Resumo
O que a colaboração entre Florestan Fernandes, Aldo Solari e o Instituto Latino-americano de Relações Internacionais, órgão do Congresso pela Liberdade da Cultura, explica sobre as ideias do sociólogo entre 1969 e 1972? A análise de documentos oficiais do instituto e correspondências e textos de Florestan e Solari sugere que esse episódio revela um sociólogo preocupado com a manutenção de espaços científicos num continente marcado pelo autoritarismo, o que permite matizar a periodização entre fases “acadêmico-reformista” e “político-revolucionária”. Argumenta-se que, do ponto de vista do instituto, a parceria com Florestan era crucial para produzir legitimidade intelectual para suas ações.
história da sociologia latino-americana; Florestan Fernandes (1920-1995; Guerra Fria Cultural; Instituto Latino-americano de Relações Internacionais; Aldo Solari (1922-1989
Abstract
What does the collaboration between the sociologist Florestan Fernandes, Aldo Solari, and the Latin American Institute of International Relations (ILARI), an organ of the Congress for Cultural Freedom, tell us about Fernandes’s thinking between 1969 and 1972? The analysis of official ILARI documents and correspondence and texts by Fernandes and Solari suggests that this episode reveals Fernandes’s concern with defending space for science on a continent marked by authoritarianism, thereby enabling a more nuanced understanding of his trajectory than one marked by two distinct phases, “reformist-academic” and “revolutionary-political.” From ILARI’s perspective, the partnership with Fernandes is revealed as critical in lending its actions intellectual legitimacy.
history of Latin American sociology; Florestan Fernandes (1920-1995; Cultural Cold War; Latin American Institute of International Relations; Aldo Solari (1922-1989
O objetivo deste artigo é investigar um episódio pouco conhecido da trajetória do sociólogo paulista Florestan Fernandes (1920-1995), bem como da própria história da sociologia latino-americana em geral. Trata-se de sua breve interação, entre 1969 e 1972, com o Instituto Latino-americano de Relações Internacionais (Ilari) – 1965-1972 –, uma iniciativa do Congresso pela Liberdade da Cultura (CLC), organização financiada pela Central de Inteligência Americana (CIA) cujo objetivo era promover atividades culturais anticomunistas que competissem com o que se entendia ser o progressivo encantamento exercido pelo poder soviético sobre artistas e intelectuais ocidentais (Saunders, 2000; Scott-Smith, 2003).1 Esse episódio evidencia as perspectivas de Florestan a respeito de seu projeto de sociologia científica e sobre a própria forma de atuação do Ilari nas ciências sociais da região.
O período em questão é tema controverso na bibliografia sobre o sociólogo paulista. Cristalizou-se nas décadas que se seguiram ao eclipse da ditadura militar de 1964 uma visão essencialmente política da trajetória de Florestan, em especial por conta de seu papel nos anos 1980 como congressista e intelectual ligado ao Partido dos Trabalhadores (Arruda, 2018). Bárbara Freitag (1987) contribuiu de forma decisiva para essa fortuna crítica no seu clássico artigo sobre o sociólogo paulista, em que divide a trajetória de Florestan em um período “acadêmico-reformista” e outro “político-revolucionário”, cuja marca de corte teria sido a aposentadoria compulsória, em 1968.
Outros estudiosos procuraram modular essa hipótese, atentando para as continuidades na trajetória do autor. José de Souza Martins (1996), por exemplo, sustentou a coerência eminentemente acadêmica da trajetória do seu colega paulista, apontando o vínculo entre a fase marxista de Florestan e suas inquietações sociológicas originais. Eliane Veras Soares (1997), por sua vez, parte diretamente de um debate específico com a hipótese de Freitag para afirmar que a fase supostamente “acadêmica” do autor nunca deixou de ser política e que mesmo seu período posterior também implicou a rearticulação de suas preocupações intelectuais originais. De certo modo, essa é também a posição de Lidiane Rodrigues (2006), que em sua dissertação de mestrado explorou exatamente o período entre 1969 e 1972 e argumentou que Florestan manteve seu olhar sociológico mesmo ao se concentrar nas formulações de Lênin, tema de sua predileção no período. Segundo Rodrigues, o giro marxista de Florestan não implicou o abandono do seu projeto científico de sociologia, apenas sua adequação a um cenário crescentemente autoritário e de fraca institucionalização.
Mais recentemente, Elide Rugai Bastos (2020) apontou como a produção de Florestan na década de 1970 pode ser relacionada às suas investigações sociológicas sobre dilemas da mudança social feitas na década anterior. Segundo Bastos, a questão do autoritarismo do capitalismo periférico seria pertinente para os dois períodos, o que permite situar a autora no rol dos analistas que não veem cisão entre as duas etapas.
Permanecem, porém, as interpretações que sustentam uma cisão produzida pelo giro marxista do autor, como sugere Diogo Valença Costa (2021), que, ao analisar os textos escritos por Fernandes na década de 1970, afirma que seu projeto sociológico teria sido depurado e radicalizado por conta de sua orientação marxista-leninista. Nesse sentido, Costa sustenta o afastamento de Florestan de seu projeto manheimiano original, fato que encontraria ressonância nos seus textos sobre a condição cooptada e alienante dos cientistas sociais de então. Essas interpretações encontram respaldo na visão do próprio sociólogo paulista à época, como se pode depreender de sua correspondência com Bárbara Freitag.
Em abril de 1970, Florestan encontrava-se exilado no Canadá, após sua aposentadoria compulsória da Universidade de São Paulo, em 1968. Nessa condição, escreve uma carta, datada de 22 desse mês, a Freitag (1996, p.148-149), em que discorre sobre seu frustrante período no exterior:
O homem é limitado por sua condição humana. Não vou mais longe que os outros e talvez tenha certas limitações incuráveis, que nascem de cicatrizes do passado. São as cicatrizes que me tornam um tanto relutante para aproveitar as vantagens que minha posição me proporciona (como o caso da dotação oferecida pela Fundação Volkswagen, com a qual vou fazer o mesmo que já fiz com ofertas análogas da Fundação Ford), e que percebo me levam a agir de forma irracional.
Essa breve confissão de Florestan, que evidencia certa visão crítica do papel das fundações norte-americanas e europeias de apoio à pesquisa, é reforçada e mais bem explicada em outra carta, escrita em 29 de janeiro de 1971, para a mesma destinatária:
A ‘ciência’ está injetando na Europa a mesma dose de pusilanimidade, de co-optation e de conformismo deliberado (embora também bem disfarçado) que já instilou nos Estados Unidos. Hoje, aprende-se mais lendo um bom artigo de orientação crítica – quando os jornalistas fazem uma descrição ‘honesta’ – ou um romance, do que se lendo obras de cientistas políticos, sociólogos e economistas de ‘alto nível’. Fico cada vez mais revoltado com esse ‘alto nível’, os ‘modelos’ sofisticados e o vazio total que eles envolvem; uma ciência útil para quem comanda burocraticamente e pode pagar um ‘preço funcional’ pelas decisões impostas de cima para baixo (Freitag, 1996, p.151; destaques no original).
São conhecidas essas cartas, bem como o diagnóstico crítico do sociólogo paulista a respeito dos rumos que a profissionalização das ciências sociais tomava na Europa, nos EUA e no Brasil. Seriam evidências tanto do compromisso político de Florestan com a transformação da sociedade como de sua visão da disciplina como um “saber militante”, para usar uma expressão que deu nome a um livro de ensaios sobre o autor (D’Incao, 1987).
Outro conjunto de correspondências desse mesmo período, entretanto, permite-nos iluminar aspectos menos conhecidos da trajetória internacional de Florestan. Em agosto de 1969, o sociólogo uruguaio Aldo Solari escrevia a seu colega brasileiro para convidá-lo a tomar parte num conjunto de discussões sobre universidade e sociedade, que contaria também com o argentino Jorge Graciarena, o francês Jean Labbens e o paraguaio Domingos Rivarola, e para o qual Florestan contribuíra com o envio de um texto-base. O seminário fechado ocorreria entre 4 e 6 de setembro, no Rio de Janeiro, e Solari apresentava uma estrutura básica para condução dos trabalhos (o que Solari chama na missiva de “esquema”) e do que seria discutido:
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Sobre a validez do esquema e as modificações e ampliações que se possam fazer;
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Detalhar os pontos principais a se estudar dentro de cada item; e
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Definir uma ordem de prioridades e um plano de avanço gradual dentro das possibilidades dos centros do Ilari na América Latina (Solari, 18 ago. 1969).2
Para contextualizar minimamente esse convite, é importante notar que o Ilari representou uma tentativa de modernizar o discurso anticomunista tradicional do Congresso pela Liberdade da Cultura, promovendo a interlocução com setores progressistas da ciência e da cultura na América Latina, em especial com o emergente mundo das ciências sociais profissionais. Ele foi dirigido por Louis Mercier Vega,3 um veterano da esquerda libertária e antistalinista europeia, que logo empreendeu um sofisticado trabalho editorial e intelectual. Sob o comando de Vega, o Ilari publicou as revistas Aportes, Mundo Nuevo (esta possivelmente sua mais conhecida iniciativa, liderada pelo crítico uruguaio Emir Rodriguez Monegal), Informes de China, Cadernos Brasileiros, além de revistas associadas, como as paraguaias Revista de Sociologia, Revista de Antropologia e Suplemento Antropológico, e Temas (editada em Montevidéu por Benito Milla, outro conhecido intelectual e ativista anarquista próximo de Vega). O Ilari também financiava galerias de arte, como Goeldi no Rio, Arca em La Paz e Libertad em Santiago. No caso dos livros, editava-se principalmente pela Libera, Paidós (ambas em Buenos Aires) e pela Alfa (Montevidéu). Segundo Elizabeth Cancelli (2015), apenas em 1965, ano em que seus estatutos foram aprovados, o instituto editou 232 livros e quatro revistas.
Em 1969, o Ilari já vivia uma crise, por conta das revelações publicadas em 1966 pelo jornal New York Times (NYT) sobre o financiamento secreto da CIA para as atividades do Congresso pela Liberdade da Cultura. Tal fato obrigou a organização a se repaginar, mudando de nome para International Association for Cultural Freedom (IACF) e lutando para manter suas operações com recursos exclusivos de fundações norte-americanas, particularmente a Ford.
Qual o sentido dessa interação de Florestan Fernandes, conhecido por suas convicções políticas de esquerda e por suas críticas às fundações de pesquisa norte-americanas, com as atividades do Ilari? O que essa breve cooperação revela sobre as dinâmicas da Guerra Fria Cultural em nosso continente e sobre a própria trajetória de Florestan? Este artigo procura responder a essas questões de forma a contribuir para dois temas que vêm sendo discutidos na literatura sobre a história da sociologia latino-americana: (a) o papel do Ilari na organização das ciências sociais no continente e suas estratégias de recrutamento; (b) a reconstrução mais matizada da trajetória intelectual de Florestan Fernandes, para além da cisão entre um período “acadêmico-reformista” e outro “político-revolucionário”.
O artigo estrutura-se em duas seções. Na primeira, apresento o estado do debate científico a respeito do papel do Ilari na Guerra Fria Cultural e do próprio significado desse conceito no âmbito da história das ciências sociais. Embora considere que a bibliografia avançou significativamente no desvendamento dos atores e de seus interesses, da lógica organizacional do instituto e do fluxo financeiro, penso que ainda temos muito a esclarecer a respeito do modo como tais aspectos se traduziram em formas de fazer sociológico e modos de atuação intelectual. Nessa primeira parte, valho-me principalmente da bibliografia secundária.
Na segunda parte, descrevo o contexto intelectual e político que cercou o convite de Solari a Florestan, destacando o papel do sociólogo uruguaio no Ilari, em especial sua atuação em empreendimentos intelectuais no Uruguai, como a realização do seminário sobre elites latino-americanas em Montevidéu, em 1965. Para tanto, mobilizo literatura secundária sobre o tema e exploro parte da vasta correspondência envolvendo Solari e o Ilari no período em tela. Em seguida, descrevo as conexões entre o instituto e Florestan Fernandes nos anos de 1969 e 1970, combinando correspondências do arquivo do Ilari com cartas disponíveis no acervo de Florestan na Universidade Federal de São Carlos. Além disso, situo a produção do sociólogo paulista à época no âmbito do debate sobre universidade e desenvolvimento, também feito por Solari. Sugiro que a interação de Florestan com o Ilari e com as iniciativas promovidas pelo seu colega uruguaio indica um intelectual preocupado com a manutenção de espaços de debate científicos num continente marcado pelo autoritarismo, o que permite matizar a periodização entre uma fase “acadêmico-reformista” e outra “político-revolucionária”. Os dados aqui apresentados permitem vislumbrar um Florestan ainda convicto tanto do poder científico da sociologia como da própria função da universidade numa sociedade democrática, temas que ele cultivava desde a década de 1950 a partir de uma perspectiva manheimmiana (Vianna, 1997).
O Ilari, a Guerra Fria Cultural e a história da sociologia latino-americana
A definição do conceito de Guerra Fria Cultural comporta peculiaridades para o caso latino-americano, em especial por conta da presença dominante de uma das superpotências na região, ao contrário do que ocorria na Europa, efetivamente dividida entre norte-americanos e soviéticos. Como mostra Patrick Iber (2015), mesmo liberais ou sociais-democratas latino-americanos não viam de forma simpática um discurso anticomunista que minimizava o papel imperialista dos EUA na região, além de estigmatizar experiências nacionalistas e populares que não necessariamente seriam do tipo soviético. Iber (2015, p.22) destaca a controvérsia entre as esquerdas em torno do regime cubano como fundamental para classificar a Guerra Fria Cultural como uma “guerra civil internacional dentro da esquerda global para definir as ideias e as práticas que iriam guiar a mudança política”.
Os efeitos da Guerra Fria Cultural sobre as artes e a literatura latino-americanas foram bem explorados pelos estudiosos (Gilman, 2003; Mudorvcic, 1997), e o caso das ciências sociais ganhou atenção mais recentemente, em especial à luz de pesquisas que buscaram reconstruir as controvérsias entre intelectuais e cientistas da região a respeito do papel do financiamento de fundações norte-americanas para pesquisas, como no caso das polêmicas suscitadas pelos conhecidos Projeto Camelot (Navarro, 2011) e Projeto Marginalidades (Plotkin, 2015).4
No caso do Ilari, os trabalhos de Karina Jannello são incontornáveis, tanto pela riqueza empírica como pelo grau de detalhamento das diversas inciativas geradas por esse empreendimento. Jannello (2018a) analisou a política editorial do Ilari, o impulso à agenda das modernas ciências sociais na região (Jannello, 2018b) e a própria aclimatação do CLC às dinâmicas dos campos intelectuais locais, que teriam impulsionado uma apropriação ativa de agendas e ideias anticomunistas (Jannello, 2013-2014). Seus trabalhos permitem situar um debate crucial para essa historiografia, que diz respeito ao significado da adesão de intelectuais e cientistas sociais da região aos empreendimentos do Ilari e ao impacto das atividades do instituto sobre a institucionalização das ciências sociais no continente e sobre o próprio fazer científico dos intelectuais.
Jannello (2018a, p.72) sustenta que não se deve ver a relação entre o Ilari e as ciências sociais latino-americanas pelo prisma da cooptação, já que o instituto não estaria propriamente comprando intelectuais que anteriormente pensavam de modo diferente, mas abrindo espaço para atores que já detinham uma trajetória significativa e autônoma na área, e, de certo modo, compartilhavam uma agenda comum. Essa visão encontra ressonância nos trabalhos recentes de Marcelo Ridenti (2018), que se debruçou sobre a revista Cadernos Brasileiros, uma das principais publicações brasileiras do Congresso pela Liberdade da Cultura. Ao analisar o perfil editorial e as correspondências entre os representantes do CLC e os editores nacionais (particularmente Afrânio Coutinho), Ridenti afirma que a revista se abriu progressivamente para a intelectualidade de esquerda, em especial após o golpe de 1964, que foi visto pelos operadores do CLC na região como um processo autoritário a ser criticado. Ridenti (2018, p.363-364) chega mesmo a sugerir que a revista operava num espaço de relativa autonomia em relação à CIA.5
Posição oposta à de Jannello e Ridenti pode ser vista nos trabalhos de Elizabeth Cancelli (2015, 2017). Em suas pesquisas, Cancelli tem se debruçado sobre fundações como a Ford e o Ilari e seus trabalhos de promoção e financiamento das ciências sociais na América Latina. Cancelli argumenta que parte significativa da agenda moderna das ciências sociais latino-americanas nas décadas de 1960 e 1970 deveria ser vista como derivada de um trabalho sofisticado de agendamento ideológico operado por essas fundações por meio de projetos, financiamentos e intercâmbios. Segundo a autora,
o papel do CCF foi preponderante na disseminação de ideias, modelos e comportamento. Acima de tudo, deixou marcas profundas na maneira de pensar e no ambiente intelectual e permitiu que fossem construídas tradições intelectuais que, acima de tudo, e equivocadamente, se pretendiam independentes, modernas, democráticas e, muitas vezes, originais (Cancelli, 2017, p.39).
Essa linha interpretativa também é seguida por Wanderson Chaves(2019), que, em sua tese de doutorado, orientada por Cancelli e publicada recentemente em livro, analisou os arquivos da Fundação Ford. Chaves enfatiza o protagonismo da Ford no trabalho de agendamento intelectual operado na região, com destaque para o caso de Florestan Fernandes, analisando tanto a participação do sociólogo paulista em importante conferência sobre raça e cor organizada pelo CLC como também os argumentos presentes em Mudanças sociais no Brasil e A integração do negro na sociedade de classes. Chaves (2019, p.228) conclui que “essa síntese de programa de Florestan Fernandes convergia, exceto apenas para as convicções socialistas, para a agenda defendida pela Fundação Ford, a maior investidora global na área acadêmica de estudos raciais”.
Como se vê, há controvérsia significativa na bibliografia sobre o papel do Ilari e do CLC na promoção do debate intelectual latino-americano, particularmente das ciências sociais. Essa controvérsia diz respeito tanto ao grau de autonomia dos interlocutores e parceiros dessas instituições como aos efeitos reais das estratégias de financiamento sobre a comunidade das ciências sociais. Sustento que a melhor maneira de entender a relação entre o Ilari e os intelectuais com os quais trabalhou deve atentar para os distintos níveis de envolvimento, pois há uma evidente hierarquia nas cargas de trabalho distribuídas entre esses atores.
Assim, o estudo de caso envolvendo Solari, Florestan e o Ilari é exemplar para tentar avançar nos problemas que vêm sendo trabalhados na história da sociologia latino-americana, pois envolve um conhecido insider do instituto – o uruguaio Solari – e um notório cientista social, que, no período analisado (1969-1972), era visto como crítico ao imperialismo norte-americano e ao papel desempenhado por fundações internacionais de apoio à pesquisa.
Aldo Solari, Florestan Fernandes e o Ilari
O encontro entre Aldo Solari e o Ilari deve ser entendido a partir do cruzamento entre uma trajetória singular no campo intelectual uruguaio e uma instituição cuja vocação modernizadora e pluralista oferecia um bom caminho para a ultrapassagem dos constrangimentos colocados nesse campo.
Formado em direito e com sólidas raízes no Partido Colorado, Solari inicia sua atividade no início da década de 1950 na Universidade da República (Udelar), onde trabalhou com Isaac Ganon para institucionalizar a sociologia no sistema universitário local. Adepto e promotor do estrutural-funcionalismo, participou da criação do Instituto de Ciências Sociais (ICS), tornando-se seu diretor em 1964 e permanecendo no posto até 1966, quando se afastou da função, indo radicar-se no ano seguinte no Instituto Latino-americano e do Caribe para Planificação Econômica e Social (Ilpes), um órgão da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). O processo de institucionalização disciplinar da sociologia no Uruguai seria a partir de então conduzido por uma nova geração formada na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) – os “flacsistas” –, que buscava articular um ideal científico-profissional da disciplina com novas abordagens teóricas que discrepavam do credo estrutural-funcionalista caro a Aldo Solari (Markarian, 2020a; De Sierra, 2005).
Dado o papel de Solari na institucionalização inicial da sociologia no Uruguai e sua postura político-intelectual, mais próxima do liberalismo do que de visões tidas como esquerdistas, não é de espantar a aproximação com o Ilari.
Um documento esclarecedor a respeito dessa aproximação é o longo relatório “Situation, activités et projets du Congrès Pour la liberté de la Culture en Amérique Latine”, escrito provavelmente no início de 1963 e sem autoria definida, embora possivelmente tenha sido produzido por Mercier Vega (IACF, 1963). Nele, explica-se que a nova fase do CLC previa a substituição de uma estratégia ferozmente anticomunista por uma tentativa de construir capacidade intelectual na região que permitisse a consolidação de uma moderna mentalidade científica afastada do que se entendia como totalitarismo. Ou seja, tratava-se de promover a cultura intelectual das ciências sociais, marcada pela pluralidade, como resposta ao avanço das ideias comunistas na região, evitando uma posição excessivamente doutrinária que não teria produzido resultado nos anos anteriores. Ao listar as figuras-chaves na região, sobressaem, no caso do Uruguai, três pessoas: Benito Milla, livreiro e destacado organizador intelectual, além de ex-combatente anarquista na Guerra Civil Espanhola (onde conheceu Mercier Vega); Emir Rodriguez Monegal, crítico literário que dirigiria a revista Mundo Nuevo; e Aldo Solari, classificado como “único sociólogo uruguaio de valor”. No caso de Solari, enfatiza-se como credenciais: sua trajetória, já que estaria pouco a pouco se aproximando das posições do CLC após deixar uma organização de esquerda, seu trabalho crítico sobre o tercerismo uruguaio e seu envolvimento com atividades do CLC na região e, finalmente, sua posição como diretor do ICS, tendo derrotado o sociólogo Carlos Rama, candidato tido como “castrista”, isto é, excessivamente simpático ao modelo cubano.6
Como mostra Ximena Espeche (2016), o tercerismo foi especialmente relevante entre 1958 e 1968, período marcado pela emergência de uma consciência crítica de intelectuais que buscavam repensar a identidade do país à luz de uma atualização de tradicionais posturas latino-americanistas, como o arielismo. Como posição política, o tercerismo era ambíguo, podendo variar entre a defesa de uma simples postura geopolítica equidistante das duas superpotências e uma ideologia nacional-popular que visava reconstruir o projeto nacional uruguaio à luz da integração latino-americana (Acosta, 2003). Mas, aos olhos dos operadores do Ilari, o tercerismo era uma doutrina perigosa por implicar uma possível abertura intelectual simpática ao modelo cubano, o que explica por que o relatório destaca a posição de Solari sobre o tema como relevante para seu recrutamento.7
Além de organizar grupos de trabalho e palestrar em espaços financiados pelo Ilari, Solari se lançou a uma intrincada missão, que resultou no seminário sobre formação das elites latino-americanas, que se realizaria em junho de 1965 na capital uruguaia, em parceria com o Institute of International Relations da University of California, dirigido por Seymour Lipset. Como mostra Markarian (2020b), o evento foi inicialmente planejado por Lipset e Vega, pensando-se a princípio no nome do chileno Jorge Ahumada para dirigir as atividades em Montevidéu, mas com a recusa deste, chegou-se ao nome de Solari, com quem Mercier já vinha dialogando.
O seminário foi alvo de contundente ataque de Carlos Real de Azúa, que publicou no semanário Marcha! no dia 4 de maio daquele ano uma crítica ao CLC e aos organizadores, relacionando o evento ao interesse imperialista norte-americano na região, que se demonstrava de forma clara mais uma vez após a invasão da República Dominicana. Real de Azúa era um professor, escritor e ensaísta, além de um dos principais nomes do semanário Marcha!, peça central na cultura intelectual da esquerda uruguaia e espaço fundamental para articulação das posições terceristas. Assim, não é de estranhar que essa publicação tenha sido o palco principal para a polêmica em torno de um seminário organizado por uma instituição como o Ilari, que, por sua vez, desejava a todo custo evitar sua identificação com posturas conservadoras.
Lipset reconheceu o problema em carta ao próprio Solari datada de 18 de maio daquele ano, na qual afirma que Gino Germani o alertara sobre a crescente oposição ao evento (Lipset, 18 maio 1965). A carta, porém, não apenas evidencia preocupação, mas revela um aspecto fundamental do trabalho de organização intelectual efetivado pelo Ilari: o uso estratégico do pluralismo político-intelectual para legitimar suas ações. Assim o mesmo Lipset (18 maio 1965) informa:
Ocorreu a mim que pode ser uma boa ideia convidar para o seminário debatedores adicionais que não poderiam ser associados aos interesses norte-americanos. Fui informado que Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul, Darcy Ribeiro, ex-presidente da Universidade de Brasília, e Décio Freitas – um jovem advogado –, todos os três intimamente relacionados a João Goulart, estão vivendo em Montevidéu. Sua participação poderia contribuir muito para a discussão das elites políticas latino-americanas, e tomara contribua para reduzir a pressão sobre a conferência.
A ideia de atrair figuras identificadas com a esquerda era um recurso para evitar a identificação do Ilari com iniciativas vistas como imperialistas. Ao final, o programa abrigou um grupo prestigioso de cientistas sociais latino-americanos e de latino-americanistas norte-americanos, como Fernando Henrique Cardoso, Juarez Brandão Lopes, Gláucio D. Soares, Kenneth Silver e Frank Bonilla. Segundo Markarian (2020b), a crítica de Real de Azúa não encontrou muita ressonância na imprensa, e Solari não teve trabalho para obter apoio das instâncias internas da Udelar.
Nos anos seguintes, entretanto, as lembranças desse evento iriam novamente ser acionadas por conta do crescente debate em torno do financiamento externo para ciência no Uruguai, que já vinha mobilizando diversos atores do mundo universitário, como federações estudantis, gestores universitários e empreendedores acadêmicos de relevo, como Solari (Markarian, 2020b). Nessa seara minada, situava-se o Ilari, já sob pressão das revelações do NYT.
O “pluralismo estratégico” do Ilari teria nova oportunidade para se evidenciar. Quatro anos depois do episódio envolvendo o seminário Elites, Solari (18 ago. 1969) escreve a Florestan Fernandes para reiterar um convite já feito, para que o paulista viesse a participar de um grupo de trabalho (GT) sobre universidade e sociedade, que seria composto exclusivamente por ele, Solari, Jorge Graciarena, Jean Labbens e Domingo Rivarola, todos figuras-chaves na organização das atividades do Ilari no Cone Sul. Rivarola (22 maio 1969), por sinal, já escrevera a Florestan alguns meses antes, mencionando novamente a reunião do GT, que teria como objetivo discutir universidade e movimentos estudantis. Informara na ocasião que Florestan teria as despesas custeadas e receberia 200 dólares pela submissão do paper.
A formação de grupos de trabalho era uma atividade fundamental empreendida pelo Ilari. Em relatório (possivelmente escrito por Vega) provavelmente elaborado entre outubro de 1968 e maio de 1969, é possível verificar a dinâmica de trabalho de nove grupos de pesquisa, um deles sendo justamente sobre universidade e sociedade, coordenado por Solari. No texto intitulado “Research Program of the Latin American Institute of the International Relations” (IACF, 1968-1969) sustenta-se que os temas eram escolhidos por não receber a devida atenção nos centros de pesquisa já existentes, e o formato dos grupos justificava-se pela possibilidade de incrementar o intercâmbio intelectual e a racionalização dos recursos. No caso do GT sobre universidade, listam-se a edição de um livro (Students and politics), publicado em 1968 pela Libera, um seminário realizado em Porto Rico em 1967, a existência de outros dois grupos similares operando na Bolívia e no Paraguai e os planos para publicação de outra coletânea, a sair pela Monte Avila Editores.
Solari vinha investindo em pesquisas sobre universidade e mudança social, com estudos focados no caso uruguaio. Um texto-chave para entender sua perspectiva chama-se “La universidad en transición en una sociedad estancada: el caso del Uruguay” (Solari, 1966), publicado em Aportes. Nele, Solari combina uma análise da relação entre sistema educacional e desenvolvimento econômico com uma crítica ao que entendia ser a ideologia estudantil da época. Inicialmente, o sociólogo uruguaio demonstra que, a despeito da gratuidade e da democratização crescente da universidade em seu país, o número baixo de egressos e a centralidade de cursos tradicionais como direito e medicina evidenciavam que a eficácia do sistema para o desenvolvimento era baixa. Além disso, Solari argumentava que a educação superior não realizava seu potencial pleno por conta das irracionalidades que moldavam a estrutura social do país, marcado por pouco dinamismo econômico, forte peso do setor terciário e pela presença de um vasto Estado-empregador. Na seção final, Solari critica a “ideologia estudantil” do período, que seria baseada na rejeição ao sistema partidário existente, na valorização do engajamento discente na gestão universitária e na política mais ampla e na busca por uma universidade realmente “popular”. O sociólogo uruguaio acredita que essa ideologia terminaria por ocultar problemas reais que travavam a abertura e a racionalização da educação superior, como, por exemplo, o longo tempo necessário para a formação de egressos.
Um ano depois, Solari (1967) publicou “Los movimientos estudantiles universitários en América Latina”, na Revista Mexicana de Sociologia. Nele, elabora mais detalhadamente sua crítica, propondo que os analistas foquem menos na ideologia professada dos movimentos discentes e mais nas relações sistêmicas entre ensino superior, estratificação social e sistema político. Assim, argumenta que a luta por autonomia universitária poderia ter vários sentidos, sendo um deles a possibilidade de recrutamento de elites por meios não clientelísticos e mais universalistas. Ou seja, Solari analisa o dilema da universidade na região à luz das funções que o sistema da educação superior deveria cumprir para o processo de modernização da sociedade uruguaia, o que pressupunha uma integração com o sistema político e o sistema de ocupações profissionais. Se o sistema político permanecia obstruído por forças e valores tradicionais, a circulação de elites era prejudicada, motivando disfunções na forma de funcionamento das universidades. O radicalismo do movimento seria então uma expressão de uma universidade que não consegue canalizar adequadamente as tensões surgidas do processo de ampliação do ensino.
A visão de Solari combinava um referencial teórico estrutural-funcionalista com uma visão política liberal-modernizadora, que via no sistema do ensino superior um mecanismo possível para ampliação de elites e diversificação da estrutura social. Essa visão distanciava-se de perspectivas que localizavam no movimento estudantil um ator-chave para mudanças radicais e revolucionárias. Nesse sentido, o artigo de Solari e seu engajamento no tema no âmbito do Ilari estavam afinados com a orientação do instituto por uma ciência social “profissional” e “modernizadora”. Mas como interpretar a contribuição de Florestan, também listado para participação no GT? Como seus argumentos se localizam em relação à teorização de Solari?
O texto-base que Florestan enviou para o encontro foi editado no número 17 da revista Aportes (Fernandes, 1970). O artigo, intitulado “Universidad y desarrollo”, é uma versão de conferência pronunciada em evento nos departamentos de Física e Matemática da Universidade de São Paulo em 21 de junho de 1968, posteriormente incorporada no livro Universidade brasileira: reforma ou revolução? (Fernandes, 1975), em que o sociólogo paulista coligiu textos e conferências produzidos nesse ano, quando circulava pelo país em atividades para debater a reforma universitária.
No prefácio, Florestan procura explicar seu engajamento na discussão sobre a reforma, que havia sido então assumida pelo governo Castelo Branco. Ao dizer que não alimenta nenhuma “fé reformista”, em especial diante do esvaziamento de tais conceitos em um cenário conservador, explica que não era convidado nem como socialista nem como sociólogo strictu sensu, mas como um intelectual capaz de produzir análises que informassem as discussões políticas. Nesse sentido, Florestan argumenta que foi premido por um senso de responsabilidade científica, que o teria levado a defender uma profunda revolução da universidade brasileira, definida da seguinte forma por ele, em tal prefácio:
Não podemos ‘vaporizar’ pessoas e hábitos arraigados. Entretanto, poderemos reconstruir a universidade, convertendo-a numa realidade histórica nova, como patamar da conquista da ciência e da tecnologia científica, e como início de uma nova fase da era nacional, e da consolidação da democracia como concepção do mundo e estilo de vida (Fernandes, 1975, p.19; destaque no original).
Florestan, em 1975, associa a nova universidade a uma concepção de mundo baseada na democracia como estilo de vida. No livro, os textos reunidos apresentam um conjunto de intervenções nos quais o sociólogo paulista aponta a limitação estrutural do ensino superior brasileiro, marcado pela dimensão conservadora e dependente da revolução burguesa que teria se desenrolado no país. Florestan destaca especialmente o modelo do ensino superior brasileiro, pautado pela lógica das escolas superiores isoladas, redutos de profissionais liberais e setores de elite em busca da reprodução de seu estilo de vida e prestígio, e da posterior universidade conglomerada, destinada unicamente a transmitir conhecimentos e a treinar profissionais de modo estreito. De modo geral, o sociólogo paulista defende que a universidade brasileira reconstruída deveria ser orientada pelas novas exigências da civilização industrial, com pedagogia moderna, organização mais descentralizada, vocação plurifuncional e ênfase na pesquisa como atividade criadora. Essas características são associadas à possibilidade de um desenvolvimento autônomo, realidade difícil de ser imaginada naquela quadra histórica, marcada pelo autoritarismo e pela reiteração do modelo capitalista dependente.
No texto publicado em Aportes, Florestan articula uma análise histórica do ensino superior brasileiro, marcado por um processo de transplantação que lhe tolheu o potencial inovador, com uma interpretação do padrão de desenvolvimento capitalista do Brasil. Assim, a condição de dependência do país é destacada, bem como a particularidade do colonialismo português e seu efeito no processo de transposição da ideia universitária, que se aclimatou numa sociedade escravista e senhorial, na qual prevaleceu a “escola superior” como símbolo de distinção. Na seção sobre “os efeitos educacionais do desenvolvimento dependente”, aponta que sociedades subdesenvolvidas até logram absorver as inovações próprias dos centros capitalistas, mas o impacto e o alcance de tais inovações se mostrariam reduzidos em comparação com o que ocorrera nos países desenvolvidos. Segundo ele, o tempo próprio do subdesenvolvimento incorporaria esses progressos como uma reiteração do processo de crescimento dependente, não levando tais sociedades a uma plena realização nacional e autônoma. Na última seção, em que discute propriamente que tipo de “universidade para o desenvolvimento” seria possível no Brasil, Florestan analisa as diferentes estratégias de modernização nacional, destacando a opção socialista e a capitalista desenvolvimentista – esta não permitiria a plena superação da dependência, mesmo que imprimisse ritmo transformador ao modelo dependente. O caso brasileiro, porém, nem chega a ser interpretado à luz desse grande dilema histórico, pois o desfecho autoritário de 1964 deu um rumo conservador ao poder político, e Fernandes não vislumbra a capacidade dos atores hegemônicos de orientar politicamente a modernização do sistema universitário. A reforma de 1968 teria posto ênfase nos elementos técnicos da discussão, mas a tutela conservadora impedira um real avanço.
É outro texto, publicado na mesma coletânea, e oriundo de depoimento do sociólogo à Comissão de Inquérito Parlamentar sobre o Ensino Superior, presidida pelo deputado Evaldo de Almeida Pinto, que permite vislumbrar a sua visão normativa de como deveria ser a “nova” universidade. Ao comentar positivamente as inovações trazidas pela Universidade de Brasília, que não lograram se estabilizar por conta do autoritarismo, Fernandes (1975, p.71) destaca os seguintes elementos:
A universidade, como a unidade fundamental de referência e de integração, compreendida em termos multifuncionais; o departamento, como unidade básica de organização do trabalho intelectual; os ‘institutos centrais’, como unidades intermediárias de aglutinação de campos ou de especialidades afins; a aprendizagem profissional e técnica, como uma função especializada; a pesquisa fundamental, como atividade paralela às funções docentes, mas com uma estrutura própria e ritmo independente; o ensino pós-graduado, como uma função central na esfera didática e da preparação do investigador (destaque no original).
Na perspectiva do autor, revolucionar a universidade implica retirá-la da inércia do elitismo e do fechamento autárquico em torno de si, orientando-a para as novas exigências modernas e para a democracia como estilo de vida. Para tanto, seria fundamental usar de forma racional os meios necessários para tal finalidade, como Florestan reitera seguidamente em seu depoimento no Congresso, o que evidencia sua crença não no reformismo, mas na ciência social como instrumento de emancipação democrática. Assim, por mais que fique evidente o pressuposto normativo de que apenas o rompimento com o capitalismo dependente ensejaria um real processo de autonomização, o sociólogo não se furta a reconhecer o papel que os intelectuais e cientistas poderiam ter no avanço de novas ideias sobre universidade que acelerem uma reconstrução racional dessa instituição.
O período entre 1969 e 1970 foi também marcado pela escrita dos textos que iriam dar origem ao livro Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina, publicado originalmente em 1972 (Fernandes, 1981), composto por três ensaios. O primeiro capítulo dessa obra situa justamente o problema da construção histórica da dependência na região e das formas e mecanismos pelos quais ela se processou, bem como seus efeitos sobre a ausência de integração. Em sua “Explicação prévia”, Florestan argumenta que os ensaios são exemplos de interpretação militante e representam uma condição peculiar da sociologia na América Latina, em que a disciplina – ou melhor, a ciência – localiza-se no seio dos dramas humanos e coletivos, não se apartando em demasia do mundo ordinário dos homens comuns. Nesse breve texto, o autor procura situar o sentido de seu projeto naquele momento, relacionando o fazer sociológico na América Latina à crise humana vivida pelas sociedades do continente, sem que necessariamente haja a mediação de uma comunidade científica bem delimitada e estabelecida. Segundo Florestan Fernandes (1981, p.9):
Como temos falta de pessoal, de equipes numerosas e organizadas, de recursos financeiros, e até de segurança intelectual, tomamos à história os materiais que elucidam as próprias crises e vivemos as crises também ao nível sociológico, como processos de significação heurística. Fora e acima das universidades e das instituições de pesquisa, aprendemos e amadurecemos a cada convulsão que afeta o destino de nossos povos.
Em seguida, afirma: “A Sociologia não fica tão longe dos homens e de suas ambições e decepções, como na Europa ou nos Estados Unidos” (Fernandes, 1981, p.9). É verdade que essa visão se alinha perfeitamente à crítica tecida pelo autor ao que considerava ser uma excessiva profissionalização científica vivenciada no Hemisfério Norte em carta enviada a Freitag e citada neste artigo. Florestan valoriza a relação íntima que a ciência social estabelece com os dramas coletivos latino-americanos, que permite a realização de sua “interpretação militante”. Mas, por outro lado, o sociólogo paulista não deixa de lamentar as lacunas organizacionais e institucionais que impedem a realização do necessário trabalho científico especializado, isto é, a atividade regular do sociólogo em instituições de ensino e pesquisa, orientada pelos valores da ciência (“falta de pessoal... e até de segurança intelectual”). Não se trata, portanto, do abandono da promessa crítica da sociologia científica, mas de sua realização plena à luz das circunstâncias do tempo histórico latino-americano e dos processos geopolíticos globais. Mas, qual o interesse do Ilari nesse projeto intelectual?
A resposta está na prática do “pluralismo estratégico”, já empregada para lidar com a crise produzida pelos ataques ao seminário internacional organizado em 1965 no Uruguai, e visível também no mesmo relatório citado que trazia breve síntese da reunião do GT sobre universidade e sociedade no Rio de Janeiro (IACF, 1969). Os relatórios do Ilari, em geral, iniciavam-se com uma análise de conjuntura política da região, cada vez mais marcada pelo crescente autoritarismo militar. Após breve descrição da escalada repressiva no Brasil e mesmo na Argentina (o golpe de Ongania ocorrera em 1966), é dito que:
Nos é possível notar alguns traços reconfortantes, como o fato de que um certo número de intelectuais de esquerda, influentes, e até aqui muito reticentes em relação às nossas atividades, aceitam colaborar conosco, de uma ou outra forma. Então, no Peru, o filósofo Agustín Salazar Bondy, Jorge Bravo Bresani, Alberto Escobar; ou, no Chile, parte da equipe da Flacso, e notavelmente o sociólogo Carlos Fortín; no Brasil, Florestan Fernandes; no Uruguai, Jorge Graciarena etc. (IACF, 1969).
O entusiasmo dos diretores do Ilari por conta da aproximação com Florestan não para por aí. Em uma carta-circular de janeiro de 1970, Mercier Vega (30 jan. 1970) menciona os preparativos para o seminário internacional “El intelectual y el poder político en las Américas”, que seria realizado entre os dias 23 e 25 de fevereiro de 1970 em Nova York. A comissão do evento seria formada por Florestan Fernandes, Gino Germani, Domingo Rivarola, Kalman Silvert, Aldo Solari, Charles Wagley e Richard Morse, e haveria apenas dois textos preparatórios, que serviriam de base para o debate coletivo: um deles assinado por Hanna Arendt; o outro, por Florestan Fernandes.8 A escolha de Arendt pelo Ilari certamente não era casual, visto sua conhecida produção crítica ao totalitarismo moderno e a repercussão de seus escritos entre pensadores liberais e de esquerda críticos à experiência do socialismo real.
Esse histórico de aproximação intelectual leva Solari (20 mar. 1972) a fazer um pedido especial a Florestan, em março de 1972. Em carta, o sociólogo uruguaio informa que Kalman Silvert lhe dissera que a Fundação Ford ainda considerava manter os seus subsídios para a publicação da revista Aportes, mas que era fundamental que a comunidade científica da região se manifestasse nesse sentido. Desde as revelações do NYT em 1966, o Ilari vinha lutando para manter suas fontes de financiamento, restritas então ao que a Fundação Ford poderia aportar por iniciativa própria.
Florestan não tarda a responder. Em 28 de março de 1972, envia uma carta a Silvert, que transcrevo integralmente.
Acabei de receber uma carta de Aldo Solari, nosso amigo em comum, solicitando-me um pedido em nome de Aportes a ser submetida para a Fundação Ford. Posso fazê-lo, já que considero Aportes muito útil para o desenvolvimento das ciências sociais na América Latina. Mais importante ainda, essa revista funciona como uma ‘tribuna moderada’, aberta a cientistas sociais de diferentes ideologias. Dada a falta de liberdade na maioria dos países da América Latina e a ausência de comunicação efetiva entre os cientistas sociais essa função é exemplar e demanda atenção especial. Talvez haja um jeito de colocar a Fundação Ford a favor de tão boa causa ... isso seria muito valorizado pelos meus colegas, mesmo por aqueles que gostariam de ver Aportes mais engajada na luta contra nossos regimes autoritários e totalitários (Fernandes, 28 mar. 1972; destaque meu).
Florestan mostra-se solidário à causa de Aportes, e até mesmo usa uma linguagem que sabe que iria soar bem aos olhos da elite liberal progressista norte-americana e aos parceiros da Ford (“a middle of the road tribune”). Ao mesmo tempo, finaliza seu breve pedido com uma sutil crítica à linha política da revista e, por que não, do próprio Ilari, com quem colaborou brevemente nesse curto período de deslocamento institucional e radicalização.
Considerações finais
A história relatada neste artigo traz novos elementos para ampliar nosso conhecimento tanto sobre a trajetória e circulação internacional de Florestan Fernandes como sobre os mecanismos de atuação do Ilari nos espaços das ciências sociais latino-americanos, dois temas de grande pertinência no campo da história da sociologia na região.
No caso de Florestan, os dados contribuem para um melhor entendimento das continuidades no projeto intelectual do sociólogo paulista, juntando-se a uma literatura crescente (Soares, 1997; Rodrigues, 2006; Brasil Jr., 2013, 2015; Arruda, 2018; Bastos, 2020) que apresenta um Florestan fiel ao projeto crítico da sociologia científica, e cuja abordagem teórico-metodológica teria sido forjada ao longo de diferentes contextos, sem uma ruptura tão marcada entre fases. Além disso, o artigo contribui para um melhor entendimento do processo de circulação internacional de Florestan, tema ainda pouco explorado pela bibliografia, a despeito de alguns bons estudos (Brasil Jr., 2013; Blanco, Brasil Jr., 2018; Mesquita, 2019). A breve parceria mostra um sociólogo gozando de grande prestígio entre seus pares latino-americanos, a ponto de ser considerado um valioso ativo para as estratégias de legitimidade do Ilari.
Essa circulação permite também pensar possíveis afinidades temáticas entre Solari, Florestan e o Ilari no que se refere ao papel dos intelectuais e do conhecimento sociológico para uma possível transformação democratizadora e modernizadora do ensino superior. Essa agenda era central para todos os envolvidos, embora a afinidade em torno de sua relevância não implicasse convergência ideológica.
A visão de Florestan sobre ciência e universidade discrepa daquela alimentada por Solari, na medida em que se pauta por uma visão política orientada pela superação do capitalismo dependente, objetivo distante da agenda do colega uruguaio. Além disso, a visão cética que Solari alimentava com relação à participação discente na gestão universitária reflete um processo de institucionalização universitária de mais longa maturação do que no caso brasileiro, em que essa participação teve muita dificuldade para se rotinizar. Florestan, ao contrário do seu colega uruguaio, vinculava o projeto de uma universidade plurifuncional e moderna a um processo de democratização de suas estruturas internas. Mesmo assim, é possível verificar que ambos os autores se movem num terreno comum, com base num diagnóstico crítico das irracionalidades da estrutura social latino-americana, que ainda seria pautada por valores tradicionais e não liberais que transformaram a universidade num mecanismo reprodutor de elites. De certo modo, ambos os sociólogos traduzem, com modulações particulares, o grande debate parsoniano sobre o lugar do sistema universitário numa sociedade democrática de massas que pretendia realizar valores universalistas (Parsons, Platt, 1973).
No que se refere às práticas intelectuais e profissionais de Florestan, a interação com o Ilari revela um intelectual que valoriza os diferentes espaços disponíveis para o debate intelectual em um continente atravessado pelo autoritarismo e pelo cerceamento à liberdade de pesquisa. A visão crítica à burocratização promovida pelas fundações internacionais, exposta nas suas missivas a Barbara Freitag, deve ser pensada juntamente com esse breve episódio de interação com uma conhecida instituição que teria papel de relevo na Guerra Fria Cultural, mas que oferecia espaço para as discussões próprias das ciências sociais.
Com relação ao Ilari, o caso contribui para consolidar a hipótese de um movimento de “abertura à esquerda” que era parte crucial da organização de intelectuais almejada por Mercier Vega (Iber, 2015; Jannello, 2013-2014; Markarian, 2020b). O caso Florestan evidencia como o pluralismo foi usado de forma estratégica por meio de convites a intelectuais e cientistas identificados com a esquerda latino-americana, em uma performance de legitimidade crucial para uma instituição que se via atacada por seus vínculos originários com a CIA.
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa foi possibilitada pela bolsa de produtividade em pesquisa (1D) concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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NOTAS
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1
Embora o fascínio que o projeto comunista exercia sobre os intelectuais datasse ao menos desde o sucesso da Revolução Russa e dos efeitos da crise de 1929, seria no cenário pós-Segunda Guerra Mundial, com a definição de dois blocos de superpotências, que ele se tornaria um problema geopolítico global, refletindo-se em iniciativas como a do Congresso pela Liberdade da Cultura.
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2
Nessa e nas demais citações de textos publicados em outros idiomas, a tradução é livre.
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3
Nascido em Bruxelas como Charles Cortvrint, Louis Vega foi militante anarquista, tendo lutado na Guerra Civil Espanhola e escapado para a França em 1936, de onde posteriormente saiu por conta do avanço nazista. Juntou-se ao CLC em 1951 e entre 1952 e 1953 foi enviado à América Latina para trabalhar com outro militante de passado libertário, Julian Gorkin, a fim de organizar os intelectuais na região. Em 1961, substituiu Gorkin no comando do Departamento Latino-Americano do CLC (Jannello, 2018a).
-
4
O Projeto Camelot teve início em 1964, quando oficiais do Departamento de Defesa norte-americano idealizaram uma vasta pesquisa sobre as causas das revoltas e revoluções na América Latina, em conjunto com a American University. O projeto tinha um orçamento de seis milhões de dólares e contava com o recrutamento de diferentes especialistas na região, entre os quais nomes como Gino Germani, mas terminou sendo denunciado como uma ingerência imperialista após a revelação pública das fontes de financiamento e dos interesses envolvidos. Já o Marginalidades foi um projeto da Fundação Ford que teve início em 1966, no Chile, com o objetivo de estudar as populações informais da América Latina. A despeito das credenciais “esquerdistas” de muitos envolvidos, como José Nun, Miguel Murmis e até Fernando Henrique Cardoso, o projeto fracassou por conta de divergências teóricas e políticas, também gerando enorme controvérsia pública a respeito do alegado imperialismo das fundações norte-americanas.
-
5
Após a aceitação deste artigo, o mesmo autor lançou livro em que sistematiza sua pesquisa mais ampla sobre o tema. Considero que a interpretação presente no artigo de 2018 não se alterou substancialmente, mas ganhou mais evidências empíricas e robustez analítica (Ridenti, 2022).
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6
Note-se que o relatório capta habilmente a posição de Solari, que àquela altura era professor titular já há aproximadamente cinco anos na segunda cátedra de sociologia no país, ambas localizadas na Faculdade de Direito e Ciências Sociais. Carlos Rama era, de fato, um sociólogo à esquerda de Solari, que naquele momento ainda gozava de prestígio e liderança no campo, ainda dominado por pensadores e sociólogos com formação em direito (Errandonea, 2003, p.29).
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7
Em dezembro de 1965, a editora Alfa, vinculada ao Ilari, lançaria um livro de Solari sobre o tercerismo que produziria intenso debate entre intelectuais do semanário Marcha!. Em resumo, Solari considerava o tercerismo uma ideologia nacionalista de esquerda que evidenciava a pouca organicidade dos intelectuais uruguaios com a sociedade e o sistema político nacional.
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8
Até o momento, não foi possível localizar esses textos ou mais informações sobre a própria realização do evento, embora o trabalho com as fontes continue.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Dez 2022 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 2022
Histórico
-
Recebido
23 Abr 2021 -
Aceito
16 Set 2021