Resumo
Feministas estadunidenses nos anos 1990, preocupadas com a natureza mutável do Estado-nação em relação aos processos globais, dirigiram suas pesquisas não somente às estruturas econômicas, mas também às estruturas transnacionais que respondiam à rápida e dispersa zona de contato e encontros que traziam pessoas para um contato íntimo. Estes casos através de fronteiras recusaram ver a globalização como uma nova formação, ao invés disso, argumentaram que continuava a manter, ou mesmo exacerbava, as relações coloniais de desigualdade, oferecendo novos e recicladas perspectivas para entender sexualidade, amor e intimidade. O Estado-nação, contudo, não tem diminuído, mas simplesmente mudado o seu papel para apoiar a reestruturação capitalista e de lucro através das fronteiras, ao mesmo tempo que monitora, de perto, como os corpos se movem através dessas fronteiras.
Intimidade transnacional; Sexualidade; América Latina
Abstract
U.S. feminist scholarship during the 1990s, concerned with the changing nature of the nation-state in relation to global processes addressed not solely economic structures, but also transnational frameworks that attended to the encounters that bring people into intimate contact. These cross-border accounts refused to see globalization as a new formation, but rather argued that it continued and exacerbated colonial inequalities, offering new and recycled vistas for understanding sexuality, love and intimacy. The nation-state, however, has not waned, but merely shifted its role to support capital restructuring and profit motives across borders, while monitoring more severely how bodies move across borders.
Transnational Intimacy; Sexuality; Latin America
Feministas estadunidenses nos anos 1990, preocupadas com a natureza mutável do Estado-nação em relação aos processos globais, dirigiram suas pesquisas não somente às estruturas econômicas, mas também às estruturas transnacionais que respondiam à rápida e dispersa zona de contato e encontros que traziam pessoas para um contato íntimo. Estes casos através de fronteiras recusaram ver a globalização como uma nova formação, ao invés disso, argumentaram que continuava a manter, ou mesmo exacerbava, as relações coloniais de desigualdade, oferecendo novos e recicladas perspectivas para entender sexualidade, amor e intimidade. Assim como navios a vapor, trens e telégrafos integraram pessoas e regiões distantes no final do século XIX, hoje, do mesmo modo, grandes padrões de migração, assim como tecnologias como a mídia e a internet fazem as fronteiras serem irrelevantes, com pessoas em movimento e vagando no imaginário, trazendo as pessoas para uma íntima convivência com outros corpos e estilos de vida ao redor do mundo.
O Estado-nação, contudo, não tem diminuído, mas simplesmente mudado o seu papel para apoiar a reestruturação capitalista e de lucro através das fronteiras, ao mesmo tempo que monitora, de perto, como os corpos se movem através dessas fronteiras. Turismo sexual, pornografia online, entretenimento erótico e agências de casamento proliferam, colocando em conjunção íntima aqueles que têm acesso às tecnologias da mobilidade (internet, vistos, e uma moeda forte) e aqueles que a própria sobrevivência depende de servir esses desejos. Assim, as desigualdades globais na atualidade, filtradas através de relações de produção e consumo, mantêm legados de colonialismo, especialmente noções de diferença (sexual). Essas trocas podem ter uma gama de efeitos positivos e prejudiciais, incluindo a proliferação de mercados sexuais, a construção de novas estruturas de parentesco e, muitas vezes, estratégias de trabalho precárias através de vastas regiões geográficas, colocando as pessoas em movimento em busca de novas vidas e prazeres em todo o globo.
Imaginário colonial
A globalização é um fenômeno antigo. Com a invenção do navio a vapor, junto com economias à deriva através da Europa, colonos viajaram para a Ásia, África e as Américas em busca de novas rotas de troca, riquezas e aventuras. Comércio e sexualidade vieram junto nessas esferas de troca, ou zonas de contato, conduzindo à violência, mesmo batalhas mortais, mas também à trocas íntimas e novas configurações familiares. O termo conquista, ou a subjugação do outro, foi expressado através da dominação sexual do território fértil, ou da penetração do corpo da mulher. Assim, esses momentos de contato trouxeram pessoas, trocas econômicas e fantasias do outro, para formar novas produções de conhecimento e blocos de poder.
O contato com o “outro” instituiu percepções de diferença, especialmente o senso europeu de si mesmo como moderno, ao se opor ao tradicional, primitivo e altamente sexualizado outro. Fantasias coloniais das terras e pessoas “exóticas” que eles encontraram foram documentadas em livros de viagens, diários escritos por viajantes europeus e monges, como também por imagens que confirmavam a distância europeia da periferia colonizada. Essas representações fictícias do outro criaram o que Edward Said (1979) chamou de orientalismo, uma imagem erotizada, na qual euro-americanos inventaram e projetaram noções de excesso sexual nas terras inexploradas e nos incompreendidos corpos das pessoas encontradas. A exuberante sexualidade dos “nativos” como um fato natural, cultural e biológico, ganhou impulso ao final do século XIX moldando ascensão da Antropologia, Biologia e outras ciências euro-americanos. A pressuposição de que a cultura nativa era mais primitiva, ou menos desenvolvida do que a dos colonialistas, fez cientistas irem ao “Novo Mundo”, no começo do século XIX, em busca de artefatos que eles pudessem trazer para as colônias – plantas, ossos, e mesmo pessoas, como a africana do grupo étnico Khoisan, Sara Baartman (popularmente conhecida como Vénus Hotentote). A fascinação europeia com a diferença se provou lucrativa, no caso de Sara, com seu corpo nu regularmente exibido na Inglaterra e França, como mostra viva dos excessos sexuais das colônias em contraste com a Europa civilizada. A cor de pele negra e a sexualidade primitiva tornaram-se sinônimos inseparáveis, revivendo uma fantasia colonial que justificava os tratamentos desumanos de escravos negros trazidos para as Américas, um recurso natural a ser explorado para obter grandes lucros aos proprietários de terra.
No meu livro Love and Empire [Amor e Império, 2013] argumento que na América Latina a associação entre amor abundante e paixão sensual continua a estruturar oportunidades generificadas, mobilidade e cidadania. Mais de 200 sites de agências de casamento internacional (IMB) anunciam romance e casamentos entre homens estadunidenses e mulheres latino-americanas, atraindo homens com fotos de jovens mulheres em trajes de banho mínimos, tiradas em paisagens tropicais luxuriantes, lançando olhares lascivos para o espectador. Corpos femininos têm figurado ao longo da história como uma força sedutora de comércio regional e nacional, incitando investidores e viajantes desde os tempos coloniais, passando pelas brochuras de turismo, até os dias de hoje, nos sites de casamento na internet.
A indústria do cibercasamento criou raízes no México, Colômbia, Rússia e vários países da Ásia no final dos anos 90, período de consideráveis transformações sociais e econômicas globais. A crise econômica no México e outros países da América Latina no final dos anos 80 levou à liberalização do “mercado livre”, com a aprovação do NAFTA em 1994 e o aumento da troca comercial entre Estados Unidos e Colômbia.1 Isso acarretou uma maior dependência em relação a empréstimos estrangeiros, negócios, turismo e trocas, como um meio de resolver seus problemas econômicos. Além disso, a abertura da América Latina para o comércio internacional ocorreu em um momento que os Estados Unidos aprovaram uma legislação draconiana, erguendo muros e aumentando o número de guardas e câmeras de segurança, visando diminuir a imigração ilegal nos locais de maior passagem para o país.2 Indústrias de cibercasamento estadunidenses lançaram seus encontros na América Latina em 1996, momento em que as tecnologias da internet transformaram as comunicações, compartilhamento de informações e intimidade através de fronteiras (que de outras formas eram difíceis de atravessar). Certamente, romances baseados na internet não são algo inteiramente novo. Anúncios de jornal ajudavam as mulheres da elite mexicana na busca por empresários e diplomatas estadunidenses que viviam na Cidade do México desde, ao menos, o final dos anos 1930 ou o começo dos anos 1940, quando o presidente Roosevelt promoveu bons sentimentos, turismo e relações de negócios entre os Estados Unidos e a América Latina através de uma série de intercâmbios culturais destinados a promover sua “Política de Boa Vizinhança”. Mesmo hoje, com a internet aumentando seu alcance para uma clientela mais diversa e intermediando o contato através de uma variedade de opções, agências de casamento da internet (IMBs) continuam a comercializar a boa vontade internacional através da lógica liberal do mercado livre e de trocas igualitárias, redirecionando estratégias pessoais do Estado para o mercado, da nação para o estrangeiro. Essas táticas de autogovernamentabilidade e expressão dos participantes como atores do mercado livre justifica uma investigação crítica dos contornos neoliberais que guiam essas intimidades virtuais.
Em especial, o marketing global de mulheres em sites de cibercasamento copia seu estilo do turismo latino-americano e de campanhas de investimento, em particular a mais recente comercialização de um dos melhores recursos da Colômbia, intitulado “Colombia is Passion” [Colômbia é Paixão]. Tendo por objetivo melhorar sua imagem global, a Colômbia exporta uma imagem respeitável de classe média sobre a força de trabalho generificada da nação por meio de uma campanha de vídeo, retratando casais de pele clara, sedutoras rainhas de beleza, uma mulher bem-vestida falando nos fones de ouvido de uma empresa e a ginga ardente dos quadris da cantora de pop Shakira pelo mundo. O marketing da paixão dos cidadãos colombianos, feita pelo Estado para cortejar investidores estrangeiros, naturaliza as trocas românticas heterossexuais, fazendo o patriótico apelo ao casamento estrangeiro como uma rota viável à felicidade, também abrindo novas possibilidades para mulheres investirem nelas mesmas e em seus futuros. De fato, várias das mulheres que conheci em uma “Vacation Romance Tour” [Excursão de Férias Românticas] em Cali, Colômbia, me explicaram seu desejo de melhorar e embelezar seus corpos por meio de cirurgias estéticas. Essas imagens e atos de conversão (passionais) transformam o corpo e a nação em uma superfície moral e também produtiva, ao mesmo tempo em que o corpo se torna um instrumento maleável para as mulheres se remodelarem, um recurso natural que, com investimento apropriado de capital, vai lhes render a possibilidade de um casamento estrangeiro, mobilidade social e/ou melhores oportunidades em suas vidas.
Em uma tentativa de entender os complexos emaranhados do desejo na indústria do cibercasamento, tive de lidar com a interconexão entre intimidade, capital global e regulação estatal das fronteiras dos Estados Unidos, México e Colômbia. Isso me levou a uma abordagem feminista transnacional que poderia levar em conta as heranças coloniais que privilegiam os contornos raciais e sexuais do desejo através das fronteiras, e também a cumplicidade e tensões entre os Estados-nação e corporações transnacionais.
Minha abordagem foi influenciada por M. Jacqui Alexander, especialmente seu artigo, “Not Just (Any) Body Can be a Citizen” [Nem (Todos) os Corpos Podem Ser Cidadãos, 1994]. Alexander situa seu trabalho em uma perspectiva transnacional que não homogeniza o Ocidente ou o Não Ocidente; ao invés disso, ela situa os processos contemporâneos transnacionais dentro da governamentabilidade colonial da sexualidade. A autora ilumina a tensão entre as identidades nacionais e processos transnacionais. O artigo justapõe os modos que Trinidad e Tobago e as Bahamas capitalizam em fantasias coloniais de sexualidades exóticas e raciais para atrair investimentos estrangeiros, em um período que a legislação passa projetos designados a proteger as mulheres da violência doméstica, reforçando o casamento heterossexual, ao mesmo tempo que criminaliza a sexualidade e intimidade homossexual. Como ela argumenta, o Estado nacionalista usa a sexualidade para trazer investimentos estrangeiros, enquanto culpa a decadência sexual (a sexualidade homossexual não reprodutora e a prostituição) pelo colapso da nação (Alexander, 1994:6).
Essas tensões levam-na de volta ao período colonial, onde a respeitabilidade da classe média emergia como uma resposta nacionalista à dominação colonial e à economia escrava da plantation, cujas sexualidades desviantes eram relegadas à criminalidade. Aqui uma lente transnacional, uma que olhe para a emergência colonial do transnacionalismo, resiste à visão da heterossexualidade como algo natural, imposto pela ordem sexual do domínio colonial, nacionalismo e a atual reestruturação econômica do Estado-nação que, por sua vez, é dependente de corporações multinacionais e turismo. Essas fantasias coloniais, combinadas com a reestruturação econômica, contribuíram para a explosão do turismo sexual, mercados de casamento e trabalhos globais de migrantes baseados em estereótipos, especialmente trabalhos femininos com os atributos naturais das mulheres: cuidado, afeto e sexualidade erótica.
Turismo sexual
Durante o declínio econômico dos anos 1980 e 1990, vários países em desenvolvimento se voltaram para as indústrias do turismo em busca de melhorias, liderando a “abertura” de economias nacionais para empréstimos internacionais como os SAPs (Programas de Ajuste Estrutural). De acordo com estes programas, Estados podem receber empréstimos desde que concordem e mantenham regulações rigorosas, incluindo cortes em gastos sociais e a desvalorização da moeda nacional para atrair empresas estrangeiras. Com economias comunistas e socialistas se abrindo ao “mercado livre”, em que a escolha individual é proclamada, mais pessoas descobriram o estilo euro-americano de viver, que polariza ricos e pobres. Isso aumentou consideravelmente a “escolha” das mulheres de trabalhar no comércio sexual – o que enviou milhares de mulheres com poucas chances de salários de antigas Repúblicas Soviéticas para países euro-americanos. Além disso, regiões e países com um rápido crescimento em turismo, migrantes e bolsões de riqueza – como Dubai, Espanha, Japão, Brasil e Colômbia - são destinos atraentes para migrantes trabalhando nas indústrias sexuais e do entretenimento. Enquanto hoje corporações transnacionais, trabalhadores com altas rendas e viajantes mantêm essa economia lucrativa, economias de turismo sexual em países asiáticos como a Tailândia e o Vietnã também acompanham a expansão de bases militares, onde bordéis e bares contratam milhares de mulheres para atender aos desejos sexuais de soldados estadunidenses.
Dado o deslocamento dos ofícios tradicionais como agricultura e a produção em fábricas, países como o México, Filipinas e Índia sofrem um grande êxodo e suas populações são forçadas a entrar em economias sexuais informais, onde pessoas às margens de novos mercados de trabalho capitalizam em circuitos turísticos e apetites altamente dependentes da imaginada associação com a intimidade sexual. Dificilmente um aspecto natural da predisposição de certos grupos, os benefícios econômicos do turismo sexual normalmente superam os perigos e riscos dessa forma de trabalho, visto que as indústrias sexuais trazem ganhos de três a vinte e cinco vezes superiores aos possíveis no mercado de trabalho local. E dada a migração primariamente de homens antes dos anos 1980, mulheres ficaram para trás tomando conta de suas famílias, contribuindo para o seu deslocamento de zonas rurais aos centros urbanos ou através de fronteiras para trabalhar nas indústrias sexuais. Ainda assim, esta não é uma indústria somente para mulheres, ou mesmo limitada a relações heterossexuais, mas expandida pela Internet a outros nichos de marketing do comércio sexual.
Os sites de internet fazem propaganda de regiões amigáveis à viajantes gays e lésbicas em busca de experiências de libertação sexual, ou encontros sexuais menos inibidos, em adição ao elevado senso de si próprios como consumidores com um maior poder aquisitivo. Fantasias sexuais euro-americanas de liberdade podem, ironicamente, limitar alguns trabalhadores sexuais a performar sua sexualidade dentro das expectativas euro-americanas (Cantú et alii., 2009). Além disso, antropólogos descobriram as consequências locais das economias sexuais e tensões entre o imaginário euro-americano e os efeitos materiais dessas fantasias. Essas fantasias sexuais reorganizam geografias e migrações laborais, por vezes, com resultados positivos, como a geração de novos centros urbanos para a expressão pública de culturas homossexuais (Cantú et alii., 2009). Em outros locais, o turismo sexual pode negativamente deslocar moradores, por empresas estrangeiras que visam o lucro a qualquer custo, empurrando para longe os negócios e os mercados de trabalho locais (Brennan, 2004).
Essas indústrias não são somente para os turistas homens, com novos turistas surgindo, baseado nas fantasias sexuais de mulheres euro-americanas em busca de encontros passionais com jovens homens negros em zonas do Caribe. Essas trocas, rotuladas como Turismo Romântico, obscurecem a natureza sexual da troca através da repetição como interlúdios românticos que frequentemente incluem sexo (Pruitt; LaFont, 1995). O pagamento pelas trocas sexuais pode não ser limitado às trocas monetárias, como parte do atrativo do comércio sexual, para muitos, ele deve incluir trocas românticas, como ir a restaurantes caros ou trocar presentes. O fato de essas intimidades transcenderem a estrita troca de serviços sexuais por dinheiro permite aos turistas imaginá-las como autênticas, apagando o contexto econômico que fazem essas trocas tão desejáveis para os locais. Desse modo, turistas ou locais podem não identificar seus atos como parte de uma troca sexual.
Existem dois debates teóricos forjando novas ideias sobre sexo e amor dentro da economia política global. O primeiro busca separar o debate sobre o comércio sexual daquele sobre prostituição, que tende a focar no caráter moral de compradores e vendedores, para uma compreensão do sexo como uma forma de trabalho. A mudança é importante dado que essas formas de trabalho e troca podem prover um caminho necessário para a sobrevivência. Debates se centram na necessidade de acabar com a prostituição caracterizada como uma ameaça moral para o tecido social, especialmente por contaminar sentimentos privados com relações comerciais. A troca de sexo por dinheiro é convencionalmente colocada em oposição a outras relações mais duradouras e autênticas. Assim, renomear a prostituição como trabalho sexual é uma tentativa de redirecionar o debate: da moralidade para contextos da economia política do lucro, prazer e trabalho, que moldam como e porquê o trabalho sexual se torna necessário e desejado. Alguns acadêmicos se recusam a advogar pela abolição de uma indústria da qual muitos dependem e, ao contrário, argumentam pela necessidade de maior regulamentação e melhores condições de trabalho (Kempadoo; Doezema, 1998). Em vez de focar no comportamento imoral, pesquisadores situam a indústria do sexo como mais uma indústria que reside ao lado de outras na economia capitalista.
O segundo debate aborda a necessidade de reconceituar as perspectivas filosóficas euro-americanas sobre amor, como a suposição de que o amor autêntico e o sexo devem ser livres das trocas econômicas, sendo puramente altruístas (Zelizer, 2005). Crenças euro-americanas em amor verdadeiro e sexo tendem a polarizar o íntimo e o econômico, em modos que nos impedem de enxergar como as intimidades sexuais tomam forma em relação a circuitos de capital e comércio. O que faz essas formas de trocas capitalistas um debate dentro do contexto da globalização é a centralidade da crença na diferença, isto é, a pressuposição (colonial) de que homens e mulheres em países mais pobres são, naturalmente, menos materialistas e, por isso mesmo, mais inspirados pela paixão sexual e pelo amor. Esses imaginários dirigem as atenções de muitos turistas para locais não euro-americanos, buscando satisfazer os desejos por uma experiência sexual mais autêntica, onde paixão e conexões humanas, em vez de simples trocas econômicas, são abundantes. A separação entre paixão natural e relações baseadas na troca têm levado pesquisadores a dar ênfase ao contexto político e econômico, mesmo encontrando relações mais duradouras nos encontros mais comodificados (Bernstein, 2007). Estudiosos têm se questionado se as trocas sexuais entre euro-americanos e aqueles em países em desenvolvimento podem ser pensadas somente como uma forma de troca econômica, divorciada do contexto sociocultural da intimidade familiar e relações de parentesco (Cabezas, 2009).
De fato, algumas trocas sexuais, mesmo comodificadas, podem produzir interações profundamente íntimas e significativas, algumas das quais reforçam e expandem ligações de parentesco para incluir estrangeiros que anseiam por relações mais significativas. Por exemplo, o pagamento por encontros sexuais e/ou românticos podem levar à troca de somas mensais de dinheiro, que continuam a ser enviadas muito tempo após as interações. Alguns homens euro-americanos continuam a enviar dinheiro às mulheres para emergências familiares, a educação de um irmão, ou para ajudar nas despesas diárias da família. Desse modo, expandindo o papel do turista sexual como um simples consumidor para o de família extensa. Esses relatos etnográficos mudam os significados das trocas sexuais, da visão de um mercado de trocas, para o de um local que inclui os turistas na família e arranjos de parentesco. Eric Lorraine Williams argumenta que existem “relações ambíguas” entre turistas ocidentais e mulheres brasileiras na Bahia, tornando a separação entre a economia e desejos íntimos algo difícil de dissociar. Outros acreditam que a troca de dinheiro, bens e vistos para estrangeiro, é parte de uma abordagem estratégica para a expressão de amor e sexo (Brennan, 2004), enquanto outros argumentam que a troca de sexo ou intimidade por bens e dinheiro pode talvez aumentar os sentimentos de amor (Parreñas, 2011).
Estados de migração sexualizados e generificados
Pesquisadoras feministas não têm somente seguido os movimentos transnacionais de migrantes através de fronteiras, mas gerado um reescalonamento de esferas antes pensadas como privadas e íntimas, opostas às econômicas e transnacionais. Ann Stoler (1995) nos dá um profundo senso dos investimentos da administração colonial nas esferas domésticas como um local crucial para o Estado regular raça, sexo e trabalho. Para outros pesquisadores, o trabalho doméstico e o trabalho de cuidado, como as babás, é um produto global que coloca em evidência o trabalho de migrantes feminilizadas para países como os Estados Unidos, Japão, Espanha, entre outros (Parreñas, 2001, 2011). Como as editoras do Global Woman [Mulheres Globais] argumentam, amor e cuidado são o novo ouro para a economia global, eles são recursos naturais rentáveis que nos lembram as rotas coloniais em correntes migratórias atuais (Hochschild, 2002:26). Não podemos perder de vista os consideráveis lucros produzidos pelo trabalho migrante de mulheres. Tampouco, não é uma coincidência que os países que enviam essas mulheres (Filipinas, México, países centro americanos, antigas colônias africanas, entre outros) são colônias e/ou lugares que os Estados Unidos compartilham uma relação militar. Além disso, existe uma intimidade implícita com raças e feminilidades “exóticas”. A ideia de que cuidadoras em um mercado global têm uma tendência para o amor e carinho coincide com a sua contratação de mulheres no primeiro mundo que buscam essas migrantes, expressando suas próprias habilidades para trabalhar fora da casa como uma liberação feminista. Então, abordagens feministas transnacionais problematizam a inquestionável localização da nação como uma fronteira que contém ideias feministas sobre liberdade, escolha e modernidade. Quem deve fazer o trabalho de manutenção da casa enquanto o primeiro mundo se liberta? E que papel o Estado joga ao recusar vistos de trabalho para babás e domésticas? O que mantém este trabalho como ilegal e, por consequência, suprime sua habilidade de organizar-se em sindicatos laborais e demandar um pagamento justo, férias, benefícios, entre outros?
Mais recentemente, pesquisadoras feministas e queer que estudam migração e diáspora também nos levaram a pensar criticamente sobre o papel do Estado na perpetuação de ideologias normativas ocidentais. Focando em populações não estadunidenses, acadêmicos questionam a naturalidade da heteronormatividade de gênero e sexualidade, abrindo espaço para novas e alternativas e epistemologias. Enquanto existe conflito sobre se o livro de Eithne Luibhéid, Entry Denied [Entrada negada, 2002] pode ser descrito como transnacional, por causa do seu foco nos Estados Unidos, o considero útil por interrogar a soberania nacional desse país. Trata-se de uma reflexão contingente sobre como determinar a entrada e cidadania apenas daqueles que imitam gênero, classe, raça e normas sexuais, criando um sistema de vigilância nas fronteiras para separar os bons sujeitos, dignos de inclusão nacional, daqueles que põem em risco a família heterossexual e as normas de gênero (prostitutas, mães solteiras, mulheres grávidas solteiras, trabalhadores chineses, entre outros). Para colocar de uma maneira mais simples, gênero, raça, classe e diferenças sexuais estão no centro das políticas e leis de imigração do Estado que determinam a elegibilidade para a entrada legal nos territórios estadunidenses. Um dos capítulos mais significativos, “Looking Like a Lesbian” [Parecendo uma Lésbica], olha para os “métodos científicos” usados pelos agentes de imigração para determinar se Queiroz é uma lésbica. Sua abordagem foca em documentos de arquivo estadunidenses e Luibhéid se recusa a responder se esta imigrante mexicana é ou não lésbica. Ao contrário, a autora questiona as estruturas de conhecimento ocidental que não consideram modos de expressar individualidades que excedam a categorização sexual. A autora se utiliza da abordagem genealógica de Foucault na História da Sexualidade (1990) para analisar as instituições, aparelhos visuais, disciplinas e práticas que produzem a sexualidade como uma “verdade”. Ao mesmo tempo, ela deixa espaço para expressões alternativas e práticas de gênero e sexualidade emergirem. O trabalho de Luibhéid nos trouxe a atenção para a violência da inclusão baseada em conformidades normativas com a intersecção heteronormativa das estruturas da família, patriarcado, supremacia branca [whiteness] e a sexualidade privada. No livro de Manalansan, Global Divas [Divas Globais, 2003], o autor utiliza epistemologias queer ocidentais em uma etnografia de migrantes filipinos. Centrando sua análise da sexualidade transnacional através de um trabalho etnográfico com migrantes filipinos nas Filipinas e nos Estados Unidos. Sua abordagem situa uma estrutura crítica a partir de uma localização geopolítica que compartilha um passado colonial com os Estados Unidos. O livro questiona construções da sexualidade queer moderna que dependem de convenções ocidentais da “narrativa de sair do armário”. Ele nos pede para dar atenção aos apagamentos “dos outros” quando a esquerda queer articula uma política radical que demanda falar a verdade sobre a alteridade sexual. Para os seus interlocutores Bakla3i, o silêncio não é o oposto em comparação aos atos de fala, mas um transnacional ou incomensurável momento entre bakla e queer. A dissonância entre imigrantes Bakla que devem permanecer em silêncio sobre a sua sexualidade abre uma discussão sobre a diferença que se relaciona com o poder do Estado, mas, também, com a exclusão da sexualidade moderna que emerge em contextos coloniais de outros sujeitos raciais e sexuais. Para migrantes sob o olhar do Estado, falar a verdade a respeito de sexualidades divergentes pode acabar em prisão, e/ou levar à deportação. Por essa e outras razões, sexualidade, de acordo com esses sujeitos, pode não ser o aspecto mais importante do que eles são. O autor também questiona a equação da libertação de deixar sua casa com a opressão de ficar nela. No livro de Manalansan, são os momentos de contradição que levam a uma abordagem transnacional produtiva, justamente por questionar os aspectos sedimentados das normas ocidentais.
Para aqueles que buscam agências de casamento internacional antes ou após as migrações, o desejo de um mundo sem fronteiras e as liberdades associadas com a mobilidade irrestrita é um aspecto sedutor do casamento internacional. Enquanto o comércio sexual através de fronteiras é altamente monitorado, amor e sexo no contexto do casamento promete uma rota moral para a mobilidade que, de outra forma, não estaria disponível para a maioria das pessoas com poucos recursos em países em desenvolvimento. Casamentos estrangeiros oferecem uma possibilidade atrativa para aqueles que querem migrar não somente como trabalhadores temporários, mas como residentes permanentes em um novo país, com a habilidade de ir e vir entre fronteiras. De fato, o desejo de mobilidade, vistos e melhores oportunidades é inseparável da direção dos casamentos internacionais. Trata-se do envio de artistas filipinas, domésticas e babás para a Itália e Japão; de trabalhadoras do sexo colombianas e migrantes com casamentos marcados para os Estados Unidos e Espanha; de homens de negócio e turistas para países da América Latina e Ásia – esses são exemplos de padrões de migração generificadas. Eles influenciam padrões de casamento entre pares com grandes diferenças em renda, barreiras linguísticas e culturais. Essas diferenças nem sempre resultam em condições de exploração, contudo, elas fazem parte da economia das trocas entre homens e mulheres. Por exemplo, o desejo global de intimidade por parte de homens euro-americanos está centrado em trocas iguais, bem como uma capacidade de salários maiores e a condução a uma vida melhor. Essa perspectiva produz formas familiares híbridas que recusam o binário tradicional e moderno (Schaeffer, 2013), contrastando efusivamente com a perspectiva de homens que buscam mulheres por seus valores de família tradicionais e elevada intimidade sexual.
Para aqueles que não querem migrar como mão de obra barata ou como indocumentados, e para homens euro-americanos que buscam uma alternativa para mulheres orientadas por suas carreiras, os sites de internet sobre casamentos têm aumentado exponencialmente. Eles fazem propagandas de mulheres da antiga União Soviética, Ásia, América Latina e mesmo de países africanos que estão em busca de romance e casamento com um homem estrangeiro (Constable, 2003; Johnson, 2007; Schaeffer, 2013). Facilitam a trajetória de casamentos, em países com histórias de trabalho migrante, colonização, bases militares e trocas comerciais, fenômenos como a circulação global de imagens do modo de vida euro-americano, migrantes retornando de vários países com dinheiro e bens, a facilidade das comunicações baseadas na internet e viagens.
Pesquisadores têm percebido como as conexões entre a troca de regimes políticos e mercados afetam ideias de amor, intimidade, casamento e romance. Menos analisado são como as expressões de intimidade, amor, sexualidade e família são transformadas por estruturas de governamentalidade. Em meu livro Love and Empire: Cybermarriage and Citizenship across the Americas [Amor e Império: Cibercasamentos e Cidadania Através das Américas], mulheres latino-americanas descrevem sua busca na internet por homens estrangeiros como um tortuoso caminho para realização pessoal. Elas agem como pessoas modernas que tomam o controle de suas vidas em vez de confiar no destino. Muitas mulheres reconheciam o potencial de sua atratividade sendo mais apaixonadas e devotadas para com suas famílias, em contraste com as mulheres ocidentais consideradas por homens como “egoístas” por deixar o lar e focar em suas carreiras. Não é coincidência que as leis de imigração estadunidenses exijam demonstrações de amor “verdadeiro” dos casais como indicador da inocência, ou do altruísmo frente aos potenciais benefícios econômicos da imigração e da obtenção da cidadania.
Enquanto os países latino-americanos reestruturam suas economias, buscando se tornar “democracias capitalistas”, eles tentam “limpar” sua imagem. No caso da Colômbia, o Estado atrai turistas e investidores através da campanha “Colômbia é Paixão”. Essa paixão é transnacionalizada como produto nacional através de um vídeo mostrando imagens de trabalhadores junto às terras férteis – enquanto elimina populações dissidentes ou simplesmente pobres; deslocando agricultores de suas terras, casas e comércios; e projetando uma imagem sedutora de uma nação como uma mulher pura, inocente, maternal, mas também bela e erotizada. Em uma vertente semelhante, algumas mulheres colombianas se voltam para a cirurgia estética como forma de projetar seu espírito empreendedor, enquanto invisibilizam a natureza compulsória da feminilidade e da beleza que permeia suas vidas cotidianas.
Essas formas de inocência emocional são centrais para forjar o que é chamado de “cidadania flexível”, ou os modos mais elementares, por meio das quais, as latinas se tornam parte das estruturas íntimas da família, do Estado-nação e da economia global. A incorporação para os mercados transnacionais de mulheres como apaixonadas, e seus corpos como matéria-prima que podem ser remodelados e maleáveis para o desenvolvimento, é o que facilita o acesso à cidadania estadunidense. Tal inocência de mulheres que se apaixonaram por um cidadão estadunidense, distantes de terem estrategicamente procurado homens que lhe oferecessem um visto de entrada, assegura que elas não serão uma ameaça para a família ou nação. Além disso, sua paixão e sua sexualidade passam a ser vistas como mais produtivas do que destrutivas dentro dos limites morais da nação. O uso de emoções, como a paixão, situa as nações latino-americanas, ao mesmo tempo, no aspecto secular da produção voltado para o futuro e o lucro, quanto no aspecto sagrado da reprodução e do eterno rejuvenescimento. Assim, rebatendo acusações de que a indústria é parte do tráfico sexual de pessoas, que posiciona as mulheres com vítimas e objeto do desejo masculino, eu uso o termo “cidadania flexível” para sublinhar os modos virtuais de reconfiguração de seus corpos e trajetória afetivas, aumentando seu valor local e transnacional, mas também reforçando como os Estados autorizam migrações morais e inclusão nacional, ao mesmo tempo em que justificam vigilância e exclusão de corpos perigosos e ilegais.
Dado o peso da segurança das fronteiras e soberania nacional, mundos virtuais oferecem um meio viável de transcender a limitação dos corpos e suas margens. Esse imaginário demonstrou ser fértil engajando-se com o nacionalismo estadunidense, que é nele mesmo um espaço virtual para produzir sonhos de um futuro aonde não exista diferença, raça, sofrimento e dor. Com a chegada da internet no início dos anos 1990, informações e fantasias puderam ser transportadas para o cotidiano, de modo similar a outros avanços como as vias férreas, transporte marinho, telégrafos, correios, jornais, fotografia, rádio e televisão. A dispersão da internet na América Latina acompanhada da entrada em Hollywood e telenovelas oferecem soluções melodramáticas para problemas políticos e econômicos - nos quais cavalheiros ocidentais (ou locais de pele clara), prometem transformar qualquer situação infeliz em um romance glamoroso. Um casamento romântico também tem apelo junto aos homens estadunidenses, que, em salas de bate-papo online, discutem quais países e regiões devem viajar para encontrar uma mulher estrangeira.4
A percepção da diferença não é expressa racialmente pelos homens, mas ao invés disso através de fantasias multiculturais globais que celebram as diferenças individuais como traços mercantilizados que prometem rejuvenescer o self e a nação. O paradigma do individualismo nega a possibilidade de acusar as desigualdades estruturais, informando categorias raciais e sexuais como heranças da colonização e do império estadunidense. Em estudos do ciberespaço sobre raça, a emergência da internet e mercados neoliberais molda discursivamente a ideia que identidades são flexíveis e que a estabilidade de raça, gênero e corpo é obsoleta.5 Isso simboliza, virtualmente, um manifesto democrático, no qual, tudo é possível para aqueles que estão conectados, oferecendo uma ferramenta para a dispersão subversiva da informação mixada com corpos através do que seriam, em outro momento, fronteiras intransponíveis.6 No entanto, a ideia de que todos têm acesso igual para transcender as fronteiras do Estado-nação e se tornar alguém novo (ou as consequências da diferença de raça, classe, gênero e sexualidade) é perigosa. Tais movimentos estão perigosamente próximos do sonho neoliberal, no qual, todos estão conectados e existe a promessa de novos recomeços, mobilidade e democracia.7 Está no imaginário coletivo multicultural que a ética do individualismo romântico e empreendedor, do espírito do faça você mesmo, vem à tona através do romance virtual. Nele participantes encontram o sentimento de pertencimento que os liberta das identidades e oportunidades tradicionalmente ligadas à geografia, à raça, à classe social e à localização cultural.
É intrigante analisar o processo global através do qual um indivíduo tenta se tornar alguém especial, diante de uma cultura da insignificância e alienação, afetando setores mais amplos da população às margens da modernidade e da sociedade. Focar sua energia no romance, especialmente no casamento com estrangeiros, é expressar um profundo desejo de chamar a atenção de outro percorrendo grandes distâncias. De forma semelhante, se tornar alguém é inseparável do desejo de se tornar valioso em uma cultura que cada vez mais se baseia na visibilidade. Nas indústrias culturais e no imaginário do Estado, romance e casamento oferecem formas respeitáveis de empoderamento feminino, colocando no amor estrangeiro e na intimidade o centro de dramas globais. Acrescenta-se aí que o desejo é uma ação de tornar-se um movimento, uma representação de alguém no mundo através de uma imagem de como se é valorizado em um cenário global.
Enquanto a mídia é o poderoso receptáculo de desejos coletivos e mundos possíveis, a internet é um local único através do qual aqueles que têm acesso podem ser protagonistas de ambos dramas sociais. A internet abriga o que Henrietta Moore chama de “fantasias da identidade”, que são “ideias sobre o tipo de pessoa que alguém deseja ser, e o tipo de pessoa que você deseja ser visto pelos outros” (Moore, 1994:66).8 Enquanto os contornos coloniais das fantasias da internet têm consequências materiais, também estou interessada em como mulheres e homens ocupam e desestabilizam o que Lisa Nakamura chamou de identidades “produzidas no ciberespaço”. Apesar de reivindicações utópicas de que a internet vai nos levar a uma era “pós-corpo”, na qual, o estigma da raça, classe e gênero não importam mais, eles continuam a ser significativos, embora em formas que continuamente mudam e se transformam (Nakamura, 2002:3–5). A atual narrativa nacional de um momento pós-racial reflete a ideologia da construção da nação. Imigrantes continuam a ser seduzidos pela ideologia “você pode se refazer nestas margens!” Americanização é, em si mesma, uma fantasia virtual esvaziada de lutas de classe e de raça, um presente temporal em que a violência da conquista indígena e escravidão reside fora das fronteiras nacionais e no distante passado. A história de casamentos de migração problematiza onde residem as fronteiras de exploração e, como as mulheres latino-americanas que aspiram à mobilidade de classe negociam representações de seus corpos sexualizados em forma criativas e significativas, ao mesmo tempo, reproduzindo paradigmas excepcionais de sucesso individual.
Reivindicações de amor heterossexual podem levar à cidadania para alguns, ou à retirada de direitos para outros. Os benefícios dos casamentos internacionais devem incluir a facilidade cotidiana de movimento através de nações e outras fronteiras, mas também, a possibilidade de transcender espaços seculares de cálculo, vigilância, e outras tecnologias de governamentabilidade. O Estado obriga o casal a estar romanticamente apaixonado, contudo, a mulher também precisa ter cuidado para não depositar muitas demandas econômicas em seu marido, ou ser muito crítica a respeito dele ou do próprio governo estadunidense, ou ela poderá deixar de ser uma imigrante amável e inocente e se tornar uma imigrante egoísta e não merecedora de seu status migratório.
O lugar das mulheres nos mercados de trabalho transnacionais e sua conquista da cidadania estadunidense dependem de seu papel como matéria-prima e sujeito “moldável” que pode ser desenvolvido, refeito e moldado para ser uma cidadã. Sua maleabilidade e inocência perceptível, e sua sexualidade erotizada, produtiva em vez de destrutiva das fronteiras morais da nação, asseguram que elas não serão um risco para a família ou nação estadunidense. Emoções generificadas são naturalizadas no corpo como uma esfera produtiva do mercado que encontra as capacidades reprodutivas das mulheres em associação com o ambiente doméstico e coma a família. A mobilização da paixão das mulheres situa as nações latino-americanas tanto no tempo secular da produção, futuro e ganho, como no tempo sagrado da reprodução e eterno rejuvenescimento. Desse modo, em vez de construir o corpo da mulher, a partir do imaginário erótico ocidental, como um local de exploração do trabalho generificado que é trocado pelos benefícios do casamento migratório, eu uso o termo cidadania flexível para salientar os modos pelos quais as mulheres reimaginam virtualmente os seus corpos e trajetórias afetivas aumentando o seu valor local, mas também reforço como os Estados autorizam imigrações morais e inclusões nacionais, ao mesmo tempo que justificam a vigilância e a exclusão de corpos ilícitos e perigosos.
Referências bibliográficas
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1
O United States-Colombia Trade Promotion Agreement (CTPA) [Tratado de Livre Comércio entre Colômbia e Estados Unidos] foi assinado em 2006, embora os governos de Colômbia e Estados Unidos há muito têm negociado relações comerciais significativas. De fato, o recente acordo trilateral assinado entre pelo presidente estadunidense Obama, em Outubro de 2011, com a Colômbia, Coréia do Sul e Panamá continuará a devastar as economias primárias desses países, especialmente para agricultores (que são quase 20% dos trabalhadores colombianos), ao mesmo tempo que aumentam a agitação social, migrações e até mesmo a necessidade de produzir drogas lucrativas como a cocaína.
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2
Penso aqui na Operation Gatekeeper aprovada na Califórnia em 1994, na região fronteiriça de San Diego-Otay.
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3
Nota do tradutor: Bakla nas Filipinas é uma referência comum aos homossexuais.
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4
Nas conversas em sites e salas de bate papo, mulheres russas são frequentemente tratadas como as estadunidenses com uma pitada exótica, enquanto que as mulheres asiáticas são tomadas como pequenas voltadas para o trabalho, já as latinas são apaixonadas e dedicadas à família.
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5
Por uma crítica da virada para identidades flexíveis nos estudos do ciberespaço ver Schaeffer-Grabiel (2006:891-914).
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6
O uso estratégico da internet pelo movimento indígena zapatista (EZLN) em Chiapas no México é um exemplo poderoso e eficiente dos usos subversivos da internet. Essa tecnologia permite transformar dificuldades locais em um movimento internacional que pressionou o governo mexicano, prevenindo deslocamentos e violência contra essa população, e ampliando sua luta contra acordos comerciais como o NAFTA.
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7
Essa fantasia da conexão global e transcendência é disponível somente para as classes média e alta, que têm acesso a computadores, apesar da disseminação de cibercafés.
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8
Sherry Turkle também descreve a internet como um espaço através do qual podemos projetar nós mesmos em nossos próprios dramas como produtores, diretores e protagonistas. Ver Turkle (1995:26).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
2016
Histórico
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Recebido
24 Fev 2016 -
Aceito
07 Mar 2016