Open-access Campos de ajuda e modos de pertencimento: um mapa moral da representação política em campanha eleitoral

Resumos

Na busca de analisar práticas e percepções que se constroem em torno do voto e das escolhas de candidatos, o presente artigo contempla sentidos de pertencimento, reconhecimento e avaliações morais que emergem em uma situação de concorrência de candidatos à Câmara Municipal de Aquiraz (CE) durante o pleito eleitoral de 2008. Trata-se de registrar a existência de uma economia simbólica formada de práticas e percepções que influenciam a adesão a candidatos, construída mais no campo das dádivas que no âmbito do direito. A troca de dádiva e seus limites, os sentidos de pertencimento e reconhecimento e a lógica paradoxal do interesse versus desinteresse fornecem embasamentos teóricos relevantes para explicar a busca de adesão de candidaturas, os sentidos de representação política e as transações estabelecidas em torno do voto.

dádivas; pertencimento; práticas eleitorais; representação


Seeking to analyze practices and perceptions that build up around the vote and choice of candidates, this paper considers ways of belonging, of recognition, and moral evaluations that emerge in a competitive setting of candidates running for the City Council of Aquiraz, Ceará, during the election campaign of 2008. This work consists of recording the existence of a symbolic economy made up of practice and perceptions which influence the support of candidates, more frequently built in the fields of gift rather than oriented by rights. The exchange of gifts and its limitations, the senses of belonging and recognition, and the paradoxical logic of interest versus disinterest provide relevant theoretical grounds to explain the pursuit of support for candidacies, the meanings of political representation and the transactions set around the vote.

belonging; electoral practices; gift; representation


ARTIGOS

Campos de ajuda e modos de pertencimento: um mapa moral da representação política em campanha eleitoral*

César Barreira; Irlys Alencar F. Barreira

Universidade Federal do Ceará - Brasil

RESUMO

Na busca de analisar práticas e percepções que se constroem em torno do voto e das escolhas de candidatos, o presente artigo contempla sentidos de pertencimento, reconhecimento e avaliações morais que emergem em uma situação de concorrência de candidatos à Câmara Municipal de Aquiraz (CE) durante o pleito eleitoral de 2008. Trata-se de registrar a existência de uma economia simbólica formada de práticas e percepções que influenciam a adesão a candidatos, construída mais no campo das dádivas que no âmbito do direito. A troca de dádiva e seus limites, os sentidos de pertencimento e reconhecimento e a lógica paradoxal do interesse versus desinteresse fornecem embasamentos teóricos relevantes para explicar a busca de adesão de candidaturas, os sentidos de representação política e as transações estabelecidas em torno do voto.

Palavras-chave: dádivas, pertencimento, práticas eleitorais, representação.

ABSTRACT

Seeking to analyze practices and perceptions that build up around the vote and choice of candidates, this paper considers ways of belonging, of recognition, and moral evaluations that emerge in a competitive setting of candidates running for the City Council of Aquiraz, Ceará, during the election campaign of 2008. This work consists of recording the existence of a symbolic economy made up of practice and perceptions which influence the support of candidates, more frequently built in the fields of gift rather than oriented by rights. The exchange of gifts and its limitations, the senses of belonging and recognition, and the paradoxical logic of interest versus disinterest provide relevant theoretical grounds to explain the pursuit of support for candidacies, the meanings of political representation and the transactions set around the vote.

Keywords: belonging, electoral practices, gift, representation.

Um olhar sobre os muros do distrito de Iguape1 é suficiente para atestar o visual típico do momento de escolha de representantes para Prefeitura e Câmara Municipal de Aquiraz (CE).2 Inscrições e fotos em profusão testemunham a adesão eleitoral de proprietários, conforme indicações de propagandas diversificadas.

Os slogans traduzem as formas de apresentação de candidatos: "Arlete, essa você conhece"; "Quer ficar numa boa, vote Jair da Lagoa"; "Cida do Franskin, acredite e diga sim"; "Kílvia do Iguape, de mãos dadas com o povo"; "Patrício Morais, guiado pelo interesse do povo"; "Na sua indessisão [sic] vote no irmão de fé"; "Ericksson dos estudantes"; "Tia Clotilde em Aquiraz, juntos pra valer"; "Naide Pedrosa, caminhando junto com você". Trata-se de apresentações indicativas de registros simbólicos de inserção de candidatos no distrito. Evocações de pertencimentos, alusões a "ajuda à comunidade" e exemplos de compromisso fazem desse cenário de escolhas uma figuração importante para se entender o momento eleitoral como expressão de múltiplas práticas culturais e políticas.

Na busca de analisar essa rede de significados, o presente artigo contempla sentidos de pertencimento, reconhecimento e avaliações morais que emergem em uma situação de concorrência de candidatos à Câmara Municipal de Aquiraz, durante o pleito eleitoral de 2008. Trata-se de registrar a existência de uma economia simbólica formada de práticas e percepções que influenciam a adesão a candidatos, construída mais no campo das dádivas que no âmbito do direito.

A troca de dádivas (Mauss, 1974) e seus limites, os sentidos de pertencimento e reconhecimento (Honneth, 2003) e a lógica paradoxal do interesse versus desinteresse (Bourdieu, 1997) fornecem embasamentos teóricos relevantes para explicar a busca de adesão de candidaturas, os sentidos de representação política e as transações estabelecidas em torno do voto.

De conversa em conversa: uma observação privilegiada

Uma metodologia baseada na observação do cotidiano de moradores, associada à incorporação do "ponto de vista nativo", e próxima ao que Geertz (1989) designou como parte da tradição básica da etnografia pontuou a investigação realizada em Iguape.

Nossa condição de proprietários de casa de veraneio e frequentadores usuais da localidade estabeleceu um elo de cumplicidade com os informantes, tornando relativamente natural nossa curiosidade de pesquisadores sobre as ocorrências "no tempo da política". Nesse contexto, a formalidade habitual que caracteriza a interação entre pesquisador e pesquisado foi substituída por conversas e depoimentos,3 geralmente formulados "no calor dos acontecimentos".4

Assim, a demanda de informações sobre a política, usualmente objeto de desconfiança, quando feita por estranhos, gerava respostas espontâneas, quando muito entremeada de uma indagação sobre o local do nosso título de eleitor. O fato de votarmos em Fortaleza contribuía para dirimir eventuais constrangimentos ocasionados por diferenças na opção por candidaturas.

Uma conversa sem roteiro prévio, seguindo o fluxo dos comentários difundidos em estabelecimentos comerciais, bares e eventos políticos, constituiu um dos modos de observar, não só como os moradores percebiam os candidatos, mas como estabeleciam avaliações, projeções e percepções sobre a política e os políticos em geral. Nesse percurso, a compra de mantimentos, a ida a restaurantes, bares e outras formas de contato com os "nativos" de Iguape geravam pretextos para iniciarmos a conversa sobre a política e colhermos opiniões. Posteriormente, entrevistas mais estruturadas, feitas diretamente com os candidatos, complementaram a base de dados.

A abordagem teórico-metodológica utilizada foi consonante à ideia de pensar as eleições como expressão de um tempo especial, não separado das interações locais e processos sociais mais amplos (Palmeira; Heredia, 1995). Saber efetivamente como as adesões a candidatos revelavam percepções dos moradores acerca da política e o modo como elas se inseriam nas práticas sociais cotidianas constituiu o ponto de referência amplo que guiou a investigação.5

Com base nessas observações, foi possível formular algumas hipóteses ou guias de investigação, tornando mais complexas e ampliadas as explicações sobre as adesões eleitorais como constatação exclusiva de formas tradicionais de poder.6 Não obstante a propriedade dos argumentos sobre as eleições como exercício de mando político, foi possível identificar um ethos normativo que informava as ações e percepções de moradores de Iguape sobre a escolha de candidatos. Assim, consideramos na situação analisada um conjunto de trocas e regras sociais com cálculos e afirmações de valores orquestrados em "campos de ajuda" e "modos de pertencimento" que pontuavam as crenças e rejeições aos postulantes a cargos de representação.

A categoria nativa "ajuda" e suas imbricações com o sentido de pertencimento revelaram-se como descoberta etnográfica, servindo de referência para analisar as avaliações de candidaturas, assim como as trocas simbólicas estabelecidas entre moradores e candidatos ao parlamento municipal. No percurso das chaves de leitura como supostos da teoria etnográfica (Peirano, 1995), foram evitadas explicações sobre as ações de eleitores postas no âmbito do negativo e, por essa razão, indicadoras exclusivas de ausências (cidadania, falsa consciência ou reflexo da dominação). Em uma abordagem inversa, optamos por navegar no espaço das significações, reveladoras da indissociável relação entre prática política e pressupostos morais ou visões de mundo.

Os candidatos "do lugar" em oposição a outros "de fora", assim como os sentidos de ajuda como requisito de representação instituíram classificações que poderiam ser designadas, na rota inspiradora de Thompson (2008), como economia moral das trocas eleitorais.

Designamos por economia moral das trocas eleitorais a rede de interações - envolvendo eleitores, candidatos e mediadores - que permeou e realçou, no momento eleitoral, sentidos de ajuda e pertencimento integrantes das práticas culturais locais.

Candidatos de Iguape: o discurso do pertencimento

Não mudou a cara do Iguape. É assim há 20 anos. (Garçom de um restaurante tradicional do distrito, em conversa com os pesquisadores durante um jantar).

Há 20 anos que ando aqui e é tudo é igual. Esta parte daqui não mudou nada, é a mesma areia nas ruas. Eu tenho um projeto para tornar a duna que é móvel em fixa, colocando casca de coco e plantando coqueiro. Vou fazer um lugar na duna para o povo ver o por do sol. (Candidato pelo PDT, Patrício Morais, em discurso feito na praça da sede de Iguape).

Eu sonho alto. Quero transformar Iguape na cidade do coco, para fazer chegar o turismo. (Candidata pelo PRTB, Kilvia do Iguape, em conversa com os pesquisadores).

O distrito de Iguape tem características semelhantes a outros povoados litorâneos da região leste do Ceará, mesclando atividades tradicionais de pesca e veraneio com tentativas de incentivo ao turismo.

Do ponto de vista da organização espacial, observa-se um aglomerado de edificações na parte central, onde se estabeleceu anteriormente a colônia de pescadores, com lugar de estacionamento dos barcos, pontos comerciais e casas de moradores. As residências de veranistas, inicialmente construídas em torno do povoado, foram gradativamente ocupando seu centro e espalhando-se em terrenos circunvizinhos, à medida que a saída de pescadores correspondia à lógica de construção de novos loteamentos promovidos pela especulação imobiliária comum em áreas do litoral cearense. Com base em contornos de limites tênues, observava-se uma classificação entre os moradores do local, os moradores de povoados próximos, os proprietários de residências frequentadas em momentos de férias e finais de semana e os turistas.

A convivência entre os "de fora" e os "de dentro" ocorria principalmente nos finais de semana, férias e feriados, modificando-se, nos últimos anos, pela presença de alguns moradores estrangeiros, geralmente aposentados, atraídos pelo estilo de vida litorâneo. A construção ou aquisição mais recente de moradias por americanos, portugueses e outros europeus de modo geral, redefine os critérios de pertencimento, tornando antigos proprietários parte de um novo todo que se opõe aos "estrangeiros".

A presença de turistas em Iguape é pouco significativa, se comparada com localidades praianas do estado do Ceará, como Canoa Quebrada e Jericoacoara, nas quais ocorreu uma inversão da condição de colônia de pescadores para a de "local turístico".

Menos caracterizado como um distrito de renda interna independente, Iguape deve seu crescimento à pesca e a investimentos externos, realizados principalmente em zonas litorâneas próximas, provenientes de projetos turísticos7 da região de Aquiraz, tais como clubes e redes de hotéis.

Uma mobilização a favor da emancipação política de Iguape, do município de Aquiraz, encabeçada por alguns moradores, em 2004, não obteve consenso, sob a contra-argumentação da falta de renda interna capaz de justificar o desmembramento. Os argumentos em prol da emancipação fundamentavam-se na demanda por educação, saúde, segurança e serviços básicos de saneamento, considerados precários em um distrito "abandonado" pelos poderes públicos.

Discursos eleitorais posteriores a esse período, alusivos a candidatos "do lugar", reforçavam a necessidade de serem escolhidos representantes comprometidos com a realização de benefícios locais, voltados para promover o desenvolvimento de uma suposta "vocação turística". O sentido de pertencimento associado à representação política, construído de forma restrita, porque referido especificamente ao distrito e não ao município, funcionava, assim, como uma das condições necessárias ao capital simbólico de candidatos à câmara de Aquiraz.

É importante ressaltar que a ideia de pertencimento como requisito de credibilidade não se restringe a Iguape; é comum encontrá-la em localidades cuja população se sente pouco articulada com os poderes centralizados.8 A percepção difundida no senso comum da política como prática distante e exposta a suspeitas emerge aí com nitidez, apontando candidatos "que só aparecem no tempo das eleições". Ao longo da pesquisa, não raro encontramos moradores que, de diversos modos, se expressavam como portadores dessa versão sobre a política, tornando as candidaturas uma espécie de disputa entre quem era "de dentro" ou "de fora" do lugar. Esta última condição funcionava, às vezes, como categoria acusatória, utilizada para desabonar pretendentes vistos como "não comprometidos" com os moradores. A condição de pertencimento invocava, portanto, uma espécie de capital simbólico acionado no jogo político, associando-se ainda a um sentido de reputação na acepção de Bailey (1971).

Algumas formulações discursivas, invocadoras mais diretas da condição de pertencimento, merecem ser mencionadas. O candidato Louro do Iguape imprimia em seu slogan o estatuto de morador local, realçando uma "trajetória" de serviços feitos com "esforço pessoal", desde muito jovem, até o trabalho político de então, "em prol da comunidade". O postulante à câmara de Aquiraz, com residência e comércio na rua Beira Rio, próxima à entrada do povoado, iniciou conversa conosco sobre a política, explicando seu slogan "vou à luta outra vez", em clara alusão à terceira candidatura, após duas tentativas sem sucesso, inicialmente apoiadas pelo PDT e depois pelo PV. Alegou ter tido várias profissões, sugerindo um requisito de "amor ao trabalho", antes de ter se decidido a entrar na política. Foi caseiro de proprietário de veraneio, vendedor de artesanato e era agora comerciante.9

A situação de moradia em Iguape somava-se, portanto, ao suposto compromisso com os moradores, considerado critério fundamental para definir a condição de representante "autêntico" do local. Acrescia ainda o candidato, às suas propostas, o ensino de inglês aos jovens, a criação de escolas, aulas de computação e outros serviços para impedir que os proprietários de novos complexos hoteleiros trouxessem "gente de fora". Além do mais, argumentava, havia em Iguape muitos jovens desempregados precisando de uma ocupação.

A valorização de investimentos locais era também retomada em promessas de outros candidatos, referindo-se à promoção de eventos e atividades culturais já existentes, como o carnaval, as regatas e os centros artesanais. A elas acresciam-se propostas de melhoria de infraestrutura, asfalto, iluminação, drenagem e segurança, todas condizentes com a onda de propagação do turismo pelo governo do estado incorporada por gestores municipais da região.

Os sentidos do pertencimento referiam-se não só à dimensão geográfica, mas ao trabalho político desenvolvido no local, funcionando como espécie de passaporte para o vínculo com o distrito. Os comícios realizados em distritos e povoados próximos reiteravam essa perspectiva, fazendo constantes evocações aos "candidatos do lugar" e suas propostas à chefia do executivo municipal. A exaltação ao distrito, em obediência a uma lógica de articulação municipal, supunha uma espécie de descentralização simbólica e garantia de que o "lugar não seria esquecido", porque protegido permanentemente pelos seus representantes.

O sentido afirmativo do lugar estava presente desde o momento da apresentação de candidaturas,10 em slogans que acionavam filiação a moradores conhecidos, ou alusões a localidades em substituição ao sobrenome de registro de nascimento: Lúcia do Babá, Cida do Franskin, Louro do Iguape, Kilvia do Iguape, etc. Afirmação e denegação, pois uma das candidatas, embora filha de moradores, utilizando essa condição em sua propaganda eleitoral, era acusada de "passar muito tempo fora do distrito".

O pertencimento, que ia além da localização geográfica, realçava nas candidaturas o "compromisso com os moradores", baseando-se também em outros supostos normativos. Era preciso construir simbolicamente o "estatuto de morador", sobretudo entre postulantes residentes não nativos. Essa foi uma das tarefas do candidato Patrício Morais,11 que se apresentava como "realizador de trabalhos comunitários há mais de 20 anos", incluindo obras ligadas à Igreja. O fato de haver também casado e batizado seus filhos no local era mencionado em acréscimo.

A ideia de pertencimento modelava a credibilidade de pretendentes, associando-se à categoria "ajuda" como requisito importante capaz de dar sentido e legitimidade à representação política.

Campos de ajuda

Eu peço que o povo vote no Louro, digo que ele sempre ajudou o pessoal e, se eleito, vai poder ajudar mais. (Esposa do candidato Louro do Iguape, em conversa com os pesquisadores).

Os campos de ajuda acionados durante a campanha eleitoral referiram-se ao atendimento de necessidades pessoais e carências coletivas tais como emprego, saúde e obras. A intermediação ou ação direta na realização de benefícios associados a projetos de infraestrutura e equipamentos urbanos foram arrolados como manifestação de compromisso entre moradores e postulantes à câmara de Aquiraz.

O candidato Louro do Iguape era visto por adeptos como defensor dos interesses dos moradores, pois havia feito calçamento, sistema de esgoto sanitário e reforma de praça próxima a seu local de moradia. Conforme o seu discurso, essas ações o creditavam a representar a "comunidade", ao contrário de outros candidatos que "só visavam o interesse pessoal". Quando passou a morar na rua Beira Rio, dizia: "Não havia nada de saneamento; as pessoas defecavam e jogavam dejetos no rio." Agora, que havia conseguido verbas para saneamento e instalação de aparelhos sanitários, sentia-se capaz de se colocar na função de porta-voz dos interesses de moradores junto ao legislativo municipal de Aquiraz. "Esse papel de mediador eu já tenho. Eu quero é ampliar essa função."

A ajuda evocava também um diagnóstico da falta. Acusações dirigidas a candidatos ou representantes que "não haviam feito nada pela comunidade", ou "teriam realizado benefícios apenas em troca de interesse pessoal", pontuavam muitos argumentos.

A dificuldade no atendimento de demandas comunitárias era mencionada por candidatos que mostravam o que haviam feito, isto é, as ajudas prestadas à comunidade e a impossibilidade de prosseguimento das mesmas pela falta de mandato municipal.

A "ajuda" também se aproximava do sentido de caridade, evocando a natureza pessoal das relações já identificadas por DaMatta (1979), no contexto das interações sociais, que modulavam não só o espaço das trocas cotidianas mas a esfera da representação política. Emergia, em tais circunstâncias, a noção de pessoa comprometida em apoiar os necessitados com os quais estabeleciam vínculos e formas de reconhecimento ou consideração (Cardoso de Oliveira, 2006) condizentes com a identificação entre indivíduos e suas comunidades imediatas.

A prática de ajuda tem sentido em um contexto no qual as relações pessoais parecem decisivas na condução da vida cotidiana, seja na obtenção de empregos ou em outras mediações requisitadas para obtenção de serviços básicos. Tais práticas estendiam-se também ao espaço da política. Nesse sentido, a justificativa para o pedido de votos, feita em comício e outras falas públicas, referia-se à importância da união entre moradores na medida em que "eram quase todos parentes e membros de uma grande família".

Na mesma perspectiva, uma representação idealizada de caridade associada ao sentido de ajuda era mencionada em reunião de apoio à candidatura de Patrício Morais. Na oportunidade, um apoiador de sua campanha difundia o seguinte episódio:

Um dia uma menina me pediu uma chinela, dizendo que já faziam [sic] três dias que ela andava descalça. Eu disse que não tinha dinheiro. Patrício Morais ouviu a história e deu uma sandália para ela. Eu fiquei pensando que, se ele fazia isso, que era tão pequeno, quando fosse vereador poderia ajudar muito mais.

O discurso dos candidatos à câmara baseava-se, principalmente, na promessa associada a benfeitorias para o local. O vereador realizaria, no sentido amplo, o que "outros políticos não fazem". Como representante próximo aos seus representados seria o mediador das demandas junto à câmara e defensor de interesses próprios de seu distrito. Não estaria muito distante da condição de "vereador do povo" identificado por Kuschnir (1996) no estudo sobre a Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Ocuparia também o vereador um lugar parecido com o de médico, aquele que a cada situação de aflição deveria socorrer os moradores necessitados. Em uma pesquisa realizada no município de Canindé (CE), baseada em representações sobre candidatos,12 a população entrevistada identificou o "bom político" como aquele que "ajuda o pobre e a população em geral" e o "mau político" como o que "não tem palavra". A "palavra dada" ou a promessa não cumprida era interpretada como falta de respeito e dignidade.

A condição de representante voltado à resolução de carências locais em Iguape tornava o vereador uma espécie de miniprefeito, sendo percebido mais por funções executivas que legislativas. Contribuía também para essa concepção o processo de descentralização das verbas federais, que conferiu aos municípios maior autonomia na gestão de recursos. A aprovação de projetos e a realização de benfeitorias tornaram-se, portanto, mais acessíveis ao "poder local", potencializando apropriações pessoais ou disputas por "autorias". O discurso de campanha de muitos vereadores, candidatos à reeleição, reforçava uma espécie de testemunho de intervenções realizadas durante "sua gestão", ao mesmo tempo em que denunciava apropriações indevidas de autoria de beneficiamento. Alguns candidatos afirmavam ter a "prova" de que eles, e não os concorrentes, eram responsáveis por obras realizadas no distrito.

A vereadora Arlete Gomes, eleita pela PTB em 2004 e candidata à reeleição, era considerada por seus adeptos como alguém que ajudava as pessoas da localidade, com ambulância para transporte de doentes. Esse feito foi bastante mencionado em sua campanha, sendo revalidado por meio da vitória eleitoral.

Outro campo de ajuda contabilizado durante a campanha referiu-se à oferta de emprego para jovens moradores de Iguape. Ericksson, candidato de 21 anos, tornou-se líder do PCdoB quando enfrentou a luta pela preservação da meia passagem, comandando uma interdição de carros na entrada do povoado, com manifestações de protesto. Recebeu para a campanha eleitoral em Iguape reforço de representantes do partido que ocupavam cargos executivos, "gente importante", segundo relato de seu pai. O progenitor avaliava, em acréscimo, que o PCdoB estava interessado na formação de uma base de adesão para as próximas eleições ao legislativo estadual, oferecendo vagas de emprego por intermédio do secretário de Saúde do Estado do Ceará. Nesse sentido, aconselhava o filho a "aproveitar-se da situação" e formar seus próprios eleitores entre os jovens beneficiados. O desdobrar dos acontecimentos era, assim, narrado pelo informante, em depoimento: "Você precisa ver: todos os dias sai o ônibus cheio de gente para trabalhar. Alguns ganham até 700 reais. Esse pessoal era desempregado e não fazia nada. Agora sim, tão [sic] trabalhando."13 De fato, foi possível constatar na pesquisa a importância do emprego como requisito de campanha, tornando um candidato jovem e estreante na política o primeiro suplente ao pretendido cargo de vereança à câmara de Aquiraz.

Algumas candidaturas signatárias dos diferentes tipos de "ajuda" operavam uma divisão complementar de votos entre familiares: "Na minha família, dois vão votar no Ericksson por conta do emprego que ele arranjou para o primo, quer dizer a tia e o filho. Outros da família vão votar na Ivete porque ela presta um papel importante de ajuda à comunidade através do transporte." (Moradora, costureira).

Na mesma direção de afirmação do compromisso em troca da ajuda, o proprietário de restaurante alegou que sua família votaria no candidato que arranjou emprego para o filho. O beneficiado tinha feito um curso médio, mas estava desempregado. Ericksson havia pedido o currículo do seu filho e logo depois ele estava empregado.

Os campos de ajuda estendiam-se também à obtenção de documentos, entre os quais o título de eleitor. A regularização de títulos constituía uma das maneiras de produzir adesões, funcionando como uma espécie de auxílio ao eleitor impossibilitado, por várias razões, de ter os documentos em dia. A prática de intermediação de candidatos na regularização dos títulos, que caracteriza uma das estratégias de agenciamento do voto, legitima-se por conta do sentido conferido à obtenção de "papéis" por segmentos sociais populares. Ressaltava-se, nessa circunstância, a dimensão performática do cidadão posto na condição de eleitor (Peirano, 2006). Associada à condição de ajuda, a obtenção ou regularização de títulos tinha um caráter ambíguo, podendo ser considerado também ato de interesse exclusivo do candidato, porque realizado no momento das eleições.

Os campos de ajuda remetem a um conjunto de necessidades circunscritas à carência de bens de consumo (saúde, educação, moradia) difíceis de serem equacionados no âmbito das mediações institucionais. Eles circunscrevem-se a localidades marcadas por dificuldades de recursos e poucas possibilidades de mediação com os poderes públicos.

Os mediadores de recursos, geralmente detentores de cargos de representação, realizam serviços de transporte, empréstimo e benfeitorias em diferentes situações de precariedade. Não é, portanto, estranho que o momento eleitoral dê visibilidade aos campos de ajuda, tornando-os espécie de capital simbólico, capaz de associar benefícios com requisitos de pertencimento e capacidade de representar interesses coletivos. Nessa perspectiva, o tempo vai desempenhar papel relevante no controle, gestão e avaliação dos campos de ajuda.

Tempo da ajuda

Porque se você quer mostrar que faz alguma coisa pelo povo não deve ser no momento da eleição, mas antes. Aqui tem candidato que se mostra fazendo benfeitorias só no momento da campanha. (Proprietário de bar situado na praça principal da sede, em conversa com os pesquisadores).

A ideia de "ajuda", em oposição à compra direta do voto, supunha uma distância temporal entre o voto e as benfeitorias. A noção do tempo considerado justo para a realização de obras comunitárias modulava a legitimidade de candidatos e a credibilidade de suas ações de ajuda aos moradores. Tal como Bourdieu14 (1997) observou a respeito da importância do tempo como denegação da troca, é importante destacar o intervalo entre o benefício e o voto, funcionando como um dos supostos normativos da adesão eleitoral.

"Aparecer apenas na época das eleições" e não comprovar o compromisso com o distrito, em momentos anteriores, punham o candidato na condição de suspeito. Nessa perspectiva, eram compreensíveis muitas das ações e discursos dos pretendentes a cargos de representação voltados para demonstração de "ajuda a uma comunidade carente". O "currículo de benfeitorias" dos candidatos deveria, portanto, adequar-se ao tempo possível de construção da credibilidade, circunscrito a um momento considerado não próximo ao período eleitoral.

A candidatura de Patrício Morais tentou, por exemplo, explorar a fidedignidade dessa equação regulada, entre tempo de ajuda e tempo das eleições, no modo como apresentava seu trabalho político a potenciais eleitores.

O vídeo sobre a vida do candidato exibido na praça central, logo após a missa do sábado, com presença de apoiadores, iniciava com imagens de suas caminhadas nos arredores da sede distrital. Comentadores de sua trajetória apontavam trabalhos lá realizados, ressaltando que não era "de agora", já fazia muitos anos. O candidato reiterava o dito com inúmeros exemplos. Relatava a realização de vários serviços de saneamento sem o apoio da prefeitura, além de outras iniciativas de beneficiamento que não puderam ser concluídas pela falta do mandato legal. Narrava também outro fato exemplar de apoio comunitário em momento anterior à campanha: levantara as paredes de uma casinha que havia desabado, deixando-a só em ponto de alvenaria, não obstante o desejo da família de concluí-la. Argumentou não haver terminado a obra, pois se aproximavam as eleições e queria evitar interpretações de que o benefício familiar deveria ser retribuído em troca de votos. A benfeitoria, segundo suas palavras, tinha sido feita por "caridade", motivada pela observação da situação da moradia precária, em visita feita ao local, com sua sogra.

No cômputo das articulações entre tempo e ajuda, destaca-se o momento de implementação de benfeitorias, capaz de tornar "quase nativo" um morador "de fora"; o instante de parar o benefício, retirando o sentido de interesse suscitado na troca imediata da ajuda pelo voto e a situação ambígua e paradoxal das trocas na ocasião das eleições.

Em síntese, a ajuda emerge como categoria capaz de conferir credibilidade ao candidato, permitindo a construção de um capital simbólico fundamentado nos ideais de caridade e bondade. Incorpora um conjunto de ações que podem, cumulativamente, ser transformadas em capital político.

Os custos da ajuda são também indicativos de formas complexas de intermediação entre representantes políticos e moradores.

Os custos da ajuda

O povo precisa muito da ajuda. Eu não ajudo porque não sou vereador. (Proprietária de estabelecimento comercial, em conversa com os pesquisadores).

A "ajuda" circunscrevia-se tanto ao apoio a moradores, dado por meio de recursos públicos, como pessoais, provenientes de pretendentes políticos estreantes ou postulantes à reeleição. Algumas situações e discursos foram reveladores dessa perspectiva de não separação entre o que estaria posto no registro do favor e o que se conformaria ao âmbito da realização de um serviço público.

Um proprietário de restaurante alegou, por exemplo, que inicialmente apoiava a vereadora Arlete Gomes, tendo com ela um acordo de fornecer comida aos policiais:

Eu dava todo dia as refeições dos soldados que trabalhavam aqui no Iguape e gastava 400 reais por mês. A Arlete, em um ano, ajudou dando 150 reais, mas depois de três meses disse que não podia mais. Como é que pode, uma vereadora não poder ajudar?

O ressentimento do comerciante baseava-se no princípio de que aquela quantia considerada irrisória deveria ser doada com recursos pessoais da vereadora, considerando ainda que ela ganhava, além do salário, benefícios indiretos como o aluguel do seu transporte à prefeitura. No cômputo das transações pessoais, era suposto que o vereador, por ter um melhor salário, tinha obrigação de conceder benefícios coletivos difíceis de serem obtidos por verbas públicas.

O sentido da ajuda efetivada com base em recursos pessoais foi também mencionado por um pescador aposentado que, em conversa, afirmou ter o candidato "do sindicato" dos pescadores declarado o propósito de repartir o salário com os demais integrantes da colônia de sua categoria. Ganharia 10.000 reais (salário superestimado pelo candidato e pelo informante), dos quais deixaria 4000 para a comunidade. A promessa, na versão do pescador, era viável e contrária àquela feita por candidatos que prometiam, mas não efetivavam o pagamento de contas de luz.15

A utilização de recursos pessoais para o atendimento de carências coletivas era também justificada pelo candidato Patrício Morais. Prometia o pretendente à representação na câmara de Aquiraz, que se não conseguisse, por meio de verba pública, transporte para locomoção de pacientes, funcionando por 24 horas, ele próprio o compraria.

Os custos da ajuda constituem uma entrada para a compreensão dos liames estreitos que articulam relações pessoais e relações políticas. A legitimidade da ajuda demonstra que as adesões eleitorais encontram-se inseridas no circuito das trocas e nos mecanismos de reconhecimento e retribuição.

"Ajuda", reconhecimento e retribuição

A "ajuda" constitui uma categoria relacional que remete à reciprocidade. A gratidão do eleitor deve ser demonstrada na hora do voto, materializando o sentido de reconhecimento. As referências à compra de remédios, serviços médicos e de uso da ambulância como atos com obrigação de retribuição do voto podem ser percebidas no discurso de um dos candidatos:

Tenho 25 anos de serviço prestado. Sou médico formado pela Universidade Federal com apoio do meu pai, mas também financiado pelo povo. Eu quero a ajuda de vocês para poder representar seus interesses. Se eu estiver lá eles poderão me ouvir. Agora, nem adianta eu falar porque ninguém me ouve. Eu quero defender os interesses do povo de Aquiraz. Vou conseguir transporte para saúde, que irá funcionar também durante o fim de semana. (Dr. Charles, candidato pelo PP, discurso feito em reunião com eleitores na praça da sede de Iguape).

O circuito de "ajuda", reconhecimento e retribuição supõem um fluxo de continuidade na reposição das trocas. O candidato eleito teria também a obrigação de fazer jus ao voto concedido, por meio da realização de novos benefícios.

No outro polo da reciprocidade, era objeto de crítica "gente que não reconhecia a ajuda na disposição da ambulância, na doação do remédio". Escolher outro candidato e não retribuir a ajuda por meio do voto traduzia ingratidão. Os adeptos da candidata Arlete Gomes exemplificavam o apoio prestado por ela na disponibilidade da ambulância como requisito indutor e obrigatório de reconhecimento.

No contexto de laços estabelecidos entre eleitores e candidatos, é importante perceber o significado das adesões eleitorais em continuidade a práticas culturais já sedimentadas na população, considerando-se que "na vida cotidiana, as pessoas trocam bens diversos que confirmam laços pré-existentes, quanto criam novas relações sociais. Essas trocas supõem uma reciprocidade, segundo a qual os que dão também recebem." (Heredia, 1996, p. 63). Assim se relacionam parentes e vizinhos, configurando uma troca entre iguais, na versão da autora, também acompanhadas, reforçaríamos, de outras intermediações entre desiguais. Nessa perspectiva a ajuda eleitoral poderia funcionar por meio do princípio da mediação e obrigação de socorrer os carentes de recursos. A palavra ajuda, em síntese, singulariza troca entre iguais e desiguais, designando tanto um como um favor como uma retribuição que reproduz hierarquias.

A ajuda, ao ser percebida como um requisito moral, remetendo ao sentido da obrigação de retribuir, torna a ingratidão do "eleitor falso" uma ameaça no circuito das trocas. A título de exemplo, em visita que realizamos à casa do sogro do candidato Patrício Morais foi comentada por ele a desconfiança do candidato no eleitor. O argumento era o de que os votantes recebiam benefícios do candidato, mas não havia garantia de fidelidade. Esse era o motivo pelo qual a campanha exigia do candidato "muito trabalho", como o de visitar permanentemente os eleitores de outros distritos ou povoados vizinhos.

As possíveis rupturas no circuito das retribuições eram também criticadas por eleitores. O proprietário de uma bodega, por exemplo, criticava a "falta de reconhecimento" de outro colega de profissão que havia recebido ajuda da vereadora Arlete Gomes para uma ida ao hospital, além de receber os remédios, mas não iria votar nela.

Os campos de ajuda efetivados com base na vigência de códigos de retribuição adquiriam visibilidade na apresentação de pequenas obras inauguradas durante a campanha, servindo de ingrediente à disputa entre candidatos.

A inauguração de um posto de saúde no distrito, às vésperas das eleições, tornou-se nessa direção uma materialização de benefício e reforço aos candidatos apoiados pela prefeita Marilza, inserindo-se no campo das disputas estabelecidas com a candidata Arlete.16 Durante discurso proferido na ocasião, a prefeita afirmou que essa era também a oportunidade das pessoas "pensarem no futuro e na continuidade de benefícios para o distrito". Ressaltando que não esqueceria o "povo do Iguape", a prefeita, em sua fala, enfatizava que sempre esteve e estaria presente em muitas ocasiões. O posto, acentuava, era "um sonho antigo dos moradores" e ela havia batalhado por sua inauguração, carreando recursos do Brasil e do exterior. A prefeita em exercício, em posição contrária à candidata Arlete Gomes, buscava inserir-se na lógica da "ajuda", tentando assim legitimar seu pertencimento ao lugar, o que contaria positivamente no apoio de seu candidato à sucessão. O circuito das retribuições tornava-se ambíguo, sobretudo, quando a presença direta do dinheiro condicionava a suspeita da quebra de vínculos, sendo considerado a expressão mais radical da "traição" de eleitores a candidatos.

As fronteiras borradas da "ajuda" e da compra e do pertencimento

Eu não sou como aqueles que só aparecem no tempo das eleições. Eu estou sempre presente na vida do povo. Não vendam o voto de vocês, ele não tem preço. (Dr. Charles, candidato pelo PP, em discurso feito na praça da sede de Iguape).

A relação negativa entre política e interesse pessoal é bastante difundida no senso comum, soando como alerta e controle sobre a vida moral de candidatos. O uso indevido do mandato, explicitado por um garçom de restaurante tradicional, baseava-se no fato de que, para alguns representantes, a política era "um grande negócio". O informante, em uma das conversas sobre eleições locais, pediu licença para falar mais baixo, explicando porque era vantajoso candidatar-se: "Na família da candidata e vereadora Arlete, seis pessoas se beneficiavam da política; o marido [secretário de Pesca], dois filhos, uma irmã e a cunhada. Já pensou essa quantidade de salário, só em uma casa?" Criticava também o garçom a apropriação pessoal do transporte público, argumentando que todo o "serviço de ambulância" utilizado para levar doentes ao hospital passava pela casa da vereadora. A explicitação do fato não impediu que o informante votasse nela, comprovando a supremacia de laços pessoais sobre a crítica.

No cômputo do uso político de bens pessoais, a distribuição de remédios era também objeto de recriminação de moradores, por supor o monopólio do benefício concedido pelo médico, muitas vezes considerado uma moeda de troca no estilo "toma lá, dá cá", aproximando-se assim do dinheiro.

A distribuição de sacas de feijão era, por outro lado, considerada legítima, configurando-se na categoria ajuda. O candidato Patrício Morais afirmava, por exemplo, que quando doava esse tipo de alimento em suas visitações era muito bem recebido pela família dos potenciais apoiadores. Outras nuanças apontadas nas práticas de ajuda podem ser percebidas no seguinte depoimento:

O candidato tem que ajudar o eleitor. No dia das eleições tem eleitor que não tem dinheiro para comprar uma galinha. Esse tem que receber ajuda. Não é para o candidato comprar a galinha, mas é para ajudar a comprar a galinha. O que se precisa mais aqui é energia: o candidato tem que pagar a conta da energia. Eles também querem barro, areia, tijolo e outras coisas. (Candidata Cida do Franskin, em entrevista concedida aos pesquisadores).

Outras práticas anteriores contabilizadas na categoria ajuda foram mencionadas por um morador: "Uma vez falei que a minha filha estava doente, aí o vereador João Aldir perguntou o que eu queria. Eu disse que queria levar ela ao médico. Ele só fez pegar uma camisa e me levou e comprou até os remédios. Ainda tem gente que dizia que ele era ruim."

O uso do dinheiro como expressão da "ajuda" também era considerado legítimo em alguns casos. A esposa do candidato Louro do Iguape, por exemplo, dizia considerar natural que isso ocorresse entre pessoas pobres, não significando compra do voto. Afinal, segundo suas palavras, "tinha muitas pessoas carentes necessitando de dinheiro até para comer", afirmava, em justificativa.

Um candidato do PRTB, com o slogan "Teixeirinha, Aquiraz sem preconceito", ilustra bem as fronteiras borradas das transações efetivadas por meio do voto. O informante, utilizando a palavra "agrado" para referir-se ao ato que poderia ser designado como ajuda estabeleceu conosco o seguinte diálogo:

Candidato - A vereadora Arlete ganhou porque as pessoas gostam dela e por causa do dinheiro.

Pergunta- O que foi mais forte na vitória?

Candidato - Foi o dinheiro. Sim, porque tem o agrado e tem a compra. O agrado é quando você dá uma cesta básica, um arrozinho, um remédio, paga uma conta de luz. Uma compra de voto é: "Toma aqui 100 reais, 200 reais, 300..."

Na realidade, é importante constatar que não era apenas o dinheiro que quebrava o circuito das trocas e retribuições, mas a natureza impessoal de seu funcionamento que deslocava as relações de reciprocidade para o campo indefinido da mercadoria. Se a reflexão de Simmel (1999) sobre o caráter anônimo do dinheiro e sua capacidade de deslocar-se do contexto da comunicação entre pessoas poderia ter aí um exemplo significativo e peculiar, o que estava em jogo era a capacidade da extinção ou continuidade das interações entre ajudantes e ajudados.

A entrada do dinheiro no circuito da ajuda, sobretudo quando retira a dimensão personalizada das trocas, sinaliza a compra indevida do voto, atestando a ruptura de laços de compromissos.17 Percepção semelhante ocorreu no município de Canindé, localizado na zona norte do sertão cearense, em pesquisa já mencionada. Em questionário aplicado no quadro de uma investigação sobre percepções do "crime eleitoral", foi considerado que a compra do voto em dinheiro constituía a prática eleitoral mais criticada, em oposição à distribuição de alimentos, percebida de forma positiva. A "prestação de serviços à comunidade" feita por representantes políticos ou candidatos aparecia nessas circunstâncias como uma ação dúbia e parcialmente aceita. A ideia de ajuda apontava também, naquele contexto, uma situação ambígua. Boa parte da população entrevistada em Canindé afirmava que as eleições representavam um momento de "tirar proveito" e de "viver melhor". Trata-se de comentários feitos não só por setores sociais mais desfavorecidos economicamente, mas também pelos setores de classe média. Para os primeiros, o período eleitoral poderia viabilizar a aquisição ou reforma de uma casa, de um tratamento médico, ou de uma bolsa de estudo. Poderia ser o momento de atendimento de algumas necessidades básicas, tais como: saúde, habitação e educação.

Em síntese, a ideia de "ajuda" remete a questões do seguinte teor: quando se deve ajudar, como se ajuda, quem deve ajudar e quem deve ser ajudado. A compra do voto representaria, nas circunstâncias explicitadas, o contraponto ou espécie de ruptura do "valor de uso", estabelecido na relação de compromisso entre candidato e eleitor, evocando a dimensão agonística da troca e as dimensões paradoxais dos campos de ajuda e reconhecimento.

A compra do voto

Quem ganha eleições são os que têm dinheiro para gastar no dia, porque na última hora o eleitor troca de voto por causa do dinheiro. (Morador, prestador de serviço, em conversa com os pesquisadores).

Os eleitores mais pobres poderiam até receber alguma coisa, mas não vender a consciência. (Esposa do candidato Louro do Iguape, em conversa com os pesquisadores).

A introdução do voto como mercadoria altera o circuito das dádivas, tornando imprevisíveis e variáveis as relações de compromisso. Em muitas ocasiões, os candidatos de Iguape criticavam a venda de votos, embora se queixassem da exiguidade de seus recursos pessoais em contraste com outros postulantes às eleições que, por terem dinheiro, poderiam ganhar a concorrência.

A posição do eleitor como alguém procurado para doar seu voto inverte, por outro lado, imaginariamente, a condição de hierarquia social. "Vender o voto caro" não significava apenas uma transação comercial, mas a valorização do eleitor como alguém que tinha o poder de influenciar decisões.

O usufruto de situações, na suposta "compra consciente", promovia a condição estratégica de receber o dinheiro e votar no "candidato certo". Trata-se de uma prática disseminada em discursos que supõem a dificuldade de eliminar a transação, mas não abdicam de conquistar adesões baseadas no reforço de "candidaturas comprometidas com os moradores". Essa perspectiva vem sendo adotada por candidatos de esquerda, constituindo-se também, hoje, uma espécie de senso comum. Aconselhava, por exemplo, um dos informantes que quando viesse "um de fora" pedir voto era melhor receber o dinheiro, mas votar no "candidato de dentro", naquele que "fez alguma coisa pelo povo". Trata-se, como já foi exposto, de prática difícil de ser implementada por conta de laços de compromisso estabelecidos.

Uma dádiva recebida por um eleitor e não retribuída no voto o inferioriza perante os outros e fere o código de moralidade vigente nas circunstâncias analisadas. Isso pode explicar o insucesso de muitas campanhas dos partidos de esquerda, vigentes na década de 1980, que orientavam os eleitores para que aceitassem donativos dos "outros" partidos e não os retribuíssem com o voto, ponderando ser o voto secreto. O espanto de um eleitor, trabalhador rural em Iguatu (CE), retrata bem essa situação: "Mas, como eu não vou votar nele se eu dei a minha palavra?"18

A compra de candidaturas é também prova da especulação financeira feita com base no capital simbólico de postulantes a cargos de representação. A esse respeito, a esposa do candidato Louro do Iguape narrava em depoimento que o marido já tinha recusado proposta de ganhar desde 25, 35 até 40 mil reais para desistir da candidatura: "Tem uns candidatos com muito dinheiro. Eles oferecem dinheiro (20, 30, 40 mil) para outro candidato desistir e passar os seus votos. O Louro não faz isto porque o voto é do povo, o voto não é dele."

Algumas polêmicas envolvendo a compra de votos se apresentaram no dia das eleições. Na secção eleitoral situada em povoado próximo ao distrito, observamos um conflito entre o candidato Zé da Panelada, com um dos cabos eleitorais do concorrente Aureliano Mota. O candidato se considerava representante legítimo de Areia Grossa, pois morava lá há 20 anos e havia observado "a compra descarada de voto". Dizia que tinha mais de 200 pessoas no comitê do candidato rival. Solicitando intervenção da polícia, acusava o candidato Josélio "que nunca pisava no Iguape", de contratar pessoas para lhe tirar o voto. "Aqui não tem nada, nem posto de saúde. Uma pessoa tem que andar isso tudo até chegar no Iguape e quando acaba vem gente que nem pisa aqui tirar o voto dos outros." O sentido do não pertencimento associava-se à compra indevida, ferindo o circuito das retribuições.

Outra circunstância de compra e voto é narrada por eleitora e moradora de povoado próximo a Iguape. Segundo seu relato, o voto era vendido por 50 reais. Em uma casa de dez pessoas eram adiantados 250 reais, sendo o pagamento só concluído se o candidato fosse eleito. O uso de muros para propaganda de candidatos era também pago e custava 100 reais. Os candidatos prometiam pintar o muro quando passassem as eleições, mas nem sempre cumpriam a promessa, acrescentava a informante.

Uma das apoiadoras do candidato Patrício Morais, fiscal do processo eleitoral, também testemunhou a compra de votos. Afirmou que as pessoas dormiram tarde às vésperas das eleições, articulando eleitores e negociando votos. Presenciamos também a tentativa de compra de votos feita a um casal de moradores. Seu irmão havia conseguido 100 reais para a esposa e o marido, mas ele só aceitaria a proposta se o dinheiro chegasse antes das eleições. Não iria acreditar em promessa.

A compra do voto, a "ajuda" e os mecanismos de reconhecimento e retribuição operam de forma simultânea em um contexto de mapas simbólicos atravessados por diferentes registros.

O deslocamento das trocas pessoais para transações entre candidatos e eleitores desconhecidos evoca o tema das obrigações e interdições no campo das ajudas. O pertencimento, em tais circunstâncias, passa a ter papel importante, definindo quem pode ajudar e quem pode ser ajudado. A rigor, em uma localidade caracterizada por carências básicas de consumo de habitação e sobrevivência, é de se esperar que a expectativa de ajuda tenha consequência sobre a relação entre os "de fora" e os "de dentro". As relações estabelecidas entre moradores nativos e proprietários de casas de veraneio são permeadas por transações referentes ao emprego doméstico (caseiros), ao uso de profissionais especializados como bombeiros hidráulicos, eletricistas e outras trocas relativas ao consumo da produção pesqueira.

A equação trabalho versus "ajuda" tem nuanças, sendo esperado que em situações aflitivas os "patrões" socorram seus empregados ou ajudantes eventuais. A "ajuda" refere-se também a carências cotidianas, comumente atendidas por moradores do local de maior poder aquisitivo. Essa "ajuda" de proprietários de casas de veraneio configura uma relação esperada, não confundida com a ideia de representação política. Essa é a razão pela qual Patrício Morais foi criticado por membros de sua assessoria quando, durante um dos seus discursos, afirmou ter "ajudado" os pescadores, com a doação de um frigobar, sem interesse eleitoral. A crítica dos articuladores de sua campanha baseava-se no fato de que os potenciais eleitores, por já contarem com sua solidariedade, independentemente da ocupação do cargo pretendido, não teriam motivação para apoiá-lo através do voto.

Dos políticos do "local", mais especificamente os vereadores, espera-se que problemas de saúde e carências financeiras sejam sanados por meio de ações de vários tipos, incluindo o agrado, a remuneração de serviços e a "ajuda". Há, nesse sentido, uma troca cotidiana entre "desiguais", considerada natural e típica de comunidades pesqueiras com opções limitadas de emprego e renda.

Se a "ajuda" integra o circuito dos pertencimentos que vigora na vida cotidiana, ela é redefinida no período eleitoral. Nesse momento, o espaço geográfico ganha contornos e os "candidatos do lugar" podem transformar suas práticas de ajuda em capital político. Postulantes mal inseridos no âmbito do pertencimento, os que "nunca pisam lá", são, portanto, motivo de desconfiança, tornando-se vulneráveis a formas acusatórias de "aproveitamento" de situações em prol de "interesses particulares".

Se as acusações feitas à candidata vitoriosa, Arlete Gomes, pelo uso do dinheiro tiveram pouco efeito negativo em sua reputação, é porque ela, sendo considerada "de dentro", tinha prerrogativas positivas para "ajudar" seus eleitores da forma que considerasse conveniente, podendo transitar pelas fronteiras porosas que cerceiam os critérios da legitimidade da representação.

O pertencimento pode atenuar o sentido da compra, corroborando a ideia da impessoalidade associada ao cálculo e interesse. Em princípio, o "candidato de dentro" tem, de saída, muito mais credibilidade sobre a reposição do circuito da ajuda que o considerado "de fora". Este tem a vulnerabilidade da descrença e a tarefa, em sua campanha, de modular os custos da "ajuda" e do pertencimento.

Se é possível pensar na "fidelidade eleitoral", ou no voto como contradom, a perspectiva da "ajuda", do pertencimento e do reconhecimento pode ser considerada chave de leitura para interpretar o que designamos como economia moral das trocas eleitorais.

Ideias conclusivas: uma economia moral das trocas eleitorais

Um mapa simbólico não explicitado, constituído de avaliações sobre candidatos e candidaturas, permite entender a variedade de situações que modula a dinâmica das representações de moradores de Iguape: os campos variados de construção da ajuda, o tempo de sua elaboração e as formas agonísticas que vão da transação entre eleitores e candidatos, envolvendo dinheiro, até a considerada compra efetiva do voto. O realce emprestado a essas práticas no momento eleitoral não deve omitir o fato de sua precedência. De fato, a "ajuda" entre moradores integra o circuito das relações cotidianas, assim como as transações hierárquicas entre pescadores, prestadores de serviços e proprietários veranistas precedem o momento das eleições. As obrigações de ajudar, a categoria dos que devem ser ajudados e as formas mais ou menos implícitas de apoios que circundam o sentido de "comunidade" são apropriados no "tempo da política", realçando a dimensão hierárquica das trocas entre candidatos e eleitores

Se os benefícios são contabilizados e alocados no âmbito da "ajuda", é a sua materialidade explicitada em dinheiro que faz emergir o sentido forte e denegado do interesse associado ao voto. Na realidade, o caráter negativo do dinheiro aparece menos em sua materialidade intrínseca e mais na possibilidade de retirar os compromissos e os laços estabelecidos, entre candidatos a representantes e moradores, do âmbito da dádiva. E aqui seria importante enunciar mais uma vez Marcel Mauss (1974, p. 112) quando afirma que a "a sanção da obrigação de retribuir é a obrigação por dívida". É a relação entre participantes de um contrato simbólico não formalizado que desencadeia a continuidade do vínculo não posto no domínio da troca imediata, mas nas transações realizadas ao longo do tempo. O sentido "generoso e desinteressado" da ação corrobora, na mesma direção, a concepção de Bourdieu (1997, p. 154) sobre a economia das trocas simbólicas baseadas na valorização do altruísmo em contraponto ao interesse.

A troca desinteressada ou o sentido de generosidade desaparecem quando a dádiva se submete ao interesse, desfazendo a illusio, no sentido formulado por Bourdieu (1996), e afirmando o calculismo na interpretação mais otimista sobre a permanência das dádivas na sociedade moderna formulada por Godbout (1999). No sentido mais profundo da troca não existe a perda, explicita Godbout (1999, p. 254), na medida em que esta "só pode ser uma maneira de se deixar enganar num negócio, ou então uma maneira de se deixar explorar". A dádiva, sendo necessariamente a noção de crédito de uma dívida social não quitável é, por esse motivo, acionadora do fluxo da continuidade.19

A "evitação do calculismo" na situação pesquisada em Iguape aponta as fronteiras porosas que separam o universo valorativo dos campos de ajuda e reconhecimento. O tempo da ajuda, os custos da ajuda, a ajuda como símbolo de pertencimento, de reconhecimento e a sua formulação no espaço da dádiva (sem interesse) apontam um mapa de moralidade baseado em um conjunto de ações e representações não registradas no contexto das normas legais.

A ação de ajudar se inscreve, portanto, menos no vocabulário do direito que no cômputo das dádivas, retribuições e reconhecimentos, estando registrada no âmbito daquilo que Honneth20 (2003) designaria como fazendo parte das relações primárias, a exemplo do amor e da amizade. Nosso propósito neste artigo foi o de pensar sobre esse conjunto de práticas comumente catalogadas como "ausências" de: cidadania, "consciência política" e moralidade para alocá-las no contexto das representações culturais e práticas sociais vigentes na situação analisada.

É importante frisar que a pesquisa realizada em Iguape não representa apenas um singular estudo de caso. Coaduna-se com outra investigação realizada por César Barreira (2006a), abordando as práticas políticas designadas no direito como "crimes eleitorais".21 A investigação efetivada naquele momento, muito embora informada pela nomenclatura dos "crimes eleitorais" e sua relação com as formas tradicionais de dominação, já verificava a ambiguidade de situações classificadas pela Justiça Eleitoral como criminosas, em rota dissonante com as ações elaboradas no universo sociopolítico do eleitor. Em tais circunstâncias, as práticas ilegais, não necessariamente consideradas incorretas pela população, apontavam a necessidade de entender os códigos de reciprocidade associados a várias formas de mediação. Códigos que do ponto de vista histórico se contrapunham à tentativa da justiça de regular os processos arcaicos de imposição do voto, efetivados no tempo do chamado coronelismo.22

Com o surgimento da Justiça Eleitoral, em 1932, as relações entre postulantes a cargos de representação política e eleitores realçaram a mediação do campo jurídico como regulador do voto secreto, tentando impedir práticas de intimidação e barganha que controlavam o "crime eleitoral", incluindo, entre eles, o que era considerado dádiva.

A categoria "dádiva", na acepção jurídica, não condizente com a assertiva de Mauss, tampouco com a categoria "ajuda" formulada por moradores de Iguape, tornou-se o conceito genérico, utilizado pelos "profissionais do direito", para designar tudo aquilo que é oferecido pelo postulante a cargo eletivo, tendo em vista a obtenção do voto. Ela passou a materializar os "crimes eleitorais", definidos precisamente como a ação política de aliciamento e influência na prática política do eleitor.

A pesquisa em Iguape revelou, portanto, a complexidade das operações e classificações que subsidiam representações e práticas políticas de eleitores. Sem negar a vigência dos mecanismos de "ajuda" como espaço de dominação simbólica e sem desconhecer a existência de modos de transformação do voto em mercadoria, evidenciou a existência de um conjunto de percepções e ações que se interpõem no âmbito das adesões e escolhas de candidaturas.

Apontou também a pesquisa a importância de uma "sociologia ou antropologia da moral", voltada para a percepção de ações sociais no contexto eleitoral, pautadas por códigos culturais não traduzidos no contexto das instituições formais. Noções de direito e dever aí apareceram como notas marginais, tecladas fora do registro das instituições jurídicas.

Recebido em: 28/08/2011

Aprovado em: 15/01/2012

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  • *
    O presente artigo foi originalmente apresentado na forma de texto no XXXIV Encontro Anual da Anpocs, realizado em Caxambu (MG), em 29/10/2010, na Sessão Temática 32 denominada Sociologia e Antropologia da Moral, sob a coordenação de Luís Roberto Cardoso de Oliveira (UnB) e Alexandre Vieira Werneck (UFRJ). Na versão final deste artigo gostaríamos de registrar e agradecer a valiosa revisão da antropóloga e professora da UFC, Sulamita de Almeida Vieira.
  • 1
    Iguape, antiga aldeia de pescadores, hoje, com cinco mil habitantes, é um distrito do município de Aquiraz, situado a 12 km da sede. A renda básica da população do distrito é proveniente de atividades ligadas a veraneio, a pesca e comércio. Os proprietários de casas de veraneio e visitantes são provenientes, principalmente, da capital do estado do Ceará. Ver
    site
  • 2
    Município cuja sede situa-se a 30 km de Fortaleza, notabilizado por ter sido a primeira capital do Ceará. Segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral, da perspectiva político-adminstrativa, Aquiraz está dividido em oito distritos; conta com um total de 35.675 eleitores e dez vereadores na câmara municipal.
  • 3
    Os depoimentos obtidos por meio de conversas, citados ao longo do texto, foram obtidos no momento da campanha eleitoral, sendo as entrevistas com os candidatos realizadas logo após as eleições. Os nomes dos candidatos, assim como os dos demais informantes, são fictícios.
  • 4
    É importante registrar o incentivo de Moacir Palmeira para que fizéssemos uma pesquisa sobre as eleições em Iguape, aproveitando a nossa condição de observadores privilegiados. O estímulo inicial da pesquisa e a leitura posterior do escrito merecem nosso agradecimento.
  • 5
    Trata-se de reflexões que se coadunam com a linha de trabalho do Pronex "Antropologia da Política - rituais, representações e violência", que subsidiou um conjunto de pesquisas e coleção de livros, articuladas ao Nuap/Museu Nacional, sob coordenação de Moacir Palmeira.
  • 6
    Ver, por exemplo, entre outros, o clássico trabalho de Victor Nunes Leal (1986).
  • 7
    A gestão da prefeita Marilza, eleita pelo PDT em 2000, por dois mandatos consecutivos, priorizou o que seria uma "vocação turística natural", apoiando a construção de hotéis e melhoria de estradas.
  • 8
    O discurso do pertencimento e das classificações entre os "de fora" e os de "dentro" encontra-se também presente em outras localidades que vivenciam tensões com poderes centrais. Tal é o caso da Córsega em seu processo de luta por autonomia (ver Barreira, C., 2006b).
  • 9
    Suas atividades expressavam, na realidade, algumas das variações profissionais significativas de moradores de Iguape, divididas entre pescadores, "caseiros", comerciantes e pedreiros.
  • 10
    Na capital cearense a mesma estratégia foi encontrada em bairros populares, a exemplo da candidatura de Ana do Lagamar (Barreira, I, 1998).
  • 11
    Patrício Morais, casado com a filha de antigo proprietário de casa de veraneio, tornou-se candidato pelo PDT. Construiu seu capital político com apoio da paróquia local na qual ocupava a função de tesoureiro. Além de frequentar semanalmente a missa financiada com seus próprios recursos (o pároco deslocava-se de outro distrito) participava e organizava reuniões, a exemplo do "Terço dos Homens", ritual religioso realizado nas segundas feiras, reunindo pescadores de Iguape.
  • 12
    Essa pesquisa foi realizada como prática de trabalho de campo dos alunos na disciplina de graduação "Sociologia do Conflito", ministrada por César Barreira, na Universidade Federal do Ceará, no segundo semestre de 1999.
  • 13
    Segundo informação de alguns moradores, sem a devida comprovação oficial, foram concedidos 160 empregos temporários para jovens residentes em Iguape. Nos cálculos de um outro morador, cada emprego poderia ser multiplicado por dez votos familiares.
  • 14
    Na perspectiva do autor, "o importante na troca de dádivas é que, através do intervalo de tempo interposto os dois trocadores trabalham, sem sabê-lo e sem estarem combinados, para mascarar, ou recalcar, a verdade objetiva do que fazem. Verdade que o sociólogo desvenda, mas correndo o risco de descrever como cálculo cínico." (Bourdieu, 1997, p. 170).
  • 15
    O vereador João Aldir, por exemplo, havia recolhido as contas de luz dos moradores durante sua campanha para serem regularizadas após a vitória. Justificou o não cumprimento da promessa em virtude do preço das dívidas. Sua ação, embora inconclusa, justificava a opinião corrente, entre a população, de que "era muito bom, pois tratava o eleitor como uma família". Avaliação semelhante do político como "boa pessoa" pode ser encontrada na pesquisa de Chaves (1996) sobre as eleições em Buritis (MG).
  • 16
    O conflito explicitado em domínio público, durante um dos comícios, referia-se ao apoio dado por Arlete ao candidato adversário à chefia do executivo de Aquiraz. As acusações referentes à "traição" da vereadora Arlete eram fortalecidas pelo suposto aproveitamento que ela teria feito do cargo, "conseguindo vários empregos para a sua família".
  • 17
    O estudo de Foote Whyte (2005) sobre Corneville oferece indicações importantes a esse respeito. Nele o autor analisa as várias formas de adesão a candidatos permeadas por laços pessoais de fidelidade, incluindo as situações de ruptura. A luta pelo poder é permeada por redes de obrigações mútuas e favores e quanto maiores as redes de relações pessoais, menores os custos financeiros. O pagamento em dinheiro costuma ocorrer onde os vínculos são mais tênues do ponto de vista moral. O favor pago supõe a inexistência de vínculos posteriores, pois a remuneração financeira pode encerrar o círculo das obrigações mútuas.
  • 18
    Palmeira (1996, p. 48), fazendo referência a esse mesmo acontecimento, diz que "a melhor prova de eficácia desse compromisso são os resultados desastrosos para alguns partidos ou candidatos de sua orientação de 'pegar o dinheiro e votar no candidato de sua consciência'. A menos que o autor da consigna tenha um carisma verdadeiramente extraordinário - que faça com que sua recomendação seja percebida como uma ordem tão legítima, que possa se sobrepor aos critérios correntes de legitimidade e honra pessoal embutidos na palavra empenhada - o recebimento de um bem leva o eleitor a votar 'naturalmente' no seu doador."
  • 19
    As polêmicas sobre a dádiva estabelecidas com base na interpretação dos escritos de Mauss, seja na interpretação crítica de Lévi-Strauss, seja na apropriação também crítica de Bourdieu, são interessantes no sentido de considerarem as regras básicas e estruturantes da comunicação social baseadas nas ações de dar, receber e retribuir. Sem entrar no universo das polêmicas estabelecidas entre Bourdieu e Godbout, interessa registrar algumas das possibilidades dos usos nativos das dádivas e suas obrigações no momento das campanhas eleitorais. Nessa perspectiva, somos menos interessados nos posicionamentos acerca das polêmicas e mais comprometidos com o registro etnográfico das fronteiras borradas que se estabelecem em situações especiais, como é o caso das eleições. Uma reflexão aprofundada sobre essa problemática pode ser encontrada em Sigaud (1999).
  • 20
    Honneth (2003) considera as lutas pelo reconhecimento referenciadas no amor, direito e estima indissociáveis da força moral. Recorrendo a conhecimentos de psicologia, antropologia e sociologia verifica o autor os conflitos inseridos não só na distribuição de bens materiais, mas na luta pela dignidade humana que implica reconhecimento da diversidade e valorização das multiplicidades culturais.
  • 21
    O artigo 299 do Código Eleitoral define como crime eleitoral: "dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita".
  • 22
    Do ponto de vista histórico, as práticas eleitorais podem ser divididas em dois grandes períodos. O primeiro, predominante no século XVIII e início do século XIX, caracterizava-se pela ameaça física aos eleitores. A falta de liberdade dos eleitores, a possibilidade potencial de uso da violência e a alteração de resultados eleitorais caracterizavam o voto como imposição do poder oligárquico. Nesse período, não havia a barganha do eleitor pelo simples fato de não existirem "partes livres".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      28 Ago 2011
    • Aceito
      15 Jan 2012
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