua maioria situados nos EUA (Gráfico 4)22 22 Foram contabilizados os principais institutos liberais estrangeiros que participaram das edições do Fórum da Liberdade tendo como base a programação dos eventos disponíveis em seu website. .

Gráfico 3
Relação de think tanks liberais estrangeiros representados em cada edição do Fórum da Liberdade (1988-2018)

O Fórum da Liberdade é apresentado como provedor de um debate aberto e plural, porém seus conferencistas e temáticas de palestras vinculam-se aos fundamentos e postulados neoliberais, contribuindo diretamente para a difusão dessa concepção de mundo e tornando-o em um evento monotemático. Ao longo de suas edições, o Fórum ainda se apresentou como um veículo para a divulgação de certos candidatos, em sua maioria vinculados a ideologia neoliberal, como foram os casos de Fernando Collor de Mello (1988), Fernando Henrique Cardoso (2004, 2007 e 2010), Aécio Neves (2014), João Dória (2017) e Henrique Meirelles (2001, 2008 e 2010). O Fórum recebe apoio financeiro de importantes grupos empresariais do Rio Grande do Sul e do Brasil, dentre eles Gerdau, Ipiranga, Nestlé, Claro Digital, Vonpar, Bank of Boston, Sebrae, Copesul, Sicepot, Ativa, Habitasul, Varig e Petropar. Interesses corporativos e individuais se interconectam, por vezes sendo difícil definir se o apoio é institucional ou individual. Como destaca Pires (2011)Pires, C.F.de. (2011) O signo da liberdade e a execução do Estado: o pensamento neoliberal por meio do Fórum da Liberdade de Porto Alegre (1988-1993). Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.,

O IEE sempre funcionou por meio de investidores e do apoio de associados. Conforme a lista que consta atualmente no sítio do IEE, cada um dos membros está vinculado a uma empresa, o que demonstra que apesar de serem pessoas físicas, não são apenas interesses individuais em jogo, mas também relações institucionais (Pires, 2011, p. 92).

A criação do Fórum está envolta em um processo de instrumentalização do ideário neoliberal organizado pelo IEE. Em meados da década de 1990, o IEE iniciou uma série de atividades voltadas ao público externo atuando por intermédio de iniciativas junto ao meio acadêmico. Com isso, passou a desenvolver uma estratégia de difusão de suas principais ideias e valores por meio de publicações e da promoção de debates nas universidades, objetivando ampliar as suas bases de consenso, assim como incorporar novos intelectuais ao seu quadro de membros.

Diante disso, o IEE organiza desde 1999 na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) (mesmo local de sede do Fórum da Liberdade) o Fórum Universidade-Empresa no qual são convidados líderes empresariais para palestrar e discutir acerca dos principais temas referentes ao empreendedorismo, liberdade de empresa, competitividade, entre outros assuntos. Durante esse período, o IEE produziu artigos escritos por seus associados que foram publicados na página online do instituto e criou a série de livros “Pensamentos Liberais”, publicado junto ao Fórum da Liberdade. Ademais, há premiações concedidas pelo IEE para aqueles membros considerados “destaques”. A esses premiados, são disponibilizadas viagens ao exterior e/ou bolsas de estudos em think tanks neoliberais estadunidenses, como é o caso da Foundation for Economic Education e do Cato Institute (Friderichs, 2019Friderichs, L.E. (2019) A atuação política dos think tanks neoliberais brasileiros e argentinos: os casos do Instituto Liberal, do Instituto de Estudos Empresariais e do Instituto para el Desarrollo Empresarial de Argentina (1983-1998). Tese de Doutorado. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos.). Ao longo dos anos, o IEE também criou outras formas de premiações como é o caso do Prêmio Libertas e do Prêmio Liberdade de Imprensa.

Em meados dos anos 2000, o Instituto de Estudos Empresariais passou a investir na estratégia da abertura de filiais em outras partes do país que, sob o mesmo nome da sede, é criado inicialmente em Minas Gerais sob a coordenação do empresário Salim Mattar (Dono da Localiza)23 23 Salim Mattar é um dos responsáveis por financiar a tradução da obra “Revolta de Atlas”, de Ayn Rand, para o português. É apoiador do IL-RJ e Instituto Millenium e, a convite de Paulo Guedes, atuou como Secretário de Privatizações do Governo Bolsonaro (2019-2020). e, posteriormente, em São Paulo sob a direção do empresário David Feffer (Presidente da Suzano Holding). Entretanto, com o passar dos anos, esses institutos filiados ao IEE ganharam autonomia se desvinculando da sede e passando a adotar novos nomes: Instituto de Formação de Líderes - MG e SP; e Líderes do Amanhã - ES, todos parceiros da Atlas.

Gráfico 4
Relação de países dos think tanks liberais

A estrutura organizacional do IEE é uma de relação intrínseca com o empresariado local. Ao analisar o perfil de atuação profissional de seus membros no Gráfico 5, verificou-se que, além do fato de sua maioria de membros serem homens, o IEE é composto principalmente por empresários, executivos e advogados/juristas, apresentando um perfil distinto daquele evidenciado anteriormente no IL-RJ que apresentava um número maior de intelectuais em sua composição. No Gráfico 6, constatou-se um número considerável em seus quadros de indivíduos com formação em Direito e Administração, com laços com outros institutos liberais, além de vínculo com universidades estadunidenses (41% deles passaram por universidades nesse país).

Gráfico 5
Atuação profissional: presidentes e vice-presidentes do IEE (1984-2020)
Gráfico 6
Formação acadêmica dos presidentes e vice-presidentes do IEE (1984-2020)

O IEE é um ator de destaque para a Atlas Network. Além da presença constante da organização estadunidense no financiamento e na participação presencial de seus diretores nos últimos eventos do Fórum da Liberdade; a Atlas avalia como essencial o papel desenvolvido pelo IEE na construção da agenda neoliberal no país e a aplicação dessa mesma agenda pelo governo Jair Bolsonaro. Assim, como expresso no relatório do Centro para a América Latina da Atlas (2019):

Jair Bolsonaro ganhou a presidência do Brasil usando uma fórmula populista clássica - e com retórica feia que não conquista fãs entre a comunidade liberal clássica. Para seu crédito, no entanto, sua equipe econômica tem sido excelente no avanço da reforma da previdência, desencadeando o crescimento econômico por meio da desregulamentação e privatizando a Eletrobras, a maior empresa de serviços públicos da América Latina. Parte do crédito vai para instituições como o Instituto de Estudos Empresariais (IEE), que desenvolveu tantos especialistas no livre mercado que agora desempenham papéis influentes na sociedade brasileira (Atlas Network’s Center for Latin America, 2019Atlas Network’s Center for Latin America (2019) Annual report. Disponível em: <https://www.atlasnetwork.org/assets/uploads/misc/CLA-Annual-Report-2019-web.pdf>. Acesso em: 08 de set. 2019.
https://www.atlasnetwork.org/assets/uplo...
, p. 04).

O IEE nasce enquanto iniciativa do empresariado local diante de um campo aberto de disputas e que influenciaria na criação de outros institutos liberais no Brasil. Porém, ao longo dos anos, esse instituto passou a desenvolver uma série de atividades político-pedagógicas caracterizando-se de um caráter intelectual em suas atividades e quadro de membros. A exemplo disso, observou-se a organização do Fórum da Liberdade articulando uma ampla rede de indivíduos vinculados a concepção liberal e atuantes em outros institutos liberais. Por fim, nota-se, a exemplo do IL-RJ, que o perfil de sua diretoria ao longo dos anos é um de homens empresários, advogados e executivos que possuem vínculo com a academia estadunidense e com outros institutos liberais. Nota-se ainda o papel de empresários brasileiros e de think tanks estadunidenses na manutenção desse instituto e do Fórum da Liberdade.

IV. Considerações Finais

Essa pesquisa buscou apresentar a estadunidense Rede Atlas enquanto instituição que apoia e mantém filiados no Brasil. Nesse sentido, optou-se por estudar os dois primeiros institutos liberais brasileiros por serem eles os impulsionadores de novos institutos liberais no país. Mostrou-se que a Atlas participa diretamente e cria condições para influenciar a realidade política de diversos países na região, construindo assim um ambiente favorável para a implementação de políticas econômicas de cunho neoliberal a partir do uso de sua rede de institutos parceiros na região. Evidenciou-se ainda certas aproximações entre a política externa dos Estados Unidos e a atuação da Atlas, inclusive de recebimento de recursos federais por parte desta e de seus institutos parceiros na região. Nesse sentido, a rede Atlas e seus institutos parceiros atuam enquanto aparelho privado de hegemonia que, ao receberem apoio financeiro provindo de organismos (semi)privados dos EUA (NED e CIPE), auxiliam na promoção e na internacionalização da agenda neoliberal, assim como na desestabilização daqueles governos que se apresentam como uma ameaça à hegemonia estadunidense na região.

No que diz respeito aos institutos liberais estudados, pode-se observar que sua construção se insere dentro de um processo de reorganização das classes dominantes nos anos 1980 que, diante uma abertura no campo de batalhas propiciado pela redemocratização, entenderam ser necessário renovar suas estratégias. Assim, verificou-se o importante papel desempenhado por figuras como Hayek e Fisher para a construção de relações com membros de uma elite empresarial nacional. Observou-se que as atuações do IL-RJ e IEE se efetivam mediante atividades de cunho político-pedagógicas que incluem em sua execução tanto recursos materiais como simbólicos, visando, através da construção do consenso na sociedade, promover uma reconfiguração do papel do Estado aos moldes dos postulados neoliberais. Dentre suas atividades, destacam-se disseminação de textos, organização de eventos e colóquios e projetos que os vinculam a Atlas - seja a partir da participação de seus diretores, seja a partir de financiamento e treinamento.

Contudo, verificou-se certos contrastes entre ambos os institutos. No caso do IL-RJ, sua criação se dá a partir dos esforços do empresariado nacional e de intelectuais com trajetórias na Sociedade Mont Pélerin e na Universidade de Chicago, muitos deles alunos de Milton Friedman. Referente ao perfil de seus membros (diretores e colunistas), verificou-se uma certa heterogeneidade em sua composição, o que corrobora para a própria ampliação de sua capacidade em difundir o seu discurso nos mais diversos meios no conjunto da sociedade. De forma distinta, o IEE surge como uma iniciativa do empresariado rio-grandense que objetivava capacitar líderes para atuarem a frente de suas empresas, assim como na esfera política e cuja presidência é mais homogênea - composta em sua maioria por empresários e advogados.

Por fim, observou-se que a articulação entre os institutos liberais analisados se dá mediante duas formas específicas: em primeiro lugar pela organização de eventos que vinculam e aproximam os seus próprios membros e, em segundo lugar, por comportarem indivíduos com trajetórias e disposições muito similares, sendo em sua maioria vinculados a alguma dimensão dentro do movimento liberal. Pode-se ainda observar que a Atlas usa de sua rede de institutos parceiros como uma forma de internacionalizar e difundir suas práticas e valores representativos da classe dominante estadunidense que ela representa.

O presente trabalho visa contribuir com novas abordagens nas Relações Internacionais e na Ciência Política. que entende que a hegemonia no âmbito internacional está diretamente associada a aparelhos privados de hegemonia desempenhados pela classe econômica dominante (e, portanto, dirigente) e por suas redes e relações institucionalizadas em outros países com a colaboração das classes dominantes regionais. Esse trabalho busca contribuir também com uma literatura nacional sobre os institutos liberais que objetiva vislumbrar as nuances que circundam este complexo jogo de forças no seio da sociedade, assim como as suas vinculações com forças externas que se impõe sobre a região através de um discurso neoliberal fatalista. Trata-se de, como já nos alertava Bourdieu (1998Bourdieu, P. (1998) Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Zahar., p. 45), “mostrar como a circulação das ideias é lastreada por uma circulação de poder, de modo que certas ligações ocultas entre pessoas que habitualmente trabalham isoladas aparecem à luz do dia, mesmo que sejam vistas duas a duas nos falsos debates da televisão”. Nesse sentido, trata-se do esforço em expor a rede de relações que vinculam e aproximam indivíduos com disposições e trajetórias similares, que encontram nos institutos liberais espaços fundamentais para a difusão de suas concepções de mundo e a consecução de seus interesses na sociedade e na política.

Por fim, mais do que apresentar o estreito laço entre duas camadas dominantes nos EUA e Brasil e seus esforços na promoção de uma agenda neoliberal, este estudo nos incita a refletir acerca de práticas e conceitos relativamente esquecidos (ou marginalizados) na Ciência Política e nas Relações Internacionais como imperialismo, hegemonia e o papel da ideologia na manutenção da estrutura econômica dominante. Além disso, nos faz também questionar o papel predominante que o “Estado”, enquanto entidade única e detentora de um “interesse nacional”, recebe nessas mesmas áreas. Em específico, este estudo nos faz retomar abordagens teóricas fundamentais para entendermos o papel das classes dominantes na criação de consensos para países e classes subalternas com o objetivo de manutenção dessas mesmas estruturas hegemônicas.

  • 1
    Tradução nossa.
  • 2
    Para a primazia dos EUA no âmbito teórico do campo das Relações Internacionais, ver TRIP (https://trip.wm.edu).
  • 3
    Neoliberalismo é entendido aqui como uma reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de bem-estar (Anderson, 1995Anderson, P. (1995) Balanço do neoliberalismo. In E. Sader & P. Gentili (orgs) Pós neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. São Paulo: Paz e Terra.).
  • 4
    “Liberal” aqui utilizado remete-se ao entendimento no Brasil enquanto concepção clássica do Liberalismo econômico e, mais contemporaneamente, do Neoliberalismo. Assim, difere-se do termo “liberal” usado nos EUA, sinônimo de políticas progressistas.
  • 5
    Sobre o papel das classes dominantes latino-americanas atuando em conjunto com a estadunidense, duas obras recentes são emblemáticas: Prashad, 2020Prashad, V. (2020) Balas de Washington: uma história da CIA, Golpes e Assassinatos. São Paulo: Expressão Popular. e Schoultz, 2018Schoultz, L. (2018) In their own best interest: a history of the U.S. effort to improve Latin Americans. Cambridge: Harvard University Press, pp. 392..
  • 6
    Para Tom Medvetz, “tornar-se um think tank é elevar-se acima da mera política baseada em interesses e reivindicar os dividendos simbólicos que advêm da filiação entre os produtores de conhecimento especializado” (Medvetz, 2008Medvetz, T. (2008) Think tanks as an emergent field. The Social Research Council, pp. 1-10., p. 3).
  • 7
    Vale lembrar que a primeira tentativa de internacionalização (ou de importação) desse ideário ocorreu na América Latina antes da ascensão dessas lideranças. O Chile, sob a ditadura de Pinochet, foi o pioneiro do ciclo neoliberal da história contemporânea.
  • 8
    Dirige o Fórum Empresarial do México e a Aliança Alamos, além de atuar como Assessor Sênior de Políticas para a TV Azteca e o Grupo Salinas, no México.
  • 9
    Nessa revista eram publicados entrevistas e ensaios inéditos de intelectuais como Hayek, Friedman e Murray Rothbard (Fonseca, 1994Fonseca, E.G. (1994) Quem tem medo do Neoliberalismo? Ideias liberais. 13ª Edição. São Paulo: Instituto Liberal.).
  • 10
    Henry Maksoud, empresário e engenheiro, foi um dos donos da revista Visão, membro do IL-RJ e da Sociedade Mont Pelerin (Casimiro, 2016).
  • 11
    Como destaca Onofre (2018, p. 268), “o empresário brasileiro [Maksoud] era um grande admirador de Hayek e acabou amigo do famoso economista, quando ingressou na Sociedade Mont Pelerin”.
  • 12
    Stelle, graduado em Economia nos EUA, foi tradutor e editor de opinião da revista Visão, co-fundador do IL-RJ e coordenador da publicação de obras de Hayek no Brasil (Friderichs, 2019).
  • 13
    Og Leme, fundador do IL-RJ, fez doutorado em Economia na Universidade de Chicago sendo aluno de Milton Friedman (Casimiro, 2016).
  • 14
    Ecisa foi uma das maiores empreiteiras no período da ditadura militar, associada durante esse período à estadunidense Leo A. Daly para construir escolas no Nordeste sob o financiamento da USAID que funcionava como braço da CIA na América Latina (Campos, 2012Campos, P.H. (2012) A ditadura das empreiteiras: As empresas nacionais de construção pesada, suas formas associativas e o Estado ditatorial brasileiro 1964-1985. Tese de Doutorado. Niterói: Universidade Federal Fluminense.).
  • 15
    Foram presidentes do Conselho Nacional dos Institutos Liberais desde sua criação: Jorge Gerdau Johannpeter (1990-1992); Donald Stewart Jr. (1992-1994); Roberto Konder Bornhausen (1994-1996) e Jorge Wilson Simeira Jacob (1996-1998) (Gros, 2003Gros, D. (2003) Institutos liberais e neoliberalismo no Brasil da Nova República. Tese de Doutorado. Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heureser.).
  • 16
    IL - RS altera o seu nome para Instituto Liberdade, enquanto o IL-SP se funde com o IL-RJ.
  • 17
    A Tinker Foundation foi criada nos EUA em 1959 por Edward Tinker para financiar projetos de políticas públicas relacionadas com questões ambientais, econômicas ou de governabilidade na Espanha, Portugal, América Latina e, mais recentemente, Antártica.
  • 18
    Esse projeto foi idealizado em 1985 pelo embaixador da República Dominicana nos EUA, Carlos Despradel (Casimiro, 2016).
  • 19
    Não foi possível reconstituir todas as diretorias do IL-RJ, porque elas não foram publicadas nos documentos dos Institutos Liberais. Encontrou-se uma referência no boletim A Ideia Liberal n. 18, de novembro de 1989.
  • 20
    Alguns dos empresários que estavam presentes desde a primeira reunião: William Ling (Presidente, 1984-1986); Roberto Rachewsky (Presidente, 1986-1987); Renato Malcon (Vice-Presidente, 1987-1988) e Daniel Tevah (Presidente, 1991-1992).
  • 21
    O IL-RS - atual Instituto Liberdade - foi fundado em 1986 por um grupo de jovens empresários com apoio dos membros do IEE e do empresário gaúcho Jorge Gerdau Johannpeter, Presidente do Conselho Nacional dos Institutos Liberais à época (IL, 1989 apud Gros, 2010Gros, D. (2010) Novas formas de ação política do empresariado gaúcho nas últimas décadas. Revista A Evolução Social, 3, pp. 172-210., p. 187).
  • 22
    Foram contabilizados os principais institutos liberais estrangeiros que participaram das edições do Fórum da Liberdade tendo como base a programação dos eventos disponíveis em seu website.
  • 23
    Salim Mattar é um dos responsáveis por financiar a tradução da obra “Revolta de Atlas”, de Ayn Rand, para o português. É apoiador do IL-RJ e Instituto Millenium e, a convite de Paulo Guedes, atuou como Secretário de Privatizações do Governo Bolsonaro (2019-2020).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2020
  • Aceito
    30 Out 2021
  • Revisado
    03 Jan 2022
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