O presente artigo investiga os processos informais de recrutamento e seleção de candidatos a vereador na cidade do Rio de Janeiro com base em entrevistas com lideranças partidárias e por meio da análise complementar de dados sobre coligações, votos e financiamento de campanha. A partir do exame prévio dos incentivos do sistema eleitoral e das dinâmicas intrapartidárias locais, exploramos as estratégias utilizadas pelas lideranças para compor e hierarquizar as chapas eleitorais, partindo do pressuposto de que ideologia e presença de diretórios permanentes (ou de comissões provisórias) têm impactos no grau de inclusividade dos selectorates e nas estratégias de recrutamento. Em termos alegóricos, o jogo das nominatas representaria o processo informal de competição e cooperação entre os agentes políticos durante o interregno pré-eleitoral com vista a obter representação parlamentar.
recrutamento partidário; lista partidária; eleições; organização partidária
Abstract
This article investigates the informal processes of recruitment and selection of candidates for councilor in the city of Rio de Janeiro based on interviews with party leaders and through the complementary analysis of data on coalitions, votes, and campaign financing. Based on a preliminary examination of the electoral system's incentives and local intra-party dynamics, we explore the strategies used by leaders to compose and rank electoral slates, assuming that ideology and the presence of permanent directorates (or provisional commissions) have impacts on the degree of inclusiveness of selectorates and recruitment strategies. In allegorical terms, the candidate list game would represent the informal process of competition and cooperation between political agents during the pre-electoral interregnum with a view to obtaining parliamentary representation.
party recruitment; candidate list; elections; party organization
Resumen
Este artículo busca investigar los procesos informales de reclutamiento y selección de candidatos a concejales en la ciudad de Río de Janeiro a partir de entrevistas con líderes de partido y mediante el análisis complementario de datos sobre coaliciones, votaciones y financiamiento de campañas. A partir de un examen preliminar de los incentivos del sistema electoral y la dinámica intrapartidista local, exploramos las estrategias que utilizan los líderes para componer y jerarquizar las listas electorales, partiendo de la suposición de que la ideología y la presencia de directorios permanentes (o comisiones provisionales) producen impactos directos en el grado de inclusión de los selectorates y en las estrategias de reclutamiento. En términos alegóricos, el juego de candidatura representaría el proceso informal de competencia y cooperación entre agentes políticos durante el interregno preelectoral con miras a obtener representación parlamentaria.
reclutamiento partidario; listas de partido; elecciones; organización partidaria
Résumé
Cet article étudie les processus informels de recrutement et de sélection des candidats au poste de conseiller municipal de la ville de Rio de Janeiro à partir d'entretiens avec des chefs de parti et à travers l'analyse complémentaire de données sur les coalitions, les votes et le financement des campagnes. Sur la base d'un examen préliminaire des soutiens du système électoral et de la dynamique locale intra-parti, nous explorons les stratégies utilisées par les dirigeants pour composer et classer les listes électorales, en supposant que l'idéologie et la présence de directions permanentes (ou commissions provisoires) ont des impacts sur le degré de l'inclusion des sélectionneurs et des stratégies de recrutement. En termes allégoriques, le jeu des listes de candidats représenterait le processus informel de compétition et de coopération entre les agents politiques durant l'interrègne préélectoral en vue d'obtenir une représentation parlementaire.
recrutement de parti; listes de candidats; élections; organisation du parti
Introdução 4
O presente artigo investiga os processos informais de recrutamento e seleção de candidatos a vereador na cidade do Rio de Janeiro. Como ponto de partida, chamava-nos a atenção a elevada oferta de candidaturas nas eleições municipais cariocas de 2016, com a participação de 1.628 candidatos distribuídos em 35 legendas. Para lidar com os diversos desafios conceituais e empíricos sobre a demanda e a oferta de candidatos, os partidos e seus filtros de representação, optamos por uma pesquisa exploratória a partir de entrevistas com lideranças partidárias e foco analítico na construção das nominatas municipais. Essa abordagem nos conduziu às seguintes direções investigativas, a fim de compreendermos o processo informal de recrutamento e seleção de candidatos: 1) quem dirige o processo e quão inclusivo é o selectorate ? ( Rahat e Hazan, 2001 ); e 2) quais os critérios de composição e estratégias de montagem das nominatas? Como pano de fundo, exploramos dois achados bem consolidados pela literatura: os partidos controlam o processo de seleção de candidatos ( Braga, 2008 ; Bolognesi, 2013 ; Braga, Costa e Fernandes, 2018 ) e, mais do que isso, procedem a uma hierarquização informal da lista ao conferir status diferentes aos pleiteantes a cargos proporcionais ( Schmitt, Carneiro e Kuschnir, 1999 ; Klein, 2007 ).
No estudo do processo de recrutamento e seleção de candidatos, seguindo a sugestão de Siavelis e Morgenstern (2008) , exploramos as variáveis macroinstitucionais, o contexto local e as dinâmicas internas das organizações. Em resumo, na primeira seção, apresentamos a revisão da literatura, considerando a interação entre regras institucionais provenientes do sistema eleitoral e os processos de recrutamento, seleção e hierarquização de candidatos. Em seguida, na seção metodológica, descrevemos as características da amostra qualitativa quanto aos perfis dos entrevistados e partidos. Adicionalmente, como forma de controle, justificamos a utilização complementar de dados do TSE sobre coligações, votos e financiamento de campanha. Nessa seção, apresentamos também um modelo heurístico exploratório para organizar alguns parâmetros de análise do corpus empírico, com a suposição de que ideologia e presença de diretórios permanentes têm impacto sobre os processos de recrutamento e seleção de candidatos. Por fim, na última e mais extensa seção, introduzimos a discussão sobre o jogo das nominatas, seguida da análise do corpus empírico organizado por meio de “narrativas partidárias”.
Revisão teórica
Do ponto de vista macroinstitucional, o modelo de lista aberta vigente em distritos de alta magnitude 5 enseja uma variedade de críticas que acentuam o baixo grau de institucionalização dos partidos brasileiros. Segundo vários autores, a conexão eleitoral estruturada pelo voto preferencial, em contraposição ao modelo hierarquizado de lista fechada, enfraqueceria os vínculos e lealdades dos candidatos e/ou eleitos com os partidos. Em consequência do predomínio do cultivo da reputação pessoal, depreende-se, também, um elevado grau de autonomia dos candidatos e, em consonância, de competição intrapartidária ( Mainwaring, 1991 , 2001 ; Lima Jr., 1993 ; Ames, 1995 , 2003 ; Carey e Shugart, 1995 ; Lamounier, 1999 ). A exceção ficaria por conta do Partido dos Trabalhadores, que, a despeito dos incentivos gerais do sistema eleitoral, teria construído, via processos de institucionalização partidária, uma imagem baseada na reputação coletiva ( Samuels, 1997 ). A organização interna, portanto, funcionaria como variável interveniente frente aos incentivos gerais do sistema eleitoral.
Outras regras eleitorais vigentes que nos interessam mais diretamente são, por um lado, a presença do quociente eleitoral como cláusula de exclusão para obtenção da representação e o formato de distribuição das cadeiras intracoligação, que premia os candidatos mais votados da lista, independentemente da proporção de votos auferidos por cada partido ( Nicolau, 2006 , 2017 ). Esses dois mecanismos incidem sobre o comportamento dos agentes partidários em suas estratégias de formação de coligações e, dentro delas, sobre as opções em concentrar esforços em puxadores de voto e/ou no cálculo do número de candidatos a serem lançados nas nominatas 6 . Entretanto, a literatura sugere que esse cálculo estratégico é feito de forma independente pelos partidos coligados ( Souza e Graça, 2019 ; Cheibub e Sin, 2020 ). Em nossa pesquisa exploratória, não obstante, mostramos evidências de que as negociações intracoligação implicam tentativas de estimar a força relativa dos candidatos das outras nominatas e podem, eventualmente, ensejar a interferência em lista alheia. Essa interferência, no entanto, está condicionada à apresentação de uma candidatura majoritária viável por uma das partes. Em síntese, os formadores da nominata buscam estimar o desempenho relativo dos outros partidos ao tomarem a decisão de se coligarem ou não.
Outro elemento importante no debate diz respeito à permissão de registro de um número maior de candidatos do que a magnitude do distrito 7 . Segundo Passarelli (2020) , essa regra “fosters fierce intraparty competition among many candidates aiming to obtain a seat. This provision also has an important and potentially negative impact on parties’ organization” (p. 114). Na mesma linha, Bergman, Shugart e Watt (2013) indicam que a representação proporcional de lista aberta, em comparação com o modelo de voto único não transferível (SNTV – single non-transferable vote), incentivaria os partidos a lançar o número máximo de candidatos, patrocinando uma espécie de “ laissez faire competition ” 8 .
Do ordenamento legal que autoriza que se lancem mais candidaturas do que a magnitude do distrito, condenada como motor da intensa competição intrapartidária, não se deve deduzir que os partidos agiriam de forma irracional ao conferir aos candidatos o mesmo nível de deferência ou status eleitoral ( Nicolau, 2006 ; Klein, 2007 ; Braga e Amaral, 2013 ). Segundo Cheibub e Sin (2020) , do lado dos partidos há o interesse em otimizar recursos escassos para eleger o maior número possível de candidatos. Por sua vez, os candidatos têm diferentes status competitivos, sendo racional que líderes concentrem recursos naqueles com capacidade de ultrapassar o quociente eleitoral (menos de 1% dos eleitos) e entre candidatos “fortes” ou “viáveis” eleitoralmente. Os líderes partidários produziriam estimativas do provável número de cadeiras a serem obtidas ponderando o desempenho passado e os atributos de seus principais candidatos ( incumbents e candidatos previamente testados na urna etc.). Se há excesso de candidatos fortes, incorre-se em elevada competição e baixa possibilidade de otimização de recursos. Se há poucos candidatos viáveis, há o risco de desempenho eleitoral fraco. “For the party, thus, failure to coordinate may have real costs” ( Cheibub e Sin, 2020 , p. 10).
Por sua vez, vários estudos empíricos recentes demonstram que os partidos: (a) lançam em média muito menos candidatos do que a magnitude do distrito ( Braga, Veiga e Miríade, 2009 ; Cheibub e Sin, 2020 ); (b) exercem diferentes formas de controle sobre o processo de seleção de candidatos, aqui incluído o uso de comissões provisórias ( Braga, 2008 ; Guarnieri, 2009 ; Bolognesi, 2013 ; Braga, Costa e Fernandes, 2018; Cervi e Borba, 2019 ); (c) otimizam recursos partidários e tempo de televisão, hierarquizando a lista conforme os diferentes status dos candidatos ( Schmitt, Carneiro e Kuschnir, 1999 ); e (d) adotam critérios para evitar a sobreposição territorial, identitária e ocupacional dos candidatos ( Braga e Amaral, 2013 ; Silotto, 2019 ; Souza e Graça, 2019 ).
Em suma, as lideranças partidárias controlam o processo interno de formação das nominatas e agem estrategicamente para minorar ou, até mesmo, inibir a competição intrapartidária. No que nos interessa mais diretamente, esse processo de controle e coordenação da dinâmica intrapartidária tem sido interpelado por três correntes da literatura. Por um lado, há a ênfase na identificação do grau de inclusividade do selectorate e dos requerimentos (formais e informais) das candidaturas e, de outro, investiga-se a utilidade das comissões provisórias como mecanismo de controle sobre dissensões internas. Uma terceira vertente trata da discussão mais ampla sobre as diversas fases do recrutamento político e sugere maior atenção às práticas informais e às variáveis contextuais.
No caso brasileiro, parte da literatura, ao investigar os processos de seleção partidária em nível nacional, concentra seus esforços de pesquisa no modelo analítico e classificatório de Rahat e Hazan (2001) e Hazan e Rahat (2010) 9 . O primeiro ponto a se ressaltar é que o método de formação das listas reside na dominância das “elites dirigentes”, por meio de indicação/nomeação, embora com diferenças manifestadas no modo pelo qual as candidaturas são homologadas nas convenções. Segundo Braga (2008) , no PFL e no PP, a seleção para deputados federais, no estado de São Paulo, é dominada pelos líderes partidários, sendo a convenção mero “ato simbólico”. PMDB e PSDB, por sua vez, seriam mais inclusivos, porque os filiados/delegados participam da aprovação da lista na convenção. Por fim, o PT apresentaria o processo de seleção mais inclusivo, visto que as indicações são “realizadas por diversas instâncias do partido” (p. 476) e a força relativa das tendências internas seriam dirimidas pela regra da proporcionalidade. Assim, de acordo com a autora, vigoraria o seguinte ordenamento (crescente) no grau de inclusividade dos selectorates: PP e PFL (seleção por líder), PMDB e PSDB (seleção por órgão executivo) e PT (seleção por órgão colegiado).
De forma geral, o ordenamento relativo dos selectorates associando o campo ideológico e o grau de inclusividade (direita < centro < esquerda), embora com diferentes graus de mensuração, está em consonância com outros estudos referentes a pleitos federais ( Braga, Veiga e Miríade, 2009 ; Bolognesi, 2013) e, igualmente, a eleições para vereadores ( Braga e Praça, 2004 ; Braga e Veiga, 2009 10 ; Altmann, 2010 ; Babireski e Roeder, 2018) .
Em outra das dimensões sugeridas pelos autores israelenses, que trata dos requisitos formais das candidaturas, o PT também se constituiria como exceção ao estabelecer exigências estatutárias relativas à contribuição partidária e ao registro em cartório do compromisso com a linha partidária. As outras agremiações, por seu turno, se restringiriam a seguir as normas legais referentes ao período mínimo de filiação prévia ( Braga, Veiga e Miríade, 2009 ). Surveys realizados com candidatos a deputado federal e vereadores confirmam outros critérios distintos da seleção de candidatos de acordo com os campos ideológicos, com evidências de que reputação pessoal e prestígio profissional adquiridos fora da vida política são percebidos como requisitos mais relevantes para candidatos de partidos de centro e direita ( Bolognesi, 2013 ; Braga e Bolognesi, 2013 ; Babireski e Roeder, 2018 ). Em estudo comparado sobre elites partidárias, Marenco e Serna (2007) já haviam identificado diferentes bases sociais e padrões de construção de carreiras políticas, destacando que nos partidos de esquerda tende-se a privilegiar os “recursos coletivos e de identidade para constituir bases sociais, ao passo que os partidos conservadores se baseiam sobretudo nos capitais e nos recursos individuais de dirigentes políticos” (p. 98). Ao mesmo tempo, as carreiras à direita tenderiam a apresentar “menor dependência da estrutura organizacional partidária, seguindo carreiras políticas laterais, descontínuas e com menos lealdade à filiação partidária” (p. 94).
Uma segunda vertente analisa as especificidades das comissões provisórias como mecanismo de controle partidário sobre dissensões internas e, consequentemente, sobre o processo mais geral de seleção de candidatos e formação de coligações ( Braga, 2008 ; Guarnieri, 2011 ; Cervi e Borba, 2019 ). Segundo Braga (2008 , p. 460), “a frequência de comissões provisórias geralmente resulta do controle da direção partidária sobre o processo de seleção não só de candidatos, mas também de membros do diretório local e de delegados que participarão de outros eventos deliberativos”. Sob essas condições, vale a pena ressaltar o baixo grau de estruturação do processo decisório dos partidos no âmbito local, em contraposição aos partidos com diretórios municipais constituídos, cujo lócus decisório principal é a comissão executiva municipal, com a mediação e a influência de parlamentares (normalmente com assento assegurado nessas comissões, via estatuto) e, em menor grau, dos filiados que homologam as listas em convenções. Em partidos com comissões provisórias municipais, os parlamentares também podem assumir esse papel de mediação, mas seu grau de influência é incerto e dependente de sua conexão com o diretório estadual e nacional.
Observe-se que o tema é atravessado pela questão federativa e o nosso parâmetro relevante de análise é o partido no nível local, o que significa dizer que o grau de estruturação e previsibilidade do processo decisório local é baixo (i.e., “não institucionalizado”), embora isso não se aplique às instâncias superiores – que, tal como demonstra Guarnieri (2011) , podem utilizar as comissões provisórias para controlar as dissensões internas e o processo de seleção. Portanto, nossa interpretação da ideia de institucionalização é bem restrita, em consonância com Cervi e Borba (2019) , que afirmam que “quanto mais diretórios, menos comissões provisórias e interventoras, portanto, maior a independência da organização local em relação ao diretório estadual (...) como proxy para identificar a institucionalização local dos partidos” (p. 75).
A terceira ramificação da literatura toma como foco de análise os processos integrados de recrutamento partidário e seleção de candidatos. Siavelis e Morgenstern (2008) reconhecem de forma explícita a dificuldade na operacionalização e separação entre os termos – o recrutamento identificado como o processo pelo qual os “potenciais candidatos são atraídos” e a seleção como a etapa posterior de triagem – devido à impossibilidade de demarcação dos limites inicial e final do processo. Apesar da imprecisão conceitual, a importância das análises sobre o processo de recrutamento residiria na elucidação das dinâmicas intrapartidárias e das estratégias desenvolvidas para conquistar apoio eleitoral e, além disso, elas ajudariam a avaliar os incentivos criados, via seleção, tanto na arena representativa quanto no sentido de favorecer maior ou menor accountability do candidato frente ao partido ( Gallagher e Marsh, 1988 ; Rahat & Hazan, 2001 ; Siavelis e Morgenstern, 2008 ; Hazan e Rahat, 2010 ; Norris, 2013) .
Autores que estudam política comparada na América Latina assim diagnosticam os dilemas dessa literatura, inicialmente centrada nos estudos de caso de países desenvolvidos: “Institutionalists have generally shied away from study R&S [recruitment and selection] because in addition to legal statutes and party rules, the associated variables include some unwritten party norms that are notoriously difficult to measure” ( Siavelis e Morgenstern, 2008 , p. 29). Dito de outra forma, além das dificuldades de acesso aos registros oficiais, a apreensão do objeto é marcada pela tensão entre as regras formais e as práticas informais através das quais os atores interpretam essas regras e as põem em prática ( Freidenberg e López, 2002) .
Peres e Machado (2017) sugerem a construção de um modelo tipológico no qual o recrutamento partidário 11 deve ser compreendido e analisado de forma mais ampla, considerando as seguintes etapas (embora não necessariamente sequenciais): a filiação, o processo de formação política e a seleção para cargos (eletivos, executivos ou da organização partidária). Segundo os autores, quando o partido confere ênfase ao processo de formação política, com horizonte futuro alargado, tem-se o recrutamento extensivo. Esse tipo de recrutamento não responde nem exclusivamente à captação de filiados com vistas à mobilização eleitoral de curto prazo, nem à estratégia puramente instrumental de viabilização de candidaturas, que representam o caso típico de recrutamento intensivo. Na estratégia de tipo intensivo, a “renovação das lideranças torna-se cada vez mais voltada à atração de indivíduos já formados em outras organizações ou que tenham qualquer capital político próprio – como apelo popular, família com tradição política, dinheiro, prestígio – que lhes assegure vantagens comparativas para disputar eleições” (p. 134).
A tipologia dos autores ressalta, em contraposição à literatura clássica de modelos partidários ( Katz e Mair, 1993 ; Krouwel, 2006 ; Kirchheimer, 2012 ), que as diversas modalidades de recrutamento “compõem um portfólio de combinações à disposição dos partidos para que estes recorram àquelas que julgarem as mais indicadas ou viáveis para cada situação ou contexto do ambiente político” ( Peres e Machado, 2017 , p. 142). Dito de outra forma, as estratégias mistas de recrutamento responderiam aos desafios contextuais e às diferentes dinâmicas partidárias internas, e levariam em consideração, na definição de atributos desejáveis, tanto a oferta de candidatos quanto as demandas dos dirigentes ( Norris, 2013 ). Esse tipo de abordagem, portanto, sugere maior atenção às práticas informais e contextuais de recrutamento e seleção existentes nos partidos, as quais buscamos explorar no caso dos partidos cariocas, através de entrevistas semiestruturadas sob a forma de “narrativas partidárias” 12 .
Em termos gerais, a partir da revisão da literatura, exploramos as seguintes diretrizes para analisar a construção das nominatas no nível municipal: qual o grau de inclusividade do selectorate ? Em que medida os partidos se orientam para estratégias de recrutamento intensivo com lastro em estratégias eleitorais de curto prazo? A análise parte do pressuposto de que ideologia e presença de diretórios permanentes têm impactos diretos na conformação dos selectorates e das estratégias mistas de recrutamento.
Metodologia e hipóteses
As reflexões exploratórias apresentadas neste artigo se respaldam em 14 entrevistas em profundidade realizadas, entre janeiro e outubro 2019, com lideranças, dirigentes e parlamentares de 12 partidos políticos através de uma amostra por conveniência 13 . O roteiro de entrevistas foi formado, basicamente, por perguntas sobre a estrutura organizacional do partido, sobre o processo de filiação e, por fim, sobre os critérios de recrutamento, montagem e hierarquização das nominatas. Como advertência, duas precauções devem guiar o leitor ao longo do artigo. Em primeiro lugar, os entrevistados expressavam diferentes trajetórias pessoais e tipos de vínculos desiguais com as agremiações e, ao mesmo tempo, refletiam sobre o funcionamento da vida partidária a partir de posições institucionais distintas. Essas ponderações requerem atenção redobrada acerca de possíveis caracterizações reificadas da natureza dos partidos analisados. Em segundo lugar, não é novidade que entrevistas com elites políticas costumam produzir discursos estilizados e de justificação de trajetórias, com acionamento de filtros que conduzem a uma narrativa controlada. Como esperado, nossos interlocutores se comportaram, em maior ou menor grau, de forma seletiva, alguns com relatos que nos forneceram indícios sobre o grau de institucionalização do processo decisório interno, enquanto outros conferiram mais ênfase a temas afeitos ao pragmatismo eleitoral.
Os entrevistados eram membros (ou ex-membros) de comissão executiva do diretório municipal (n=7), presidentes de diretório ou de comissão provisória municipal (n=5) e presidentes de diretórios estaduais (n=2). Em três casos, essas posições no partido coincidiam com mandatos legislativos de vereador ou deputado. Em consulta ao FiliaWeb, é possível verificar que cerca de 30% dos entrevistados estavam filiados havia mais de 25 anos ao partido; outros 30% por um período entre 7 e 14 anos; e 20% apresentavam filiação mais recente, com menos de quatro anos de filiação. Não havia informação disponível sobre três casos.
Como forma de “controlar as narrativas” dos entrevistados, utilizamos dados do TSE sobre as coligações, a posição final dos candidatos na lista partidária (expressa em votos) e a receita declarada de financiamento de campanha – elementos fundamentais para a compreensão do processo de recrutamento, seleção e hierarquização das nominatas 14 .
Na Tabela 1 , apresentamos os partidos considerados no estudo, classificando-os segundo o porte, a ideologia e a presença ou não de diretório permanente. Inicialmente, tomamos como pressuposto que essas dimensões poderiam impactar o formato do selectorate e o processo de recrutamento e seleção de candidatos, nosso objeto principal de estudo. Entretanto, dado o caráter exploratório da pesquisa, utilizamos tais parâmetros como um recurso heurístico para organizar a discussão sobre as diferentes dinâmicas internas.
A primeira dimensão não apresenta, neste artigo, um caráter analítico próprio e bem definido, porque o alto grau de competitividade e de fragmentação no Legislativo tornaria inviável a mensuração ou classificação de porte na esfera municipal – em virtude da variação do tamanho das bancadas entre as eleições de 2000 e 2016 15 . Devido a essa dificuldade, optamos por organizar, de forma ilustrativa, os partidos segundo o porte nacional. A título de exemplo, se na eleição de 2000 o PT era um dos principais partidos legislativos, na eleição de 2016 havia se convertido apenas na oitava força legislativa. Outros dois casos ilustram a contingência da força dos partidos no nível local. O PSOL se tornou força relevante no Legislativo apenas nas eleições de 2012 e, em sentido contrário, o DEM vem perdendo peso relativo no subsistema partidário ( Tabela 2 ):
Na dimensão ideológica, investigamos se haveria diferenças substantivas entre os campos políticos no que concerne ao grau de valorização de estratégias de recrutamento policy seeking em oposição a estratégias eleitorais de recrutamento intensivo ou pragmático 17 . Tanto a literatura internacional ( Panebianco, 2005 ; Hazan e Rahat, 2010 ) quanto a nacional ( Marenco e Serna, 2007 ; Braga, 2008 ; Braga, Veiga Miríade, 2009; Bolognesi, 2013 ; Babireski e Roeder, 2018 ) produziram evidências que associavam os campos ideológicos com o grau de inclusividade do selectorate e com os requisitos formais e/ou critérios informais na definição das candidaturas. Nesse sentido, as organizações partidárias produziriam consequências diretas no grau de democracia interna e, igualmente, no tipo de oferta da representação política.
Por fim, utilizamos a presença de diretórios permanentes como um proxy imperfeito de “institucionalização” dos partidos no nível municipal por dois motivos: a existência de comissões provisórias transfere o poder para instâncias superiores, especialmente para o diretório estadual, e, adicionalmente, impede a estruturação de processos decisórios inclusivos ao conferir prerrogativas concentradas a agentes políticos nomeados externamente (que podem, inclusive, não ter histórico dentro do partido). Nesses casos, podemos presumir a incidência de diferentes modelos de recrutamento e seleção de candidatos no nível local, com a dominância de padrões mais flexíveis e pragmáticos no caso dos partidos com comissões provisórias.
O jogo das nominatas
Na cidade do Rio de Janeiro, as estratégias, o número de candidatos lançados e o rendimento eleitoral resultante da montagem das nominatas são os mais díspares ( Gráfico 1 ). Dependem, em primeiro lugar, do lançamento de candidaturas majoritárias competitivas. Do ponto de vista dos líderes, o número de candidatos lançados é, também, reflexo da oferta e dos atributos dos candidatos que se dispõem a participar do pleito municipal, ponderado pelo desempenho eleitoral passado – um indicativo da força eleitoral própria. Por sua vez, a esse cálculo se soma a estimativa incerta acerca das nominatas rivais, que são fundamentais na decisão de participar ou não de coligações 18 , dado que “o pool partidário dos votos e a ordenação nominal da lista se realiza [sic] com todos os outros candidatos da coligação” ( Souza e Graça, 2019 , p. 199). Como vemos adiante, do ponto de vista dos candidatos, o número de cadeiras pode induzir a qualificações diversas sobre o grau de “atratividade” das legendas, desde a percepção da força eleitoral do partido até a avaliação negativa de que a presença de candidatos de mandato (incumbentes) representaria a falta de competição intralista.
Adicionalmente, esses cálculos ou estratégias das lideranças são atravessados, fato esse muito mais relevante do que a mera aritmética, por diferentes critérios de recrutamento partidário mediados por processos decisórios internos, mais ou menos institucionalizados ou inclusivos, que implicam diversas gradações de competição intrapartidária e de interesses representados ou, dito de outra forma, de hierarquização informal das listas.
Definimos o jogo das nominatas como o processo informal de competição e cooperação entre os agentes políticos durante o interregno pré-eleitoral . De acordo com nossos achados, através da análise das entrevistas, verificamos que, do lado da demanda, os dirigentes partidários monitoram o recrutamento de candidatos, arbitram a disputa entre os que querem aceder às chapas eleitorais, decidem se participam ou não de coligações para, ao final, determinar o número de vagas na lista e a alocação de recursos entre os candidatos. Do lado da oferta, filiados e migrantes (sejam novatos ou não) se autorrecrutam, parte deles se oferecendo simultaneamente em nominatas diferentes. Nesses processos paralelos de recrutamento ativo ou receptivo, os líderes empenham-se em estimar a força eleitoral de seu partido em comparação com a das agremiações rivais para a obtenção do maior número possível de cadeiras. Do outro lado, os candidatos buscam obter informações sobre a composição e/ou a atratividade das nominatas e, fundamentalmente, sobre os critérios de distribuição dos recursos partidários, com a intenção de melhor se posicionarem eleitoralmente. Como vemos ao longo do artigo, a ambivalência do jogo de cooperação e competição também se manifesta no processo interpartidário de construção de coligações, com a possibilidade de negociações entabuladas simultaneamente com diferentes parceiros, devido aos prospectos de rompimento de última hora.
Por fim, há uma lacuna na literatura de recrutamento partidário, a qual tentamos tangenciar no artigo. A par do papel estratégico dos partidos, através de distintas formas de hierarquização das nominatas, não se tem dado atenção devida aos incentivos oferecidos aos candidatos “fracos” ou não competitivos da lista. Por que entrariam na disputa eleitoral? Quais seriam os incentivos ofertados? Imaginemos, por um momento, que os candidatos que participam do jogo tenham alguma ideia, mesmo que opaca, do processo de hierarquização das listas. Os competitivos, da franja intermediária, provavelmente poderão se inserir em uma lógica de carreira de mais longo prazo com o aumento sucessivo do cacife eleitoral. Mas, e no caso dos “preteridos”, que representam a imensa maioria das candidaturas, aqueles com probabilidade baixa ou nula de serem competitivos, por que cooperariam no empreendimento coletivo de somar votos à lista? Algumas das entrevistas fornecem várias evidências de incentivos seletivos, mas também de interações que envolvem informação assimétrica e promessas de distribuição de recursos não cumpridas e que igualmente autorizam a metáfora do “jogo das nominatas”.
As ‘pequenas’ legendas de esquerda: PCdoB e PSOL
Partido Comunista do Brasil – PCdoB
O PCdoB é exemplificado pela literatura como um caso clássico do carona em coligações proporcionais federais, ao concentrar recursos em um número reduzido de candidatos, geralmente em aliança com o PT ( Nicolau, 2017 ). No munícipio carioca, essa dobradinha foi reproduzida em 2000 e 2016, puxada pelas candidaturas majoritárias de Benedita (PT) e Jandira Feghali (PCdoB). Em 2000, o PCdoB concentrou seus esforços em apenas quatro candidatos e elegeu Fernando Gusmão com a segunda maior votação na lista. Em 2016, a coligação elegeu dois vereadores do PT, embora dessa vez o PCdoB tenha lançado 20 candidatos. O candidato mais votado do PCdoB, na oitava posição na lista, angariou apenas 6.010 votos. Para seguir com os exemplos, o PCdoB, em 2004, aceitou o papel de carona do PCB, que lançou apenas um candidato. Em 2008, montou uma chapa eleitoral paritária com o PSB, ambos com 46 candidatos e, em 2012, concorreu sozinho com 69 candidaturas, sem sucesso. A estratégia de montagem das nominatas no nível municipal apresenta, portanto, enorme variação ao longo das eleições – e isso, vale enfatizar, se aplica a todos os partidos, ao mesmo tempo que acentua o caráter contingente das eleições e das estratégias partidárias.
(...) na estratégia de chapa coligada você trabalha com concentração. Então você lança menos candidatos, você escolhe um ou dois ou três como prioridade, concentra nele seus recursos, seus esforços. Ao passo que, quando você lança a chapa própria, você procura estimular o máximo de candidaturas possíveis para você trazer o máximo de votos para aquela cesta de votos na tentativa de eleger um dos mais bem posicionados (Entrevistado do PCdoB).
Além do formato propriamente dito da nominata – número de candidatos, se o partido está coligado ou tem chapa própria –, questionamos os entrevistados sobre o processo de recrutamento partidário, explorando os lados da oferta e da demanda. Para além da mobilização interna dos filiados, há um fluxo de cidadãos que se autorrecrutam? O partido tem um papel ativo na busca por indivíduos sem vínculos formais com a agremiação? E, de forma geral, qual o perfil dos candidatos e os critérios de seleção interna? E quem é o selectorate 19 ?
As bases partidárias locais do PCdoB são distribuídas em 13 distritais, estruturas intermediárias que podem ser organizadas em regiões ou por núcleos em universidades e empresas, com a constituição de fronteiras organizativas que se adaptam às necessidades específicas de inserção dos filiados. A partir das bases distritais, são eleitos delegados que participam da conferência municipal, que, por sua vez, elege a direção municipal formada por cerca de 30 integrantes. A direção tem a prerrogativa de indicar uma chapa única, mas a conferência decide nome a nome, em votação secreta, se valida ou não a chapa – com direito à recusa de nomes e com a possibilidade de modificação da lista. Segundo o entrevistado, esses mecanismos valorizam e protegem a manifestação das opiniões individuais e impedem a organização de tendências internas.
Sobre os critérios de formação da chapa, o entrevistado do PCdoB declarou que depende da oferta: “não tem muito critério, não, (...) primeiro você tem que olhar para quem quer ser candidato”. Em seguida, fez o adendo de que o partido estimula os militantes que atuam nas bases, ressaltando o compromisso com a linha partidária. Apesar disso, reconheceu que a legenda é procurada por indivíduos “com conceitos muito díspares”, em busca de um partido qualquer para viabilizar a candidatura. Aqueles que atravessam a peneira são instados a assinar um termo de compromisso e estimulados a participar de cursos de formação.
Analisando o desempenho da lista e o financiamento de campanha, observa-se que o PCdoB apresentou candidaturas eleitoralmente frágeis. O candidato mais bem posicionado do partido na coligação, em 2016, foi o enfermeiro Pedro de Jesus, que obteve 6.010 votos, seguido por Romário Galvão, com apenas 2.054 votos ( Anexo 1 ). Os candidatos do topo da lista receberam cerca de 2 mil reais do diretório municipal. Pedro de Jesus, por sua vez, recebeu a maior parcela de financiamento da campanha da candidata à prefeitura, Jandira Feghali, e adicionalmente a contribuição financeira da deputada estadual, e também enfermeira, Rejane de Almeida. Nenhum dos cinco primeiros da lista concorreu nas demais eleições aqui analisadas, com a exceção do enfermeiro, que obteve parcos 2.436 votos em 2004 – indicando que o partido teve dificuldade em atrair candidatos competitivos 20 .
Segundo o entrevistado, o partido tem enfrentado dificuldades para “se afirmar com cara própria”, em virtude da aliança como sócio minoritário do PT, no nível nacional, e da ascensão do PSOL no eleitorado de “voto de opinião”. Apesar disso, o partido vem se firmando no “espaço mais popular”, com afastamento da zona sul em direção a Madureira, Leopoldina e zonas norte e oeste, englobando um setor da classe trabalhadora empobrecida ou baixa e setores sindicais. Essa expansão, por sua vez, encontraria limites nas áreas ocupadas por milícias e tráfico, e nas regiões com proeminência de pastores evangélicos, espaços onde vigoram práticas de controle da representação.
Partido Socialismo e Liberdade – PSOL
O PSOL, em virtude da competitividade da candidatura de Marcelo Freixo à prefeitura, optou por carreira solo em 2012, mas aceitou o PCB como carona em 2016. Nas duas eleições, lançou 56 e 51 candidaturas, respectivamente. Ao ser perguntado sobre o número de candidatos lançados nos diversos pleitos, o entrevistado reorientou a questão em termos de escolhas estratégicas acerca do tipo de organização que se pretende construir e dos conflitos dele derivados, basicamente a opção por um partido de quadros de perfil mais verticalizado – tendo como “vício” a origem parlamentar após a ruptura com o PT. Em vez da aposta na renovação política, os dirigentes se valeram da disputa pelo “bloco histórico” constituído em torno do PT, alimentando-se dos quadros que progressivamente romperam com o partido. Esse tipo de recrutamento de figuras públicas gerou atritos internos; entre eles, o protesto espontâneo dos núcleos partidários – que seriam estruturados, segundo nosso interlocutor, como “espaços de mobilização permanente” dos filiados.
Outra entrevistada do PSOL indicou que o papel do selectorate é corporificado no diretório municipal, formado por 27 pessoas, incluídos os 13 membros da executiva. No entanto, o selectorate pode apresentar algum grau de fluidez em virtude do peso e da influência informal dos parlamentares (dado que parte dos quadros “profissionalizados” do partido está ligada aos mandatos). Igualmente, as decisões sobre a verba eleitoral e o tempo de TV implicam um “acordo mais amplo”, para dar vazão aos interesses das várias tendências, representadas proporcionalmente no diretório. Em termos processuais, recebe-se uma lista prévia de candidatos, cujo histórico é verificado por buscas na internet: “Tem que fazer um crivo, tem que olhar, porque aparece de tudo...”. Outra parte dos candidatos é avalizada diretamente por membros internos. Segundo o entrevistado, o caso Daciolo 21 indicaria que, ainda assim, o processo é um “tiro no escuro”. Ao final, se houver objeções sobre pré-candidatos da lista, os possíveis vetos são decididos por votação no diretório 22 .
Por fim, em relação aos dilemas inerentes ao processo de constituição das nominatas, ponto central de nosso roteiro, e que obviamente também diz respeito à qualidade da representação, o entrevistado do PSOL defendeu que a discussão das candidaturas não deveria ser restrita à lógica da eficiência eleitoral, porque o campo da esquerda se constituiria com a obrigação de “pautar o debate” na sociedade. Na mesma toada, o representante do PCdoB havia feito a ressalva de que o partido não deveria ser capturado pela lógica institucional oficial; ao contrário, deveria conferir importância aos núcleos de base do partido e à sua atuação na sociedade civil.
Em 2016, o PSOL aumentou sua bancada de quatro para seis vereadores. Na distribuição de recursos partidários, é possível evidenciar, de certa forma, a hierarquização da lista, a qual foi puxada pelo ex-candidato a governador, Tarcísio Mota, que obteve 90.473 votos, e pela candidata Marielle Franco (assassinada em 2018), sem histórico eleitoral anterior. Ambos receberam os maiores valores de financiamento do diretório municipal e da campanha do candidato a prefeito, Marcelo Freixo (porém, Marielle foi a única a receber dinheiro do diretório estadual do PSOL). As terceira e quarta maiores votações foram dos candidatos de mandato, Renato Cinco e Paulo Pinheiro, com receitas de campanha acima de 200 mil reais, ancoradas em valores elevados de recursos próprios e contribuição de pessoas físicas 23 . O quinto da lista, o vereador Brizola Neto, com longa trajetória construída no PDT, fez campanha sem nenhum aporte do PSOL. E, por fim, o candidato Babá, professor da UFRJ, e primeiro suplente, recebeu o terceiro maior aporte da direção municipal (embora modesto) e contou com a contribuição de um integrante da executiva nacional do PSOL e do tesoureiro do partido em Niterói, ambos na condição de pessoa física (se somarmos esses valores como “contribuição partidária informal”, levando em conta que sua campanha extrapolou os limites territoriais do munícipio, ele teria sido o candidato “prioritário” do partido).
Partidos de centro-esquerda: PT, PDT e PSB
Partido dos Trabalhadores – PT
Quando introduzimos de forma mais direta o tema da formação da chapa eleitoral, o entrevistado do PT, assim como havia sucedido com as pequenas legendas de esquerda, reorientou o roteiro, aludindo que, em meados da década passada, para a viabilização de candidaturas, era indispensável que “alguns núcleos balizassem ou requeressem seu nome na nominata do partido”. Insistimos no tópico em mais dois momentos. No primeiro, evocamos o caso de flexibilização do recrutamento com o aceite da filiação de Marcelo Arar, que havia concorrido sem sucesso pelo PSDB em 2004 e 2008. Em 2012, Arar foi eleito pelo PT, mas, na eleição seguinte, evadiu-se para o PTB. O entrevistado concordou que a direção se equivocou ao aceitar alguém que “absolutamente não tem um milésimo de milímetro de ideologia partidária petista”. Na segunda vez, o entrevistado replicou nossa interpelação com a afirmação de que o grau de organicidade do PT justificaria o lançamento do número máximo de candidatos e que esse não deveria ser um problema, porque seria improvável que os candidatos ultrapassassem o quociente eleitoral – destacando a importância do mecanismo de transferência de votos. Portanto, ao mesmo tempo que afirmou que as candidaturas deveriam ser atravessadas por discussões nas bases partidárias, teria admitido igualmente que “a lista é preenchida muito rapidamente para você garantir que determinado candidato (...) consiga trazer para a legenda aquele número de votos”.
No que diz respeito à participação dos filiados, em contraposição ao esvaziamento da participação dos núcleos no processo de indicação dos candidatos a eleições proporcionais, o entrevistado ressaltou que o partido realiza eleições para a direção e prévias para a escolha de candidatos para as majoritárias. E, por fim, ao refletir sobre a dinâmica interna, confidenciou que não é fácil lidar com um “partido de massas”, que “tem de tudo (...) gente que vai para lá e briga, que questiona a direção”. Outra liderança partidária entrevistada, de um grupo minoritário interno, apresentou uma perspectiva bastante crítica sobre o partido. Os núcleos de base, embora sirvam como espaços de “resistência interna”, não mais possuem força política. O esvaziamento progressivo teria sido acompanhado por outros processos com implicações relevantes para o partido: o crescimento eleitoral e a participação nas gestões estadual de Anthony Garotinho e, posteriormente, municipal de Eduardo Paes. A transformação do partido se refletiria também em outra instância negativa – a existência de “operadores de voto”, isto é, filiados com vínculos frágeis com a legenda e que ajudam a alimentar campanhas profissionalizadas de alguns mandatos não ancorados em votos de opinião. Esses operadores seriam, de forma geral, assessores que não atuam em atividades parlamentares, indivíduos com cargos na burocracia partidária e outros que participaram de cargos no terceiro e quarto escalões da prefeitura (alguns deles já desvinculados do partido).
Quando questionada sobre o selectorate , essa liderança partidária afirmou que o poder estaria distribuído no diretório municipal conforme a força parlamentar das diversas tendências políticas internas. E quem são os responsáveis pela formação da nominata? “É o diretório. Diretório não. É a executiva (...)”. E se queixou que “o PT do Rio de Janeiro foi ficando cada vez mais dominado por essa tendência dos nomes, dos mandatos, das lideranças de mandato”. As lideranças políticas que não se reelegem perderiam espaço dentro do partido.
Em 2016, o PT havia apresentado três candidatos de mandato na lista: Reimont (o único que se reelegeu), Elton Babú e Edson Zanata. Luciana Novaes, a única que recebeu dotação simbólica de pouco mais de 5 mil reais da direção estadual do partido, ocupou a segunda vaga. Sua campanha arrecadou cerca de 33 mil reais, quantia pequena frente aos valores dos outros cinco principais candidatos da lista. No entanto, Luciana, assim como Babú, havia concorrido à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro em 2014. Da mesma forma, todos os quatro mais bem colocados na lista apresentavam capital político de eleições anteriores. Dito de outra forma, eram os candidatos mais viáveis da lista 24 .
Partido Democrático Trabalhista – PDT
Diferentemente dos casos até aqui analisados, os entrevistados dos outros dois partidos de centro-esquerda, PDT e PSB, pertencem a diretórios provisórios. A entrevista presencial na sede do partido no primeiro caso e as informações complementares coletadas em jornais no segundo nos forneceram indicações indiretas de que parte do processo decisório teria se deslocado para o nível estadual, embora por motivos distintos. No caso do PDT, há evidências de que o papel de selectorate é coordenado pelo diretório estadual. No caso do PSB, a existência de comissões provisórias permitiu que o partido, em determinado momento, fosse parcialmente capturado pelos interesses de agentes externos sem vínculos com o partido. A presença de comissões provisórias permite que as instâncias partidárias superiores, estaduais e nacionais, exerçam maior capacidade de coordenação de estratégias eleitorais federativas, de forma direta, sem as inconveniências de processos decisórios mais inclusivos ( Guarnieri, 2009 ).
O entrevistado do PDT alternou informações sobre a construção da nominata, ora sobre o nível estadual, ora sobre o municipal. No nível municipal, desde os tempos de Brizola, uma ata seria disponibilizada, em cima do balcão, para aqueles que desejassem integrar a chapa. Quando questionado sobre quais critérios seriam relevantes, em um primeiro momento e em tom genérico, ele afirmou que “um pouco é conhecer o que que o cara faz”. Uma diferença fundamental entre os dois níveis residiria na oferta desproporcional de candidatos na capital. Ao perguntarmos, então, se haveria algum tipo de coordenação para evitar a sobreposição de candidatos em uma mesma área geográfica, o entrevistado contestou: “Não chega este dado, esse nível de detalhe”.
O diretório estadual tem um papel fundamental na expansão da capilaridade do partido nas diversas regiões do estado, algumas das quais marcadas por um “vazio completo”. A coordenação é corporificada através de uma planilha, com nomes e informações genéricas, e às vezes incompletas, sobre os filiados nos municípios. O entrevistado forneceu alguns exemplos dos tipos de informações referenciadas: uma candidata indicada por uma deputada; um candidato chancelado por um vereador; um diretor de escola indicado para se candidatar; um filiado que teria vindo espontaneamente e outro que teria sido candidato pelo PT. Cita, também, anotações sobre candidatos potenciais, caso de filiados que poderiam ser estimulados a concorrer no futuro.
O partido busca recrutar candidatos ativamente, embora não de maneira “incisiva” 25 , em consonância com a avaliação de que a oferta é suficiente: “Tem representação, pode não ser até das melhores”. Parte da explicação residiria nos imperativos da competição eleitoral. O entrevistado, em momento anterior, havia revelado que a filiação prévia dos ingressantes é averiguada, mas, em uma comparação hipotética entre um indivíduo proveniente de uma legenda de direita com um capital eleitoral de 5 mil votos e um membro do partido não testado eleitoralmente, admitiu que escolheria o primeiro. As citações a seguir contrapõem o dilema da competição eleitoral e os seus prováveis efeitos na qualidade da representação:
Lógico que tem também que ser um critério eleitoral, senão você bota uma chapa maravilhosa, mas não elege ninguém (Entrevistado do PDT, 2019).
[Cita um município do interior] Desses três vereadores espreme, espreme, com toda a franqueza, tem alguma coisa a ver com o PDT? Entendeu? Então você tem um número para apresentar, mas... Identificação partidária, brigar mesmo, defender ideologicamente, trabalhismo, a questão da educação como prioridade, se o seu comportamento na Câmara identifica o partido, honra o partido... Aí eu vou ficar quieto. Não vou responder (Entrevistado do PDT, 2019).
Quais critérios seriam utilizados para efetuar um possível corte de excedente? O entrevistado argumentou que a nominata é mais bem entendida não como um ponto discreto no tempo, mas como um processo que envolve expectativas, pressões, negociações e informação incompleta. O processo é marcado pela incerteza – em parte, devido aos processos de negociação das coligações proporcionais – que, entre outras coisas, envolveria o cálculo sobre a força relativa das nominatas e a possibilidade de corte de candidatos. A citação seguinte evidencia negociações simultâneas entre diferentes partidos, atravessando diferentes tipos de pleitos. Adicionalmente, indica que o selectorate é formado por um número reduzido de pessoas que tenta dirimir o acesso à lista, com informação incompleta e sem critérios preestabelecidos de comparação entre candidatos potenciais – aqueles sem mandato ou não testados previamente nas urnas.
Vou te dar uma situação que aconteceu que não vai acontecer mais, agora nessa última, de estadual. Nós estávamos conversando com vários partidos para ver se tinha coligação, para ver quem apresentava candidato a vice, a senador... Acabamos só com o [cita partido de centro-esquerda]. Aí na última semana, a gente já com a nominata fechadinha (...) eu tive que trabalhar com a nominata completa. Em cima da hora o [cita partido de centro-esquerda] diz que não vai e eu tenho que sair correndo para preencher. Bom, aí mais ou menos na última semana sentei com o [cita um político] e ele disse assim: “Para estadual a gente não quer. Mas para federal a gente quer”, porque era fraca a nominata. Mas interessava também para a gente porque a gente tinha uma expectativa dele ter uma boa votação. (...) E ele teve ainda muito maior do que a gente imaginava! Eu falei assim: “Então o [político mencionado] entrando a gente pelo menos faz um deputado federal”. Fizemos dois. Ele disse assim: “Eu preciso de 15 vagas de federal”. E eu tive que cortar. Eu chorei, chorei, mas não consegui diminuir. Tive que cortar 15! (...) Porque o que acontece: você recebe pedido de muita gente... Companheiro nosso, militante antigo, atuante... Ele recebe um pedido de uma pessoa ou quem foi a ele para ele se apresentar como candidato, aí ele fica em cima. (...) porque a gente começava a dizer que, eu fui claro nisso em vários momentos: “se fechar com o [partido x] a gente vai ter corte!”. [Imitando barulhos de reclamação] (...) Então a gente não ampliava muito essa conversa, senão ia ser uma guerra geral, mas dois ou três ou quatro no máximo que não tinham diretamente um interesse em Pedro, Paulo ou Joaquim, e a gente foi... “E aí, o que você conhece desse? E entre esse e esse?’’ (Entrevistado do PDT).
Não havia nenhum vereador de mandato na lista do PDT; mas, dos seis primeiros candidatos, somente um não tinha experiência eleitoral prévia e, dos sete primeiros da lista, seis receberam dinheiro do partido. O primeiro da lista, o eleito Renato Moura, recebeu 10 mil reais do PDT municipal e 15 mil do diretório nacional (o único que recebeu das duas fontes), com cerca de 223 mil de receita total. O segundo da lista, o eleito Fernando William, havia tido experiência em cargos executivos em vários mandatos de vereador e também de deputado federal, todos pelo PDT. Sua campanha não recebeu dinheiro do partido, embora tenha sido a mais cara, somando quase 395 mil reais. Em relação ao PDT, é possível inferir a hierarquização da lista e supor o provável “efeito compensação e otimização de recursos” no caso de William, isto é, o partido provavelmente imaginava que não era necessário “desperdiçar” recursos partidários considerando seu histórico e o potencial de arrecadação de sua campanha 26 .
Partido Socialista Brasileiro – PSB
Nosso informante do PSB teve sua carreira marcada pela circulação em vários partidos, de ideologia e de tamanho diversos, e apresentou suas reflexões sobre um momento em que a legenda havia sido capturada por uma lógica estritamente eleitoral 27 , caso que destoa da métrica dos partidos de esquerda aqui analisados. Parte da explicação residiria no fato de o partido municipal ter sido dominado por quadros não orgânicos e pela manutenção de uma estrutura provisória, que municiava as “novas” lideranças com elevado grau de independência.
De forma estilizada, o partido 28 havia incorporado um candidato à majoritária que construiu notória carreira fora da política, passando por diversos partidos; mas, ao mesmo tempo, havia também convidado outro político profissional, aparentemente um operador político, para servir-lhe de anteparo na executiva municipal, porque se temia que o primeiro “iria com muita sede ao pote”. Esse membro alocado como contrapeso, por sua vez, tinha a responsabilidade de organização interna financeira e administrativa – visto que “ninguém sabia nada do partido” – e, adicionalmente, de organizar a nominata e a documentação dos filiados, e formalizar a documentação do diretório. O entrevistado mencionou que, quando ingressou no partido, não havia registro de fichas de filiação, porque quem ia embora “levava tudo”, indicando um processo de filiação artificial capitaneado por candidaturas individuais.
Essa narrativa tem como ponto de partida o mês de julho de 2016, quando o ex-jogador Romário desistiu da candidatura à prefeitura do Rio e anunciou sua saída da presidência dos diretórios municipal e estadual do PSB 29 . Em consequência, o PSB não elegeu nenhum vereador e viu sua votação total ser reduzida de 4,7% na eleição anterior para 0,9% em 2016. O candidato a vereador mais competitivo do partido havia obtido parcos 3.391 votos. Tal cenário contrastava com o do ano anterior, em que ocorreu enorme afluxo de novos filiados ao partido. Segundo nosso entrevistado, nesse ano vereadores que haviam saído do partido a ele quiseram retornar, e a nominata “ficou parruda, bonita”. Em contraste, com a renúncia de Romário, a “chapa esvaziou completamente (...) não ia ter mais defesa da legenda, não ia mais ter fluxo de dinheiro”. Para se ter uma ideia do referido esvaziamento, o partido distribuiu 200 reais para alguns poucos candidatos a título de pagamento de “serviços de consultoria jurídica e serviços contábeis para prestação de contas final”, afirmou o entrevistado. Outra parte veio da campanha de Índio da Costa, na qual o PSB apresentou o vice 30 .
Nesse cenário adverso, o partido buscou novos parceiros para coligar-se, mas as tratativas não avançaram e a chapa foi reduzida para 42 nomes 31 . Em meio à fluidez e instabilidade do cenário, recorreu-se à opção da construção de uma nominata sem “vereadores de mandato”, como forma de evitar um ainda maior esvaziamento, em uma situação de já reconhecida baixa atratividade da sigla e em virtude do baixo cacife eleitoral dos candidatos restantes.
[Um ex-vereador da Igreja Universal] Queria entrar no partido. E havia uma certa combinação (...) de que a gente não ia botar para dentro vereador de mandato porque a chapa fica muito assustada quando entra um vereador de mandato. Eles olham e dizem “pô, ele é o preferencial, já não estou disputando a cabeça, estou disputando o segundo lugar. Vai fazer dois? Ou eu vou ser só trampolim para o cara se eleger sozinho?”. Você lá com o Romário tinha uma visão de quatro, de repente sem Romário você cai para uma visão de dois. Se tiver um de mandato, a chapa toda morre. A construção muda toda. Um monte de gente vaza. E o que antes era mais fácil para o partido e complicado para o candidato é que você tinha de ter um ano de filiação partidária. Então era setembro. Com a passada para seis meses, tudo fica muito fluido. De repente o Romário vai embora, vai todo mundo embora junto. E não dá tempo de você recuperar. Então o nosso número é isso. Não foi possível recuperar com essa construção de rupturas uma atrás da outra. Não foi possível fazer nada melhor do que isso (Entrevistado do PSB).
O entrevistado, refletindo sobre o ocorrido, afirmou que o que move um candidato a vereador é estar em um time vencedor e com uma candidatura viável à prefeitura. Adicionalmente, diz que, além do processo de autorrecrutamento dos que procuram o partido “quando a sombra é larga”, o partido também atuaria com recrutamento ativo. Segundo o entrevistado, a prática dos operadores políticos implica “tentar oferecer tudo que pode. A maior parte são mentiras (...)” 32 . Diz que é comum, inclusive em outros partidos, a lógica de recrutar em terreno alheio e que, concomitantemente, os candidatos também se oferecem a vários partidos. O entrevistado indica, também, um processo de recrutamento ativo apoiado no potencial profissional, identitário e/ou relacionado ao capital associativo; por exemplo, na busca de representantes de camelôs e de taxistas, de um médico apoiado por uma rede de enfermeiras ou de membros dos movimentos gay e negro.
Ao refletir sobre o processo de construção das nominatas, o entrevistado explica que a equação se resume a “ganhar a eleição ou perder a eleição, mas ganhar politicamente. Abrir espaço”. Isso ajudaria a explicar a participação de uma franja de candidatos de nível de competitividade intermediário, que sabem que não vão ganhar a cadeira legislativa, mas se inserem em uma lógica maior – que pode ser partidária ou simplesmente uma lógica de cacife eleitoral que permite a reprodução da carreira política em termos estritamente individuais, independentemente do partido de destino. E o que mais se vê em montagem de chapas? A maioria vai sair destruída, sem “nenhuma capacidade de representação”.
Ainda segundo nosso interlocutor, o fundo partidário não ajudaria na institucionalização dos partidos nos municípios, visto que só chegaria a uma determinada localidade “se as articulações políticas forem suficientes para isso”. O partido, então, recorreria a candidatos com máquinas provenientes, por exemplo, de sindicatos de enfermagem ou de funcionários públicos, em virtude da possibilidade de uso “indireto” de carro e som. Há alguns poucos candidatos que teriam máquina própria, montada ao longo dos anos. De modo geral, a estrutura é precária, e uma das soluções possíveis é empenhar o partido, temporariamente, para um novo “dono” 33 .
“– Estamos precisando. Ah, faz um evento aí”. A gente faz um evento, mas, pelo amor de Deus, manda 10 mil reais! Eu estou sem pagar a menina... Aí chega um deputado federal, tipo o Romário, e banca a estrutura do partido. Bom, vira dono do partido porque é ele que está pagando. Ou porque ele está botando dentro dinheiro da cota dele de deputado ou porque ele tem presença em Brasília junto ao presidente nacional e o presidente nacional dá para ele a verba e ele então mantém a estrutura (Entrevistado do PSB).
Os partidos de (centro) direita: PP e PSDB
Partido Progressista – PP
O entrevistado do PP preferiu restringir seus comentários, inicialmente, sobre a formação da nominata e sobre a distribuição de recursos na eleição de 2018. Segundo sua experiência, quem manda no partido é quem tem mandato, mais especificamente deputados federais 34 que receberam do fundo público cerca de 2,3 milhões (porque obviamente o número de deputados federais é o critério que viabiliza recursos do fundo partidário), e, em muito menor medida, deputados estaduais que receberam 100 mil reais. Quem tem mandato recebe tempo de TV, mas os que aparecem bem posicionados em pesquisas contratadas pelo partido também são agraciados. Outro critério relevante que contribui para a hierarquização da lista é o grau de disciplina partidária no Congresso – votou contra a liderança, recebe menos.
Com a concentração de recursos em número reduzido de atores – o que, na sugestão de Klein (2007) , a partir do clássico indicador de fragmentação partidária, justificaria a existência de “candidatos efetivos” –, o maior problema do partido se deslocaria para o preenchimento do restante da lista. Nosso interlocutor chamou a atenção para as diversas estratégias de montagem de nominatas, entre elas a clássica utilização de um puxador de votos, com menção às candidaturas da família Bolsonaro. As duas outras estratégias consistiriam em montar uma base de chapa forte ou colocar nomes intermediários fortes . No entanto, “um dos maiores desafios do PP é você ter candidato”. Como se equaciona, então, esse problema do lado da oferta? Nos níveis estadual e federal, ele menciona que o partido atrai membros ligados ao movimento empresarial, como Firjan e Fecomércio. Mas o partido não teria tido muito sucesso em manter uma base de filiados, porque “só entra no partido quem quer se candidatar”. O entrevistado teria ele mesmo ajudado a recrutar ativamente cinco candidatos com rendimento médio de 3 mil votos, e outros candidatos também atuariam com o mesmo tipo de contribuição. Em determinado momento, queixou-se de que não havia incentivo nenhum para formar novos quadros, porque os candidatos se vendem a outros partidos. A mesma ameaça de oportunismo ocorreria em iniciativas de filiação: “(...) mas eu filiar gente no PP é mostrar minha estratégia eleitoral para o adversário. Os caras vêm nos meus caras e aí você perde para a máquina” (Entrevistado do PP).
Em 2012, o PP elegeu Vera Lins, Carlos Bolsonaro (que migrou para o PSC na eleição seguinte) e Marcelo Cid Heráclito Queiroz (que apoiou a candidatura do primeiro suplente Rodrigo Vizeu, em 2016, com aporte de 20 mil). A cabeça de chapa do PP, em 2016, foi a vereadora de três mandatos consecutivos, Vera Lins, com 36.117 votos. Em segundo lugar na lista, veio um candidato com trajetória parlamentar como vereador e deputado estadual por diferentes partidos, Marcelino D´Almeida. As três candidaturas com forte capital político prévio foram as mais caras, mas nenhuma delas recebeu financiamento do partido. O PP nacional financiou dois candidatos, um deles, Raphael Gattás, com aporte de 60 mil reais. Raphael havia sido o terceiro suplente, em 2012, com 4.815 votos, e, dada a ausência na lista dos outros suplentes a sua frente, recebeu o apoio do partido.
Por fim, o entrevistado ressaltou que um dos elementos importantes no recrutamento é a “expectativa de poder”: “(...) está cada vez mais difícil trazer estes caras de mil, dois mil, três mil votos, entendeu? Porque esses caras são políticos profissionais (...)”. E, em consonância com essa profissionalização, denunciou que outro partido teria lançado candidatos “remunerados” com obrigação de angariar alguns milhares de votos, para somar no resultado coletivo 35 . Com essas evidências, é muito improvável que a maior parte do contingente de candidatos deva ser enquadrada na lógica da competição intrapartidária, que é muito mais restrita do que faz supor parte da literatura sobre os incentivos do sistema eleitoral de lista aberta.
Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB
O entrevistado do PSDB apresentou uma narrativa de um partido mais institucionalizado, com um processo decisório colegiado e, portanto, um selectorate mais inclusivo. Diferentemente do PP, o PSDB é constituído no município por um diretório permanente. O entrevistado afirmou que a montagem da nominata é de responsabilidade do diretório municipal, composto por 11 membros, mas, com a inclusão de lideranças dos núcleos de mulheres, afro e juventude, alcançaria mais de 20 participantes. Esse formato corresponderia a um diretório ampliado, maior que a executiva, que se reúne quando estão em jogo temas relevantes (por exemplo, a decisão de participar ou não de determinado governo). Quando questionado sobre democracia interna, informou que as decisões acabam “sendo colegiadas”, mas que a figura do presidente é forte e sempre “representa uma maioria”. Ao mesmo tempo, o entrevistado mencionou que, conforme as regras do partido, ocorreria o revezamento das lideranças do diretório municipal e do estadual entre duas delas, Otavio Leite e Luiz Paulo Corrêa.
A nominata é formada, em geral, “com quem se apresenta”, mas o partido verifica se os pleiteantes têm ficha limpa. O filtro partidário é acionado através de entrevistas com os candidatos, tarefa que é dividida entre várias pessoas. O entrevistado faz um adendo: “Há interesse nos melhores (...) na questão do voto, mas também na questão do conteúdo”. O perfil da oferta é de classe média, “do Méier para cá” e um ou outro líder comunitário.
Como visto anteriormente, estima-se que parte do desempenho da nominata está diretamente relacionada à escolha de lançamento de candidatos próprios ou de participação em candidaturas majoritárias competitivas, com a expectativa de efeito coattail . No entanto, não necessariamente a coligação majoritária é reproduzida na proporcional. O entrevistado menciona que o partido indicou o vice de Gabeira em 2008, mas que o PV não quis reproduzir a aliança PV-PSDB-PPS, porque considerava que os seus candidatos “eram muito mais fracos”. O PV sabia que havia somente dois candidatos competitivos em sua nominata, Alfredo Sirkis e Aspásia Camargo; por isso a recusa em aliar-se ao PSDB. E, graças a essa decisão, conquistou uma terceira vaga na Câmara Municipal.
Em 2016, o lançamento da candidatura a prefeito de Carlos Osório, egresso do PMDB, e o fato de o partido ter apresentado apenas um vereador de mandato na lista teriam aumentado a atratividade da nominata. O partido lançou a candidatura majoritária em coligação com PPS, aceitando replicá-la na proporcional. E o cálculo foi correto. O PPS concentrou recursos em apenas oito candidatos, mas não elegeu nenhum, enquanto o PSDB lançou 55 e elegeu três vereadores. Em resumo, o partido que lança candidaturas majoritárias apresenta maior poder de barganha na negociação de coligações e aceita replicá-las nas proporcionais desde que não perceba indícios de ameaça na outra nominata. O PV não aceitou compor com o PSDB, que, por sua vez, aceitou replicar a aliança com o PPS na proporcional. E saiu ganhando 36 .
Teresa Bergher, a única candidatura de mandato com três vitórias sucessivas pelo PSDB, foi a nona mais votada no município, com 30.566 votos e receita de quase 270 mil reais. O terceiro eleito foi o professor Adalmir, que havia concorrido a deputado estadual e a vereador (duas vezes) pelo PRTB. Comparativamente, os dois foram os que receberam os maiores aportes da campanha de Carlos Osório (mais de 45 mil reais). O diretório municipal, por sua vez, contribuiu com 2.700 reais para os primeiros candidatos da lista, com exceção do primeiro suplente, Arraes, que recebeu 17.400 reais, provavelmente em virtude do histórico de participação em três outros pleitos pelo partido.
Os outros casos indicam o apoio de lideranças dominantes no partido. O segundo, mais votado do partido, Felipe Michel, atuou em secretarias municipais e estaduais de transporte, ingressou na política pelas mãos do outrora deputado estadual Carlos Osório 37 e concorreu nas eleições de 2012, pelo PSDC, com um saldo de 4.016 votos. Interessante observar que a sua receita de campanha era oriunda apenas de contribuições de pessoas físicas, totalizando quase 60 mil reais (valor modesto se comparado ao dos dois outros eleitos). O outro caso destoante, em termos de financiamento partidário conforme o desempenho eleitoral pregresso, foi o do professor Eduardo Sol, que logrou parcos 2.415 votos, em 2014, nas eleições para deputado estadual. Em 2016, o candidato recebeu cerca de 163 mil reais das diversas instâncias partidárias, com o maior volume oriundo da direção nacional. O candidato foi presidente do Tucanafro e assumiu interinamente o diretório do partido no Rio, em 2019, após o licenciamento de Otávio Leite. É bem provável que o partido tenha enxergado nas candidaturas de Arraes e Eduardo Sol a possibilidade de obtenção da quarta e da quinta cadeiras.
As pequenas legendas de direita: PSC, PTdoB, PSL, PRTB e PTC
Partido Social Cristão – PSC
Em entrevistas com lideranças ou membros de partidos menores de direita, a discussão sobre ideologia ou questões programáticas aparece como um acessório quase inexistente. Entre os entrevistados dos partidos analisados, o do PSC se constituiu como exceção. Evangélico, afirmou que a candidatura do pastor Everaldo à presidência reforçou o discurso liberal na economia e conservador nos costumes, contra a pauta de radicalização anticristã do PT.
Não, olha só, o PSC quando você entra no partido, você tem que assinar um compromisso de defender as bandeiras do partido. E no pós-2014, principalmente, isso ficou muito evidente. Você não pode estar no PSC e defender aborto. Isso não pode; estar no PSC e defender ideologia de gênero, nem cabe. Não encaixa. Você vai sofrer mesmo sanções e tudo mais. Na questão da liberdade econômica, você ainda tem uma zona um pouco cinzenta (...) (Entrevistado do PSC, 2019).
A indefinição na dimensão econômica teria sido resolvida com a vitória do pastor Everaldo sobre as dissidências internas e com a mudança de nome da Fundação Pedro Aleixo para Fundação pela Liberdade Econômica, demarcando uma nova ênfase. Sobre a organização partidária, o entrevistado disse que quem mandava no partido era o governador Witzel, mas, quando questionado sobre o grau de verticalização, inferiu que esse processo poderia ser minorado no futuro com a criação de diretórios permanentes.
O entrevistado eximiu-se de tratar sobre a formação das nominatas, resumindo-se a comentar que o processo de filiação passaria pelo filtro dos dirigentes partidários através de entrevistas. Buscamos, então, informações adicionais na base do TSE. Em 2016, o PSC montou uma chapa “renovada”, sem coligação e sem os dois vereadores de mandato – e elegeu quatro candidatos, embora um deles tenha sido afetado pela “lei anti-Tiririca” 38 ao não alcançar 10% do quociente eleitoral. Nessa eleição, o vereador Carlos Bolsonaro funcionou como puxador de voto da legenda, contribuindo com 106.657 votos. Mas esse não é o padrão de montagem das nominatas do partido. De 2000 a 2008, o partido coligou-se com legendas menores e, em 2012, com PMDB. O partido tem feito de dois a três vereadores em cada eleição, o que o coloca como um dos mais “eficientes” eleitoralmente, rivalizando com os partidos maiores.
Na eleição de 2016, o PSC apostou em Flávio Bolsonaro como candidato a prefeito e em Carlos Bolsonaro como puxador de votos na proporcional. O diretório municipal fez o maior aporte para o segundo da lista, Cláudio Castro, com doação de 10 mil reais. Castro ingressou na carreira como chefe de gabinete e, em seguida, em cargos de assessoria, e viria a ser vice-governador de Witzel, em 2018 (após seu afastamento, assumiria interinamente o governo em 2020). Por sua vez, o diretório nacional ajudou a hierarquizar alguns poucos candidatos da lista (com cerca de 5 mil reais). Outro fato relevante a validar a estratificação da lista é que os cinco candidatos do topo dela já haviam sido testados eleitoralmente em campanhas, três deles em eleições para deputado estadual.
Partido Trabalhista do Brasil – PTdoB (atualmente, Avante)
De acordo com as entrevistas realizadas, refletindo sobre a eleição de 2016, dos pequenos partidos de direita, apenas o PTdoB se encontrava estruturado em diretório permanente, o que não necessariamente implicava alto grau de institucionalização interna. Segundo o entrevistado do PTdoB, os partidos existem nas eleições municipais, param e voltam a funcionar nas estaduais somente se houver uma figura de proa com interesse naquele pleito. Para lidar com esse problema, organiza-se um partido volante em alguma cidade no interior do estado e mobiliza-se “todo mundo para lá”.
Como funciona o processo de formação de nominatas? O entrevistado disse que “um vai chamando o outro” e, então, apontou para alguém que o acompanhava durante a entrevista – complementando que há pessoas que são “montadores de chapa”, profissionais nessa função, mas que essa figura não se confunde com o papel de cabo eleitoral. Esse profissional faz o recrutamento ativo na ponta, em esquinas, com intuito de “pescar” os que estão interessados em candidatar-se. Na composição da nominata, revelou a tentativa ativa de recrutar e filiar artistas e jogadores. Declarou, também, que tem recrutado lideranças “faveladas”, mas não de classe média, porque o PTdoB seria “um partido do Méier para lá”. Em seu caso, o recrutamento também implicou prospectar candidatos 39 com boa votação de outros partidos, porque na prática “todo mundo se rouba”.
Do lado da demanda, a atratividade do partido é propagandeada por uma espécie de marketing da eficiência ancorada na máxima “ganhe aqui com menos votos”. A métrica de um “partido que funciona” é estabelecida, portanto, pelo número de vereadores eleitos ponderado pela quantidade de votos necessários para vencer a cadeira, e, nesse caso, quanto mais baixa a votação, melhor. Esses dois indicadores estabelecem a reputação da legenda ou do talento do operador ou dirigente partidário. Com exceção de 2012, quando não elegeu nenhum vereador, o PTdoB tem preenchido de duas a três cadeiras em cada eleição. Para exemplificar o tipo de lógica e reputação defendido pelo entrevistado, menciona-se a eleição de Ítalos Ciba, em 2016, com apenas 6.023 votos. O partido concorreu coligado com o PTC 40 , cujo melhor colocado ficou apenas na nona posição, com 2.443 votos.
O diretório municipal distribuiu cerca de 20 mil reais entre os três candidatos principais, 25% para os dois primeiros e 50% para o terceiro – o candidato Edimar Teixeira, que havia sido candidato a deputado estadual em 2012. A diferença do eleito para o primeiro suplente foi de 117 votos. A direção estadual contribuiu ainda com 7.500 reais para MC Doca, o quinto da lista.
Partido Social Liberal – PSL
O entrevistado do PSL esclareceu alguns pontos adicionais sobre a construção da nominata por operadores políticos, a questão da hierarquização e grau de competitividade da lista. Afirmou que, certa vez, o partido contratou um operador político para evitar que se tornasse uma legenda dominada por igrejas, cujo efeito seria o de espantar possíveis interessados na nominata. Em outro momento, refletiu sobre a distribuição de poder informal na lista, denotando que a hierarquização não é necessariamente vista como negativa. Alguém que ultrapassa o quociente “se paga” não é visto como uma ameaça, porque deixa aberta a possibilidade de disputa de uma segunda vaga. E é aqui, nessa brecha aberta à competição, que parte do jogo ajuda a estruturar a adesão ao partido. Candidatos religiosos violariam essa norma, porque sinalizariam o monopólio de eleitores e dificultariam o recrutamento do corpo intermediário da lista.
Os diversos atores avaliam e fazem apostas pessoais acerca do potencial eleitoral do partido e da forma como estão “montadas as nominatas”, um modo indireto de dizer que há algum grau de hierarquização, com um candidato vencedor, dono da primeira vaga (e que às vezes é o próprio presidente do partido) e, dependendo do desempenho coletivo, uma segunda vaga é aberta à competição. Nessas franjas, intermediárias e baixas, é necessário “estimular vaidades ” e verificar quais candidatos têm potencial a ser explorado. Médicos angariam cerca de 3 mil votos, “por mais desinteressante que seja o candidato”. Artista é bem cotado, desde que não seja uma “estrela”, para não romper com a hierarquização da lista. O desafio é manter algum grau de controle sobre a disputa interna e, ao mesmo tempo, tornar eficiente o desempenho coletivo. Nas franjas competitivas, o entrevistado disse que o partido “procura sempre que possível” acomodar nos gabinetes ou nos governos, depois das eleições, os primeiros suplentes.
Porque, na realidade, você está chamando o cara, mas você quer que o teu cara ganhe. Tu não está chamando ele para ganhar, você não está chamando ninguém para ganhar. Você está chamando o cara para participar (...). Então, médico, artista, jogador de futebol, aquele cara que é popular no bairro, o cara que tem um centro social, o cara que foi vereador ou que foi candidato a deputado em uma outra legenda, mas se sentiu maltratado, “só não ganhou porque o partido não ajudou” (...) O cara bota sempre a culpa no partido. Aí você vai: “Não, aqui você vai ter oportunidade”. Não terá! [risos] Não terá! Tudo é mera... É no canto da sereia. É um canto da sereia. Então (...) montando dentro dos sonhos das pessoas. (...) tem que botar uma vez e meia a representação do parlamento (...) (Entrevistado do PSL, 2019).
Em 2016, não havia candidato de mandato na nominata, porque o vereador Átila Nunes concorreu como candidato a vereador pelo PMDB. O PSL privilegiou apenas a candidatura de Pedro Rafael, com um aporte de 36.500 reais da direção nacional. O segundo da lista obteve 74.400 reais de apenas uma pessoa física. De forma geral, o topo da nominata foi formado em sua maioria por políticos com pouco histórico eleitoral (e/ou com baixas votações).
Partido Renovador Trabalhista Brasileiro – PRTB
O entrevistado do PRTB indicou uma lógica semelhante de ordenamento da lista. O operador barrou o ingresso de um candidato migrante porque ameaçaria o dono da primeira vaga patrocinada pelo partido. Em casos como esse, como forma de contornar esse veto, é possível que o pretendente ofereça condições para a eleição de mais um vereador. Mais uma semelhança com outro partido pequeno de direita é a reputação do partido em “eleger com poucos votos”, embora nesse caso haja um atrativo adicional que atiça os candidatos – saber que o operador também teria sido bem-sucedido na eleição de deputados estaduais.
O entrevistado esclareceu como o cálculo é atravessado por elevado grau de incerteza. As negociações entre atores se desenrolam quase na data-limite do processo de fechamento das nominatas, com contraofertas, traições e oportunidades de última hora. Em certa eleição, o partido havia tentado uma composição com César Maia (DEM), com uma nominata pré-montada, mas, dada a incerteza do processo, entabulou conversas paralelas com um partido de esquerda. Quando imaginou que havia encerrado a negociação da lista coligada, soube no dia da convenção que o PCdoB havia fechado com o PSB – que tinha na nominata “dois caras de voto”, o que poderia inviabilizar a aposta em seu candidato preferencial que “não era bom de voto”. Ao final, conseguiu um acordo de última hora com o PRB de Crivella, resultando em dois vereadores do PRB eleitos e outro do PRTB, com uma das menores votações obtidas por um vereador. Bencardino se elegeu com apenas 5.361 votos. Para se ter uma ideia do cálculo desses operadores de nominatas, se a eleição tivesse sido puramente majoritária, em 2008, o candidato teria ficado na 110° posição 41 .
O entrevistado também revelou como os profissionais da política constroem relações que atravessam os partidos e como os candidatos também se comportam de forma a maximizar suas estratégias eleitorais – se “inscrevendo” até o limite de encerramento dos prazos em várias nominatas. As movimentações são acompanhadas por diversos atores, o que, talvez indiretamente, sirva como um mecanismo de revelação de informação incompleta (e de barganha) acerca da competitividade das listas.
Como é que eu posso te falar? Quando você faz algo que você consegue manter a relação e tem uma relação política, te favorece, porque os candidatos, quase sempre os candidatos a vereador, a deputado, a deputado federal, eles têm uma relação política, então eles têm uma liderança aqui, eles têm: “poxa, vai ali, dá uma olhada na nominata”. Então assim não dá para... A gente não consegue esconder nominata. A nominata, ela vai até fechar, às vezes tem um candidato que está em três nominatas, dizendo que está nas três. (...) “– Não, o cara botou meu nome (risos)” (Entrevistado do PRTB, 2019).
[Entrevistador] Tem alguém que te ajuda nesses casos? [Entrevistado] – (...) Têm outros que (...) já passaram por aqui, já estiveram em outros partidos, hoje ajudam em outros partidos. Tem aí talvez... O [menciona o nome de um dos nossos outros entrevistados] é um cara bom nisso, às vezes ele liga: “(...) o que você acha?” Eu: “ah, eu também acho isso também!” A gente, entre nós, a gente também... Trocamos ideia de potencialização. “Poxa, esse cara perdeu, vai ter quanto?”. Pode acontecer de a gente ser surpreendido ou ter uma surpresa (Entrevistado do PRTB, 2019).
Portanto, a prospecção de potenciais candidatos não é uma atividade solitária, há outros agentes que ajudariam na avaliação. Porém, não se resume a isso porque há cooperação e troca de informações entre montadores de listas diferentes. Para se ter uma ideia da complexidade da barganha, nas cinco eleições municipais analisadas, o PRTB sempre construiu coligações com partidos menores, geralmente três ou mais partidos. Na eleição de 2000, por exemplo, a coligação era composta por PAN, PRTB, PRN, PTN e PSL. O PRTB atingiu a segunda e a terceira melhores votações na lista, mas ninguém foi eleito.
Na eleição de 2016, não é possível verificar o ordenamento da lista por meio de dados do financiamento partidário, embora possamos mencionar os valores aportados pela campanha do PMDB aos dois primeiros da lista (através da dobradinha com Pedro Paulo). Além disso, os dois primeiros candidatos já haviam concorrido em eleições anteriores, tanto para deputado estadual como para federal, mas, apesar desse capital anterior, nenhum deles se elegeu.
Partido Trabalhista Cristão – PTC
Por último, um caso que merece destaque por sua excepcionalidade e importância analítica. O entrevistado do PTC nos colocou diante de um formato singular de construção de nominatas. Em sua avaliação, via de regra, em outros partidos, o presidente montaria uma nominata com um vereador de mandato e distribuiria alguns cargos, com intenção de usar “todo mundo de bucha de canhão” para reelegê-lo. Na organização da lista, seu estilo seria totalmente diferente, porque adotaria a estratégia de constituição de uma nominata competitiva, com nenhum candidato com potencial de mais de 8 mil votos. O partido realmente não apresentou, em 2016, nenhum candidato de mandato na nominata. Luciana Tamburini foi a candidata com mais votos na lista (apenas 2.443) e financiamento de menos de 9 mil reais, sendo a única a receber recursos do partido (3 mil reais do diretório nacional). Da lista, apenas o quinto suplente havia tido experiência em eleições anteriores.
Então, a nominata que eu construo é: imagina uma avalanche de gente, só que um pulando em cima do outro. Ninguém com facão, ninguém com pistola, é todo mundo no braço, de olho fechado. Homem e mulher. [Faz sinais de pá, pá, pá, simulando a briga]. Minha nominata é assim. Todo mundo do mesmo tamanho, em média. Você me perguntou e eu vou te responder. O que seria a cabeça? Cara até 8.000 votos. O que seria a perna? O cara que nunca veio a ser candidato (Entrevistado do PTC, 2019).
Para garantir o esforço coletivo, o entrevistado verificava se o candidato estava dando prosseguimento à campanha. É tido como obrigação envolver família, amigos, “trabalhar Facebook e Instagram ” . O problema, aqui, conforme seu relato, diz respeito à existência de candidatos que recebem dinheiro para não fazer campanha, “matando a nominata”. Seu papel como operador, algo insólito, implica garantir a competição intrapartidária, o empenho coletivo. Em alguns casos, a denúncia vem de outros participantes da nominata, indicando que há um esforço coletivo de monitoramento nesse formato singular de nominata – o que contradiz o pilar do modelo puro de autofagia intrapartidária. “Você vai vir na mesma nominata que eu? Vou ficar de olho em você”. Segundo o dirigente: “Eu aprendi a olhar tudo de perto, do partido. Se o cara fala, eu levanto Facebook, eu levanto o Instagram do cara, eu faço igual um RH faz. Porque tem muito estelionatário eleitoral” (Entrevistado do PTC, 2019).
O esvaziamento da nominata também decorre de outro tipo de comportamento oportunista. O operador denuncia casos de tentativa de extorsão. “Se você não me der isso, eu conheço cinco mulheres da nominata que vão ficar em casa”. Nesses casos, os oportunistas aguardariam o fim do período de filiação, impedindo a recomposição da lista e potencializando a veracidade da ameaça. O mesmo padrão ocorre com roubo de candidatos. Obviamente que, quando expiram os prazos-limite de filiação, as promessas de apoio aos que mudam de partido também podem ser ignoradas.
Considerações finais
Este artigo apresentou uma análise exploratória dos distintos processos informais de recrutamento e seleção de candidatos a vereador na cidade do Rio de Janeiro, com o objetivo de investigar o grau de inclusividade dos selectorates, os critérios de composição e as estratégias de montagem de nominatas. Essa abordagem se mostrou profícua ao fornecer evidências sobre os processos decisórios internos – que não se esgotam no que está previsto nos estatutos dos partidos. Alguns achados nos permitiram tratar de uma série de zonas cinzentas da literatura que se baseavam exclusivamente nos incentivos provenientes do sistema eleitoral proporcional de lista aberta. Em nossa investigação, buscamos relativizar e questionar alguns desses parâmetros que, sem analisar o real funcionamento interno dos partidos e as interações informais entre agentes estratégicos, sugeriam que as organizações eram reféns do elevado grau de autonomia dos candidatos. Esse argumento se apoiaria na ideia, quase nunca devidamente testada, do elevado grau de competição intrapartidária. As entrevistas nos ajudaram a revelar uma série de estratégias utilizadas pelos agentes políticos na construção da viabilidade eleitoral de suas legendas, com o estabelecimento de controles diferenciados de acesso, permanência e competitividade nas listas.
As evidências indicam que o acesso dos candidatos à lista é controlado por um grupo reduzido de pessoas incorporadas ao selectorate, nem sempre claramente identificáveis, confirmando a bem conhecida metáfora de que o processo de seleção é o “jardim secreto” dos partidos políticos. Em consonância com as hipóteses iniciais, tanto o campo ideológico quanto o grau de estruturação do processo decisório interno aparecem como variáveis fundamentais para a compreensão do formato dos selectorates e de suas estratégias mistas de recrutamento. Como vimos, de forma geral, os partidos de esquerda, organizados em diretórios permanentes, tendem a apresentar selectorates mais inclusivos através da organização e participação dos filiados em bases distritais (PCdoB) ou em núcleos partidários (PSOL e PT). No entanto, PSOL e PT podem ser considerados mais descentralizados do que o PCdoB em virtude do papel exercido por suas tendências ou correntes internas – que produzem uma espécie de descentralização e equilíbrio de poder no processo de recrutamento e seleção de candidatos. No caso do PCdoB, apesar da vedação à existência de tendências, o conflito interno seria amenizado pela baixa oferta de candidatos. Por fim, o quadro não estaria completo sem a menção ao progressivo enfraquecimento dos núcleos internos do PT à medida que o partido aumentava gradativamente seu cacife eleitoral (realizando, adicionalmente, o movimento downsiano ao centro do espectro ideológico) e, também, devido à ascendência interna cada vez maior dos parlamentares eleitos (fenômeno que atinge todos os partidos).
Em contraste, os outros dois partidos do campo da esquerda, PDT e PSB, são constituídos por comissões provisórias, e, em consequência, seus processos decisórios são centralizados e transferidos para agentes externos ao munícipio, mais especificamente para o nível estadual. No caso do PDT, partido que é bem consolidado historicamente no sistema partidário local e que não apresenta limitações na oferta e no estoque de candidatos, o processo de recrutamento e seleção é controlado efetivamente pelo diretório estadual – o que pode ser visto, inclusive, pela hierarquização da lista através do financiamento partidário. Interessante observar que, mesmo com oferta elevada de candidatos, permanece a tensão inerente à sobrevivência eleitoral, quando o entrevistado diz que é preferível uma chapa competitiva (e até mesmo composta por um candidato de direita competitivo) a uma lista puramente ideológica. Esse exemplo ressalta o malabarismo exercido pelas lideranças ao ponderar suas estratégias mistas de recrutamento – que dizem respeito a candidaturas com diferentes atributos e, portanto, distintas utilidades para os partidos, os que têm probabilidade de vencer e os que ajudam no esforço coletivo da lista.
O caso do PSB, por sua vez, mostra a importância e o efeito contingente do contexto local. Sem raízes no município, o partido atraiu um candidato sem histórico político na legenda para “puxar” a candidatura majoritária e, ao mesmo tempo, lançou mão de um operador político para contrabalançar o primeiro e organizar os processos de filiação, recrutamento e seleção de candidatos. Como vimos, a desistência da candidatura majoritária produziu uma enorme fluidez e indefinição no tamanho da nominata e na adesão (artificial) de filiados e candidatos ao partido. Assim, o partido produziu uma lista puramente orientada à lógica eleitoral, fato que destoa da métrica dos partidos que pertencem ao campo ideológico da esquerda. O julgamento dos tipos de vínculos estabelecidos pelos candidatos com o partido é expresso através dos termos “esvaziamento” ou “atratividade” da nominata.
Sem considerar as controvérsias teóricas sobre a classificação ideológica dos partidos, analisamos outros dois partidos, um de centro-direita e outro de direita, ambos bem-consolidados no cenário nacional. Nosso ponto de partida, alinhado com o que diz a literatura, apontava para o seguinte ordenamento do grau de inclusividade do selectorate: direita < centro < esquerda. No caso do PSDB, verificamos a presença de um processo decisório colegiado, cuja formação da nominata é compartilhada por uma espécie de diretório ampliado, formado por membros do diretório municipal com a inclusão de núcleos partidários de mulheres, afro e juventude. Adicionalmente, há a presença de um arranjo informal com rotação de lideranças nos diretórios municipal e estadual. Em contraste, segundo a literatura nacional, o PP tenderia a ser mais centralizado em poucas lideranças políticas e sem participação interna dos filiados. Tal diagnóstico se confirma e é exacerbado pela presença de comissão provisória no nível local. Diferentemente do PSDB, e de forma sintomática, não houve menções à questão ideológica na entrevista. O PP apresentou dificuldade tanto em recrutar candidatos quanto em criar uma base de filiados, denotando a preponderância unilateral de recrutamento intensivo, sem “incentivos à formação de quadros”, e, portanto, uma seleção de candidatos subordinada à lógica do ciclo eleitoral, com indicação de que alguns poucos parlamentares assumem o comando do partido.
Por fim, o maior contraste encontrado pela pesquisa é corporificado nos pequenos partidos de direita. Os partidos, aqui, são apresentados pelos entrevistados não como organizações estruturadas em torno de ideologias ou de processos decisórios inclusivos; ao contrário, são contemplados pelos indivíduos que neles circulam apenas como listas com distintas oportunidades e rendimentos eleitorais. As entrevistas denotam que alguns líderes, operadores de nominata, filiados e candidatos, com ou sem mandatos prévios, comportam-se como agentes que cruzam fronteiras fluidas, quase como candidaturas independentes.
Esses partidos lançam mão de diferentes estratégias de montagem de nominatas, desde distintos graus de hierarquização da lista, com a legenda funcionando preferencialmente para a eleição do “dono”, até outro modelo de lista competitiva, caso mais raro, em que se pressupõe a igualdade de condições. O modelo intermediário inclui o monopólio da primeira vaga (através de uma composição e de um controle do acesso à lista extremamente calculados), com brecha aberta para uma segunda vaga (ou mais) que forneça garantias de alguma atratividade à lista – a depender do somatório de votos da franja intermediária. Cada um dos modelos supõe níveis diferentes de comunicação com os pretensos candidatos, de sofisticação política em montar a chapa e, obviamente, de informação incompleta e assimétrica. Nessas pequenas legendas, assoma o papel profissionalizado dos operadores políticos, que “pescam” na ponta potenciais candidatos e/ou “roubam” ou recrutam em hostes adversárias.
O que encontramos, portanto, foi uma enorme variação de modelos de hierarquização informal das listas. E, com foco analítico na construção das nominatas, percebemos que há formas variadas de construção (e controle) da representação, confirmando que os partidos brasileiros atuam como gatekeepers . Nesse sentido, não há um modelo único de autofagia intrapartidária, conforme parece indicar parte da literatura. Nos partidos aqui analisados, verificamos apenas um caso, importante analiticamente, em que a liderança atuava para que os candidatos tivessem igualdade de condições na competição pelas vagas. Ao participar de uma coligação, essa opção foi, no mínimo, contraproducente, pois o PTC não obteve representação.
Como vínhamos argumentando, a lógica desses pequenos partidos de direita contrasta com as organizações que depositavam suas apostas na importância da organização partidária e na estruturação de processos decisórios mais inclusivos. No entanto, não só a ideologia e as trajetórias dos partidos são importantes, mas também a presença institucionalizada de diretórios permanentes – como condição necessária, embora não suficiente. O caso do PTdoB ilustra esse limite: o entrevistado indica que o partido funciona somente em períodos eleitorais, quando lança mão de “montadores de chapa” responsáveis pelo recrutamento ativo com intuito de atrair interessados através da máxima reputacional “ganhe aqui com menos votos”. Observe-se a ausência da dimensão policy seeking ou ideológica como elemento do processo de recrutamento, além do baixo grau de inclusividade do selectorate.
A pesquisa exploratória aqui apresentada colocou em evidência que, em conformidade com a literatura, o pertencimento a campos ideológicos distintos e a presença ou não de diretórios permanentes têm impactos relevantes no formato dos selectorates e, portanto, no grau de democracia interna dos partidos. Adicionalmente, essas variáveis também impactam o processo de recrutamento e seleção de candidatos (e a formação de uma base de filiados “não artificial”).
Os critérios de recrutamento e seleção dos candidatos estão relacionados diretamente ao processo de estratificação e/ou hierarquização dos candidatos, cujos diferentes status na nominata dialogam com “utilidades” distintas para os partidos. As duas dimensões estão diretamente interligadas. Os líderes partidários controlam o processo de seleção (e, às vezes, o processo de filiação, barrando a entrada no partido) naquilo que é relevante, isto é, orientam sua atenção aos candidatos de mandato e/ou competitivos, e, quando há disponibilidade de recursos, os dirigentes hierarquizam a lista através do financiamento partidário. A título ilustrativo, um dos entrevistados de um pequeno partido de direita teria dito a um pretendente: “Você não tem vaga comigo, porque eu montei uma nominata para ganhar com 12 mil votos!”. Dado esse mecanismo de “antecipação”, é muito provável que o processo de “corte” nas nominatas seja visível e aparente apenas nos casos de candidaturas não competitivas.
Em virtude disso, e levando em conta a importância da oferta de candidatos, conjecturamos que o método multiestágio ( Hazan e Rahat, 2010 ) descreve melhor o processo de seleção no nível local em duas circunstâncias: quando a oferta de candidatos é maior do que o limite legal e em casos de negociações assimétricas de coligações, ambas as circunstâncias requerendo corte no número de vagas. Se tais situações não se impõem, passa a vigorar o método sortido, no qual diferentes selectorates podem contribuir, de forma independente, para a formação da lista. O método multiestágio de seleção implica que, nas fases iniciais, é deixada em aberto a indicação dos pré-candidatos, principalmente aqueles da franja intermediária e os não competitivos, que terão como função primordial auxiliar no desempenho coletivo da lista. Nesse caso, é facilmente compreensível a abertura para que filiados se autorrecrutem ou indiquem outras candidaturas, assim como é comum que alguns partidos se dediquem a estratégias de recrutamento ativo fora do partido, inclusive com a captura de filiados de outras legendas. Esse movimento é factível porque cerca de 50% dos filiados migram entre partidos ( Guedon, 2019 ), parte deles em busca de reposicionamento político seguindo o ciclo de eleições municipais ( Speck, 2013 ).
Através das entrevistas com líderes, dirigentes e operadores políticos, tentamos lançar luz sobre os mecanismos informais de funcionamento interno dos partidos políticos cariocas. Adicionalmente, embora de forma indireta e tangencial, apresentamos alguns indícios das interações entre os atores usando a alegoria do jogo das nominatas – que pressupõe um processo ambíguo de competição e cooperação entre os agentes políticos durante o interregno pré-eleitoral. Como sugeriu um de nossos entrevistados, as estratégias partidárias de montagem das nominatas devem ser vistas não como um ponto discreto no tempo, mas como um processo que se desenrola quase na data-limite de encerramento do prazo legal de registro das candidaturas e que envolve estratégias, expectativas, pressões, contraofertas, traições e oportunidades de última hora; porque, obviamente, os candidatos também se comportam de forma a maximizar seus interesses (alguns deles migrando e se oferecendo em várias nominatas). Por outro lado, as mesmas tensão e ambivalência permeiam os processos interpartidários de montagem e negociação de coligações.
Em síntese, durante o desenvolvimento do artigo, tentamos interligar, de forma exploratória, duas pontas da literatura que não dialogavam entre si. Dito de outra forma, queríamos entender como as dinâmicas partidárias internas interagiam com o manejo de diferentes estratégias mistas de recrutamento. Como enunciamos na revisão teórica, o recrutamento e a seleção dos candidatos evocam diferentes critérios de estratificação dos candidatos que dialogam com “utilidades” distintas para os partidos – aqueles que vencem (ou podem vencer) cadeiras e aqueles que somam votos no esforço para garantir o desempenho eleitoral coletivo. E, nesse ponto, uma das lacunas da literatura sobre recrutamento de candidatos diz respeito às motivações daqueles que não são competitivos ou viáveis eleitoralmente. Apontamos a existência de alguns incentivos seletivos, mas também a importância da assimetria de informações sobre o processo de hierarquização das listas e de distribuição de recursos.
Por fim, os proponentes de reformas políticas deveriam começar a olhar com mais cuidado não tanto para as macroinstituições que ordenam o sistema político, mas sim para algumas regras mais simples que podem produzir efeitos mais imediatos e menos incertos; por exemplo, para mencionarmos apenas duas, a aprovação da regulamentação sobre comissões provisórias e as regras referentes aos limites legais para filiação e registro de candidaturas. Nesse último caso, quanto menores os prazos, maior a latitude para os potenciais candidatos se guiarem por interesses que não levam em conta a reputação partidária, menor o incentivo para a criação de vínculos partidários e, da parte dos líderes, menor o incentivo para investir em formação político-partidária.
Referências bibliográficas
- Altmann, C. “Política local e seleção de candidatos a vereador: contribuições a partir do caso de Pelotas em 2010”. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais. Universidade Federal de Pelotas, Instituto de Sociologia e Política, Pelotas, 2010.
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Este artigo faz parte do projeto de pesquisa intitulado “Carreiras políticas e recrutamento de vereadores no município do Rio de Janeiro”, financiado pela Rede de Pesquisa e Conhecimento Aplicado da Fundação Getulio Vargas.
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Para a discussão sobre tipos de lista e magnitude do distrito, ver o clássico trabalho de Shugart e Carey (1992) . Para uma discussão mais recente, relacionando esses fatores com o processo de recrutamento e seleção de candidatos, ver Siavelis e Morgenstern (2008) .
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Souza e Graça (2019 , p. 199) assim avaliam os dilemas inerentes à formação das coligações: “A prática da coligação implica um cálculo maior por parte do dirigente partidário para a coordenação da lista porque, uma vez coligados, o pool partidário dos votos e a ordenação nominal da lista se realiza com todos os outros candidatos da coligação . Por essa razão, ao montar a lista, os dirigentes de partidos coligados devem buscar um equilíbrio no lançamento das candidaturas. Não devem lançar nomes em excesso, pois, assim, podem correr o risco de pulverizar a votação nominal de seus candidatos, tornando-os mal posicionados na lista da coligação como um todo. Tampouco devem permitir uma concentração muito alta de votação na figura de puxadores de votos, porque os votos excedentes ao quociente eleitoral beneficiarão todos os nomes da coligação, independentemente do partido. Já para dirigentes de partidos não coligados, a concentração de votos em puxadores de votos ou a pulverização não prejudicam o pool partidário dos votos para a definição das cadeiras, especialmente em 2014, quando não havia ainda a regra de desempenho individual dos candidatos relativos a 10% do quociente eleitoral” (grifo nosso). A partir da eleição de 2020, foi vedada a prática de formação de coligações.
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No Brasil, em distritos com magnitude superior a 20, os partidos podem lançar uma vez e meia o número de cadeiras em disputa, se concorrem sozinhos, ou duas vezes, se estiverem coligados.
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Em contraposição, outros autores relativizam o grau de competição intrapartidária, ao indicar que somente uma pequena parcela de indivíduos é eleita com votos acima do quociente eleitoral; dessa forma, a eleição de grande parte dos candidatos se beneficiaria obrigatoriamente da transferência de votos intrapartidária ou intracoligação ( Santos, 2003 ; Nicolau, 2006 , 2017 ; Klein, 2007 ).
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Esse modelo busca analisar e mensurar comparativamente as seguintes dimensões: 1) o exame dos requisitos legais necessários à candidatura; 2) as formas de escolha dos candidatos, se ocorre por votação ou indicação; 3) o grau de descentralização do processo; e 4) o exame do selectorate através da análise do grau de inclusividade e das atribuições de quem seleciona os candidatos.
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Em sua análise sobre a seleção de candidatos a vereador em São Paulo, Curitiba e Salvador, Braga e Veiga (2009) tipificaram três comportamentos. Em conformidade com a literatura, o PT exibia o processo mais descentralizado, com participação de filiados, enquanto PP e DEM apresentavam um processo centralizado nos líderes dos diretórios. O terceiro tipo incluiria a participação dos diretórios zonais, mas não dos filiados. Ao mesmo tempo, os autores identificaram enorme variação contextual nos casos do PSDB e PSB em cada uma das capitais. As autoras advertiam que, na análise, era necessário levar em conta a estrutura organizacional dos partidos, visto que aqueles “sem diretórios zonais tendem a apresentar um processo de recrutamento mais centralizado em decorrência da falta de capilaridade (...)” (p. 22).
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Em termos gerais, parte-se de um conceito mais amplo, o de recrutamento político que engloba, de forma mais específica, o recrutamento partidário, que, por sua vez, envolve o processo de seleção de candidatos. Bolognesi (2009) adverte que nessa área de estudos, de forma geral, há uma linha tênue de diferenciação entre os termos.
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Sobre a diversidade de “atributos” dos candidatos que emergem em outros contextos locais, seja por meio de surveys ou de entrevistas em profundidade, ver os estudos de Braga e Praça (2004) sobre a cidade de São Paulo, de Braga e Veiga (2009) sobre São Paulo, Curitiba e Salvador, de Altmann (2010) sobre Pelotas e de Babireski e Roeder (2018) sobre Curitiba.
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Em relação ao processo de seleção, enviamos e-mails para todos os partidos do município através dos seus respectivos websites e, alternativamente, buscamos informações de contato dos membros dos diretórios ou comissões provisórias no Sistema de Gerenciamento de Informações Partidárias (SGIP-TSE). O passo seguinte consistiu em visitas físicas às sedes de alguns partidos. Alguns partidos “relevantes” se recusaram a participar da pesquisa, entre eles os dois maiores, PMDB e DEM. As entrevistas semiestruturadas, todas gravadas em áudio com autorização dos entrevistados, tiveram duração média de uma hora. Em relação aos locais de entrevistas, quatro foram realizadas em sala de reunião da FGV; quatro em gabinetes parlamentares (Alerj ou Câmara Municipal); duas nas sedes dos partidos no munícipio; e o restante em lugares de escolha dos entrevistados (sede da OAB, café, shopping etc.).
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No Anexo 1 , apresentamos as informações sobre o financiamento dos “primeiros colocados” das nominatas dos partidos analisados com o objetivo de buscar evidências complementares sobre o processo de “seleção” e de “hierarquização” das candidaturas. A leitura dos dados deve ser feita com cautela, embora, na maior parte dos casos, as evidências apontem na direção desejada, isto é, de que os partidos selecionam e hierarquizam os candidatos mais “viáveis” eleitoralmente.
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Entre as eleições de 2000 e 2016, a Câmara Municipal carioca se consolidou com elevado grau de fragmentação, com cerca de 20 partidos obtendo representação. No sistema partidário municipal, PMDB e DEM sobressaem como as principais forças políticas, seguidos por PT, PSDB, PDT, PTB e PP. No entanto, dado o elevado grau de fragmentação e de competitividade eleitoral, agremiações de peso modesto no cenário nacional vêm apresentando desempenho relevante no subsistema partidário municipal. No campo da esquerda, o PSOL, com candidaturas majoritárias competitivas, vem ameaçando a hegemonia histórica do PDT e do PT e, no campo da direita, PSC, PRB e PTdoB emergem como modelos exemplares de pequenos partidos com bom “rendimento eleitoral” ao longo do período ( Tabela 2 ).
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Na Tabela 2 , apresentamos a lista dos partidos mais competitivos do subsistema partidário carioca, hierarquizando-os pelo número de cadeiras nas eleições de 2000 a 2016 (linha Ranking ). Por questão de espaço, a partir da décima terceira posição incluímos entrevistas com membros de outros partidos: PRTB, PCdoB, PTC e PSL.
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O processo de definição ideológica dos partidos brasileiros é sujeito a uma série de controvérsias e métodos classificatórios. Para a discussão sobre os parâmetros classificatórios do sistema partidário nacional, ver Tarouco e Madeira (2013 ; 2015); Roeder (2016) ; Codato, Berlatto e Bolognesi (2018). Para a análise de modelos de comportamento partidário ancorados nos conceitos de policy, vote e office seeking, ver Strom (1990) , Muller e Strom (1999) – que ilustram os trade-offs e tensões na utilização dessas estratégias.
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Partidos que viabilizam puxadores de voto ou apresentam uma lista com candidatos fortes ou viáveis eleitoralmente têm baixa propensão a coligar-se. Na eleição de 2016, apenas três candidatos ultrapassaram com folga o quociente eleitoral de 57.433 votos: Carlos Bolsonaro (PSC), Tarcísio Motta (PSOL) e César Maia (DEM). Desses partidos, apenas o PSOL se coligou com o PCB, que se concentrou no lançamento de apenas um candidato, sem sucesso. Em 2016, levando em conta apenas os partidos considerados neste artigo, PP, PDT, PSC e PSB não formaram coligações. O PDT foi o único partido que não se coligou nas eleições proporcionais em todo o período compreendido entre 2000 e 2016.
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Nem sempre obtivemos sucesso em identificar o selectorate de cada partido. Para endereçar o problema, indiretamente, insistimos algumas vezes sobre o processo de formação das chapas. De qualquer forma, como vemos adiante, apesar das regras formais, há sempre a possibilidade de ingerência de forças externas à direção partidária – e que nem sempre são mencionadas pelos entrevistados. Na impossibilidade de revelar essas práticas informais, quando possível, lançamos mão de uma simples descrição dos órgãos decisórios partidários, quando mencionados explicitamente pelos entrevistados (considerando que os outros silenciaram sobre a institucionalidade partidária).
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A interpretação dos dados sobre financiamento deve levar em conta dois pontos. Primeiro, deve-se observar a proporção do financiamento dos partidos em relação a outras fontes de receita arrecadada pelos candidatos (indicador de capital político prévio e de “viabilidade” da candidatura), mais especificamente o uso de recursos próprios e das doações de pessoas físicas, que, em muitos casos, apresentam valores muito superiores aos da contribuição partidária. Segundo, é provável que os partidos tentem “estimar” de alguma forma a capacidade de arrecadação dos candidatos e, por isso, dada a escassez de recursos, podem optar – como forma de otimização – por não direcionar recursos a candidatos com trajetórias “vencedoras” ou com capital político próprio (na falta de um termo melhor, durante o artigo, chamamos esse fenômeno de mecanismo de “compensação e otimização de recursos”). Escolhemos lidar com esse capital político prévio por meio de indicações simples sobre as trajetórias eleitorais passadas dos candidatos do topo da lista em relação aos candidatos “não competitivos” restantes.
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O candidato foi eleito deputado federal pelo PSOL, em 2014, sem apoio do partido. Em 2015, foi expulso ao defender a modificação da redação do parágrafo primeiro da Constituição para “todo poder emana de Deus”. Outra divergência teria surgido em virtude da defesa dos policiais acusados da morte do pedreiro Amarildo em 2013.
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A ficha de filiação ao partido deve ser abonada por alguém do diretório. Segundo o entrevistado, a partir de alguns membros “desce uma árvore enorme de outras pessoas” que ingressam no partido sem formação política, indicando que a filiação é instrumentalizada como fonte de poder interno.
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Não é nada simples analisar o financiamento partidário municipal como evidência da hierarquização das listas, porque, em vários casos, as contribuições partidárias são modestas em relação aos totais arrecadados pelos candidatos. Isso pode significar, como no caso dos dois candidatos de mandato, que essas candidaturas receberam menos porque se sabia a priori que eram “competitivas”, devido ao histórico de votos anterior (que, em tese, atrai recursos de pessoa física) e, talvez, pela capacidade de aporte de recursos próprios (com a inferência de que o partido tenha informação sobre essas “capacidades”). Ou seja, sugere-se que pode estar em operação uma “lógica pragmática de compensação e otimização de recursos”.
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As candidaturas também receberam cerca de mil reais cada uma da campanha de Jandira Feghali (da qual o PT indicou o vice) e do diretório municipal do PCdoB para confecção de panfletos e gravação do programa eleitoral. Nesse aspecto, não temos nenhuma evidência se há algum processo de coordenação entre partidos na distribuição de recursos.
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O entrevistado advertiu que outros partidos recrutam de forma deliberada em hostes inimigas, mas que esse expediente não os preocupa.
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Interessante observar que os dois primeiros da lista receberam as maiores contribuições da candidatura Pedro Paulo (PMDB), para a qual o PDT havia apresentado o vice, sugerindo, nesse caso, algum grau de coordenação na canalização desses recursos.
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Em eleições anteriores, o PSB havia se coligado com o PCB, em 2000, e com o PCdoB, em 2008. Nas eleições restantes (2004, 2012 e 2016), o partido não havia formado coligação nas proporcionais. Um ponto digno de nota é que, durante as últimas cinco eleições, os partidos de esquerda compuseram coligações ideologicamente coerentes, com exceção da chapa heterogênea formada por PT-PTB, em 2004.
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Visto que não temos evidência de onde e de quem emanava o poder de fato, tratamos as questões a seguir como consubstanciadas em ator(es) indeterminado(s), doravante referido como “o partido”.
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“Romário desiste de candidatura à prefeitura do Rio”. G1 , 21 jun. 2016. Disponível em: < http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/07/romario-desiste-de-candidatura-prefeitura-do-rio.html> . Acesso em: 15 jun. 2021.
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Um dos candidatos, o quinto da lista, declarou ao TSE que recebeu 1.500 reais da campanha de Índio, mas também outros 560 reais da campanha de Marcelo Crivella (PRB).
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Como consequência da desistência de Romário, dos iniciais 110 nomes, o operador teria ficado com cerca de 70 candidatos na nominata, grande parte deles do contingente de “descartáveis”. Uma parcela desse grupo, segundo nosso interlocutor, seria formada por cabos eleitorais que “são autoiludidos” com o processo e por funcionários públicos e militares que querem desfrutar do período de licença eleitoral (de três meses, em eleições anteriores, mas que havia sido reduzida para 45 dias na eleição de 2016). Ao final do processo, com o novo fracasso na negociação da coligação, a nominata foi redimensionada para 42 candidatos.
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“Tem muita gente que é iludida pelo processo político; o processo político é muito mentiroso, os partidos são muito cruéis nessa relação, vendem a ideia de que você vai ser deputado, de que você vai ser vereador. E o cara nunca vai ter a menor chance. E tem uma meia dúzia de malucos” (Entrevistado do PSB).
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Depois dessa longa narrativa, questionamos se o partido é uma ficção. “Não é ficção, porque é real (...) Partido é um grupo de pessoas voltadas para ascensão ao poder pelo viés eleitoral ” . E segue com a metáfora darwiniana: “Não tem princípios dentro de uma eleição. Uma eleição é claramente um ambiente ecologicamente desequilibrado, onde você tem poucos recursos para muitas espécies e as espécies vão disputar violentamente os recursos que têm, que são os votos. E sobrevive...” (Entrevistado do PSB).
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Não tivemos sucesso em identificar o selectorare do PP no município. No entanto, uma notícia publicada em 2020, indicava que o presidente do PP fluminense, Francisco Dornelles, havia encaminhado a sucessão junto ao presidente nacional. Escolheram o deputado federal Dr. Luizinho, o “mais votado [do partido] nas eleições de 2018 para montar as chapas e lançar os candidatos a prefeito em pelo menos 40 dos 92 municípios do estado do Rio”. Disponível em: < https://extra.globo.com/noticias/extra-extra/dornelles-passa-coordenacao-do-pp-nas-eleicoes-2020-para-doutor-luizinho-24196385.html> . Acesso em: 15 jun. 2021.
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Em virtude da escassez na oferta e do fato de que algumas pessoas têm expectativa de um “espaço remunerado”, o entrevistado chegou a sugerir uma estratégia nada prosaica: o partido deveria nomear vereadores eleitos para cargos no Executivo de maneira a “oxigenar as chances” de os suplentes assumirem. Ou seja, uma estratégia para tornar a competição, a candidatura e a suplência mais atrativas. Outra forma de criar expectativas consiste em vender exemplos internos de trajetórias bem-sucedidas, por exemplo, alguém sem capital político prévio que fez 2 mil votos e foi nomeado administrador regional.
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Ao final, ao opinar sobre a necessidade da reforma política, o entrevistado afirmou que os partidos “são instituições à beira da extinção” e que o sistema está obsoleto. Citou como exemplo a existência de vários diretórios pró-forma (provisórios). Mesmo no caso do PSDB, há o problema da escassez de recursos e a dificuldade de manter o aluguel de uma sala e de custos operacionais com advogado e contador. O financiamento municipal viria basicamente da contribuição dos filiados e do repasse do fundo em anos eleitorais.
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37
Disponível em: < http://www.camara.rj.gov.br/vereador_informacoes.php?m1=inform&cvd=319&np=FelipeMichel&nome_politico=Felipe%20Michel> . Acesso em: 15 jun. 2021.
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A regra proveniente da minirreforma eleitoral de 2015 estabelecia que, para obter a cadeira, o candidato deveria alcançar no mínimo 10% dos votos nominais em relação ao quociente eleitoral.
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A lógica de filiação também seria enquadrada em práticas puramente utilitárias, quando alguém quer ser candidato e recebe o desafio de trazer de 300 a 500 filiados para ostentar capital social e político.
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Que adotou uma nominata, segundo o entrevistado, sem hierarquização dos candidatos.
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41
O entrevistado mencionou, com empolgação, o fantástico resultado de uma outra coligação formada por PHS e PTN, que elegeu um único candidato, o vereador Marcelo Piuí, com apenas 3.200 votos, indicando que esse era o parceiro com quem teria desejado inicialmente se coligar.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Jun 2022 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2022
Histórico
-
Recebido
10 Jan 2021 -
Aceito
29 Nov 2021