Acessibilidade / Reportar erro

Preocupações relacionadas à soja transgênica

Concerns over transgenic soybean

Preocupações relacionadas à soja transgênica

Concerns over transgenic soybean

Depoimento de/General comments by

Bernardo Beiguelman

Instituto de Ciências Biomédicas

Universidade de São Paulo (USP)

Rua Angelina Maffei Vita, 408 ap. 41

01455-070 São Paulo — SP Brasil

b ernardo@deane.icb.usp.br

As discussões sobre vegetais transgênicos foram deflagradas no Brasil após um movimento de oposição à tentativa de se introduzir aqui a soja geneticamente modificada para resistir ao herbicida Roundup, por isso denominada soja RR (Roundup Ready). Uma parte da comunidade científica se opôs a essa tentativa, porque julgou que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) não agiu corretamente ao aprovar o pedido para cultivar e comercializar essa soja no Brasil, sem que fosse realizado aqui o estudo de impacto ambiental. O pedido foi apresentado à CTNBio em 19 de julho de 1998. Dois meses depois, em 24 de setembro de 1998, a comissão, então presidida por Luiz Antônio Barreto de Castro, considerou-se convencida de que o plantio dessa soja não apresentava risco ao ambiente ou à saúde humana, deixando assim de levar em conta o inciso IV do artigo 225 da Constituição. O curioso é que a própria CTNBio — que no caso da soja transgênica dispensou o estudo de impacto ambiental e de risco de efeitos adversos em seres humanos — editou três meses depois, em 15 de dezembro de 1998, a instrução normativa 18 que, no artigo 30, estabeleceu o monitoramento de lavouras transgênicas por cinco anos.

Diante das medidas legais tomadas, que suspenderam a comercialização e o cultivo da soja transgênica, outra manobra foi tentada. Ao se constatar que alguns produtores do Rio Grande do Sul estavam plantando soja transgênica contrabandeada da Argentina, usou-se o ‘argumento’ de que, diante disso, a soja aprovada pela CTNBio deveria ser legalizada, porque as sementes contrabandeadas da Argentina não haviam sido testadas no agrossistema brasileiro. Nesse argumento esquecia-se que a CTNBio também não havia realizado o estudo de impacto ambiental com a soja transgênica que aprovou em 1998.

Outra parte da comunidade científica, entretanto, ficou mais preocupada com o fato de o plantio da soja transgênica interessar à Monsanto, a maior transnacional do setor biotecnológico e uma das cinco maiores transnacionais de química agrícola. Tanto a soja transgênica RR quanto o herbicida Roundup são produtos dessa mesma empresa que, no Brasil, já comprou a Agroceres, a Monsoy e a FT Sementes, além de outras empresas. Não foi sem razão que essa venda casada, esse ‘pacote’, assustou muito àqueles que, no Brasil, se preocupam com a possibilidade de se estabelecer um monopólio na venda e no controle de sementes transgênicas patenteadas. Essa preocupação aumentou depois que uma portaria da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde autorizou o aumento, no herbicida Roundup, da percentagem de glifosato, seu princípio ativo. Isso torna as plantas não modificadas geneticamente mais vulneráveis ao herbicida e reforça a necessidade de uso das sementes transgênicas.

O vínculo estabelecido com os donos das sementes patenteadas é controlado por contratos que obrigam o agricultor a comprar as sementes a cada safra. Há razões para supor que esse tipo de contrato não deva durar muito, pois a Monsanto comprou a empresa Delta and Pine Land Co., que patenteou a produção de sementes com o gene terminator*, isto é, sementes geneticamente modificadas para que a planta não gere uma segunda safra.

Com o endosso de alguns cientistas brasileiros, tem-se divulgado que, se o plantio da soja transgênica da Monsanto não for autorizado, isso atrasará o emprego da biotecnologia moderna em nossa agricultura, como se a venda e o plantio dessa soja em nosso país significassem a aquisição da tecnologia para produzi-los. Outra parcela considerável de cientistas pensa diferente. Considera que aqueles que endossam a propaganda da Monsanto não percebem que, se o Brasil ceder agora a essa pressão, ficará ainda mais dependente, em prejuízo do desenvolvimento tecnológico nacional.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Maio 2006
  • Data do Fascículo
    Out 2000
Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz Av. Brasil, 4365, 21040-900 , Tel: +55 (21) 3865-2208/2195/2196 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: hscience@fiocruz.br