Acessibilidade / Reportar erro

Consciência fonológica e habilidades de escrita em crianças com síndrome de Down

Resumos

TEMA: síndrome de Down, consciência fonológica, escrita e memória de trabalho. OBJETIVOS: avaliar a consciência fonológica de crianças brasileiras com síndrome de Down. Analisar a relação existente entre as hipóteses de escrita dos participantes e os escores de consciência fonológica. Comparar o desempenho de crianças com síndrome de Down aos resultados esperados para crianças com desenvolvimento típico de acordo com a Conciência Fonológica. Instrumento de Avaliação Sequencial (CONFIAS), utilizando as hipóteses de escrita como critério de emparelhamento. Verificar a correlação entre medidas de consciência fonológica e memória de trabalho fonológica. MÉTODOS: onze crianças com idades cronológicas entre 7 e 14 anos (média: 9a10m) constituíram a amostra. A consciência fonológica foi avaliada utilizando-se o CONFIAS. A memória de trabalho fonológica foi avaliada através de um instrumento elaborado pela pesquisadora. RESULTADOS: os sujeitos avaliados apresentaram níveis mensuráveis de consciência fonológica por meio da aplicação do CONFIAS. Os escores de consciência fonológica e as hipóteses de escrita apresentaram associação positiva significativa. O desempenho das crianças com síndrome de Down foi significativamente inferior ao de crianças com desenvolvimento típico e mesma hipótese de escrita. As medidas de consciência fonológica e de memória de trabalho fonológica apresentaram correlações positivas significativas. CONCLUSÃO: a consciência fonológica de crianças brasileiras com síndrome de Down pode ser avaliada utilizando-se o CONFIAS. A consciência silábica aprimora-se com a alfabetização, já a consciência fonêmica parece surgir como resultado do aprendizado da língua escrita. A memória de trabalho fonológica influencia o desempenho de crianças com a síndrome em tarefas de consciência fonológica.

Síndrome de Down; Estudos de Linguagem; Escrita Manual; Memória


BACKGROUND: Down syndrome, phonological awareness, writing and working memory. AIM: to evaluate the phonological awareness of Brazilian children with Down syndrome; to analyze the relationship between the writing hypothesis and the phonological awareness scores of the participants; to compare the performance of children with Down syndrome to that of children with typical development according to the Phonological Awareness: Tool for sequential evaluation (PHONATSE), using the writing hypothesis as a matching criteria; to verify the correlation between the phonological awareness measurements and the phonological working memory. METHOD: a group of eleven children aged between 7 and 14 years (average: 9y10m) was selected for the study. Phonological awareness was evaluated using the PHONATSE. The phonological working memory was evaluated through an instrument developed by the researcher. RESULTS: all subjects presented measurable levels of phonological awareness through the PHONATSE. The phonological awareness scores and the writing hypothesis presented a significant positive association. The performance of children with Down syndrome was significantly lower than children with typical development who presented the same writing hypothesis. Measurements of phonological awareness and phonological working memory presented significant positive correlations. CONCLUSION: the phonological awareness of Brazilian children with Down syndrome can be evaluated through the PHONATSE. Syllable awareness improves with literacy, whereas phonemic awareness seems to result from written language learning. The phonological working memory influences the performance of children with Down syndrome in phonological awareness tasks.

Down Syndrome; Language Arts; Handwriting; Memory


ARTIGOS ORIGINAIS DE PESQUISA

Consciência fonológica e habilidades de escrita em crianças com síndrome de Down* * Trabalho Realizado no CEAAL, Vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Letras na Área de Linguística, da PUCRS.

Bárbara de Lavra-PintoI,** ** Endereço para correspondência: Av. Venâncio Aires, 70 / 401 Porto Alegre RS CEP 90040-190 ( barbaradlp@ig.com.br) ; Regina Ritter LamprechtII

IFonoaudióloga. Mestre em Letras na Área de Linguística pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Fonoaudióloga da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

IILinguista. Doutora em Letras na Área de Linguística pela PUCRS. Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS. Coordenadora do Centro de Estudos sobre Aquisição e Aprendizagem da Linguagem (CEAAL)

RESUMO

TEMA: síndrome de Down, consciência fonológica, escrita e memória de trabalho.

OBJETIVOS: avaliar a consciência fonológica de crianças brasileiras com síndrome de Down. Analisar a relação existente entre as hipóteses de escrita dos participantes e os escores de consciência fonológica. Comparar o desempenho de crianças com síndrome de Down aos resultados esperados para crianças com desenvolvimento típico de acordo com a Conciência Fonológica. Instrumento de Avaliação Sequencial (CONFIAS), utilizando as hipóteses de escrita como critério de emparelhamento. Verificar a correlação entre medidas de consciência fonológica e memória de trabalho fonológica.

MÉTODOS: onze crianças com idades cronológicas entre 7 e 14 anos (média: 9a10m) constituíram a amostra. A consciência fonológica foi avaliada utilizando-se o CONFIAS. A memória de trabalho fonológica foi avaliada através de um instrumento elaborado pela pesquisadora.

RESULTADOS: os sujeitos avaliados apresentaram níveis mensuráveis de consciência fonológica por meio da aplicação do CONFIAS. Os escores de consciência fonológica e as hipóteses de escrita apresentaram associação positiva significativa. O desempenho das crianças com síndrome de Down foi significativamente inferior ao de crianças com desenvolvimento típico e mesma hipótese de escrita. As medidas de consciência fonológica e de memória de trabalho fonológica apresentaram correlações positivas significativas.

CONCLUSÃO: a consciência fonológica de crianças brasileiras com síndrome de Down pode ser avaliada utilizando-se o CONFIAS. A consciência silábica aprimora-se com a alfabetização, já a consciência fonêmica parece surgir como resultado do aprendizado da língua escrita. A memória de trabalho fonológica influencia o desempenho de crianças com a síndrome em tarefas de consciência fonológica.

Palavras-Chave: Síndrome de Down; Estudos de Linguagem; Escrita Manual; Memória.

Introdução

Esta pesquisa investiga habilidades de reflexão fonológica em crianças com síndrome de Down falantes do Português Brasileiro. Essas habilidades, juntamente com a capacidade de operação com sílabas, rimas e fonemas, constituem a consciência fonológica1.

Pesquisas sobre a consciência fonológica de crianças com síndrome de Down iniciaram na década de 90 com as publicações de Cossu e Marshall2 e Cossu et al3. Esses autores concluíram que sujeitos portadores da referida síndrome podem aprender a ler sem habilidades de consciência fonológica. Essa conclusão impulsionou pesquisadores de diferentes países a investigarem níveis mensuráveis de consciência fonológica em indivíduos com síndrome de Down e a relação com suas habilidades de leitura4-19.

O primeiro objetivo deste estudo foi verificar se crianças com síndrome de Down falantes do Português Brasileiro apresentam níveis mensuráveis de consciência fonológica por meio da aplicação do CONFIAS1. Analisar a relação existente entre as diferentes hipóteses de escrita20 dos participantes e a consciência fonológica constitui o segundo objetivo. O terceiro foi comparar o desempenho das crianças com síndrome de Down na avaliação da consciência fonológica aos resultados esperados para crianças com desenvolvimento típico, utilizando as hipóteses de escrita como critério de emparelhamento. O quarto foi verificar a correlação entre a consciência fonológica e a memória de trabalho dos sujeitos da amostra.

Método

Este estudo resultou de uma pesquisa de campo observacional do tipo transversal, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS (08/04114). Os responsáveis pelos sujeitos envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O Termo de Consentimento Informado Institucional foi assinado por responsáveis pelas instituições participantes.

O processo de amostragem foi realizado por acessibilidade. Os critérios de inclusão foram: ser falante monolíngue do Português Brasileiro, estar alfabetizado ou em processo de alfabetização, e frequentar escola regular em classe especial ou em inclusão no ensino fundamental. Constituíram critérios de exclusão: apresentar perda auditiva neurossensorial ou mista e/ou alteração visual não corrigidas e possuir comorbidades associadas - comprometimentos neurológicos além dos causados pela própria síndrome de Down, diagnóstico de autismo ou psicose, e alterações emocionais que poderiam prejudicar o desempenho da criança diagnosticadas por psicólogo(a) ou psiquiatra.

A amostra foi constituída por onze crianças com síndrome de Down, seis do sexo masculino e cinco do sexo feminino, com idades cronológicas entre sete e quatorze anos (média: 9:10 anos, desvio padrão: 2:3 anos). Em Porto Alegre (RS), cinco crianças foram avaliadas no Centro Lydia Coriat e quatro, na Escola Estadual de Ensino Fundamental Visconde de Pelotas. Em Novo Hamburgo (RS), duas crianças foram avaliadas em suas residências. Constatou-se que dez crianças apresentavam trissomia simples do cromossomo 21 e apenas uma era portadora do tipo mosaicismo. Dados relacionados à idade cronológica, sexo, tipo de síndrome de Down, características clínicas relacionadas à audição e visão, comorbidades associadas e história escolar foram coletados por meio de um questionário elaborado pela pesquisadora aplicado aos responsáveis pelas crianças.

Todos os participantes foram, anteriormente à coleta dos dados, encaminhados para consulta com otorrinolaringologista e para realização de audiometria tonal condicionada e imitanciometria. Somente duas crianças apresentaram alterações (curva timpanométrica tipo B21). Elas não foram excluídas da amostra devido à possibilidade de, em um primeiro momento, essa alteração não prejudicar os limiares tonais.

Para a avaliação da consciência fonológica foi utilizado o Consciência fonológica: instrumento de avaliação sequencial (CONFIAS)1. A utilização desse instrumento possibilita a investigação das habilidades metafonológicas, considerando as hipóteses de escrita20. As 16 tarefas do CONFIAS estão divididas em nível da sílaba e nível do fonema e se apresentam em uma gradação de dificuldade crescente, considerando crianças com desenvolvimento típico. No primeiro encontro com cada criança foi aplicada a parte referente à sílaba e, em outro momento, procedeu-se à aplicação relativa à consciência fonêmica.

Para a aplicação do CONFIAS em crianças com síndrome de Down, foram realizadas modificações nos critérios de pontuação. Durante a coleta piloto, observou-se que a primeira resposta das crianças era, na maioria das vezes, inadequada devido à desatenção, à incompreensão da ordem ou pela interferência da memória de trabalho. Quando se repetia a ordem, as respostas mostraram-se mais confiáveis. Foi permitida, então, uma segunda oportunidade de resposta, a qual foi considerada para fins de pontuação. Quando o participante necessitou de mais de duas oportunidades, a resposta foi desconsiderada. Quando a criança não obteve pontuação em duas tarefas inteiras, a avaliação foi interrompida. Devido a particularidades de crianças com síndrome de Down, foram criados alguns critérios para a pontuação de tarefas específicas. Nas tarefas de síntese e segmentação (S1, S2, F5, F6), quando a criança respondeu de forma ininteligível ou falou palavras diferentes das palavras-alvo, o escore foi considerado zero. Quando o participante sintetizou ou segmentou corretamente, apesar de interferências fonéticas e/ou fonológicas, o escore foi considerado 1. Nas tarefas de identificação (S3, S4, S6, F2, F3), o escore também foi considerado zero quando a criança respondeu de maneira ininteligível ou com uma palavra que não pertencia às alternativas. Nessas tarefas, todas as respostas foram desconsideradas nos casos em que a criança respondeu a última alternativa nas duas oportunidades de resposta em todos os itens da tarefa. Nas tarefas de produção (S5, S7, F1), exclusão (S8, F4) e transposição (S10, F7), o escore foi zero para palavras ininteligíveis ou inexistentes. Na tarefa de produção de palavra que inicia com o som dado (F1), quando a criança produziu uma palavra que iniciava como o som-alvo, apesar de pronunciar com outro som devido a alterações fonéticas e/ou fonológicas o escore foi considerado 1. O CONFIAS fornece tabelas com os resultados esperados para crianças com desenvolvimento típico de acordo com as hipóteses de escrita.

A coleta de dados de escrita dos participantes foi realizada utilizando-se um livro de história infantil. Foi solicitado à criança escrever, além do próprio nome, três palavras (gato, castelo e esqueleto) e uma frase (O fantasma abriu a porta). Esses dados foram analisados de acordo com a concepção do processo de apropriação da língua escrita de Ferreiro e Teberosky20, a qual permite a classificação das crianças em níveis gerais denominados: hipótese de escrita pré-silábica, hipótese silábica, hipótese silábico-alfabética e hipótese alfabética.

O instrumento utilizado para a avaliação da memória de trabalho fonológica foi elaborado pela pesquisadora (ApêndiceApêndice) com base em estudos realizados com o objetivo de avaliar o span de palavras de crianças com síndrome de Down22-23. O instrumento elaborado é composto por 14 sequências de palavras dissilábicas e trissilábicas, contendo um total de 46 palavras. As sequências foram apresentadas verbalmente e era solicitado à criança repetir as palavras memorizadas. O escore total foi o número de palavras repetidas corretamente durante a avaliação. O número de sequência corretas repetidas também constituiu uma medida de memória de trabalho fonológica.

Para a análise dos dados utilizou-se o software SPSS versão 13.0. Os dados quantitativos foram descritos através da média e desvio padrão (distribuição simétrica) ou mediana e amplitude de variação (distribuição assimétrica). A comparação dos escores de consciência fonológica entre as hipóteses de escrita foi realizada aplicando-se o teste t de Student para amostras independentes. Para comparar o desempenho de crianças com síndrome de Down ao de sujeitos com desenvolvimento típico, conforme suas hipóteses de escrita, foi aplicado o teste t de Student para uma amostra. Para avaliar a associação entre variáveis contínuas (consciência fonológica e memória de trabalho) foi aplicado o teste da correlação de Spearman. O nível de significância estatística considerado foi 5% (p < 0,05).

Resultados

Na Tabela 1 é possível observar os escores obtidos pelas crianças na avaliação da consciência fonológica - CONFIAS1. Os resultados encontrados permitem afirmar que as crianças com síndrome de Down avaliadas apresentaram níveis mensuráveis de consciência fonológica utilizando-se o CONFIAS. Os participantes atingiram pontuações mais elevadas nas tarefas de nível silábico (NS) do que nas de nível fonêmico (NF). As tarefas de produção de rima, transposição e segmentação fonêmicas foram as de maior dificuldade.

Para a análise do segundo objetivo, as crianças foram divididas em grupos levando-se em consideração suas hipóteses de escrita20. Seis crianças (54,5%) constituíram o grupo dos sujeitos com hipótese de escrita pré-silábica e quatro (36,4 %) formaram o grupo das crianças com hipótese de escrita alfabética. Somente uma criança (9,1%) apresentou hipótese de escrita silábica, a qual foi excluída das análises que consideraram os indivíduos de acordo com suas hipóteses de escrita.

Os sujeitos com hipótese de escrita alfabética alcançaram escores significativamente superiores às crianças pré-silábicas (p < 0,001 no NS, no NF e no escore total da avaliação). Esses resultados evidenciam que quanto mais avançado o nível de escrita, melhor o desempenho na avaliação da consciência fonológica. A Figura 1 mostra a comparação entre os dois grupos por meio do intervalo com 95% de confiança.


Os grupos de crianças com síndrome de Down e desenvolvimento típico com hipóteses de escrita pré-silábica e alfabética apresentaram diferenças significativas no NS, no NF e no escore total da avaliação de consciência fonológica (Tabela 2). Apesar de as crianças com síndrome de Down apresentarem valores mensuráveis de consciência fonológica, o desempenho médio delas foi significativamente inferior ao de crianças com desenvolvimento típico, mesmo quando a hipótese de escrita, que é uma medida de cognição, foi utilizada como critério de emparelhamento.

Entre os escores totais das avaliações de consciência fonológica e de memória de trabalho fonológica obtidos pelos sujeitos da amostra foi verificada correlação positiva significativa (rs = 0,823, p < 0,001). O escore total da avaliação da memória de trabalho fonológica também apresentou correlação positiva significativa com os escores dos participantes no NS (rs = 0,831, p = 0,002) e no NF (rs = 0,685, p = 0,020). O número máximo de sequências inteiras repetidas corretamente apresentou correlação positiva significativa com os dois níveis da avaliação da consciência fonológica (rs = 0,895, p < 0,001 para o NS; rs = 0,794, p < 0,001 para o NF) e com o escore total (rs = 0,889, p < 0,001).

Discussão

Os resultados deste estudo desafiam os achados de Cossu et al.3, e estão em consonância com outros estudos que observaram habilidades metafonológicas em sujeitos com síndrome de Down4-19. Acredita-se que em pesquisas prévias, nas quais não foram encontrados níveis de consciência fonológica em indivíduos com a síndrome, foram utilizadas medidas insensíveis. Nesses casos, a consciência fonológica pode ter sido mascarada por outras habilidades cognitivas deficientes.

Estudos anteriores demonstraram a existência de correlações positivas significativas entre habilidades de leitura e consciência fonológica em sujeitos acometidos pela síndrome de Down4,6-9,12,15-16,19,24. Na presente pesquisa, encontrou-se uma associação positiva significativa entre as habilidades metafonológicas e de escrita em indivíduos com a síndrome. Como muitos autores têm argumentado, a relação entre a consciência fonológica e a alfabetização é provavelmente recíproca, com progressos em uma servindo de suporte para o desenvolvimento da outra25,26. Alguns estudiosos acreditam que a relação de reciprocidade entre a consciência fonológica e a alfabetização pode ser verdadeira também para crianças com síndrome de Down7,14-15,18. Como neste estudo existe um número reduzido de participantes e devido ao fato de não terem sido analisados dados longitudinalmente, outras pesquisas devem ser realizadas para que a relação de reciprocidade em sujeitos com a síndrome possa ser confirmada.

A partir de dados deste estudo foi possível observar que, enquanto algumas habilidades de consciência fonológica aprimoram-se com o aprendizado da língua escrita em crianças com síndrome de Down, outras surgem como resultado da alfabetização. A experiência de aprender a ler e escrever parece ser responsável pela emergência da maioria das habilidades de consciência fonêmica em sujeitos com síndrome de Down4-5,9,13. No presente trabalho, verificou-se que algumas habilidades de consciência silábica (segmentação e síntese) e uma certa sensibilidade fonêmica, observada pelo desempenho na tarefa de produção de palavra com o som dado, já podem estar presentes em sujeitos que ainda não se alfabetizaram. Acredita-se que essas habilidades possam dar suporte para o início do aprendizado da leitura e da escrita em crianças portadoras da síndrome de Down.

Os resultados deste trabalho podem ser comparados aos de estudos que verificaram diferenças significativas entre grupos de crianças com síndrome de Down e desenvolvimento típico, ambos com mesmo nível de leitura, em tarefas de consciência fonológica3,8,12-15,19. No presente estudo, as crianças com a síndrome apresentaram desempenho significativamente inferior às crianças com desenvolvimento típico, apesar de mesmo nível de escrita. Alguns autores sugerem que essas diferenças podem ser explicadas pelo desempenho inferior dos indivíduos com a síndrome em tarefas que exigem manipulação de constituintes fonológicos14, tais como exclusão e transposição. Outros pesquisadores verificaram que essas divergências podem permanecer mesmo quando diferenças de idade mental global são levadas em consideração12. Esses achados sugerem que as dificuldades em tarefas de consciência fonológica podem não ser diretamente dependentes do reduzido nível cognitivo global das crianças com a síndrome. Entretanto, outros autores verificaram que a diferença pode deixar de existir em algumas tarefas quando os sujeitos são equiparados pela idade mental verbal, medida pelo vocabulário receptivo8,19.

Outra característica que pode influenciar o desempenho de crianças com síndrome de Down em tarefas de consciência fonológica é a memória de trabalho fonológica. Existem evidências significativas apontando para um déficit específico na memória de trabalho em sujeitos com síndrome de Down27-29.

Os resultados desta pesquisa são consistentes com achados de estudos prévios, nos quais foram encontradas correlações positivas significativas entre medidas de memória de trabalho e de consciência fonológica em sujeitos com síndrome de Down6,9,17,23. Crianças com habilidades de memória de trabalho fonológica mais desenvolvidas parecem ter um melhor prognóstico, tanto para o desenvolvimento da consciência fonológica quanto para o aprendizado da língua escrita5.

Conclusão

As crianças com síndrome de Down brasileiras avaliadas neste estudo apresentaram níveis mensuráveis de consciência fonológica por meio da aplicação do CONFIAS. A associação entre as hipóteses de escrita e os escores de consciência fonológica mostrou-se positiva e significativa. Conclui-se, a partir de dados deste estudo, que habilidades de consciência silábica podem aprimorar-se com a alfabetização em crianças com síndrome de Down; entretanto, a consciência fonêmica parece surgir como resultado do aprendizado da língua escrita. Também foi verificado que essas crianças podem apresentar resultados inferiores a sujeitos com desenvolvimento típico, apesar de mesma hipótese de escrita. Quanto mais desenvolvida a memória de trabalho fonológica das crianças com síndrome de Down, melhor o desempenho em tarefas de consciência fonológica.

Recebido em 05.07.2009.

Revisado em 12.04.2010.

Aceito para Publicação em 01.09.2010.

Conflito de Interesse: não

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Avaliação da memória de trabalho fonológica.

  • 1. Moojen S, Lamprecht RR, Santos RM, Freitas GM, Brodacz R, Siqueira M, Costa AC, Guarda E. CONFIAS - Consciência fonológica: instrumento de avaliação sequencial. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2003.
  • 2. Cossu G, Rossini F, Marshall JC. When reading is acquired but phonemic awareness is not: a study of literacy in Down's syndrome. Cognition. 1993;46(2):129-38.
  • 3. Cossu G, Marshall JC. Are cognitive skills a prerequisite for learning to read and write? Cognitive Neuropsychology. 1990;7(1):21-40.
  • 4. Cupples L, Iacono T. Phonological awareness and oral reading skills in children with Down syndrome. J Speech Lang Hear Res. 2000;43(3):595-608.
  • 5. Kay-Raining Bird E, Cleave PL, McConnell L. Reading and phonological awareness in children with Down syndrome. Am J Speech Lang Pathol. 2000;9(4):319-30.
  • 6. Fletcher H, Buckley S. Phonological awareness in children with Down syndrome. Downs Syndr Res Pract. 2002;8(1):11-8.
  • 7. Gombert JE. Children with Down syndrome use phonological knowledge in reading. Reading and Writing. 2002;15:455-69.
  • 8. Snowling MJ, Hulme C, Mercer RC. A deficit in rime awareness in children with Down syndrome. Reading and Writing. 2002;15:471-95.
  • 9. Boudreau D. Literacy skills in children and adolescents with Down syndrome. Reading and Writing. 2002;15:497-525.
  • 10. Kennedy EJ, Flynn MC. Training phonological awareness skills in children with Down syndrome. Res Dev Disabil. 2003a;24(1):44-57.
  • 11. Laws G, Gunn D. Relationships between reading, phonological skills and language development in individuals with Down syndrome: A five year follow-up study. Reading and Writing: An Interdisciplinary Journal. 2002;15:527-48.
  • 12. Verucci l, Menghini D, Vicari S. Reading skills and phonological awareness acquisition in Down syndrome. J Intellect Disabil Res. 2006;50(7):477-91.
  • 13. Cardoso-Martins C, Michalick MF, Pollo TC. Is sensitivity to rhyme a developmental precursor to sensitivity to phoneme? Evidence from individuals with Down syndrome. Reading and Writing. 2002;15:439-54.
  • 14. Cardoso-Martins C, Frith U. Can individuals with Down syndrome acquire alphabetic literacy skills in the absence of phoneme awareness? Reading and Writing. 2001;14:361-75.
  • 15. Cardoso-Martins C, Frith U. Consciência fonológica e habilidades de leitura na Síndrome de Down. Psicologia: Reflexão e Crítica. 1999;12(1):209-24.
  • 16. Cupples L, Iacono T. The efficacy of 'whole word' versus 'analytic' reading instruction for children with Down syndrome. Reading and Writing. 2002;15:549-74.
  • 17. Kennedy E J, Flynn MC. Early phonological awareness and reading skills in children with Down syndrome. Downs Syndr Res Pract. 2003b;8(3):100-9.
  • 18. Lara ATM, Trindade SHR, Nemr K. Desempenho de indivíduos com síndrome de Down nos testes de consciência fonológica aplicados com e sem apoio visual de figuras. Rev CEFAC. 2007;9(2):164-73.
  • 19. Roch M, Jarrold C. A comparison between word and nonword reading in Down syndrome:the role of phonological awareness. J Commun Disord. 2008;41(4):305-18.
  • 20. Ferreiro E, Teberosky A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas; 1999.
  • 21. Jerger J. Clinical experience with impedance audiometry. Archives of Otolaringol 1970;92(4):311-24.
  • 22. Broadley I, MacDonald J. Teaching short term memory skills to children with Down's syndrome. Downs Syndr Res Pract. 1993;1(2):52-6.
  • 23. Broadley I, MacDonald J, Buckley S. Working memory in children with Down's syndrome. Downs Syndr Res Pract. 1995;3(1):3-8.
  • 24. Fowler AE, Doherty JB, Boynton L. The basis of reading skill in young adults with Down Syndrome. In: Nabel L, Rosenthal D. Down syndrome: living and learning in the communit. New York: John Wiley & Sons; 1995. p. 182-96.
  • 25. Morais J, Mousty P, Kolinsky R. Why and how phoneme awareness helps learning to read. In: Hulme C, Joshi RM. Reading and spelling: development and disorders. New Jersey: Lawrence Erlbaum; 1998. p. 127-51.
  • 26. Freitas GCM. Consciência fonológica e aquisição da escrita: um estudo longitudinal [Tese]. Porto Alegre RS: PUCRS; 2004.
  • 27. Jarrold C, Baddeley AD, Phillips CE. Verbal short-term memory in Down syndrome: a problem of memory, audition, or speech? J Speech Lang Hear Res. 2002;45(3):531-44.
  • 28. Seung HK, Chapman R. Digit span in individuals with Down syndrome and in typically developing children: temporal aspects. J Speech Lang Hear Res. 2000;43(3):609-20.
  • 29. Baddeley AD, Jarrold C. Working memory and Down syndrome. J Speech Lang Hear Res. 2007;51(12):925-31.

Apêndice

  • *
    Trabalho Realizado no CEAAL, Vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Letras na Área de Linguística, da PUCRS.
  • **
    Endereço para correspondência: Av. Venâncio Aires, 70 / 401 Porto Alegre RS CEP 90040-190 (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Revisado
      12 Abr 2010
    • Recebido
      05 Jul 2009
    • Aceito
      01 Set 2010
    Pró-Fono Produtos Especializados para Fonoaudiologia Ltda. Condomínio Alphaville Conde Comercial, Rua Gêmeos, 22, 06473-020 Barueri , São Paulo/SP, Tel.: (11) 4688-2220, Fax: (11) 4688-0147 - Barueri - SP - Brazil
    E-mail: revista@profono.com.br