Resumos
Neste trabalho, objetivou-se estabelecer o perfil dos incêndios florestais ocorridos no Parque Nacional da serra da Canastra, utilizando dados contidos nos Relatórios de Ocorrências de Incêndios de 1988 até 2008, cedidos pela unidade de conservação. Foram registradas 219 ocorrências, totalizando 415572,50 ha de área queimada, com média de 10,43 incêndios e 19789,17 ha queimados por ano. Em relação à área queimada, os incêndios causados por incendiários apresentaram o maior valor, seguido por queimas para limpeza de pastagens, raios e causa desconhecida. Considerando-se número de ocorrências, os incêndios decorrentes de raios apresentaram a maior frequência. Nos meses de setembro e agosto predominaram os incêndios causados por incendiários e de causa desconhecida, enquanto os incêndios naturais ocorreram principalmente nos meses de outubro e fevereiro e os decorrentes da queima para limpeza de pastagens se concentraram em julho. Os incêndios que atingiram maiores áreas foram observados em locais com maior declividade, enquanto os de menores proporções ocorreram em áreas planas e ou de relevos suaves. Quanto à localização, registrou-se o maior número de focos na área regularizada do parque, provavelmente por ser esta área a mais fiscalizada.
Unidade de conservação; estatísticas de incêndio; manejo
This study characterized the forest fires in the Serra da Canastra National Park, Minas Gerais, Brazil. The data basis were the records of fire occurrence in 1988-2008 period. The results showed that 219 fires were recorded, burning 415,572.50 ha. In the average, 10.43 fires occurred per year, resulting in 19,789.17 ha burned. Incendiaries caused largest fires regarding the affected area, followed by fires caused by debris burning and lighting, that is first in number of occurrences. Fires caused by incendiaries and the unknown causes were more frequent in August and September. Fires caused by lightings occurred mainly in October and February, and those associated to debris burning were concentrated in the month of July. The largest fires occurred in areas with steep slopes, while the fires smaller than 4.0 ha, occurred in flat or smooth areas. Most of fires that occurred during the study period burned up to 200.000 ha and the larger fires occurred in the park region where the IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável) already has the ownership or land control. These fires were possibly caused by incendiaries.
Conservation units; fire statistics; management
Avaliação dos incêndios florestais ocorridos no Parque Nacional da Serra da Canastra - Minas Gerais
Avaliation of forest fire occurrence in the Serra da Canastra National Park - Minas Gerais, Brazil
Simone Rodrigues de MagalhãesI; Gumercindo Souza LimaII; Guido Assunção RibeiroIII
IEngenheira Florestal, Doutoranda em Recursos Florestais - Universidade de São Paulo - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" - Av. Pádua Dias, 11 - 13418-900 - Piracicaba, SP - simone.magalhaes@ufv.br
IIEngenheiro Florestal, Professor Dr. em Ciência Florestal - Departamento de Engenharia Florestal - Universidade Federal de Viçosa - Av. PH Rolfs s/n,Centro - 36570-000 - Viçosa, MG - gslima@ufv.br
IIIEngenheiro Florestal, Professor Dr. em Engenharia Florestal - Departamento de Engenharia Florestal - Universidade Federal de Viçosa - Av. PH Rolfs s/n, Centro - 36570-000 - Viçosa, MG - gribeiro@ufv.br
RESUMO
Neste trabalho, objetivou-se estabelecer o perfil dos incêndios florestais ocorridos no Parque Nacional da serra da Canastra, utilizando dados contidos nos Relatórios de Ocorrências de Incêndios de 1988 até 2008, cedidos pela unidade de conservação. Foram registradas 219 ocorrências, totalizando 415572,50 ha de área queimada, com média de 10,43 incêndios e 19789,17 ha queimados por ano. Em relação à área queimada, os incêndios causados por incendiários apresentaram o maior valor, seguido por queimas para limpeza de pastagens, raios e causa desconhecida. Considerando-se número de ocorrências, os incêndios decorrentes de raios apresentaram a maior frequência. Nos meses de setembro e agosto predominaram os incêndios causados por incendiários e de causa desconhecida, enquanto os incêndios naturais ocorreram principalmente nos meses de outubro e fevereiro e os decorrentes da queima para limpeza de pastagens se concentraram em julho. Os incêndios que atingiram maiores áreas foram observados em locais com maior declividade, enquanto os de menores proporções ocorreram em áreas planas e ou de relevos suaves. Quanto à localização, registrou-se o maior número de focos na área regularizada do parque, provavelmente por ser esta área a mais fiscalizada.
Palavras-chave: Unidade de conservação, estatísticas de incêndio, manejo.
ABSTRACT
This study characterized the forest fires in the Serra da Canastra National Park, Minas Gerais, Brazil. The data basis were the records of fire occurrence in 1988-2008 period. The results showed that 219 fires were recorded, burning 415,572.50 ha. In the average, 10.43 fires occurred per year, resulting in 19,789.17 ha burned. Incendiaries caused largest fires regarding the affected area, followed by fires caused by debris burning and lighting, that is first in number of occurrences. Fires caused by incendiaries and the unknown causes were more frequent in August and September. Fires caused by lightings occurred mainly in October and February, and those associated to debris burning were concentrated in the month of July. The largest fires occurred in areas with steep slopes, while the fires smaller than 4.0 ha, occurred in flat or smooth areas. Most of fires that occurred during the study period burned up to 200.000 ha and the larger fires occurred in the park region where the IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável) already has the ownership or land control. These fires were possibly caused by incendiaries.
Key words: Conservation units, fire statistics, management.
1 INTRODUÇÃO
Os incêndios florestais contribuem com a poluição atmosférica, com as mudanças climáticas e constituem um dos eventos mais danosos a alguns ecossistemas. No cerrado brasileiro, a ocorrência de fogo é um fenômeno antigo (FIEDLER et al., 2004) e, embora o bioma seja relativamente adaptado ao fogo, a ocorrência de queimadas frequentes pode afetar negativamente o estabelecimento de árvores e arbustos (HOFFMANN; MOREIRA, 2002) e, consequentemente, modificar os processos evolutivos mantidos sob diferentes condições de fogo (WHELAN, 1995).
Anualmente, grandes áreas das Unidades de Conservação (UCs) são atingidas pelo fogo. Segundo Lima (2000), somente nas UCs do estado de Minas Gerais, cerca de 12.000,00 ha foram queimados em 1999. No cerrado, os incêndios foram relatados e analisados no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (FIEDLER et al., 2006), no Parque Nacional de Brasília (PEREIRA et al., 2004) e no Parque Nacional da Serra da Canastra (MEDEIROS; FIEDLER, 2004; RIBEIRO et al., 2002).
Para a definição de uma política de prevenção contra incêndios é fundamental conhecer quando, onde e por que eles ocorrem. O estabelecimento das épocas de maior incidência permite estruturar os programas de combate, enquanto que a localização das regiões atingidas auxilia no mapeamento de risco. Além disso, o conhecimento sobre as principais causas dos incêndios é estritamente necessário nos programas de prevenção, que visam a combater os focos a partir da redução das causas mais freqüentes (SOARES; SANTOS, 2002).
Visando a caracterizar a ocorrência de incêndios florestais no Parque Nacional da Serra da Canastra, Medeiros e Fiedler (2004) e Ribeiro et al. (2002) analisaram os Relatórios de Ocorrência de Incêndios Florestais (ROI), durante os períodos de 1987 a 2001 e 1988 a 1998, respectivamente. Medeiros e Fiedler (2004) observaram que 50% dos incêndios foram provocados por ações antrópicas. Desse percentual, cerca de 47% foram provocados por incendiários, 23% por queima de pastagens e 30% por causas não identificadas. Os incêndios provocados por raios representaram 47% das ocorrências e atingiram menores áreas, por sua ocorrência estar associada com as chuvas. De acordo com Ribeiro et al. (2002) a área queimada entre 1988 e 1998 totalizou 220.833,00 ha, o que representa uma média de 20,076 ha/ano. Ainda segundo os mesmos autores, as ocorrências se deram principalmente no fim de semana e o tempo médio para o primeiro ataque foi de 4,7 horas, concluindo que há necessidade de maior vigilância e aprimoramento das estratégias de combate do fogo.
Conduziu-se este trabalho, com os objetivos de atualizar as análises dos Relatórios de Ocorrência de Incêndios Florestais do Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC), uniformizando o padrão de análise para o período de 1988 a 2008.
2 MATERIAL E MÉTODOS
2.1 Caracterização da área de estudo
O Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC) foi criado em 1972 pelo Decreto n° 70.355 com a finalidade de proteger as nascentes e afluentes do rio São Francisco, bem como o ecossistema da região. O parque possui oficialmente 197.787,00 ha e destes, um total de 71.525,00 ha estão com situação fundiária regularizada (Chapadão da Canastra), enquanto que na área restante ainda encontram-se propriedades privadas (Chapadão da Babilônia) (INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL - IBAMA, 2005).
O PNSC está localizado na região sudoeste do estado de Minas Gerais, inserido no domínio fitogeográfico do Cerrado. Pela expansão agrícola e pecuária observam-se hoje apenas algumas manchas de florestas mesófilas, outras de cerrado e árvores isoladas em meio às pastagens (IBAMA, 2005).
O clima predominante no domínio do Cerrado é o tropical sazonal, de inverno seco, em que a temperatura média anual é em torno 22-23º C, as máximas podem chegar a mais de 40º C e as mínimas atingem valores próximos ou até abaixo de zero, nos meses de maio, junho e julho (IBAMA, 2005).
A precipitação média anual está entre 1.200 e 1.800 mm e apresenta uma grande estacionalidade (Figura 1). A região possui duas estações bem definidas, uma chuvosa concentrada entre nos meses de outubro a março, e a estação seca entre os meses de maio a setembro, período em que os índices pluviométricos podem chegar a zero (IBAMA, 2005).
2.2 Análise e coleta dos dados
O trabalho foi realizado com base nos Relatórios de Ocorrência de Incêndios (ROI's) coletados no período de 1988 a 2008, que se referem aos incêndios na área com situação fundiária regularizada e não regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC). Os dados obtidos até 2001 referem-se somente a área do Chapadão da Canastra (área regularizada), pois apenas em 2002 iniciou-se o combate aos incêndios ocorridos nas demais áreas do PNSC, com o consequente registro dos mesmos.
As variáveis utilizadas no estudo foram: área queimada, data da ocorrência, causa, coordenadas geográficas dos focos de calor e declividade do terreno, obtidas nos modelos recentes de ROI.
Os dados foram tabulados e analisados pela estatística descritiva. Para a interpretação da localidade de ocorrência dos incêndios florestais as coordenadas geográficas foram processadas pelo ArcView 3.1 e, por meio deste, os focos foram assinalados no mapa fornecido pelo IBAMA.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os anos com maior número de registros de incêndios foram 1993 e 2005 e, em termos de área queimada, o ano de 2006 se destacou por apresentar o maior valor (Tabela 1). O número de ocorrências manteve-se alto a partir de 2004, o que não permite afirmar que se tornaram mais frequentes, pois o aprimoramento das técnicas de combate pode ter aumentado o número de incêndios detectados.
A área queimada no PNSC é, em média, muito superior a de outras áreas protegidas no Brasil. No Brasil, a maior parte dos incêndios atinge entre um e quatro hectares (SOARES; SANTOS, 2002). Segundo esses autores, o estado de Minas Gerais, onde está localizado o PNSC, possui o maior número de ocorrências e a maior área queimada. Esse fato pode estar relacionado a uma estação seca prolongada que favorece a propagação do fogo, o que sugere que as ações de prevenção e combate devem ser intensificadas nesse período.
A principal causa dos incêndios florestais no PNSC, em relação à área queimada, foram os incendiários, seguida pelos raios, queimadas para limpeza de pastagem e, por último, as de causa não identificadas (Tabela 2). Considerando-se o número de ocorrências, os incêndios decorrentes de raios ficaram em primeiro lugar, seguidos dos incendiários. No Parque Nacional das Emas, França et al. (2007), registraram que os incêndios foram causados principalmente por raios, enquanto, Fiedler et al. (2006) observaram que a maioria das ocorrências no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros foi de origem criminosa e desconhecida, enquanto os de causa natural (raios) e queima para renovação de pastagem apareceram em menor escala. No entorno do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, as queimas para agropecuária e limpeza contribuem em maior escala para a origem dos incêndios florestais na região (BONFIM et al., 2003). Por outro lado, em florestas do campus da Universidade Federal de Lavras, Melo et al. (2004) observaram que a maioria dos incêndios foi causada por incendiários.
Embora os incêndios causados por raios tenham contribuído com apenas 12,41% da área queimada, eles foram responsáveis por 40,18% dos registros, o que evidencia que esses incêndios atingem menores proporções, em razão das chuvas simultâneas que favorecem a extinção dos focos, limitando-os a pequenas áreas (MEDEIROS; FIEDLER, 2004). No Parque Nacional das Emas, também localizado no domínio do cerrado, os incêndios causados por raios foram mais frequentes no período chuvoso, de setembro a fevereiro (FRANÇA et al., 2007; RAMOS-NETO, 2000). No PNSC esses incêndios foram registrados principalmente nos meses de outubro e fevereiro (Figura 2b), o que coincide com o início e o final do período chuvoso, época na qual o volume de chuvas é menor e, por isso, existe maior probabilidade das descargas elétricas darem origem aos incêndios.
Os incêndios de causa criminosa ocorreram principalmente em agosto e setembro (Figura 2a), da mesma forma que os de causa desconhecida (Figura 2d), o que pode sugerir que grande parte deles é criminosa. Pela complexidade de razões que levam o indivíduo a provocar um incêndio de forma intencional (MEDEIROS; FIEDLER, 2004), torna-se difícil estabelecer os motivos de estes estarem concentrados em determinados meses. Nesse contexto, o levantamento dessas informações é útil no que diz respeito à época de se intensificar a fiscalização do parque.
Uma vez que os incêndios de origem criminosa têm grande impacto sobre o PNSC, pelas grandes extensões que atingem, é necessário o envolvimento das pessoas a fim de evitá-los. Uma forma de se realizar essa interação é pela educação ambiental que, segundo Freire (2002), é um processo de construção coletiva em que as transformações são válidas quando feitas pelas pessoas e não para as pessoas. De acordo com Bontempo (2006), a minoria dos visitantes do PNSC é de comunidades vizinhas, assim, percebe-se a necessidade de envolver e conscientizar a população do entorno, principalmente nos meses que antecedem o período crítico de ocorrência dessas queimas premeditadas.
No período seco e frio predominam os incêndios causados por queimas para limpeza de pastagem que escapam do controle (Figura 2c). Nessa época, os agricultores da região utilizam o fogo para renovação de pastagens (MEDEIROS; FIEDLER, 2004). Agrava-se, ainda, o fato de que grande parte da população não possui equipamentos adequados para a realização de queimadas, além de desconhecerem os horários favoráveis, o calendário de queima e as técnicas específicas de controle do fogo (MEDEIROS; FIEDLER, 2004). Assim, é necessário fornecer informações para que se possa utilizar o fogo de maneira racional, minimizando os efeitos negativos e otimizando os positivos, bem como conscientizar os usuários de que nem sempre se deve aplicar o fogo, propondo outras formas de manejo que sejam economicamente viáveis.
No que diz respeito ao comportamento dos incêndios florestais, a declividade é um fator importante na propagação, pois contribui para o pré-aquecimento dos materiais combustíveis (FREIRE, 2006), além de condicionar o aumento da velocidade e definir a direção do fogo (VENTURI; ANTUNES, 2007). No PNSC, os incêndios de menores proporções foram observados em áreas com menor declive, enquanto incêndios de maiores proporções ocorreram, principalmente, em áreas onduladas, acidentadas, montanhosas e vales, e apenas os que atingiram acima de 200,00 ha se propagaram pela escarpa ou paredão (Tabela 3). A declividade do terreno está diretamente relacionada ao risco de incêndio (RIBEIRO et al., 2008; VENTURI; ANTUNES, 2007), o que pode explicar os resultados obtidos no PNSC. Em adição a essa variável, podem-se correlacionar outras, como umidade relativa e vegetação, para a construção de um mapa de risco para a unidade de conservação.
No PNSC, foram detectados 110 focos de incêndio no período de 2002 a 2008, sendo que 52 ocorreram na área regularizada, 47 na área não regularizada e 11 na zona de amortecimento do Parque (Figura 3).
A área regularizada corresponde a aproximadamente 36% da área total da unidade de conservação e nela registraram-se 52 focos (47,27%), enquanto na área não regularizada (64%) registraram-se 47 focos (42,73%). Embora a área sob domínio do IBAMA seja quase metade da área não regularizada, praticamente a metade dos incêndios foi registrada nesse local. Segundo funcionários do parque, o combate é realizado de forma efetiva apenas na área regularizada, pois existe dificuldade de acesso e detecção dos focos de incêndio, bem como falta de cooperação dos fazendeiros no combate aos incêndios, na área com situação fundiária não regularizada, o que pode explicar os resultados obtidos.
4 CONCLUSÕES
As ações de prevenção e combate aos incêndios no parque devem ser intensificadas, uma vez que foram observadas grandes áreas queimadas.
Maior número de ocorrências não significa necessariamente maior quantidade de área queimada.
O grande número de incêndios causados por incendiários pode evidenciar os conflitos existentes na região desde a criação do parque.
A maior quantidade de área queimada registrada pelos incêndios causados por incendiários pode ser explicada pela imprevisibilidade desse tipo de causa.
5 REFERÊNCIAS
Recebido: 15 de março de 2010;
Aceito: 28 de outubro de 2011
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Abr 2013 -
Data do Fascículo
Mar 2012
Histórico
-
Recebido
15 Mar 2010 -
Aceito
28 Out 2011