Open-access Batismo e conversão em Goa nos tempos do primeiro arcebispo, Gaspar de Leão (1560-1567)

Baptism and Conversion in Goa in the Time of the First Archbishop, Gaspar de Leão (1560-1567)

Resumo

O objetivo deste texto é analisar as diversas percepções sobre os métodos aplicados para conduzir os não cristãos ao batismo e sobre os significados da conversão em Goa, a partir da controvérsia entre o primeiro arcebispo, Gaspar de Leão (1560-1567), e a Companhia de Jesus. Explorando as missivas trocadas entre os padres situados em Goa e as altas esferas da ordem, bem como a comunicação entre a coroa, os vice-reis e o arcebispo, correspondência que circulou entre Goa, Lisboa, Trento e Roma, o conflito foi pensado na chave dos anseios imperiais portugueses, para os quais a empresa de cristianização era essencial, e como engrenagem para a consolidação da autoridade episcopal por Gaspar de Leão. Embora tenha sido obrigado, por fim, a ceder na disputa jurisdicional com os jesuítas, o arcebispo não deixou de sustentar sua percepção sobre a conversão dos não cristãos, o que evidencia a multiplicidade de pareceres sobre a questão dentro do corpo eclesiástico durante os anos de sua prelatura.

Palavras-chave: Episcopado; Companhia de Jesus; império português

Abstract

aim of this paper is to analyze the various perceptions about the methods applied to lead non-Christians to baptism, and about the meanings of conversion in Goa, starting from the controversy between the first archbishop, Gaspar de Leão (1560-1567), and the Society of Jesus. Exploring the missives exchanged between the priests in Goa and the upper spheres of the order, as well as the communication between the crown, the viceroys, and the archbishop - correspondence that circulated between Goa, Lisbon, Trent and Rome -, the conflict is envisioned in the context of Portuguese imperial aspirations, for which the Christianization enterprise was essential, and as a gear for the consolidation of episcopal authority by Gaspar de Leão. Although he was finally forced to capitulate on the jurisdictional dispute with the Jesuits, the archbishop did not fail to sustain his perception on the conversion of non-Christians, which shows the multiplicity of opinions on the issue within the ecclesiastical body during the years of his prelacy.

Keywords Episcopate; Society of Jesus; Portuguese Empire

Este artigo tem como objetivo analisar as múltiplas percepções acerca da conversão dos não cristãos no império português nos tempos do primeiro arcebispo de Goa, Gaspar de Leão, a partir de sua controvérsia com a Companhia de Jesus acerca dos batismos em massa por ela executados, atentando para os diversos sentidos do sacramento do batismo naquele contexto e para os conflitos jurisdicionais entremeados a esse debate. Procurou-se refletir sobre a querela a partir de um olhar que valorizasse as fissuras e divergências internas ao corpo eclesiástico e a partir da conduta e da percepção do arcebispo, em pleno uso da autoridade da mitra. É importante salientar que não se trata de objeto inédito. A controvérsia já foi abordada por Ângela Xavier (2015) e Ricardo Ventura (2005; 2011). Patrícia de Faria (2008) também tangenciou o problema. Diferentemente de tais trabalhos, este estudo procura concentrar-se sobre a dignidade episcopal e lançar luz sobre os debates acerca do batismo dos não cristãos pela perspectiva do ordinário em suas relações com distintos grupos do corpo eclesiástico.

A questão dos batismos em massa praticados por missionários na Índia portuguesa, como parte do debate acerca de estratégias e instrumentos do proselitismo religioso que atendia a uma severa política régia para cristianização da região, tem sido abordada nos últimos anos por uma historiografia que buscou questionar os tradicionais perfis e modelos de atuação das ordens que enviaram contingentes missionários às mais diversas partes do globo.

Célia Tavares (2004) observou como a Companhia de Jesus adotou, na Ásia portuguesa, estratégias diversas, evidenciando o caráter não monolítico da instituição. Tais diferenças costumavam respeitar, em linhas gerais, o enraizamento da presença portuguesa em cada região. Embora a orientação majoritária fosse a do desenvolvimento da comunicação e de obras assistenciais para alcançar o maior número de conversões possíveis, os batismos em massa, o uso da força e a participação em iniciativas hostis encabeçadas pela coroa foram pontos destacados pela autora como razões de embates dentro da ordem. A prática dos batismos em massa, ao passo que favorecia a manutenção dos enclaves sociais do sistema de castas, alimentava as engrenagens do Tribunal do Santo Ofício em funcionamento em Goa.

Em seu estudo sobre a atuação dos franciscanos na região nos séculos XVI e XVII, Patrícia de Faria (2008) observou como a ordem orientava-se pelo ideal da imitatio Christi e por uma percepção escatológica do trabalho missionário, inclinações que acabaram por delinear a atividade dos franciscanos na Índia como movida pela urgência da cristianização e pelo ideário da conversão pelo exemplo - o que teria marcado, em algum grau, o desinteresse desses frades em aprenderem as línguas e os sentidos dos ritos e costumes locais. Tal temor escatológico resultava, muitas vezes, em batismos de enormes grupos que só seriam propriamente evangelizados depois de administrado o sacramento. Entre os franciscanos quinhentistas, amalgamaram-se, assim, estratégias para a cristianização que obedeciam à lógica da persuasão e da pedagogia ou que remetiam à coerção e à violência, tais como os batismos em massa e a iconoclastia, sendo impossível apontar a adoção de um método unívoco, o que espelharia a própria fragmentação franciscana.

Em sua análise sobre o avanço cristão no Sri Lanka, Alan Strathern (2007) enfatizou as divergências missionárias quanto à importância da sinceridade e do conhecimento doutrinal para a recepção do batismo, bem como a distância entre as determinações de letrados e teólogos no reino e as percepções dos missionários experimentados, cujo posicionamento acabava tendo maior peso nos territórios portugueses, visto que neles houve poucos escritos sobre o assunto, em comparação ao rico debate nos reinos hispânicos. Se, no campo de ação, a motivação (especialmente a política) e os aspectos cognitivos não constituíam, para muitos, barreira para o batismo, não deixou de haver vozes e procedimentos dissonantes.

Ângela Xavier (2015) interpretou a querela entre arcebispo e Companhia na esteira do acirramento de dispositivos violentos e excludentes usados para cristianização. A opção pela coerção, sobrepondo-se à estratégia do favorecimento e da persuasão, anunciava-se a partir da década de 1540 e alcançaria seu ápice nos anos 1560, impulsionada pela autoridade da regente Dona Catarina e de seu vice-rei Dom Constantino de Bragança e executada pela Companhia de Jesus. Os batismos em massa teriam preocupado imensamente o arcebispo, que temia que as conversões se dessem pela força, e não por uma adesão sincera ao catolicismo. Xavier destacou como a questão ultrapassava os conflitos de jurisdição - certamente peça fundamental do imbróglio, uma vez que, munido da autoridade conferida por Trento, o arcebispo avançava sobre a jurisdição das paróquias de sua igreja -, devendo ser pensada também na amplitude do debate sobre a conversão dos não cristãos, isso é, sobre seus métodos e significados. O batismo, conceito distinto do de conversão, firmava-se não como causa final do trabalho missionário, o fazer cristãos, mas como instrumento para fazer súditos e consolidar o além-mar lusitano. A historiadora adverte, assim, sobre a dificuldade de se pensar em uma polarização entre os métodos franciscanos e jesuíticos, pois, embora os ideais de conversão imperantes nas ordens fossem muito distintos (a via franciscana do exemplo e do coração que despertava a graça em contraposição à via jesuítica do trabalho pedagógico para mover o entendimento), no cotidiano missionário, especialmente ao longo do século XVI, quando os embates internos à Companhia evidenciavam como a ordem ainda estava em processo de organização, é possível observar intercâmbios e sobreposições, que atendiam à demanda por versatilidade e marcavam a oscilação entre adaptação e violência.

Ricardo Ventura (2005) fez uma leitura do episódio menos aprofundada na distinção entre os dispositivos e percepções acerca da conversão entre as ordens que atuavam em Goa e mais centrada nas disputas de jurisdição. Para o autor, estas compreendem-se pelo desejo do arcebispo de centralizar o governo da cristandade local na sede arquiepiscopal, esmaecido pela conformidade moderada com a qual acatou as ordens da coroa, que via na Companhia instrumento eficaz para a consolidação de seus domínios. Posteriormente, em sua tese de doutorado (VENTURA, 2011, p. 175-184), sustentou que os motivos da contenda residiam no perfil ascético do arcebispo, que contrastava com a dinâmica missionária de rápido avanço que viria a marcar o padroado régio nos anos 1560 - uma nova ordem que, ao fim do decênio, já estaria interiorizada pelo prelado.

Mais atento às medidas coercitivas e repressivas de cristianização, com foco na expulsão dos brâmanes, na destruição dos templos e nas proibições de culto, bem como em toda sorte de vexações aos costumes, à socialização e à organização das comunidades nativas, Paolo Aranha (2006) trouxe à tona, em pontos dispersos, a figura do arcebispo Gaspar de Leão como um dos executores dessa dura política, mas sem conferir a ele o destaque dado a outros, como a Dom Constantino de Bragança. É na ação do vice-rei e no respaldo de Valignano aos procedimentos da Companhia que a discussão sobre o batismo forçado se situa. Sem que o texto entre na contenda entre arcebispo e Companhia, o prelado aparece como responsável pela realização dos primeiros concílios de Goa, que ofereceram o aparato canônico ao projeto de conversão em massa dos nativos.

É evidente, portanto, que a historiografia vem-se dedicando a pensar o conceito de conversão a partir de um prisma multifacetado, considerando as diversas acepções teológicas sobre o proselitismo religioso que moviam clérigos e missionários e os significados da cristianização para os projetos imperiais ibéricos. Ao apresentar um debate conceitual, Ines Županov (2009) entende que a conversão não pode ser percebida como um rompimento com o passado, ou uma mudança para uma nova e permanente identidade, mas sim como algo em uma perpétua transição, que se apropria de tradições a serviço de projetos pessoais ou comunitários. Muito além de ser pensada em termos de escolha, a conversão significa abertura de possibilidades para a realização dos mais variados anseios. Na Goa portuguesa, a conversão era um ato político, parte da construção de um Estado da Índia para o qual faltavam agentes e instituições militares ou burocráticas, sendo o enraizamento do catolicismo a única forma de atestar soberania. É precisamente essa ideia de conversão como trabalho em andamento a serviço do exercício do poder que permite compreender alguns dos posicionamentos dos atores da contenda em análise. Nesse sentido, entendemos o sacramento do batismo - ainda que ex opere operato - como forma de entrada no sistema da convivência civil e política cristã, como vínculo que, ao abrir a porta à salvação eterna, conecta todos que o receberam à pretensão universal cristã (PROSPERI, 2010). Tal como destacou Xavier (2015) para o cenário de Goa, um veículo para fazer súditos. Já a conversão, como ressaltou Županov (2009), é trabalho perpétuo. A controvérsia aqui analisada pode ser entendida precisamente a partir das diferenças sobre em que ponto situar o batismo no processo de conversão e sobre os métodos e instrumentos para conduzir a ele os não cristãos.

A querela entre arcebispo e Companhia desenrolou-se no início de sua primeira prelatura, em um cenário já delicado para os jesuítas de Goa, devido a algumas notícias que chegavam a Lisboa e a Roma sobre excessos cometidos no trabalho missionário, fazendo aflorar as muitas divergências internas ao corpo eclesiástico sobre o significado da conversão e sobre o que era lícito ou ilícito nessa empresa.

O avanço da cristianização era exaltado aos superiores da Ordem, noticiando o altíssimo número de batizados nos domínios portugueses em cerimônias que agregavam centenas de nativos que receberiam o sacramento (REGO, 1952, p. 195-198). Mas, se os inacianos desejavam causar entusiasmo em seus irmãos leitores, essa certamente não foi a reação do arcebispo Gaspar de Leão, chegado à cidade no início de dezembro de 1560, ao presenciar uma cerimônia de batismo em seus primeiros dias em Goa.

Gaspar de Leão foi arcebispo de Goa em dois períodos, de 1558 a 1567 e, posteriormente, de 1572 a 1576. Criatura de Dom Henrique, foi seu capelão a partir de 1551 e arcediago do báculo e esmoler-mor da diocese a partir de 1557 (D’ARIENZO, 1987; XAVIER, 2014). Responsável pela convocação do Primeiro Concílio Provincial da arquidiocese e pela construção de uma normativa para a cristandade asiática, autor de tratados espirituais publicados em Goa, foi figura de grande relevo na edificação e organização da cristandade asiática. Sua rejeição aos procedimentos observados no Colégio de São Paulo e sua tentativa de pôr freios às liberdades dos missionários, alicerçadas em sua autoridade de mitrado, resultaram na indignação dos jesuítas, mobilizando os altos escalões da Companhia, a coroa e até o pontífice.

Batismos em massa, batismos forçados

O espanto de Gaspar de Leão com os batismos em massa certamente não inaugurou o debate sobre uma determinada imagem da atuação missionária bem difundida não só dentro dos territórios portugueses na Ásia, mas também muito além de seus limites. Todavia, a questão ganharia outros rumos com a chegada de um prelado disposto a acertar a balança de poderes do estado eclesiástico em seu território.

Como já indicado, o arcebispo chegou a Goa em fins de 1560. As notícias sobre os festejos que marcaram sua entrada na cidade (REGO, 1952, p. 195-197) manifestavam as expectativas da Companhia acerca de um mitrado que reforçasse a política de cristianização e oferecesse amplo apoio à atuação dos irmãos (REGO, 1952, p. 178-186; p. 195-197). Antes de tratar do embate entre arcebispo e Companhia, no entanto, cabem algumas considerações sobre o quadro em que a disputa se descortinaria, cenário em que o respaldo do prelado teria vindo a calhar. Mas não só os jesuítas não puderam contar com a graça do mitrado, como precisaram despender muita tinta para garantir liberdade de ação e de escolha de estratégias nas questões de conversão.

A chegada do arcebispo a Goa coincidiu com um momento de debate dentro da Companhia acerca das estratégias e dos instrumentos para a cristianização dos nativos. Ela pode, igualmente, ser localizada no ápice das determinações mais violentas em prol da cristianização da cidade. Empresa que se entende no desenho da instituição do padroado régio pelas bulas papais que garantiam à coroa a posse dos territórios conquistados ou a conquistar, demandando em contrapartida a cristianização e a organização eclesiástica daqueles espaços, compromisso que alinhava os interesses de Portugal e Roma (XAVIER; OLIVAL, 2018). Embora o esforço de cristianização do território asiático fosse já longevo - materializado na presença de missionários, franciscanos e dominicanos, e clérigos seculares, na ereção de locais de culto e na organização geográfica -, a partir da década de 1540 criaram-se dispositivos coercitivos para levar os não cristãos ao batismo e acelerar o processo de construção de uma Goa católica, tais como a proibição dos cultos classificados como gentílicos, a destruição de pagodes, destinando suas rendas à Igreja, a separação de órfãos de suas famílias, entre outros, culminando na instalação do único tribunal inquisitorial fora do reino (XAVIER, 2015).

Tal intensificação do uso da coerção e de um plano de cristianização massiva do Estado da Índia, especialmente de Goa, deu-se justamente durante a prelatura de Juan de Albuquerque, responsável pela edificação de uma igreja visível naquele território, nos moldes da estrutura diocesana portuguesa, como destacou Paiva (2021). Respondendo à estrutura organizativa do padroado régio, antes dependente da prelazia de Tomar, a cristandade asiática estava desde 1514 sob a autoridade de vigários-gerais, nomeados a partir da diocese do Funchal, cujo bispo era escolhido, por sua vez, pela coroa. A região contou ainda com a presença de alguns bispos de anel, de autoridade limitada. Foi a partir da reorganização desse sistema, em 1534, que se fundou a diocese de Goa, Primaz das Índias, alçada a arquidiocese em 1558, com ampla jurisdição, que excedia os limites do Estado da Índia, abarcando a China, o Ceilão, a costa oriental africana e a península arábica (XAVIER, 2014, p. 137). Coube ao franciscano, que chegou a Goa em 1538, o primeiro grande esforço de criar e organizar as instituições eclesiásticas na Ásia portuguesa.

O bispo combinou estratégias coercitivas, tais como a expulsão de grupos não cristãos, a queima de livros sagrados e a destruição de templos, a estratégias pedagógicas e caritativas, sempre em colaboração com os missionários. Albuquerque não contestava os batismos em massa; atuou no trabalho de instrução de crianças e dos novamente convertidos e chegou a ordenar, em 1544, que os vigários ensinassem o catecismo e administrassem a confissão em suas igrejas (PAIVA, 2021, p. 793-795) - uma leitura da conversão como trabalho contínuo a partir da conquista-salvação das almas.

A esse cenário certamente não era estranho o debate sobre o batismo de infiéis que mobilizou teólogos ibéricos (hispânicos, em sua maioria) nas décadas que se seguiram ao batismo forçado dos judeus e muçulmanos na península e que foram palco dos primeiros contatos com não cristãos de tantas partes. A discussão trafegava entre a afirmação da ilicitude, com Tommaso de Vio, seguindo São Tomás de Aquino, e a legalidade da sujeição à religião do soberano, afirmada por Scoto e contemporizada, mas aceita, por Vitória (MARCOCCI, 2006; PEREIRA, 2018, p. 100). Principais autoridades mobilizadas durante a controvérsia de Valladolid, seus argumentos provavelmente eram conhecidos por Gaspar de Leão devido a seu tempo como estudante em Salamanca, como destacou Ventura (2011, p. 181). Paralelamente à política coercitiva, em 1542 entrava na Índia a Companhia de Jesus, reconhecida como uma ordem que zelava pelos exercícios catequético e pedagógico, definidos como ministérios primordiais da regra (PALOMO, 2003, p. 247), ampliando consideravelmente o número de batismos.

Como uma ordem jovem, embora bem centralizada e dotada de um sistema de comunicação verticalizada eficiente, a Companhia não esteve isenta de discrepâncias acerca das estratégias de proselitismo, sendo as dissonâncias enraizadas nas particularidades dos muitos territórios em que ela atuou. O ano de 1561 seria marcado pelo envio de justificativas sobre os procedimentos dos jesuítas instalados em Goa. Em janeiro, o Provincial Quadros escrevia para a coroa (WICKI, 1958, p. 63-67), atacando diretamente aquilo que chamava de “murmúrios sobre a Companhia fazer cristãos à força”. Embora insistisse na pregação e na catequese como diretrizes do trabalho dos jesuítas que percorriam Goa e seus entornos, os pontos que suscitavam controvérsia são notáveis: o caso dos que pediam o batismo constrangidos por parentes convertidos ou para escapar às punições impostas pelas interdições de culto, que, asseverava o padre, só o recebiam após terem entendido bem no que consistia a conversão; a plena ciência da desqualificação a que os sujeitavam antes de serem doutrinados, impedindo-os de manterem o convívio em suas castas. O Provincial justificava-se pelo argumento da “misericórdia” e da “piedade”, convocando a autoridade de São Gregório e São Tomás de Aquino. Curiosamente, trata-se de autoridades normalmente usadas para negar o batismo forçado, no caso de São Tomás, ou para contestar a eficácia da correção punitiva de erros contra a fé em prol da emenda misericordiosa, no caso de Gregório (MARCOCCI, 2006; PEREIRA, 2018, p. 342-363). A missiva do Provincial indica, ainda, quão difundida era a imagem da conversão forçada, situação preocupante que teria motivado o vice-rei a reunir letrados das três ordens atuantes em Goa para deliberar sobre a matéria. A conclusão apontada por Quadros procurava encerrar qualquer controvérsia:

todos assentarão ser licito usar deles, pois ho fruito era manifesto, os doutores assi o sentião, a experiencia da terra asi ho mostrava, e não tem de ver senão com o que Nosso Senhor lhe dá a sentir, que hé о acrecentamento de sua santa fee e serviço de V. A., favorecendo muito a cristandade com officios e outras mercês (WICKI, 1958, p. 67, grifos da autora).

É de se destacar na justificativa do Provincial a relação entre experiência da terra e fruto manifesto. A imagem de uma concórdia entre franciscanos, dominicanos e jesuítas acerca dos melhores meios para alcançar a cristianização daquelas terras gentílicas reforçava a ideia da necessidade de aplicação de métodos profícuos. As particularidades daquele espaço, que somente poderiam ser conhecidas pela presença e pelo trabalho entre aquelas gentes, deviam ser reguladas por aqueles com saber adequado, ou seja, os que ali atuavam. A tônica das justificativas e permissões que partiam de Goa em direção a Portugal e Roma consistia na vivência da realidade local, autorizando, assim, os procedimentos excessivos, duvidosos ou controversos mediante resultado, dobrando os escritos teológicos ao entendimento e favor dos irmãos de Goa.

Embora os procedimentos estivessem perfeitamente alinhados à política régia, a imagem de violência para conversão difundida pela Ásia poderia tornar-se preocupante, e o problema não se restringia a Goa. Poucos dias antes da missiva citada acima, o padre Henriques escrevera ao Geral Laínez sobre a entrada dos portugueses no Sri Lanka. A impressão de sucesso conferida pelos números de convertidos de grupos da elite local, interessada em enfraquecer a autoridade régia (STRATHERN, 2007), logo deu lugar à resistência dos nativos, que acusavam o uso de violência por parte de portugueses no episódio da tomada de Manar, em que padres da Companhia, dentre eles o Provincial Antônio Quadros, acompanhavam o bispo de Cochim: invadiam as casas, desonravam as mulheres, matavam as vacas e levavam ao tronco os que recusavam o cristianismo (WICKI, 1958, p. 4-12).

As satisfações enviadas à coroa pelo padre Quadros podem ter agradado, com os domínios lusitanos sobre a Ásia ganhando raízes mais fortes, mas os quadros da Companhia instalados em Portugal pareciam ter questões sobre os procedimentos dos irmãos. Em junho de 1561, Miguel Torres, Provincial de Portugal, reportava-se ao Geral Laínez:

O modo que dizem ter usado nisso parece às pessoas, assim lá na Índia como aqui em Portugal, violento e a nosso modo de proceder muito extraordinário, diga-se mesmo adversário, porque dizem que levavam à prisão os gentios porque usavam de ritos de gentilidade contra certa lei e ordenança del Rei de Portugal que lhes foi manifesta, e que os nossos de alguma maneira entravam nessas prisões. E depois levando-os à prisão, ou estando já presos, diziam que se queriam fazer cristãos (…), e dizendo isso os levavam ao colégio de S. Paulo, e meio catequizados e outros com pouca ou nenhuma catequização, os batizavam1 (WICKI, 1958, p. 151).

O Provincial destacava o uso da coerção no trabalho de cristianização, caracterizando-o mesmo como violento, e acusava a má conduta em que os padres recaíam no exercício da missionação, acuando os nativos a partir das proibições impostas pela coroa e batizando sem maiores preocupações com a ciência da doutrina. Cabe enfatizar também a preocupação do Provincial com a percepção das demais autoridades eclesiásticas e civis em Goa. Torres atestava que o arcebispo havia repreendido as táticas dos jesuítas e que os relatos de Francisco Barreto, antecessor de Dom Constantino que havia retornado a Portugal, não eram nada positivos, o que indica as dissonâncias internas à ordem, mas também à administração régia (WICKI, 1958, p. 152). Os jesuítas de Goa trabalhavam, como fica claro pelo trecho citado, dentro da normativa que determinava as punições às chamadas gentilidades. Sob as determinações da coroa, os padres da Companhia sentiam-se impelidos a fazerem uso de métodos eficientes, animando os anseios imperiais portugueses. A oposição movida pelo Provincial, no entanto, partia de uma hesitação diferente: lembrava que a ordem trabalhava em prol da conversão pela doutrina e pelo exemplo e, embora não considerasse aqueles métodos ilícitos, mas comuns, “não são tão a propósito de nosso Instituto”2 (WICKI, 1958, p. 152).

Para o padre Torres, o problema não residia propriamente na licitude das estratégias usadas, respaldadas pela teologia e nada estranhas a outras cenas de proselitismo católico, mas sim em sua adequação ao perfil da Companhia, que edificava uma imagem de seu trabalho centrada no esforço pedagógico. Não é surpreendente também a tópica de negar a ilicitude, mas afirmar a inconveniência de determinada estratégia de atração para a conversão, comum no debate sobre o batismo dos infiéis, como no posicionamento de Vitória, já destacado. Parece, todavia, mais plausível pensar que a grande preocupação do Provincial era a deturpação de um ethos jesuítico que dava ainda seus primeiros passos rumo a uma definição.

Em relação sobre as missões provavelmente preparada em Évora em setembro de 1561 pelos padres Francisco Henriques, procurador das missões portuguesas na Ásia, e André de Carvalho, que havia ali atuado por muitos anos (WICKI, 1958, p. 160-188), apresentaram-se diversas tentativas de justificar e minimizar os aspectos mais evidentemente coer­citivos da atuação jesuítica em Goa. Ao mesmo tempo que atribuíam a questão a intrigas e rumores dos brâmanes, insatisfeitos com a ordem de expulsão de Dom Constantino,3 reduziam os relatos que circulavam a casos de exceção. Tudo seria justificável pelo enorme zelo de alguns no trabalho missionário e, mais uma vez - argumento que se tornava recorrente -, pela realidade das circunstâncias impostas pelo espaço, tornando o batismo ex opere operato um mal menor:

Batizaram-se muitos sem serem catequizados, e não podia ser diferente, porque não era possível doutrinar a todos os que se convertiam antes de dar-lhes o santo batismo, e se se adiasse, era perigo muito provável que retornassem a suas idolatrias, e batizando-os ficavam seguros, e depois se ordenava que fossem doutrinados4 (WICKI, 1958, p. 169).

O diminuto número de homens para o trabalho missionário diante da premente demanda de rápida cristianização da capital não era páreo para a idolatria incrustada na terra. O zelo missionário e o desejo de fechar as portas do inferno ao maior número de almas possível5 entrecruzavam-se com a demanda de garantir o controle sobre aquela terra para as autoridades que permitiam que ali chegasse a palavra cristã. Urgia, primeiro, garantir a fidelização daquelas almas ao reino de Cristo e sua consequente salvação; a ciência daquilo que se aceitava podia, então, vir depois, sendo a conversão entendida como um trabalho permanente, como observou Županov (2009). Era nesse ensejo, colocando-se como defensores dos interesses do reino de Cristo e, consequentemente, do reino de Portugal, que os padres alocados em Goa pediam a intervenção régia, demandando que se munisse o vice-rei de providências a tomar para que não se prejudicasse o projeto de cristianização - sendo plausível considerar que a autoridade cuja intervenção se temia era justamente a do arcebispo, adverso aos modos da Companhia em Goa e aparelhado de autoridade para os obstaculizar.

A necessidade de garantir amplas possibilidades de atuação na cidade ressoava no desejo de assegurar uma determinada imagem do domínio lusitano católico além das fronteiras confessionais. Se os brâmanes materializavam os temores católicos dentro dos territórios portugueses, a preocupação com o Islã também deixava marcas no discurso jesuítico. Em missiva de Antonio Herédia aos Patri Gravi (WICKI, 1958, p. 192-202), escrita em Lisboa e datável do último trimestre de 1561, o problema dos batismos ganhava tons de reprovação, porque situado no cenário do equilíbrio de poderes do subcontinente. O escândalo se teria espalhado por toda a Índia, permitindo que nos territórios islâmicos se questionasse o discurso de que os indivíduos não eram reduzidos ao batismo nas áreas portuguesas “despois que lhes tinhamos dito e com elles concertado que pacificamente podiäo morar nellas” (WICKI, 1958, p. 193-194).6 Ressaltava-se o perigo em que a situação poderia implicar a ordem e os projetos expansionistas ibéricos, não apenas entre os gentios ou entre as elites, mas entre os muçulmanos, populações que cruzavam os territórios portugueses na condição de comerciantes, escravizados, agentes da diplomacia entre oriente e ocidente, essenciais à manutenção da presença portuguesa, e que cercavam as ilhas cristãs no subcontinente indiano, vizinhos muitas vezes ameaçadores,7 territórios que podiam funcionar como polos atrativos para os não cristãos e novamente convertidos, nos quais o discurso anticristão era incrementado pelo argumento do uso da força.

Neste ponto, cabe salientar a centralidade política de Goa. Alçada à capitalidade em meio a propostas concorrentes de fixação no território, foi a partir do enraizamento de um aparato religioso, cujo ápice se percebe na elevação ao estatuto de diocese e, posteriormente, de arquidiocese, que tal distinção se fortaleceu, fenômeno chamado por Catarina Santos (1999) de “segunda capitalização de Goa”. Cristianizar a cidade era essencial, chave para a estabilização portuguesa na região, e é precisamente esse dado que permite compreender a obstinação da autoridade régia em avançar com os batismos e o fato de que o imbróglio apresenta um claro recorte geográfico, centrado na capital. Da mesma forma, a imagem do estabelecimento lusitano em Goa que circulava junto aos soberanos vizinhos, especialmente se levados em conta os anseios portugueses de cristianizar outros espaços asiáticos por meio do batismo das elites locais, devia ser manejada com cuidado, purgada de seus aspectos mais violentos.

Não obstante, os pareceres de Lisboa lançam luz sobre os episódios que deram ensejo ao escândalo. O padre Herédia explicitava a má conduta dos irmãos, que se teriam se aproveitado do grande zelo e confiança que neles depositava o vice-rei, Dom Constantino, “por o verem muy afeiçoado à Companhia e desposto pera os deixar aproveitar de seu favor em tudo о que quisesem” (WICKI, 1958, p. 194). Os padres Quadros, Rodrigues e Carneiro o teriam convencido a lançar dois pregões, ameaçando mandar para as galés os que não se quisessem batizar8 ou os que realizassem cerimônias gentílicas ou possuíssem pagodes em casa. Sem tempo de realizarem a colheita ou de venderem suas terras, optaram por abandoná-las, mas não podiam deixar a cidade, por determinação do capitão, a pedido do vice-rei. Originou-se, assim, um cenário de caos e violência em que a Companhia tomou parte:

Estando esta gentilidade asi apretada e agonizada, e neste estado postos, os Padres por piedade e zello se fizerom exucutores desta paena destes pregöes como 3ºs. por elles, avendo-sse deste modo. Mandava o P. Francisco Rodriguez e о P. Antonio de Quoadros tres ou 4.° Irmäos aos pasos, outros tantos a cada paso das ilhas, outros tantos por diversos bairos e ruas delles, acompanhados com hum meirinho, que pera isto faziäo, com seus ministros christäos da terra, dalguns que eräo já feitos no tempo pasado. E entäo davam rebate nas casas, dizendo que o Viso-Rei os mandava levar às gales por pasar o tempo, e a outros porque fizerão ceremonias, e a outros porque lhe avião visto ter pagodes em casa: que se elles se quisesem fazer christäos que elles lhe averião perdão do Viso-Rei. Huns fogião dizendo que não querião ser christãos, e estes hiam dar nos pasos em que estavão vigiando os outros Hirmãos que em goarda delles andavão, asi de noyte, huns com espingardas as costas, outros com lanças, como de dia, e prendia[m]-nos; outros lançavam-se a nado; alguns nesta rebolta morrerão por cairem em poços; outros, por estarem mitidos em cavernas, à fome; hum sey eu que vy que por fogir dos Irmãos se meteo numa brenha e mordido de huma serpente morreo logo; outros com aquele medo se fazião christão[s], outros polo aperto em que se vião (WICKI, 1958, p. 194-195).

A imagem dos irmãos alocados em Goa que os padres da Companhia repassavam para seus superiores era clara: missionários que ultrapassavam imensamente seu papel de evangelizadores, atuando como hábeis manipuladores políticos, conduzindo o vice-rei a uma política de extremos para forçar os nativos a receberem o batismo, atuando como seculares executores da justiça régia, profanando a aura de exemplaridade que cabia aos que propagam a palavra de Cristo, cercando e criando armadilhas para que os gentios, desprovidos de escolha ou vontade, aceitassem o que lhes era imposto.

Mas as acusações prosseguiram. Diante das perdas materiais para a coroa decorrentes do despovoamento das terras cultivadas pelos não cristãos, os próprios jesuítas teriam tomado a frente da colheita e da distribuição dos grãos, como aconteceu em Chorão, indicativo de perfeita ciência sobre o tipo de problema que tais métodos poderiam acarretar. Mais um forte indício da intromissão dos padres na administração e na governança, por meio de instrumentos nada edificantes, teria sido a falsificação de um alvará em nome do vice-rei para ordenar a prisão de um tanadar,9 infração que, aparentemente, permaneceu encoberta das autoridades civis (WICKI, 1958, p. 195-196).

O comportamento dos padres, igualado ao de capangas seculares, preocupava pelo escândalo e pela mácula à imagem da Companhia. O uso de violência era prática proibida - embora a própria menção a isso nos decretos tridentinos indicasse não ser conduta incomum.10 Em um mundo de fronteiras tão fluidas, a atitude dos jesuítas acabava por ter por consequência a desmoralização da cristandade e da Companhia nas relações interconfessionais. A imagem do domínio português que se pode extrair das cartas é a de um espaço em que os jesuítas se sentiam habilitados pelas necessidades locais a proceder como achassem necessário, influindo sobre os representantes do poder secular, sobrepassando sua autoridade, ordenando e executando sua própria justiça caso necessário. Adiantava-se, assim, um possível encaminhamento para a infame situação, concentrando a responsabilidade sobre alguns poucos irmãos que poderiam ter seus nomes destacados na celeuma e requisitando o envio de “pessoa de muito respeito, de virtude e letras, e se ella não fosse da nação portuguesa tanto melhor e melhor lá cairia” (WICKI, 1958, p. 197) para servir como superior. Sugestão que servia como solução direta para o problema da disciplina e da conduta, elevando a imagem da ordem na região, mas que remete também a uma tentativa de descolar os modos de atuação dos padres da execução direta da política imperial portuguesa.

A defesa dos padres situados em Goa não tardaria. Além da tentativa de culpabilizar determinados grupos sociais do compósito cenário goês pela circulação da notícia,11 outra justificativa largamente presente nas missivas, como já indicado, era a da particularidade da interação entre cristãos e não cristãos naquele espaço: “Nesta terra, Padre, não se fazem milagres nem os gentios veem tão perfeita vida nos portugueses”12 (WICKI, 1958, p. 485). A dureza da terra tomada pelas gentilidades corrompia mesmo os que vinham do reino, e já não serviriam de exemplo. Na falta daquilo que pudesse mover diretamente a vontade, inspirar a graça, era lícito usar de outros meios; era válida a conversão não por amor - “não como coisa final, mas como impulsiva”13 (WICKI, 1958, p. 485) -, e sim por temor, posição muito diversa da que o arcebispo sustentaria.

A controvérsia entre o arcebispo e a Companhia de Jesus

Embora a polêmica sobre a cristianização forçada na Índia se tivesse tornado ponto de discussão dentro da ordem, os constrangimentos passíveis de se transformarem em obstáculos reais às atividades jesuíticas vinham da mitra. Qualificado como “muito apreensivo e invariável”,14 Gaspar de Leão teria questionado os procedimentos da Companhia, causando impacto sobre a empresa de cristianização (WICKI, 1958, p. 481-487).

Aproximadamente um ano após sua chegada, o prelado era visto pelos jesuítas como obstinado, inamovível de suas concepções, que careciam de maior experiência na terra, atrapalhando o que era entendido como o bom andamento da ampliação da cristandade e desfavorecendo o que deveria ser uma de suas principais tarefas no governo da arquidiocese. Esperava-se que o arcebispo exercesse seu ofício como colaborador da Companhia, em estreita comunicação com a instituição. Essas não passaram, todavia, de expectativas frustradas. A pouca interlocução entre o prelado e o Provincial Quadros - pela qual o primeiro era claramente apontado como culpado - era motivo de queixas (WICKI, 1958, p. 485).15 De acordo com a reclamação de Ludovico Froes aos irmãos de Lisboa, o arcebispo teria tomado a empresa de conversão para si, deixando para a Companhia a tarefa da catequese, fazendo com que o número de convertidos caísse acentuadamente (WICKI, 1958, p. 270-288).16 Para a Companhia, o “arcebispo novo” errava por desconhecer a realidade em que devia atuar. Nas palavras do padre Quadros a Laínez, datadas de janeiro de 1563, “polla pouqa experiencia que tinha da terra, veio com novos desenhos de fazer christäos que não são accomodados a ella” (WICKI, 1958, p. 741). Além de ele adotar procedimento pouco adequado, seus batismos rivalizavam com os da Companhia, que ficava limitada a ministrar o sacramento a alguns que o arcebispo encaminhava ao colégio ou que os irmãos levavam das aldeias (WICKI, 1958, p. 276).17

Em missiva para Miguel Torres datada de novembro de 1561, o arcebispo tentara remediar as boas relações com a ordem, mas sem deixar de insinuar seu desgosto. Em prol da imagem do prelado que governa sua diocese harmoniosamente e na tentativa de não perder sua necessária colaboração, enquadrava a postura dos jesuítas como movida pelo zelo e, especialmente, pela humildade. Assumia, portanto, o lugar do pastor que iluminava também os religiosos de sua igreja, bem-intencionados, mas mal preparados, reordenando o trabalho de conversão pelo bem de suas ovelhas (WICKI, 1958, p. 225-227).18 Assim, tratava com a Companhia a partir da posição de governador de sua diocese. A comunicação com a coroa quatro dias mais tardia explicitava os sinais da tensão no corpo eclesiástico goês - o primeiro tópico da carta já apresentava a questão dos batismos; Leão colocava-se, antes de mais nada, como favorecedor da expansão católica: “A cristandade, seja o Senhor louvado, vay muyto avante. No modo della ouve algumas desordens que, logo como cheguei, se remediarão, e se fazem christãos como devem e a Igreja manda” (WICKI, 1958, p. 229). O tom era o de ordenação e redução dos religiosos que procediam mal à observância dos preceitos cristãos para a propagação do evangelho. Gaspar de Leão escrevia com a autoridade da mitra, à qual entendia que seculares e regulares estavam subordinados, e cujo dever era lembrar à coroa que cumprisse sua obrigação de expandir e conservar a cristandade, condição essencial à manutenção da posição portuguesa: “o dia que tirar os olhos deste fim e total obrigação, sem duvida que não terá Estado” (WICKI, 1958, p. 229). Assumindo essa posição de guia da autoridade civil nos assuntos relativos ao governo das almas de sua igreja, solicitava a intervenção régia para aumento da renda das ordens e do número de missionários enviados àquelas partes.19 Mais um indício da posição assumida pelo arcebispo são os apontamentos à Mesa da Consciência anexos à missiva, cujo conteúdo infelizmente permanece incógnito (WICKI, 1958, p. 230). Como autoridade máxima no campo espiritual, ele assumia a competência e o dever de lembrar ao rei que a presença portuguesa na Ásia estava vinculada à obrigação de cristianizar aquelas terras e prover suas igrejas, e tencionava explicitar os termos dessa empresa.

As indisposições entre arcebispo e Companhia e as restrições impostas pelo prelado iam de encontro à agressiva política de cristianização implementada por Dona Catarina, àquela altura regente do reino. A ordem régia de março de 1562 destacava a necessidade de se maximizarem os esforços de conversão como essenciais para a manutenção do Estado da Índia, advertindo que a tarefa do arcebispo era trabalhar em concórdia com o vice-rei e a Companhia e demais missionários (WICKI, 1958, p. 509-511).20

Os avisos enviados pela coroa aparentemente não foram considerados suficientes, e a regente optou por mobilizar a obediência não só ao poder temporal, mas ao mais alto poder espiritual, o único prelado superior ao prelado de Goa e ao qual competiam as licenças portuguesas para sua expansão mediante a contrapartida da cristianização dos mais distantes espaços. Dona Catarina acionava seu embaixador em Roma, Lourenço Pires de Távora, para requisitar a intervenção do pontífice em favor da Companhia, a serviço da coroa (WICKI, 1958, p. 519-520). Dessarte, a dimensão do problema estendeu-se até os palcos principais da cristandade, onde, imaginava-se, seria possível alcançar deliberações decisivas. Entre Roma, onde o pontífice era solicitado pela coroa e pela ordem, e Trento, de onde escrevia um exasperado Polanco em meio às discussões sobre a origem e a jurisdição da autoridade episcopal, encaminhavam-se determinações discrepantes acerca da relação entre mitrados e missionários.

Em novembro de 1562, quando já caminhavam largamente as discussões acerca da instituição divina do episcopado, mas ainda meses antes dos decretos de reforma da Sessão XXIV (IGREJA CATÓLICA, 1781b, p. 255-343), que estabeleceram para os bispos amplos poderes sobre o clero secular e regular atuante em suas dioceses, Polanco informava que, de acordo com as notícias de Goa, Gaspar de Leão pretendia sujeitar os missionários na arquidiocese à sua autoridade por privilegio papal e tomar algumas igrejas da Companhia, entregando-as ao clero secular. Solicitava, também, que os irmãos tentassem obter do papa um breve para se protegerem (WICKI, 1958, p. 553-555).

Incomodado com os procedimentos dos jesuítas em seu território e com sua autonomia de ação, empurrando a empresa dos batismos sem os devidos cuidados, atuando como agentes da justiça e governança régias, o arcebispo procurava minimizar o poder das ordens religiosas, como autoridades paralelas, sujeitando-as à autoridade da mitra, encaminhando-as para suas funções primordiais de catequistas e evangelizadores, substituindo-os nas igrejas que atendiam os paroquianos por um clero por ele ordenado e que a ele respondia. Alguns meses a mais e o prelado estaria apoiado nos cânones tridentinos. Difícil não relacionar a postura de Gaspar de Leão ao precoce processo de secularização das igrejas da ilha de Tiswadi, onde, em um cenário já reduzido de nomeação das ordens para a malha paroquial, coroa e mitra trabalharam para substituir regulares por seculares, com destaque para a inserção do clero nativo nas paróquias, na contramão do acúmulo das funções de apostolado e cura de almas que recaiu sobre regulares em outros espaços, mesmo os próximos como Bardez e Salsete, como observou Patrícia de Faria (2008, p. 172-175). É nesse cenário que, para Faria, devem ser pensadas as implicações da provisão régia sobre a nomeação para benefícios eclesiásticos no Estado da Índia (RIVARA, 1865, p. 436-438).21 O privilégio certamente foi considerado útil na contenda com a Companhia, indicativo de que o prelado poderia replicar sua autoridade sobre as igrejas de sua diocese.

É precisamente no contexto de tentativa de asserção do poder episcopal, que se manifestava em Trento pelas requisições de parte dos prelados, que se entendem tanto a ação do ordinário quanto a acolhida do papa aos pedidos de censura de Dona Catarina e da Companhia. Seguindo a orientação de suas determinações para o Concílio, que objetivavam arrefecer o debate sobre a ordenação divina episcopal,22 Pio IV emitiu em 1º de dezembro de 1562 um breve em que recomendava que o arcebispo favorecesse a ordem em todo o necessário e respeitasse seus privilégios, de forma que não chegassem a Roma mais queixas sobre ele (WICKI, 1958, p. 566-567). Ainda na expectativa do efeito que os vetos ao arcebispo teriam em Goa, provavelmente logo após terem recebido notícia do breve papal, Polanco e Laínez escreveram de Trento a Portugal e a Goa, manifestando o desagrado da ordem (WICKI, 1958, p. 649-660). Laínez, especialmente, desejava atestar que o arcebispo não tinha poderes de visitação sobre suas igrejas e nem de substituir nelas os jesuítas por seculares, em razão dos privilégios concedidos à Companhia por Roma. As missivas em questão são interessantes por assinalarem também a preocupação do Geral com o espaço concedido aos jesuítas pela política régia no negócio da cristianização: não só o arcebispo como também o vice-rei era acusado de desfavorecer a empresa dos batismos. Se a partir de Trento foi possível obter instrumentos para repreender o prelado, apenas ordens de Portugal poderiam censurar o vice-rei. A mudança de tom nas menções ao vice-rei deve-se à entrada no cargo de Dom Francisco Coutinho, Conde do Redondo, em setembro de 1561, substituição que em breve seria acompanhada pela renúncia de Dona Catarina à regência. Coutinho provavelmente foi logo visto com maus olhos pela Companhia por seu parecer sobre a empresa da conversão, bem distinto do de seu antecessor. De acordo com Xavier (2015, p. 131-132), ele era movido por questões de consciência, indagando-se sobre a adesão à fé dos novamente convertidos, bem como por razões políticas, contestando os benefícios de determinadas medidas para a manutenção do Estado. A política de extremos de Dom Constantino não foi imune a críticas de seus sucessores, ponto que será reforçado adiante.

Ignorância e catequese na obra de Gaspar de Leão

Embora a atitude do arcebispo para com a Companhia de Jesus deva ser lida na chave dos conflitos jurisdicionais, a partir da percepção do episcopado como detentor da autoridade (e, mais ainda, do dever de vigilância) sobre o clero regular e secular atuante em sua arquidiocese e como responsável pelo bom governo de sua igreja, o que compreendia o apropriado cumprimento dos cânones e dos preceitos teológicos, ao se observar de forma global sua prelatura, outros fatores concorrem para se pensar a controvérsia acerca dos batismos em massa.

Em suas diretrizes para o governo das almas, o prelado demonstrou preocupação com o rigor das penas e interdições impostas aos novamente convertidos e mesmo aos não cristãos. Por sua comunicação com o vice-rei a respeito da colaboração entre as justiças régia e eclesiástica, verifica-se que procurou garantir alguma moderação nas penas aplicadas aos cristãos da terra, “que não entendião a graveza das sensuras as temião” (REGO, 1953a p. 45), para que não resultassem em processos ou excomunhão. No caso dos não cristãos e novamente convertidos, a atuação do braço secular deveria restringir-se ao cumprimento dos precatórios, sem que fossem fulminadas quaisquer censuras, confirmação de procedimento já então comum por determinações dos vice-reis anteriores (REGO, 1953a p. 44-46).23 O primeiro decreto do Concílio Provincial de Goa, realizado em 1567, proibia que se movessem os não cristãos ao batismo por “ameaças e terrores”, destacando que a cristianização se dava apenas pela graça e pelo livre-arbítrio (RIVARA, 1862, p. 7-8) - determinação que depurava a imagem da cristandade goesa, mas que refletia também o posicionamento teológico do arcebispo.

Em sua obra escrita, o arcebispo definiu sua percepção sobre os problemas em torno da conversão como fundamentalmente diferente daquela que os jesuítas pareciam pôr em prática. Na carta pastoral que precedia o Tratado que fez mestre Jerônimo (LEÃO, 2014), peça publicada em Goa em 1565, mobilizou tópicas caras à literatura de polêmica antijudaica que floresceu em Portugal a partir dos anos 1540, construindo uma imagem do judaísmo como credo persistente devido à malícia de seus líderes religiosos, os rabis, enganadores de seu povo porque cientes da verdade da fé cristã. O argumento da ignorância como fator que obrigava a um trato mais paciente e piedoso projetava a necessidade do desengano como a mais potente chave para o fim de tal infidelidade e celebrava o poder episcopal como aquele ao qual a tarefa havia sido designada. Alguns anos depois, o arcebispo traria à luz o Desengano de perdidos (LEÃO, 1958), publicado em 1573, na sequência do cerco a Goa de 1570, diálogo em que abordou a cristianização da Ásia em três níveis: o primeiro, em uma leitura milenarista das recentes vitórias da cristandade sobre o Islã, determinando o fim do poderio islâmico em todo o orbe; o segundo, atento à conversão pelo trabalho de proselitismo, de reorientação da vontade pela graça, por amor filial e não por temor às penas; o terceiro, dedicado ao aprimoramento do espirito e à ascensão pelo ensino da via unitiva. Cabe lembrar que esta última parte do tratado teria sido, de acordo com o que afirmou o prelado na obra, escrita no Convento da Madre de Deus, fundado por impulso de Leão para os recoletos franciscanos, onde ele se instalou no interregno entre suas duas prelaturas e viveu ao modo dos irmãos. Identificação com o espírito de São Francisco que veio a calhar após grave batalha perdida contra os jesuítas.

Em ambas as publicações, o arcebispo sublinhava a necessidade e os frutos de instrumentos diversos daqueles que marcaram a cristianização de seu território. Leão definia as estratégias do pastorado como essencialmente distintas das adotadas pelos missionários, desenhando os princípios, as prerrogativas e os limites da autoridade episcopal, marcando sua prelatura como aquela que cuidadosamente observava as sutilezas e impasses da conversão de cada grupo que compunha o espaço sob sua jurisdição. Seguindo o argumento de Xavier (2014), parece ter dedicado suas publicações em Goa aos diferentes grupos de seu rebanho, partindo da gramática religiosa peninsular, a partir da qual percebia o mundo compósito de sua igreja e se indigenizava: o primeiro, seu Compendio Spiritual, dirigido aos portugueses cristãos, percebidos como contaminados pelos vícios da terra; o segundo, aos hereges-judeus; o terceiro, aos infiéis do Islã. Erigia para si, assim, o lugar de prelado atento, dedicado e maleável, que procurava apreender seu rebanho, disposto de instrumentos eficazes para a empresa de cristianização, na contramão da imagem que construíam os jesuítas tanto sobre o batismo dos não cristãos quanto sobre o próprio arcebispo.

Embora um dos argumentos elencados pelos jesuítas para justificar seus procedimentos fosse a necessidade da terra, que demandava que se batizasse primeiro e se catequizasse depois, o arcebispo parecia ter uma percepção aguçada a respeito das particularidades de sua arquidiocese, mas que o conduzia por outros caminhos - o da paciência e da orientação contínua. A partir de seu lugar como arcebispo, pastor das almas sob sua jurisdição, procurava demarcar o governo dos diocesanos pela supervisão do corpo eclesiástico goês e pelo apelo da palavra, pela sugestão do ensino de rudimentos de doutrina orientado por nichos.

A concórdia

As consecutivas censuras que o arcebispo sofreu - por parte da coroa e do pontífice - conduziram o desfecho da questão. As missivas que partiam de Goa de 1563 em diante mencionavam um arcebispo mais chegado à Companhia e mais dedicado a seguir os caminhos ordenados pela coroa - não coincidentemente indicados então por seu antigo protetor, Dom Henrique, que assumira a regência em fins de 1562. Embora o tom da correspondência ainda fosse de lamentação pela diminuição do número de batismos, Gaspar de Leão era citado como presente ao Colégio durante a realização de festas e cerimônias, difusor do jubileu (WICKI, 1960, p. 1-4) que concedia indulgências a todos os que convertessem alguém ao catolicismo, impulsionando o número de cristianizados (REGO, 1953a, p. 370), prelado que acompanhava os batismos solenes, celebrava o trabalho da Companhia, convidava seus padres para pregarem na Sé (WICKI, 1960, p. 598-623) e mesmo os aceitava de bom grado nas igrejas em que não havia clérigos seus (REGO, 1953b, p. 80-112), bem como estimulava que exercessem cargos no Santo Ofício, diante da necessidade de agentes do Tribunal (WICKI, 1960, p. 724-732). Gaspar de Leão, embora lembrado como responsável por impor barreiras ao crescimento da cristandade, era louvado pelo zelo com que apoiou a ordem régia de expulsão dos brâmanes (WICKI, 1960, p. 11-14) no conselho convocado pelo vice-rei (REGO, 1953a, p. 250-251).24 Uma missiva do Provincial Quadros a Laínez, datada de dezembro, chega a mencionar que o imbróglio arrefecera devido à mudança de postura do arcebispo “porque já se deceo dalgumas opinioins que trazia contra os religiosos, pella necessidade que vê que tem delles não somente pera o serviço de Deus, mas para seu credito” (WICKI, 1960, p. 69-77). Às vésperas da realização do Concílio Provincial, os jesuítas não temeram as determinações da assembleia ou a visita ao oratório do Colégio que o arcebispo pretendia fazer, confiando que não se decidiria nada que estivesse além dos cânones tridentinos. Com um prognóstico do que poderia ser ordenado, compreendiam que não era possível questionar a autoridade do ordinário naquilo que lhe davam poder os cânones, mas confiavam que ele não desafiaria os privilégios da Companhia em prol da harmonia alcançada (WICKI, 1960, p. 673-714). Ângela Xavier (2014) destacou ainda a destruição dos templos de Salcete e Bardez e o conteúdo de alguns dos decretos do Primeiro Concílio Provincial como sinais de sua obediência, embora estes evidenciem sua adesão ao reformismo tridentino. Medidas que reforçavam a autoridade episcopal e que não remetiam, no que se refere à administração do batismo, à coerção pela força.

Não só em questões relativas à ordenação da cristandade se pode ver o arcebispo como executor fiel da política régia. Gaspar de Leão aparece como figura que prestava auxílio e aconselhamento nas coisas terrenas também, como no esforço de reduzir as despesas do Estado (REGO, 1953a, p. 553-555) e na elaboração do regimento de Goa em 1565 (REGO, 1953a, p. 555-600). Essa situação se repetiu em sua segunda prelatura, tarefa na qual parece ter tido papel central, sendo as deliberações conduzidas em sua casa.25

Mas o arcebispo não foi o único a ceder, e nem havia renunciado a suas concepções, como mostra o episódio do jubileu. O proselitismo de alguns cristãos interessados nas indulgências prometidas precisou ser contido pelo arcebispo e pelo vice-rei, então Dom Antônio de Noronha, ciente da posição do prelado, “que não hé de parecer que se fação [cristãos]26 senão por sua vontade” (WICKI, 1960, p. 402). Cuidadoso, Noronha acrescentava que os padres da Companhia eram do mesmo parecer, mas advertia que o comportamento do passado deveria ser abandonado, sob ameaça de punição. A linha entre a perene demanda de missionários e a cautela que se devia ter com seus procedimentos era tênue. As palavras do vice-rei deixam claro como os excessos dos padres causaram problemas à autoridade régia, tendo Noronha sido obrigado a passar garantias escritas aos moradores de algumas regiões de que não seriam batizados à força para não perder as rendas daquelas terras ou sua força de trabalho. A cristianização precisava seguir em frente, e o vice-rei lembrava a importância dos jesuítas em áreas distantes que a coroa não provia de clérigos, mas havia limites a serem cuidadosamente observados e erros, como os cometidos no tempo de Dom Constantino, a não serem repetidos (WICKI, 1960, p. 400-405).

A concórdia era útil também aos jesuítas. No início de 1566, os padres fariam uso dessa boa relação como contrapeso em seus problemas com os agentes da justiça secular, que, de acordo com a reclamação do padre Barreto, afrouxavam o cumprimento das punições às infrações relativas à realização de cerimônias gentílicas e haviam prendido alguns que auxiliavam no trabalho de proselitismo. Pedia-se que a tarefa ficasse a cargo de Gaspar de Leão (WICKI, 1960, p. 673-714).

No discurso dirigido aos superiores, o prelado havia sido finalmente dobrado àquilo que os jesuítas apresentavam como as particulares circunstâncias da terra e entendido a necessidade de se avançar no número de batizados, deixando de colocar obstáculos à ordem. O exame de seus escritos, todavia, também indica que a crença no poder da conversão movida pela graça, pela ciência da doutrina e pelo amor filial, rompendo a barreira da ignorância, constituíam ainda os eixos norteadores de seu entendimento e discurso acerca da conversão e os pilares da imagem de seu governo. A figura de um prelado que governa os regulares seria suplantada pela de um prelado que governa junto a eles. De uma forma ou de outra, Gaspar de Leão certamente seria forçado a ceder, confrontado com a impossibilidade de seguir enfrentando a Companhia devido às censuras da coroa e de Roma, seguidas por ordem da coroa ao vice-rei de dar sequência aos batismos solenes como antes se fazia, emitida em 1563 (WICKI, 1960, p. 11-14). Seus impulsos iniciais como primeiro arcebispo de Goa haviam sido definitivamente cortados. Leão aprenderia, logo no início de sua prelatura, a serviço de quem devia exercer o ofício de bispo, e a Companhia de Jesus era, naquele cenário, instituição bem alinhada com os interesses régios. Por esse motivo, apesar de ser uma instituição muito jovem, especialmente na Índia, era mais proveitoso ter com ela boas relações.

Importava demasiado a imagem de uma cristandade em crescimento, de acordo com as determinações dos teólogos e cânones, vencendo a infidelidade e a gentilidade como obra catequética de esforço comum, para a qual estavam harmoniosamente orientadas todas as autoridades do corpo eclesiástico. Urgia apagar o aspecto de conversão forçada em prol da imagem do Estado da Índia e da Igreja asiática e assegurar a continuidade do afluxo das rendas. Conversão esta à qual eram lançados os não cristãos confrontados com todas as censuras impostas a seus ritos e a sua organização social, política deflagrada pela coroa e impulsionada pelo arcebispo.

Considerações finais

O episódio da querela entre Gaspar de Leão e a Companhia de Jesus evidencia como os procedimentos adotados para a conversão dos não cristãos, seus significados e o que se esperava daqueles que adentravam a cristandade, a partir de diferentes credos, eram matérias sobre as quais havia múltiplas percepções, especialmente quando dirigimos nosso olhar para um período em que as ordens religiosas ganhavam ainda suas primeiras décadas de experiência missionária em terras distantes, aliadas ao impulso expansionista dos reinos ibéricos sob o manto da fé, tempo em que o episcopado crescia em sua posição de pastorado das almas sob a égide do Padroado e do Patronato e da autoridade concedida aos ordinários em Trento, e em que o papado reconfigurava sua soberania e precisava entrar no jogo diplomático dos impérios modernos para assegurar o lugar de uma cristandade católica. Os tantos braços do corpo eclesiástico poderiam convergir ou se chocar, sendo eles mesmos compostos por fissuras. A Companhia de Jesus, instituição muito jovem, mas capaz de atender às demandas desse novo cenário, não seria diferente, e se compunha de entendimentos diversos quanto à conversão, movidos pelo ímpeto missionário, pela experiência no campo asiático, pela desolação diante do que era entendido como insucesso e pertinácia, pela pressa em salvar o máximo de almas, pela intenção de se conformar aos desejos dos que a favoreciam... fatores que, para os irmãos de Goa, conduziram a uma percepção de conversão como trabalho sem fim.

O choque originado na chegada do arcebispo, fazendo uso de seu poder como pastor e como (ao menos em seu parecer) voz da coroa em matérias de fé, acionou engrenagens que expunham ao prelado como o problema da conversão em terras distantes e sob (um sempre ameaçado) domínio lusitano ia muito além de seus preceitos teológicos, fincando suas raízes nas demandas de expansão da cristandade, mote da aliança entre papado e coroa que privilegiou o aumento do número de batismos, não obstante os métodos controversos dos jesuítas. Como sublinhou Xavier (2015, p. 142-143), o batismo era, naquele momento, uma arma política para a coroa, sendo a conversão cultural chave para uma segunda fase do estabelecimento português em Goa. Contido, o arcebispo precisou mover suas hesitações para outro plano.

Mas entender que havia alcançado uma barreira na contenda com a Companhia não significava ter de abandonar seus pressupostos teológicos acerca de seu papel como mitrado na ampliação da cristandade e no governo de sua igreja ou dos métodos mais desejáveis para alcançar tal feito. Gaspar de Leão propagandearia a conversão pela graça em seu discurso, como um duplo dos batismos movidos pelos jesuítas, desprovido da ilusão de que poderia governar sua igreja subjugando os jesuítas ou de que com os cuidados catequéticos alcançaria os resultados que satisfariam as necessidades e os anseios imperiais portugueses, sem, contudo, deixar de sustentar que na vontade residia a mais perfeita conversão. Como figura presente nas mais importantes deliberações para a manutenção e a ordenação da Goa cristã, mostrou-se governador das almas. Pela via da palavra impressa, marcava sua prelatura como difusora do apelo à conversão pela iluminação, como atenta às particularidades de sua igreja para ordená-la tal qual um verdadeiro pastor: ensinando, acolhendo e encaminhando suas ovelhas. Gaspar de Leão traçava como um dos pilares de seu governo o direcionamento espiritual - tal qual o “espiritual hortelão” que convocava de São Paulo para seu Compendio Spiritual, como lembrou Xavier (2014, p. 141) -, colocando-se, ao menos no campo da palavra e da controvérsia teológica, em um plano diferente - e mais alto? - daquele em que estavam os padres da Companhia.

  • 1
    Trad. livre da autora: “El modo que dizen tuvieron en ello parece a la gente, assí allá en la India como acaa en Portugal, violento y a nuestro modo de proceder muy extraordinario, ne dicam adversario, porque dizen que trahían en prisión a los gentiles por que usavan de ritos de gentilidad contra cierta ley y ordinación del Rey de Portugal que les fué manifestada, y que los nuestros en alguna manera entravan en estas prisiones. Y después trayéndolos a prisión, o estando ya presos, dizían que se querrían hazer christianos (…), y diziendo esto los llevavan al collegio de S. Pablo, y medio cathechizados y otros con poca o ninguna cathechización, los baptizavan”.
  • 2
    Trad. livre da autora: “no son tan a propósito de nuestro Instituto”.
  • 3
    Embora em 1549 já se tivesse procedido à expulsão de alguns brâmanes, foi sob Dom Constantino de Bragança que essa estratégia despontou. Em 1560, foi promulgada uma lista dos brâmanes que deveriam deixar Goa, sob pena de perda da fazenda e condenação às galés, podendo os naturais de Bardez e Salcete para lá retornarem. Isso seria sinal da centralidade política de Goa (XAVIER, 2015, p. 131). Foi a essa provisão que o padre Herédia se referiu ao narrar os episódios de violência em que os jesuítas tomaram parte, como discutido anteriormente.
  • 4
    Trad. livre da autora: “Baptizáronse muchos sin ser catechizados, y no podía ser menos, porque no era posible doctrinar a todos los que se convertían antes de darles el sancto baptismo, y si se les dilatara, era peligro muy probable de que bolverían a sus idolatrías, y baptizándolos quedavan seguros, y después se dava orden cómo fuessen doctrinados”.
  • 5
    Para Clossey (2008, p. 114-135), o zelo pela salvação das almas que motivava o recrutamento para a Companhia confundia-se com o zelo pela salvação de si próprio, diante da premente certeza de que se aproximava o fim dos tempos.
  • 6
    Após a tomada de Goa, apenas as terras pertencentes aos muçulmanos foram entregues a portugueses, arranjo reforçado por ordem régia de 1519. Os costumes e usos da terra foram codificados no Foral de Mexia, de 1526 (SOUZA, 1994, p. 57-63).
  • 7
    Como destacou Jorge Flores (2018), as relações de vizinhança com os soberanos asiáticos, como no caso dos mogóis, caracterizavam-se pela rejeição. Mas, apesar do potencial conflito que marcava as fronteiras entre aqueles mundos, elas não devem ser pensadas como impermeáveis, constituindo, em muitos aspectos, zonas de contato.
  • 8
    Trata-se da provisão que dizia respeito aos brâmanes, dada em 2 de abril de 1560 (RIVARA, 1865, p. 451-452).
  • 9
    Oficial responsável pela tributação de aldeias.
  • 10
    Tratou da conduta dos clérigos o Decreto de Reforma da Sessão XIV (IGREJA CATÓLICA, 1781a, p. 363-397).
  • 11
    Outras explicações circularam. Padre Barreto buscava convencer Laínez de que toda a querela se baseava em rumores alardeados por reinóis que usavam os não cristãos em seus negócios lícitos e ilícitos e que tinham como objetivo prejudicar o trabalho de cristianização desenvolvido pela Companhia e pelo vice-rei, incomodados com o despovoamento das terras e a aplicação de renda excessiva ao negócio da conversão (WICKI, 1958, p. 481-486).
  • 12
    Trad. livre da autora: “En esta tierra, Padre, no se hazen milagros ni los gentiles ven tan perfecta vida en los purtugueses”. Cito missiva do padre Nunes Barreto a Laínez, de 15 de janeiro de 1562.
  • 13
    Trad. livre da autora: “no como cosa final, mas como ympulsiva”.
  • 14
    Trad. livre da autora: “mui aprehensivo et appréhendât immobiliter”.
  • 15
    Refiro-me novamente à missiva do padre Barreto a Laínez.
  • 16
    Há discordâncias sobre a datação da missiva. Seguimos a datação de Wicki, 1º. de dezembro de 1561, de acordo com o manuscrito conservado na Biblioteca da Ajuda. Ver: BIBLIOTECA DA AJUDA (BDA), Lisboa. Copia da Carta geral do Collegio de Goa do P.e luis frois Da Conuerção aos Jnfiees pera os padres e Jrmãos De portugual e europa, 1561. Cód. 49-IV-50, f° 350r-352r.
  • 17
    Refiro-me novamente à missiva do padre Froes aos irmãos de Lisboa.
  • 18
    Esta coleção apresenta a versão hispânica da missiva, que possui duas sentenças a mais que a portuguesa, localizada na BDA, Lisboa. Copia de huma Do Bispo de goa pera ho padre Doctor Miguel De Torres, 16 nov. 1561. Cód. 49-IV-50, f° 408v.
  • 19
    O arcebispo colocava-se numa posição similar àquela que emergia como função da Mesa da Consciência, de dirimir conflitos entre poder secular e teologia moral (MARCOCCI, 2014).
  • 20
    Esta epístola era parte de um conjunto que tratava da cristianização do Estado: uma dirigida aos procuradores públicos de Goa, uma ao vice-rei; haveria, ainda, segundo Wicki (1958, p. 512-514), uma outra, perdida, dirigida à Companhia.
  • 21
    A provisão de março de 1560 dava poder ao vice-rei para apresentar os clérigos nomeados por Gaspar de Leão para benefícios, conezias e dignidades, sem que os nomeados precisassem ir ao reino. Isso objetivava facilitar o processo de composição do corpo eclesiástico, ao mesmo tempo que mostrava a confiança depositada no arcebispo que se encaminhava para Goa.
  • 22
    A condução pontifícia dos debates sobre o ius divinum se entende pela preocupação papal - herdeira do fantasma do conciliarismo - em manter a centralidade de Roma. Ver: Tallon (2004).
  • 23
    A moderação nos procedimentos processuais e punitivos com os nativos, objetivando sua permanência nos limites da cristandade, foi um traço marcante também no âmbito da Inquisição de Goa (FEITLER, 2016).
  • 24
    Informação referida em missiva do padre Lourenço Peres de dezembro de 1563. O discurso feito pelo arcebispo convocava autoridades das Escrituras para indicar a medida como necessária por serem os brâmanes os dotados de ciência sobre as leis dos gentios e responsáveis por ensiná-las aos demais, enunciado que permite aproximar sua concordância com a expulsão dos brâmanes ao argumento central de sua carta pastoral sobre os rabis como enganadores de seu povo (LEÃO, 2014), como indicou Xavier (2014, p. 141).
  • 25
    ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO (AHU), Lisboa. Regimento da fazenda, 1576. Conselho Ultramarino, Regimentos da Índia, Cod. 217, f° 1v-2r. Concluído o regimento, o arcebispo não chegou a assiná-lo devido a seu falecimento.
  • 26
    Inserção da autora.

Agradecimentos

Este texto é fruto de pesquisa que conta com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (432623/2018-3).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2022
  • Revisado
    26 Abr 2022
  • Aceito
    27 Abr 2022
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Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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