Open-access Escritas de si e de uma doença: um estudo sobre produções de caráter biográfico e autobiográfico de ex-portadores do mal de Hansen

Writing about oneself and a disease: a study on biographical and autobiographical work by survivors of Hansen’s disease

Resumo

Este artigo investiga alguns dos elementos de representação em produções literárias baseadas em memórias de ex-portadores de lepra (atualmente denominada hanseníase) que viveram o regime de isolamento, em vigor no país até meados da década de 1980. Além do estigma de maldição que a lepra já carregava, a medida causou inúmeros traumas àqueles que sofreram a exclusão social e a perda de seus vínculos afetivos. Essas experiências resultaram na escrita de autobiografias, biografias ou, ainda, romances inspirados nas memórias da vida em isolamento. Busca-se, portanto, compreender, a partir do estudo de alguns desses registros, como essas pessoas se viam e como viam a doença e os locais de isolamento.

escritas de si; representações; isolamento compulsório; hanseníase

Abstract

This article investigates some elements of representation in literary work based on memoirs of people with Hansen’s disease (formerly known as leprosy) who lived the confinement forced upon people with this disease in Brazil until the mid-1980s. In addition to the stigma associated with leprosy, this policy traumatized patients, who faced social exclusion and loss of relationships; these experiences yielded autobiographies, biographies, and even romances inspired by their memories of life in isolation. Our objective is to understand, through the study of some of these records, how these people saw themselves and how they viewed the disease and their places of confinement.

autobiography; representations; mandatory isolation; Hansen’s disease

Neste artigo serão abordados alguns aspectos da produção baseada nas memórias de ex-portadores de hanseníase, a partir de suas experiências pessoais vividas em leprosários localizados em diferentes estados do país. Para isso, serão analisados quatro livros que têm como personagem principal pessoas (e personagens) que viveram o isolamento compulsório: Uma estrela sobre o mar, de Katia (1965); À margem da vida: num leprosário do Acre, de Francisco Augusto Vieira Nunes (1978); Maldição e glória: a vida e o mundo do escritor Marcos Rey, de Carlos Maranhão (2004); e Eu estava lá!, de José Corsino Filho (2011). Essas narrativas, que são também sobre a doença, apresentam perspectivas diversas sobre esse tipo de experiência, bem como seus desdobramentos. Não se limitam a mostrar uma contraposição a um discurso oficial, ou dominante, como no caso das instituições que recebiam os portadores de uma enfermidade que era descrita como “flagelo abominável da sociedade”.

As fontes analisadas contêm, em suas páginas, as lembranças traumáticas do estigma vivido pelos doentes, a desestruturação de suas famílias e outros vínculos. Nelas também são narradas as relações com outros que viveram a mesma situação, mas, sobretudo, busca-se dar um novo sentido a essas experiências (Gomes, 2004, p.11), seja como exemplo de superação das dificuldades vividas ou para “ofertar ao público o retrato de uma doença: a lepra” (Katia, 1965, p.2). Desse modo, poderiam “falar dos males que devastam o corpo e, acima de tudo, as chagas que ela abre na alma”, resultantes do desconhecimento e preconceito sobre a doença. Essas narrativas contêm aspectos a respeito de sua época de produção, bem como o uso de determinado vocabulário ou descrição de práticas, e também aspectos sociais, como o(s) grupo(s) que o emprega(m) e dele faz(em) diferentes usos, como aponta Rosalind Gill (2011, p.244-270). São formas de expressão acerca de um modo de ver o mundo, organizar ideias, valores e crenças que fazem do discurso uma prática social (Portelli, 2010, p.14).

Para analisar esses registros, foram necessários alguns aportes teórico-metodológicos acerca da memória e suas particularidades, de seu papel como instrumento de resistência dessas pessoas nas disputas por visibilidade social (Joutard, 2013; Pollak, 1989). Nesse campo de disputa, no qual circulam e se complementam ideias, usos, práticas, apropriações e ressignificações, é possível observar diversos ângulos e percepções sobre esses fatos. Nesse contexto, as reflexões a respeito das representações (Chartier, 1988) também são importantes, uma vez que apresentam elementos narrativos sobre a vida em isolamento, mesmo que parcialmente. Muito embora as fontes históricas tenham suas particularidades e limitações, elas, ligadas ao que é narrado, rememorado, ou esquecido, silenciado, dizem muito sobre a ressignificação da experiência da vida em um leprosário. Giovanni Levi (2000) e Pierre Bourdieu (2000), por sua vez, salientam que essas narrativas – biográficas ou autobiográficas – são construídas, elaboradas e editadas, ao mesmo tempo que ajudam a forjar uma identidade social. Nesse caso, a doença e as memórias provenientes dela não se limitavam a apontar a ausência de saúde, também revelavam uma nova condição social, “o doente”. E, como salienta Diego Armus (2013), esses e outros aspectos fazem parte dessas memórias de forma específica. O aprofundamento dessas e de outras questões relacionadas às memórias, às modalidades narrativas de escritas de si, bem como de suas características e finalidades, ocorrerá ao longo do texto.

O corpus documental analisado é constituído por uma biografia, uma autobiografia e dois romances, Uma estrela sobre o mar, de Katia (1965), e À margem da vida: num leprosário do Acre, de Francisco Augusto Vieira Nunes (1978), ambos baseados nas vivências dos próprios autores. No contexto deste artigo, serão considerados uma modalidade de escrita de si, tendo em vista uma relação de semelhança entre o vivido e o narrado pelos personagens (Alberti, 1991, p.76). A autobiografia Eu estava lá!, de José Corsino Filho, apresenta outra estrutura, cuja narrativa é construída na primeira pessoa, na qual o autor busca dar um caráter “histórico” de sua trajetória, inspirado pela ideia de história mestra da vida. Sua identidade “é clara, assumida e manifesta”, o que configura o chamado pacto autobiográfico, citado por Verena Alberti (1991, p.75-76), em alusão às reflexões de Phillipe Lejeune sobre as autobiografias. No caso de Maldição e glória: a vida e o mundo de Marcos Rey, trata-se de uma biografia escrita pelo jornalista Carlos Maranhão, na qual conta o “rosário de tragédias” na vida do escritor biografado, que também viveu as agruras da doença e do isolamento compulsório. Devido às particularidades (e circunstâncias) desses registros, serão feitas algumas considerações sobre essas modalidades de escrita de si, cujas características serão apresentadas a seguir.

Tanto a autobiografia quanto a biografia contemplam a excepcionalidade de uma vida que merece ser contada, seja pelo caráter inusitado, pelo inesperado, pelo mérito ou mesmo pelo místico ou trágico (Gomes, 2004, p.11). Entretanto, a primeira permite o acesso a detalhes que somente o autor/personagem conhece, sensações, vontades, frustrações e sonhos, por exemplo. É mais voltada para as impressões do personagem sobre o vivido e implica diretamente a identidade entre autor, narrador e personagem. É, ao mesmo tempo, uma escrita “de” e “sobre” si, ou seja, não há intermediários (jornalista, escritor, pesquisador ou biógrafo, por exemplo) nessas construções acerca do passado. Mais do que isso, configura-se a partir de sua relação com o vivido a reconstituição de si e dos acontecimentos narrados (Alberti, 1991, p.66). É, por natureza, lacunar, porque é criada, ordenada e editada por quem a produz, e por isso não abrange a totalidade de sua existência. Além disso, busca explicar e justificar, de certa forma, atos e decisões do passado, lançando mão de uma racionalidade que lhe é dada a posteriori.

O arquivamento do eu não é uma prática neutra; é muitas vezes a única ocasião de um indivíduo se fazer ver tal como ele desejaria ser visto. Arquivar a própria vida é, simbolicamente, preparar o próprio processo: reunir as peças necessárias para a própria defesa, organizá-las para refutar a representação que os outros têm de nós. Arquivar a própria vida é desafiar a ordem das coisas; a justiça dos homens assim como o trabalho do tempo (Artières, 1998, p.31).

Essa produção contempla uma sequência temporal dos eventos baseada naquilo que o autor/personagem considera mais representativo, relevante e significativo para dar um sentido específico à narrativa. Desse modo, o autor/personagem conta-se, reconta-se, esquece (ou omite) fatos que não correspondem ao seu projeto de apresentação de si (Artières, 1998, p.11). É uma identidade que se elabora simultaneamente à narrativa. Dito de outro modo, é também instrumento de visibilidade de uma identidade e elemento de resistência1 para que uma experiência traumática não seja ignorada, esquecida ou silenciada. Alessandro Portelli2 (1993) apresenta contribuições importantes, pois evidencia aspectos que vão além do debate sobre os atributos de verdade. E, considerando as particularidades desses registros, é importante situar alguns elementos relacionados à memória, mas também à história social da doença.

Em suas reflexões a respeito das memórias de enfermos, Diego Armus (2013) coloca a seguinte questão: o que fazer com as recordações do enfermo? Essa indagação é importante, posto que aponta um novo direcionamento para os estudos ligados às memórias e suas diferentes narrativas. A doença, algo incômodo, sobre a qual pouco se fala, tem um papel importante nesses registros, uma vez que se constituiu como elemento identitário para os portadores da doença: deixava-se de ser uma “pessoa” para tornar-se “doente”.3 Assim, doença e saúde passam a ser vistas também sob uma perspectiva social, indo além da ideia de algo inerente aos estudos acerca da história da saúde ou da medicina. Num esforço de localizar melhor essas articulações entre história, saúde e doença, Armus (2013, p.1454) recupera diversas abordagens sobre “a doença como objeto de reflexão”. Ele parte da perspectiva das disputas de poder no campo médico e da produção do conhecimento científico, até chegar àquela que contempla os enfermos como agentes históricos. E é aqui que os debates propostos neste artigo se inserem: “A perspectiva dos doentes frente aos problemas de saúde e doença, as subjetividades dos enfermos” (Armus, 2013, p.1456).

Para compreender a prática de contar-se (a si e a doença), estabelecida por meio de “operações linguísticas, discursivas, subjetivas e socioculturais” (Armus, 2013, p.1457), torna-se essencial observar a necessidade de se fazer ver socialmente. Por isso, a contextualização tem um papel fundamental não só por mostrar as circunstâncias que propiciaram a elaboração desses registros, mas sua motivação e finalidade. Busca-se, portanto, entender como e para quem o autor/narrador se apresenta, conta e se conta, se reelabora, enfim, se representa. Essa “narrativa de si” tem como possíveis objetivos fazer “recordar e tirar lições do passado, para preparar o futuro, mas sobretudo para existir no cotidiano” (Artières, 1998, p.14). Em outras palavras, contar a vida por si mesmo, ou por meio de um personagem ficcional, é a realização do desejo de testemunhar.

Diferentemente da autobiografia, a biografia é uma narrativa elaborada sobre alguém cuja relevância é conferida por outrem (um familiar, um partido político, uma associação, entidade ou grupo social, entre outras possibilidades). Embora algumas dessas produções tenham a pretensão de abranger a totalidade da vida do biografado, ela também é lacunar, uma vez que é uma representação. São narrativas construídas a partir da interpretação de um narrador que não o biografado sobre as fontes disponíveis, mas que também pode ser elaborada a partir de sinais e registros deixados por ele, ou pessoas de seu convívio. Alessandro Portelli (2010, p.186), particularmente, utiliza a expressão biografia num sentido mais específico, no qual enfatiza a relação entre o evento histórico e a participação do sujeito. Não se limita a contar a história de alguém, mas de ressaltar o papel do biografado dentro dos acontecimentos.

Ao lidar com as narrativas a respeito do vivido, seja como objeto de estudo ou como fonte histórica, as reflexões de Pierre Bourdieu (2000, p.183-192) e Giovanni Levi (2000, p.167-182) são essenciais para investigar seus usos e limitações metodológicas, bem como suas possibilidades de análise. Uma trajetória elaborada acerca da vida de alguém, com suas particularidades e desvios, só pode ser compreendida em sua relação com a época e a sociedade em que está inserida. Assim, tem-se contato com as especificidades do indivíduo, de seu contexto e seus vínculos (Levi, 2000, p.173). Embora essas narrativas tenham diferenças sutis, ambas contemplam a necessidade de atribuir um “sentido, uma lógica, ... ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva, uma consistência e uma constância, estabelecendo relações inteligíveis” (Bourdieu, 2000, p.184).

Desse modo, essas narrativas biográficas permitem conhecer, ao menos em parte, a mentalidade de uma época e do grupo social do qual essas pessoas faziam parte, bem como seus valores, práticas e relações com (e entre) diferentes grupos. Ao sobrepor a conjuntura vivida por essas pessoas às suas memórias, observou-se que as memórias só são compreendidas quando articuladas à conjuntura. Não se trata apenas de vê-las como “cenário e personagem”, mas como elementos que atuam, influenciam e interferem, em maior ou menor intensidade, mutuamente. A seguir, será apresentado, ainda que brevemente, o contexto que deu origem a esses registros e suas peculiaridades, no caso, a representação de si e da doença por quem a viveu, ou seja, a exclusão, o preconceito ou, ainda, a “morte antes da morte” (Maranhão, 2004, p.52).

Locais de isolamento e de memória

Para conter a crescente endemia da lepra no país a partir do final da década de 1920 e início da seguinte, adotou-se o isolamento compulsório de todos os portadores da doença como política de controle profilático. Para implantar essa estrutura de exclusão social, foi preciso obter respaldo político e de setores da sociedade civil para obter recursos financeiros (Monteiro, 1995, p.416). Havia também a necessidade de criar uma legislação específica para justificar a exclusão social a que os pacientes dessas instituições eram submetidos. Além disso, havia a perda de direitos civis e individuais, como direito ao voto e o pátrio poder, por exemplo. Era preciso convencer a população da necessidade dessa medida.

No estado de São Paulo, parte da imprensa4 teve um papel importante no processo porque ajudou a construir um discurso para legitimar e neutralizar as críticas a essas medidas profiláticas, ao mesmo tempo que reforçava o estigma que envolvia a doença. Pouco se falava, porém, das más condições desses locais e da superlotação provocada pelo número crescente de internados. Embora o estado de São Paulo tivesse grande influência sobre as medidas adotadas com relação ao isolamento dos doentes de lepra, os demais estados do país tinham uma postura menos radical no que diz respeito às internações (Monteiro, 1995, p.217).

A imagem de “cidade jardim”, como esses locais eram descritos por boa parte da imprensa, estava mais próxima de uma miragem do que da realidade de quem vivia o isolamento obrigatório, uma vez que os internados deveriam se submeter às rigorosas regras da instituição, que exercia o poder por meio da disciplina. Esse procedimento garantiu a manutenção dessa estrutura, bem como a “centralização do poder” para a condução das políticas públicas5 para a doença em diversos âmbitos. Desse modo, a população seria “esclarecida” sobre os riscos do contato com doentes e a importância de encaminhá-los, voluntariamente ou não, para um diagnóstico e, em seguida, à internação.

Esses locais de isolamento (primeiro asilos-colônia, depois denominados sanatórios) tinham características de uma instituição que exercia o poder por meio da disciplina (Foucault, 2015, p.182). Instituição que era regida por diferentes políticas públicas para o combate à doença, do isolamento compulsório até a internação para tratamento e alta médica, possível desde o fim da década de 1940. Conhecida à época como “modelo paulista”, essa estrutura de isolamento sistematizava três procedimentos: o aviso obrigatório no caso de contágio de doenças infectocontagiosas;6 a internação compulsória dos doentes; e o encaminhamento de seus filhos (doentes ou não) aos preventórios. A justificativa para a construção dessa estrutura se fundamentava na ideia de proteger a sociedade da doença (e de seus portadores), e não necessariamente cuidar dos doentes.

Além do controle sobre o tempo e os corpos dos internados, nota-se ainda a criação e manutenção de um sistema unificado para formar profissionais (no caso, pacientes treinados pelos médicos da instituição) e regulamentar essas ações (Foucault, 2015, p.253-254). Com o surgimento de um tratamento e da possibilidade de cura, essas práticas e vínculos se transformaram ao longo dos anos, culminando no decreto 968/1962, que determinou o fim do isolamento obrigatório no país. Apesar disso, muitos desses locais de isolamento mantiveram tal prática por mais de uma década. Tampouco houve um planejamento adequado para a readaptação dessas pessoas ao convívio em sociedade, fazendo com que muitos voltassem a viver nas instituições. Isso sem falar de outros tantos que sequer haviam saído, por causa do medo de ser novamente discriminados e rejeitados.

Essa contextualização é importante para observar como tais instituições exerceram um poder disciplinador sobre os internados não somente pelas regras, mas pelos usos do tempo e dos espaços. Diante de tantas dificuldades e controle, os pacientes criaram subterfúgios e alternativas para suportar os traumas causados pela vida em reclusão. Dentre eles estão as diversas narrativas construídas para mostrar outra perspectiva da vida em isolamento e também construir novos sentidos para essas experiências na maioria das vezes traumáticas. Representadas como vítimas da doença pelo discurso construído pelo Estado (por meio de diversos suportes e linguagens), essas pessoas se esforçaram para construir narrativas próprias de suas experiências, desviando-se de um enquadramento de memória (Pollak, 1989, p.9), ou do que Phillipe Joutard (2013, p.254) define como “veneração da vítima”. Com o registro e a divulgação dessas memórias, em suas diversas modalidades e formatos, seria possível se distanciar da imagem de doentes, incapazes de reagir ou protestar contra o cerceamento de suas liberdades.

Essas produções contemplam, além das impressões a respeito dessas experiências, diversos aspectos das atividades cotidianas da vida em isolamento. Nelas também têm lugar representações sobre as relações afetivas, a doença propriamente e as dificuldades de adaptação àquela realidade, seja durante a vida intramuros ou como egressos da instituição. Há, ainda, a memória da dor que é revivida, tornada presente, mas que também pode ser vista como uma tentativa de servir de exemplo a ser seguido diante das dificuldades. “Espero que esta história de vida sirva de estímulo para aqueles que julgam tudo muito difícil, tenho um pensamento, que me ocorreu face à era virtual: ‘Todos nós nascemos heróis virtuais; alguns, a vida torna reais’” (Corsino Filho, 2011, p.107).

Assim, os aportes teóricos que contemplam os estudos acerca das narrativas, memórias e diferentes modalidades de escrita de si são fundamentais para compreender a construção, ainda que contraditória, de um novo significado para esses acontecimentos. Roger Chartier (1988, p.17) salienta que as representações das práticas sociais não são neutras, uma vez que são elaboradas a partir delas, e as memórias se inscrevem na mesma perspectiva, porque também resultam delas: rememorar é também uma prática social.

Escritas de si e da vida em isolamento

Produzidas em diferentes momentos, essas narrativas têm em comum a discriminação e o sofrimento decorrente da exclusão social causada pela lepra. No trecho a seguir, o modus operandi do Departamento de Profilaxia da Lepra (DPL), responsável pelas ações profiláticas no estado de São Paulo, é descrito pelo jornalista Carlos Maranhão (2004, p.32), biógrafo de Marcos Rey, quando aborda a ocasião em que este foi recolhido, ainda no início dos anos 1940:

Os guardas, depois de passar pela casa, foram encontrá-lo a quatro quarteirões, em um bar da Praça Marechal Deodoro, onde ele jogava bilhar. Ele tentou fugir, mas o mal perfurante nos pés, que se agravara, impediu que corresse. Não conseguiu ir além da calçada. Com a mesma técnica usada pelos homens da carrocinha para pegar cachorros na rua, um dos guardas tirou uma corda da cintura e laçou-o pelo tronco. Edmundo, um jovem de dezesseis anos, foi empurrado para a ambulância, que arrancou em direção à avenida Doutor Arnaldo, onde se localizava o DPL. Ele chegou lá amarrado e, horas depois, seria mandado para Mogi das Cruzes, a 61 quilômetros da capital.

A religiosidade também é um elemento muito presente nas narrativas e ajuda a mostrar a doença como uma provação, tal qual Jó,7 personagem bíblico que teve a fé posta à prova. Outra nuança dessa visão sobre a doença é expressa nos eufemismos para designá-la: doença suja, doença feia. O doente, por sua vez, era um impuro, sujo, verdadeiro pária. E para se distanciar dessa imagem, alguns recursos foram usados, como adotar a estrutura de um romance “inspirado em fatos reais” para narrar essas memórias. No trecho a seguir, nota-se a definição de Katia (1965, p.III) sobre o que é uma autobiografia, mesmo que pela negação:

Estas páginas não constituem, rigorosamente, uma autobiografia, no sentido de que não transmitem, de forma completa e em ordem cronológica, a história de uma criatura ferida desde a infância pela doença. O que aqui se expõe são momentos esparsos de uma vida, ao lado de algumas experiências semelhantes vividas por entes muito próximos, e que poderiam esclarecer e aprofundar, segundo o nosso parecer, a visão de um quadro.

Entretanto, ainda nas primeiras páginas, a narrativa é descrita como um “autêntico documento de uma experiência vivida em profundidade e em todas suas dolorosas dimensões”, para mostrar “a verdade sobre a moléstia, até agora mal conhecida e caluniada”. Nesse procedimento esconde-se outra prática, bastante comum, entre aqueles que viveram o isolamento: a mudança de nome ou sobrenome.8 Caso do escritor Marcos Rey, cujo verdadeiro nome era Edmundo Nonato. O mesmo ocorreu em Uma estrela sobre o mar, cuja autoria é atribuída a Katia,9 que conta a história de Soninha, personagem que sofreu com a doença desde criança e que viu sua família se desestruturar por causa da doença. Em À margem da vida: num leprosário no Acre, Francisco Augusto Vieira Nunes10 apresenta Pedrinho, personagem principal da história que é baseada nas reminiscências de infância do autor. Apesar dos aspectos autobiográficos presentes nas narrativas, não se pode perder de vista que não são, a rigor, autobiografias, embora também sejam escritas de si. Nesses dois casos, não há uma relação de identidade entre autor e personagem, pois quem viveu os acontecimentos narrados não foi a mesma pessoa que os contou (Lejeune citado em Alberti, 1991, p.76). Em vez disso, há uma relação de semelhança na qual as experiências dos autores e suas impressões acerca do vivido são contadas pelas ações e sensações de Pedrinho e Soninha.

Esse recurso permite aos autores tomar distância em relação a si mesmos, para lidar com as dificuldades de contar suas memórias em forma de romance, cuja narrativa é vista aqui como um “dispositivo de resistência” (Artières, 1998, p.28). Com esse artifício, tornou-se possível para Katia mostrar os acontecimentos sob uma perspectiva específica, sem, no entanto, revelar totalmente sua identidade. No caso de Francisco Nunes, o personagem Pedrinho ajudou a criar esse distanciamento com os acontecimentos de sua infância e juventude. Esse recurso, baseado numa relação entre valor e sentido, ajudou na construção de uma subjetividade para lidar com essas memórias e possíveis julgamentos sobre a veracidade das narrativas (Pereira, 2000, p.123-124).

A mudança de nome também aparece em Eu estava lá!, de José Corsino Filho, quando o autor menciona parte da rotina nos leprosários onde esteve internado e ainda como as pessoas tentavam refazer suas vidas, a começar de uma nova identidade. O autor apresenta suas memórias a partir da infância vivida na cidade mineira de Ubá, sendo internado aos 12 anos em 1946. Como nas demais narrativas, ele aborda as dificuldades de adaptação ao isolamento ainda tão jovem, a vida longe de seus familiares e amigos, as fugas e os artifícios para despistar os vizinhos e não ser denunciado ao serviço sanitário local. Para tentar evitar que um familiar doente fosse levado para o leprosário, particularmente crianças, a família o escondia em casa (caso dos personagens Pedrinho e Soninha), sem poder ter contato com ninguém de fora.

Ainda que fossem personagens, Pedrinho e Soninha ajudam a introduzir aspectos importantes sobre a reclusão e as relações interpessoais, assim como acerca da discriminação causada pela lepra e seus estigmas. O preconceito causado pela desinformação a respeito da doença também foi mencionado quando os personagens foram impedidos de frequentar a escola ou de brincar com outras crianças. A doença também aparece por meio do impacto causado nas famílias: mudanças de endereço, desemprego, alcoolismo e outras dificuldades. Esses fatores permitem entender o porquê da mudança de nome, afinal.

Outro aspecto importante com relação à identidade dos autores (seja por uso de pseudônimo ou de um personagem) é o ano de publicação das obras, considerando o contexto das políticas públicas então adotadas para a doença. O livro Uma estrela sobre o mar foi publicado em 1965, numa época em que a lepra ainda era muito mal vista, embora o decreto proibindo a internação obrigatória já estivesse em vigor. No caso de À margem da vida: num leprosário do Acre, publicado em 1978, 11 anos após a extinção do DPL e da reestruturação da Secretaria de Saúde no estado de São Paulo, o debate sobre a reinserção social dessas pessoas estava na ordem do dia. De tais discussões surgiria, três anos mais tarde, o Movimento de Reintegração de Pessoas atingidas pela Hanseníase (Morhan), do qual Francisco Nunes, criador de Pedrinho, foi um dos fundadores.

As outras duas obras vieram a público algumas décadas mais tarde (2004 e 2011), quando a lepra já era conhecida por hanseníase,11 num contexto bastante diverso, embora ainda haja bastante desinformação a respeito. O que não diminui nem apaga a dor e o sofrimento de ter vivido em um leprosário, fazendo com que o doente Edmundo Nonato se tornasse o escritor Marcos Rey. Ou, então, que José Corsino Filho, na condição de médico, dedicasse um capítulo inteiro de sua autobiografia para abordar a doença, seus sintomas e formas de tratamento. Os traumas são parecidos, mas a maneira de lidar com eles é individual, singular. Cada memória da dor causada pela doença é única, seja no silêncio sobre o acontecimento, na criação de um personagem (ou pseudônimo) para narrar suas memórias ou afirmando categoricamente sua (dolorosa) estada numa instituição de isolamento: “Eu estava lá”. Muitos outros estiveram “lá” (mesmo que fosse em Minas Gerais, São Paulo ou no Rio de Janeiro, como nas fontes analisadas), e cada um rememora o isolamento a seu modo, com os recursos e referências adquiridas ao longo da vida (Carvalho, 2011, p.59-87).

A vida em confinamento, seja numa instituição ou na própria residência, fez com que a relação com o espaço se modificasse, e esse é outro aspecto que chama atenção nos registros. A delimitação do espaço (dentro/fora da instituição, ou da casa) não é meramente geográfica, mas social, pois designa o lugar de cada um: os doentes ficavam “dentro”, separados dos de “fora”, os “de saúde”.

Estivera pensando que, enquanto sofria em casa em seu isolamento tedioso, uma nova vida se gerava em sua irmã. Mesmo que ela fosse eliminada, outras vidas continuariam num fluxo contínuo, como a força vitalizante que existe nas profundezas do mar (Katia, 1965, p.37).

A importância da relação dentro/fora pode ser observada desde o título na autobiografia de José Corsino Filho: Eu estava lá! No entanto, o autor modifica seu sentido ao mencionar um amigo que não sabia de seu passado como hanseniano: “[Ele]Nunca soube que eu estava lá, só tendo sabido que estou aqui” (Corsino Filho, 2011, p.109). Essa dualidade também é retomada no título do primeiro e do segundo capítulos, respectivamente, “Eu estava lá” e “Eu estou aqui (por oposição a eu estava lá)”. Há, portanto, uma inversão nessa relação com a instituição quando ele se coloca do lado de fora. No final do livro, o autor apresenta uma justificativa para a escolha do título de suas memórias, colocando em evidência sua participação dentro do contexto dos estudos a respeito das medidas profiláticas adotadas para com a lepra.

Fazendo um passeio pela tela do computador, localizei um site que se propunha a apresentar um histórico da colônia Padre Damião; ao lê-lo detectei dois erros importantes: a data de sua inauguração informada como sendo 1940 e o nome do seu primeiro diretor. Através do correio eletrônico informei ao seu administrador sobre os citados erros, informando os dados corretos; quis ele saber então quais fontes eu teria consultado. Respondi-lhe apenas com uma frase: EU ESTAVA LÁ! Ao acessar novamente o site, as correções haviam sido feitas. Daí a escolha do nome (Corsino Filho, 2011, p.163; destaques no original).

A relação com o espaço também é ressaltada e reiterada na biografia sobre o escritor paulista: “Lá dentro, ninguém saberia a existência de Marcos Rey. Fora, ninguém saberia da história de Edmundo Nonato” (Maranhão, 2004, p.45). Essa ambiguidade conduz a outra visão acerca da doença, uma vez que ela é (de algum modo) também personagem, seja como provação divina, inimiga, um segredo ou um sinal de distinção. Em Uma estrela sobre o mar, Soninha apresenta a lepra, àquela altura ainda não diagnosticada, como algo que a tornava diferente das demais crianças:

Naquela tarde, houve show no ‘teatrinho conta-gôta’. Entre as representações, seu dedo morto foi uma atração. Um dos artistas lhe cortara um pedacinho da pele com uma gilete, e ela mantivera nos lábios o sorriso, simbolizando o slogan da sua coragem.

As descrições desse acontecimento, invejado pela turma, foram comunicadas às autoridades sanitárias.

– A mamãe não quer que a gente brinque com você porque talvez você seja doente, a garotinha confidenciara-lhe inocentemente.

– Doente de quê? Perguntara (Katia, 1965, p.20; destaque no original).

Essa distinção logo revelaria seu lado mais cruel: dores, febre, perda de sensibilidade em diferentes partes do corpo e, por fim, amputações. A história da garota pernambucana se passa nos anos 1950, e, embora já houvesse tratamento para a lepra, a falta de informações e dos mesmos recursos existentes nos estados de Rio de Janeiro e São Paulo reforça a dificuldade de conviver e até mesmo dizer o nome da doença.

Frequentemente ia ao espelho. Examinava-se. O pai, quando estava bêbado e não conseguia controlar-se, falava o nome daquela doença horrível, responsável pelas suas mãos semelhantes agora às patinhas dos animais. Ela temia repetir aquele nome. Mas pesquisava, atenta: as orelhas, será que estariam crescendo? A pele estaria se modificando? Nada, continuava branca, limpa, as orelhas eram apenas muito doloridas (Katia, 1965, p.27).

Numa outra perspectiva, a época em que o texto foi produzido diz muito a respeito de como a doença era vista e representada, uma vez que sua incidência era (e ainda é) muito alta, atingindo principalmente jovens e adolescentes. Nessas escritas de si podem ser alcançadas a representação do indivíduo sobre essa conjuntura e condição, seus valores e práticas, e principalmente acerca de si mesmo.

O que mais a deixava revoltada, às vezes, aniquilada outras, era a incerteza sobre sua situação. Se, ao menos, soubesse ao certo o que tinha... Todos pareciam temer aquela doença... nem ela ousava pronunciar seu nome de si para si... o círculo que a aprisionava era aquela palavra de cinco letras: LEPRA (Katia, 1965, p.56; destaque no original).

Embora Soninha fosse doente desde criança, quando apresentava seu “dedinho morto” para a plateia de crianças da vizinhança, ao se tornar adolescente, continuaria a esconder a doença porque sabia que seria discriminada. Ao contar sua trajetória até São Paulo em busca de um tratamento, a narrativa sugere uma “moral da história” na qual a resignação e a religiosidade são pilares importantes para suportar os sofrimentos físico e psicológico. Além de descrever a busca da jovem por um alívio para sua inquietação e a promessa de uma cura, o trecho a seguir mostra a relevância do DPL:

Já na sala de espera do DPL, mantinha solilóquios, relembrando o passado, observando, ao mesmo tempo, aqueles que a rodeavam.

Quanta gente, pensou. Era o seu primeiro contato direto com a lepra. Parecia aceitar também sua situação de doente. Via muita gente. Todos doentes, dissera-lhe alguém. A maioria possuía ótimo aspecto. Pareciam sadios pensava. Confundem-se com moças sadias. Algumas dessas são bem bonitas, bem cuidadas, têm bom gosto em tudo. Usam perfumes delicados. Será que constituem a ‘elite’ da lepra, ou haverá outros como estas? Afinal, a doença não é tão má assim...

Estas verificações distraíram-na. O DPL estava cheio de doentes. Os de melhor aparência, que tinham despertado sua atenção, eram em geral funcionários do DPL. Ela mal podia crer no que via: recuperação integral. Pensava pela milésima vez: ah, São Paulo querido! Ah, dr. Madureira formidável! (Katia, 1965, p.92; destaque no original).

Nas dependências do DPL, a personagem se vê entre iguais, mas também passa a observar a lepra com outros olhos, uma vez que os doentes tinham “ótimo aspecto”, revelando a surpresa de ver pessoas sem deformidades e cicatrizes, frequentes quando se faz um diagnóstico tardio. A chegada a um estado “mais adiantado” também revela a importância do DPL naquele contexto, assim como as boas relações para conseguir alguma orientação e auxílio. A personagem cita, em dois trechos, ter recebido ajuda de um desembargador e de um médico, doutor Madureira, para que conseguisse um alojamento em um dos sanatórios paulistas. Nos agradecimentos, a autora cita o doutor Madureira e Conceição da Costa Neves,12 além de qualificar o desembargador Soares de Mello e sua esposa como seus “benfeitores”. Esses vestígios levam a supor que a experiência da personagem diz muito sobre a autora, que se autodenomina como “moça desconhecida”. Com isso, Katia manteria seu anonimato e poderia demonstrar seu reconhecimento aos seus benfeitores. Também poderia contar essas experiências, não necessariamente como aconteceram, mas como foram sentidas por ela. Personagem e narrativa se construíram simultaneamente para ordenar e ressignificar os acontecimentos. Desse modo, é possível oferecer uma nova perspectiva sobre os acontecimentos, e não apenas uma contraposição às memórias oficiais.

Quando se fala em memórias, a relação com o tempo se dá em outros níveis, diferentes do linear. Não é a memória de todo o passado vivido, mas daquilo que é lembrado a partir do presente, pois o esquecimento é parte constitutiva dela, ou, como afirma Phillipe Joutard (2013, p.253-279), sua particularidade. Contempla tempos múltiplos e relativos, simbólicos e subjetivos: das festas, do trabalho, do estudo, da vida privada, da relação com o grupo e com outros grupos. São tempos em que a vida privada se insere na vida em sociedade. Joutard também chama atenção para seu caráter impreciso e polissêmico, que se inclina mais ao plural (memórias) do que ao singular. Assim, memória e história são duas vias de acesso ao passado que obedecem a lógicas diferentes, aparentemente em oposição, mas que devem constituir uma aliança13 necessária para fugir dos determinismos e maniqueísmos. A memória possui um caráter antropológico, cuja temporalidade é cíclica, mas também pode representar aquilo que foi, e não é mais, dando-lhe um caráter testemunhal, como adotado por José Corsino Filho.

A ilusão biográfica (Bourdieu, 2000, p.183-191) diz respeito à crença de que essa construção (criada, editada e revisada para atribuir sentido e valor específicos) seja a verdade. Trata-se de um registro organizado de acordo com lógica e coerência próprias, cuja cronologia também é construída. As práticas discursivas produzem ordenamento, afirmação, distanciamento, divisões e valores, e por isso também são vistas como formas de interpretação. Isso pode ser notado no trecho a seguir, quando o Promin, medicação empregada à época, é introduzido na narrativa de Katia por intermédio de sua personagem:

Entrementes, nos hospitais de internações, dava-se o promissor surgir do ‘Promin’, das ‘sulfonas’. Os portões abriam-se para dar saída a centenas de doentes curados, radiantes pela vitória da ciência, debelando um mal tido naquela época como uma maldição. Com os novos medicamentos, a palavra sempre odiada começava a adquirir outro significado para o doente. Tratando-se convenientemente, o doente obtendo alta, estaria ‘curado’, podendo viver na sociedade, embora sob tratamento médico. As internações passavam a ser encaradas como um preventivo em interesse do portador de lepra, que assim garantia um futuro de saúde na convivência da sociedade, onde seu lugar estaria reservado, esperando seu próximo regresso. O DPL era procurado com frequência. O enfermo deixava de ser um condenado. O mundo voltava a acenar-lhe com promessas. Leis foram criadas, tudo sofria grande modificação, sempre para melhor (Katia, 1965, p.119; destaques no original).

No entanto, Pedrinho, o personagem de À margem da vida, não teria o mesmo otimismo ao relatar as dificuldades de se reintegrar à sociedade, uma vez que, mesmo não sendo mais doente, permaneceria um “leproso”. Ele reapresenta a doença como elemento de sua identidade, porém numa outra circunstância.

E todos ficavam convencidos de que além das fronteiras do leprosário nada poderiam encontrar que os ajudasse a tornar concreto algum ideal, algum sonho. Só a repulsa coletiva iam (sic) encontrar lá fora. Tinham de limitar suas vidas, portanto, àquele pequeno mundo, que acabava no portão que os tinha fechado ali. Desgraçadamente, os ‘vencidos’ tinham muita razão, como Pedrinho pôde comprovar mais tarde (Nunes, 1978, p.62; destaque no original).

Nesse ponto, as narrativas, que possuem vários elementos comuns, passam a apresentar diferenças. Se para Pedrinho e Soninha não haveria a chance de uma vida fora do sanatório, a fuga para o Rio de Janeiro, onde as políticas públicas adotadas para a doença eram menos radicais, garantiria a José Corsino e Edmundo Nonato, já como Marcos Rey, uma nova vida do outro lado dos portões dos leprosários. E, assim como a narrativa de Corsino, a biografia sobre Marcos Rey não tem seu fio condutor calcado na doença, caso dos outros dois registros. A lepra, agora hanseníase, é parte dessas memórias e, mesmo que seja um aspecto importante na constituição da personalidade de ambos, faz parte de um passado vivido em instituições de isolamento, de fugas e do medo do estigma, que foi silenciado por muito tempo.

Depois de sair, José Corsino Filho formou-se médico, e Marcos Rey trabalhou como escritor, jornalista, redator de programas de rádio e televisão, roteirista e pertenceu à Academia Paulista de Letras. No entanto, o médico e o escritor famoso tinham uma ligação ímpar com os demais ex-hansenianos, que era tecida pelo sofrimento causado pelas dores físicas e emocionais. No prefácio de Fernando Morais para o livro sobre o escritor, a seguinte questão é abordada: “Como alguém tão público (ou midiático, como se diz hoje), alguém tão visível aos olhos da multidão, como foi Marcos Rey, conseguiu guardar durante tantas décadas aquilo que Ricardo Setti chama, na orelha deste livro de ‘terrível segredo’?” (Maranhão, 2004, p.10; destaque no original).

Mostra-se aqui uma nova representação da doença: um terrível segredo, ou seja, o silêncio sobre a lepra. Era-lhe impossível falar acerca da doença e seus desdobramentos, embora soubesse da importância de abordar o tema. O escritor só autorizou sua esposa a contar sobre o período em que esteve internado depois de sua morte, em 1999, e é por ela que o jornalista Carlos Maranhão começa sua narrativa: revelando a existência de Edmundo Nonato e sua condição de portador do mal de Hansen. A biografia aborda ainda de que maneira a situação financeira de um doente de lepra, ou de sua família, interferiria nessas circunstâncias. Mesmo que a família Nonato tivesse recursos financeiros para pagar um médico particular,14 isso não impedira a internação do jovem Edmundo no asilo-colônia Santo Ângelo, como consequência de uma denúncia anônima. Isso não significa que as boas relações de seu irmão, o jornalista Mário Nonato, não influenciassem no tratamento dado a um interno “diferenciado”.

Nesse caso, como Edmundo conseguiu sair tão depressa de Santo Ângelo? A única resposta possível, embora sua ficha nada esclareça a respeito, é a interferência de Mário [seu irmão]. Quem na família tinha bons relacionamentos? Só ele. Com seu prestígio como jornalista do Estadão, que durante o período em que esteve sob a intervenção da ditadura Vargas publicava notícias favoráveis sobre as iniciativas do DPL, Mário convenceu as autoridades sanitárias a transferir o irmão para Padre Bento porque lá havia duas alas destinadas aos doentes menores de idade (Maranhão, 2004, p.42).

O jornalista Carlos Maranhão salienta que, mesmo com os privilégios que muitos doentes não tiveram, o período de isolamento foi muito traumático para o jovem Edmundo, a ponto de, já homem feito, negar-se a falar ou escrever sobre a questão. Além disso, referia-se aos internados como “eles”, numa tentativa de distanciar-se das lembranças e da identidade de doente. E ainda que não se visse como um deles, adotara o mesmo silêncio que muitos mantiveram a respeito (Maranhão, 2004, p.45). Nesse caso, a biografia contempla as memórias de um escritor que tinha na lepra um segredo, quase uma fatalidade, mas não um elemento constituinte de sua identidade, pois não se via como um “doente”.15 Ao analisar essas narrativas, é possível notar os mecanismos criados para dar um sentido particular às suas vidas. Logo, não se trata de produzir novos fatos sobre o passado, mas de reinterpretar o que aconteceu. É o caso de José Corsino Filho (2011, p.71), cuja abordagem volta-se para a possibilidade de tirar lições das dificuldades, quando afirma: “Senti-me na obrigação de escrever sobre o acontecimento, pois temos que preservar a história, para que os mais jovens tenham conhecimento melhor do que é a vida”. Seu projeto de escrita de si vai além dessa necessidade, porque se propõe, também, a mostrar a superação dos traumas e dificuldades. Uma vida pós-isolamento.

Ao falar acerca da vida fora do sanatório, elenca momentos importantes, tais como sua formação como médico, as boas notas em concursos, sua primeira ida ao estádio do Maracanã, o primeiro carnaval, sua primeira viagem de avião, por ocasião de uma visita à então nova capital federal, Brasília. Contudo, a doença também lhe trouxera o que ele define como autopreconceito: a dificuldade de fazer contato físico, por causa do “medo de contágio” arraigado, em decorrências dos “anos de fogo”, da internação. Como médico, o autor dedicou um breve capítulo de caráter informativo, cujo título (“Hanseníase tem cura!”), enfático, tenta afastar o estigma impregnado no próprio nome da doença. Comenta sobre as características, sintomas, formas de contágio, tipos de hanseníase e duração do tratamento. Mais do que um informativo, trata-se do esforço do autor em desconstruir o preconceito decorrente da falta de informação a respeito da doença, mas também de esquivar-se da imagem de “leproso”.

As narrativas contidas nos livros em questão não são componentes de uma única memória sobre o isolamento. São plurais e dizem respeito a pessoas cujas experiências foram vividas, revividas e narradas de modos diversos. Por isso, é preciso considerar, além das circunstâncias de sua produção, os aspectos subjetivos como premissa metodológica para lidar com esses registros (Portelli, 2010, p.185-208). Essas narrativas vão além de um testemunho acerca da experiência de viver num regime de isolamento compulsório. Elas têm por finalidade forjar memórias diversas daquelas construídas pelas instituições onde milhares de pessoas viveram, além de conferir novos significados às lembranças muitas vezes traumáticas da vida em confinamento.

Isso não os impediria de rememorar aspectos positivos, como as festas, as amizades e os vínculos afetivos estabelecidos ao longo da vida intramuros. Afinal, essas instituições também foram locais de recomeço. Era uma nova vida, que não fora sonhada ou desejada por essas pessoas, mas que não parece ter sido completamente infeliz, como observa Keila Carvalho16 (2011, p.63). Nessas narrativas, os locais de isolamento foram contados (e recontados) como lugar de sofrimento, de acolhimento, de disputas, mas também lugares de memória. Entretanto, não se pode perder de vista que as lembranças são permeadas pelas dores físicas e emocionais provocadas pelos vínculos e afetos desfeitos, pela exclusão e pelo preconceito, mas também pela tentativa de silenciamento dessas pessoas em diversos níveis.

Considerações finais

Os estudos dessas narrativas, em suas diferentes modalidades (autobiografias, biografias ou ainda com o auxílio de personagens ficcionais), peculiaridades e limitações, mostram alguns recursos usados por ex-doentes de hanseníase para construir suas próprias narrativas sobre o isolamento do restante da sociedade, a doença e eles mesmos. Além da exclusão social causada pelo confinamento, os doentes do mal de Hansen eram vistos como portadores de um estigma milenar, e por isso deveriam ser isolados. Assim, teriam as memórias sobre essas experiências silenciadas, tornando-os invisíveis perante a sociedade. Nesse ambiente excludente e de apagamento de suas pessoas e de suas memórias, foram criadas diversas formas de resistência, entre elas as narrativas dos doentes. Por meio delas, poderiam narrar, eles mesmos, essas experiências, atribuindo novos significados. São, também, um meio de contestar o discurso elaborado pelo Estado, a partir de ideologias, suportes e estratégias diversas, quanto às medidas profiláticas adotadas.

As fontes analisadas ressaltam a importância dessas ressignificações sobre o passado, uma vez que fazem parte dos combates pela memória travados entre as instituições de isolamento e seus antigos pacientes. Ao mesmo tempo que buscam obter visibilidade perante a sociedade, José Corsino, Marcos Rey, Francisco Nunes e Katia (com o auxílio de Pedrinho e Soninha) apresentam um repertório variado, cujas escritas de si contemplam também a construção de uma identidade, seja por identificação ou por oposição/negação à doença, como no caso de Marcos Rey.

Essas modalidades de escritas de si, autobiografias, biografias e outros registros ligados à memória, como os romances analisados, voltam-se para a excepcionalidade da vida de um personagem, embora se expressem de modos diferentes. Se a autobiografia permite conhecer as impressões do autor/personagem acerca dos acontecimentos, a narrativa biográfica é construída por meio da interpretação de um narrador sobre o personagem, dentro de uma conjuntura. Os romances analisados apresentam outro aspecto dessas memórias: a criação de personagens ficcionais como forma de distanciamento com relação ao sofrimento vivido e lembrado, para que pudesse elaborar uma narrativa a respeito da doença e da vida em isolamento de maneira menos sofrida ou amarga.

Ao estudar esses registros de si, tem-se acesso, ainda que parcialmente, aos diversos aspectos da vida cotidiana, os afetos, as crenças, o trabalho e o lazer, por exemplo. Do mesmo modo, permitem ter uma visão da lepra por quem sentiu na pele a dor e a discriminação, também mostram a vontade de subverter as regras disciplinares da vida em confinamento, seja num leprosário, seja em casa. Esses elementos contribuíram para aprofundar o entendimento sobre essas memórias, assim como o desejo de atribuir novos significados às experiências de vida permeadas pela dor causada pela doença e pela exclusão social.

AGRADECIMENTOS

Este artigo é resultado de parte de uma pesquisa de doutorado sobre os subterfúgios criados pelos internados para lidar com as dificuldades e frustrações decorrentes da vida em isolamento. Gostaria de agradecer aos pareceristas que deram contribuições valiosas para este trabalho. Agradeço igualmente ao apoio e incentivo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para que a pesquisa fosse desenvolvida.

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NOTAS

  • 1
    Nesse contexto, as reflexões de Michel de Certeau (1990) sobre as astúcias e táticas surgidas no cotidiano para burlar e subverter, ainda que momentaneamente, códigos disciplinares permitem enxergá-las também na ordem das narrativas. Assim, o testemunho dessas pessoas e suas diferentes modalidades de registros atuam como instrumento de resistência.
  • 2
    Embora Alessandro Portelli (1993) mencione os atributos de verdade no contexto das narrativas orais, o debate proposto permanece relevante, apesar de tratar-se de outra modalidade de escrita de si.
  • 3
    A doença é um aspecto importante porque ajudou a forjar uma nova identidade para os pacientes isolados. A dualidade “saudável/doente” é vista como fator identitário e de diferenciação: “nós” (doentes), “eles” (sadios). Essa característica também está presente em narrativas orais de portadores do mal de Hansen entrevistados pela autora durante a pesquisa de campo. Ver Porto (2017, p.50).
  • 4
    Em suas análises sobre os jornais O Estado de S. Paulo, Folha da Manhã, Folha da Noite e Folha de S. Paulo, Guilherme Gorgulho Braz (2013) evidencia o apoio dado pela imprensa às medidas profiláticas do governo paulista, posteriormente adotando certa “neutralidade” até meados de 1950, quando a estrutura paulista passou a ser questionada.
  • 5
    Para mais detalhes sobre políticas públicas para a lepra, ver os trabalhos de Yara N. Monteiro (1995); Marcos Luciano Curi (2002); Ivan Ducatti (2007); e, particularmente, o de Laurinda Rosa Maciel (2007), que tem as políticas públicas para a lepra, nos níveis estadual e federal, como tema principal de sua pesquisa.
  • 6
    De acordo com o decreto federal 5.156, de 8 de março de 1904, as doenças que deveriam ser notificadas além da lepra eram peste, febre amarela, cólera, varíola, difteria, infecção puerperal, tifo, febre tifoide, tuberculose, impaludismo, escarlatina e beribéri (Brasil, 1904).
  • 7
    No livro de Jó, Deus decide pôr à prova a fé de Jó por meio de várias dificuldades: a pobreza, o abandono de seus familiares e diversas doenças, entre elas a lepra.
  • 8
    Nesse sentido, as reflexões de Bourdieu (2000, p.188) sobre o nome como suporte de um “conjunto de propriedades (nacionalidade, sexo, idade etc.) ligadas a pessoas às quais a lei civil associa efeitos jurídicos” são fundamentais para compreender essa prática. Ao abrir mão desse suporte e de tudo o que ele representa, abre-se mão, também, do vínculo com a família de origem, seja por ter sido abandonado, ou para proteger os familiares da “vergonha” de ter um doente na família. Deixava-se de ser parente, cônjuge, amigo de alguém identificado por documentos civis para ser apenas um doente, cuja identificação se dava por meio do número de prontuário.
  • 9
    Não foram encontrados quaisquer registros sobre o verdadeiro nome do autor ou autora.
  • 10
    Conhecido como Bacurau, Francisco Nunes viveu no Sanatório Aimorés, posteriormente Hospital Aimorés, localizado na cidade de Bauru, entre 1979 e 1997. Nunes foi um dos fundadores do Movimento pela Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan).
  • 11
    O médico leprologista doutor Abraão Rotberg (2002) teve papel importante ao promover uma campanha de esclarecimento e educação sanitária e também propor a mudança do nome de lepra para hanseníase. Ele tinha como justificativa o estigma que o próprio nome carrega, ou, como ele mesmo definiu, um leprostigma. O nome hanseníase, segundo o médico, surgiu de uma pesquisa junto aos pacientes com quem tinha contato no sanatório Padre Bento para que escolhessem o nome que lhes parecia mais adequado para designar a doença.
  • 12
    Maria da Conceição da Costa Neves, nascida em Juiz de Fora em 1908, iniciou sua vida pública como atriz, aos 21 anos, na Companhia de Teatro Procópio Ferreira, com o nome artístico de Regina Maura, e teve carreira intensa e curta. Depois de casar-se, em 1938, com o médico Matheus Galdi Santamaria, envolveu-se em atividades assistenciais na Cruz Vermelha de São Paulo, da qual foi diretora entre 1943 e 1945. Eleita em 1947 como primeira deputada estadual paulista, foi a terceira mais votada entre 75 deputados e a única mulher eleita para a Constituinte Paulista até então.
  • 13
    Philippe Joutard (2013) argumenta epistemológica e historicamente sobre a necessidade desta aliança entre história e memória ao abordar as questões relacionadas à Shoah.
  • 14
    Na época, a notificação e encaminhamento dos doentes a uma das unidades de isolamento do Departamento de Profilaxia da Lepra eram obrigatórios, embora houvesse médicos que atendiam pacientes em melhores condições financeiras, cobrando destes um “adicional” pelo silêncio (Maranhão, 2004, p.29).
  • 15
    Este é um aspecto importante porque ajudou a forjar uma identidade para os internados depois da exclusão social vivida por eles. A dualidade saudável/doente é, portanto, um fator identitário e de diferenciação: nós (doentes), eles (sadios).
  • 16
    Em seu trabalho sobre as memórias de ex-internados da colônia Santa Izabel, Keila Auxiliadora Carvalho (2011) aponta questões importantes sobre essas narrativas. Num primeiro momento, a autora salienta que não existe uma memória coletiva, “única”, acerca da experiência do isolamento, para depois ressaltar a complexidade dessas memórias em particular, carregadas de sentimentos ambivalentes com relação a essas medidas adotadas para com portadores do mal de Hansen. Além disso, justifica a importância de investigar essas escritas de si, tendo em vista que boa parte da produção sobre o tema contempla uma abordagem vitimista dessas pessoas, que, apesar das circunstâncias, desenvolveram subterfúgios diversos para lidar com o confinamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2017
  • Aceito
    2 Abr 2018
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