Open-access Apresentação

Os artigos aqui reunidos, apresentados no seminário Repensando Gênero e Feminismos, refletem o espírito que tem permeado o Pagu ao longo dos últimos 20 anos e mostram marcas de um pensamento inovador nas diferentes linhas de pesquisa desenvolvidas no Núcleo. Esse pensamento foi se expressando na articulação entre a incorporação de novas problemáticas de pesquisa, a formulação de perguntas inovadoras e o deslocamento nos marcos de análise. Informada por um espírito feminista crítico, essa articulação tem conduzido à produção de um valioso conhecimento, situado, desde o “Sul”, que pode e deve dialogar em estatuto de igualdade com a de outras regiões do mundo. Esse espírito tem levado nossas pesquisadoras e pesquisadores a estabelecer estreitas relações com movimentos sociais e à interação com diversas instâncias governamentais, de modo a subsidiar a formulação de políticas públicas no Brasil.

Levando em conta esse compromisso político, iniciamos o seminário com duas mesas redondas sobre feminismos, materializando outro aspecto do espírito do Pagu: a especial atenção concedida às jovens gerações, investindo na formação de pesquisadora/es e na “reposição geracional” – é justamente esse investimento que nos possibilitou juntar feministas experientes e jovens feministas.

Nessas mesas foram levantados sérios questionamentos sobre o não acolhimento, por parte do Estado brasileiro, de demandas históricas e centrais para o feminismo como o direito ao aborto. A essa problematização somaram-se leituras sobre os “novos feminismos” e percepções críticas sobre setores do movimento que excluem as vozes de algumas mulheres. Esses questionamentos adquirem especial valor levando em conta as trajetórias das acadêmicas feministas que integraram essas mesas, voltadas para o trabalho com mulheres indígenas na América Latina; migrantes na Espanha; saharauis; mulheres em prisões; prostitutas. Vale observar que, nesse percurso, várias das participantes promoveram a articulação entre movimento feminista e prostitutas, uma aproximação ainda pouco frequente no Brasil, que contribui para o deslocamento de mulheres marginalizadas no espaço político. Não é possível nomear as contribuições de todos/as os/as participantes, mas destacamos como essa articulação entre espírito crítico, pensamento inovador e compromisso político esteve presente de diferentes maneiras nas diversas mesas redondas.

Durante o seminário foram levantados sérios questionamentos às perspectivas que apagam as diversas dimensões presentes nos intercâmbios sexuais, econômicos e afetivos, considerando-os inerentemente violentos e vinculáveis ao tráfico de pessoas, quando envolvem pessoas de regiões pobres do mundo, racializadas e sexualizadas. E foram problematizados, de maneira vigorosa, os efeitos da expansão das ideias presentes nos regimes transnacionais de tráfico de pessoas, destacando como eles desviam a atenção dos aspectos que geram pobreza e violência na economia global, e como esses regimes, no caso do Brasil, debilitam causas históricas dos movimentos sociais.

No país, os estudos sobre gênero e mídia ainda são escassos, mas eles constituem uma área de pesquisa significativa no Pagu. No seminário, diversos trabalhos mostraram, de maneira criativa, como as articulações entre categorias de diferenciação (gênero, sexualidade, nacionalidade, “raça”, etnicidade) são acionadas em diversas mídias. Às vezes, essas intersecções permeiam processos de racialização e sexualização que contribuem na produção de desigualdades. Outras vezes, mídias como a internet propiciam encontros sexuais, relacionamentos estáveis e até casamentos e, nesses casos, contribuem no acionamento estratégico de diferenças que possibilitam a realização de projetos pessoais. Esses trabalhos mostraram como as mídias podem abrir espaços de agência e, ao mesmo tempo, podem ser utilizadas com interesses políticos diversos e até opostos.

Os trabalhos apresentados nas mesas redondas também nos ofereceram valiosas reflexões sobre as re-configurações das convenções de gênero e sexualidade, considerando as articulações entre prazer e perigo. No âmbito de reflexões críticas sobre a relação entre ciência e política, chamaram a atenção para como nossa produção é forçada a enfrentar termos que foram incorporados como categorias nativas no debate público, por exemplo, consentimento e vulnerabilidade. E também chamaram a atenção para a necessidade de refletir sobre como nossos trabalhos vêm sendo incorporados (e re-significados) em diversos âmbitos públicos, muitas vezes de maneira que nos espanta.

Os textos apresentados também nos brindaram com reflexões sobre as contribuições dos estudos feministas interseccionais e pós-coloniais nos estudos sobre gênero, ciência e tecnologia. Paralelamente, eles colocaram importantes críticas aos processos de internacionalização acadêmica e observações sobre a necessidade de fortalecimento da integração latino-americana. Além disso, levantaram novas questões em termos de ciência e tecnologia, sobre como pensar o sexismo na produção científica, considerando as articulações entre gênero, sexualidade e raça.

Nesse seminário, vários trabalhos1 apresentaram um panorama extraordinariamente interessante sobre diversas dimensões de cuidado em diferentes países – uma das novas linhas de pesquisa do Pagu. Também foi relevante o questionamento crítico sobre a localização das cuidadoras, muitas vezes migrantes, na economia global; sobre as políticas mediante as quais alguns governos pretendem deslocar as atividades de cuidado, realocando-as novamente nas famílias e principalmente nas mulheres, e sobre as percepções dos beneficiários de políticas públicas no Brasil.

As questões fundamentais sobre gênero nas relações de trabalho apontam para a renovação que se produz, nesses estudos, com a introdução do conceito de gênero, mas também destacando os aspectos que ainda precisam ser incorporados para alcançar uma plena compreensão de como a articulação com outras categorias de diferenciação opera no âmbito dessas relações.

Reiteramos as palavras de Antonia Pedroso de Lima, LONGA VIDA AO PAGU!, integrando nossa/os alunos e nossa/os jovens pesquisadora/es nesse desejo. Deles dependerá que o Pagu possa realizar no futuro outras festas, celebrando 30, 40, e muitos anos mais.

Adriana Piscitelli
Iara Beleli

  • 1
    Artigos escritos a partir desses trabalhos foram publicados na edição 46 da revista cadernos pagu.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016
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Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Núcleo de Estudos de Gênero - PAGU Rua: Cora Coralina, 100., Cidade Universitária Zeferino Vaz, CEP: 13083-869, Telefone: (55 19) 3521-7873 - Campinas - SP - Brazil
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