CARTA DO EDITOR
Caro leitor,
Como deve ter notado, a capa deste número faz alusão à Revolta da Vacina, que completa cem anos agora, em novembro de 2004. Escolhemos essas imagens porque nos sentimos honrados por lançar a revista em meio às atividades relativas ao centenário, organizadas por duas unidades da Fiocruz, a Casa de Oswaldo Cruz e o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos/Bio-Manguinhos.
Vale a pena conferir a exposição que abre os eventos no Centro Cultural Correios e fica por lá até 16 de janeiro de 2005. A mostra inclui vídeos e filmes; encenações teatrais; seminário e publicação de trabalhos sobre as políticas de imunização implementadas no Brasil ao longo do último século. Os organizadores cogitam, ainda, numa exposição virtual, acessível pela Internet, e na confecção de um banco de dados com informações sobre fontes relacionadas à história das vacinas e das campanhas de imunização.
De certa forma, ajudamos a fomentar este cadinho de realizações com a publicação, há um ano atrás, do número especial intitulado Imunização no BrasilHistória e Perspectivas (vol.10, sup. 2, 2003). A insurreição popular ocorrida no Rio de Janeiro em novembro de 1904, no auge dos processos de remodelação e saneamento urbanos, continua a servir à historiografia como o emblema mais eloqüente das relações entre Estado e sociedade na República Velha. As atividades relativas ao centenário da Revolta constituem excelente oportunidade para repensarmos o complexos fatores que deram origem ao movimento, especialmente as relações entre a vacina anti-variólica e outros imunobiológicos em uso pela saúde pública, os saberes e atores científicos que davam corpo a estas tecnologias pasteurianas (mesmo a de Jenner, então modernizada) e, ainda, as problemáticas decorrentes de uma frágil cidadania e de formas em transição de ordenamento do espaço e de controle social.
Na verdade, este número da revista chega ao leitor na intercessão desses eventos com outro, igualmente importante: de um lado, temos a abertura da exposição sobre a revolta de setores da população carioca contra a obrigatoriedade da vacina que, setenta anos depois, redundaria na erradicação mundial da varíola; de outro, o encerramento do IX Congresso da Sociedade Brasileira de História da Medicina, este ano realizado no Rio de Janeiro, na Academia Nacional de Medicina, com o apoio da Casa de Oswaldo Cruz e participação de número considerável de pesquisadores interessados na história da saúde e das ciências da vida.
Penso nos deslocamentos ocorridos desde os primeiros Encontros de História e Saúde que a Casa de Oswaldo Cruz promoveu após sua criação, em 1986, até esta promissora convergência dos historiadores da medicina, ora formados em quantidade na Fiocruz, na Unicamp e outros centros de pós-graduação, com os médicos que se dedicam a fazer a história de sua profissão, protagonistas de uma tradição muito mais antiga, que se desprendeu dos currículos médicos no século XIX, para se tornar prática erudita e/ou historiográfica autônoma, institucionalizada no Brasil desde 1940.
Este número de História, Ciências, Saúde Manguinhos foi desenhado em função do IX Congresso, com artigos e matérias que exploram diversos ângulos da história da medicina e da saúde pública. Esta é a contribuição que temos a oferecer a uma conjuntura que julgamos muito fecunda, num campo que ajudamos a cultivar ao longo dos dez anos de nossa existência, com a sua valiosa colaboração, leitor, a quem desejamos proveitosa viagem pelas páginas que o aguardam.
Jaime Larry Benchimol
Editor
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Jan 2007 -
Data do Fascículo
Dez 2004