Open-access Estudo Experimental e Numérico de Tensões Residuais em Juntas Soldadas com e sem Restrição

Numerical and Experimental Study of Residual Stress in Welded Joints with and without Constraint

Resumo

O conhecimento das tensões residuais geradas nos processos de soldagem apresenta especial importância no desempenho das estruturas e componentes soldados, pois durante a vida em serviço eles estarão sujeitos a diferentes níveis de carregamentos, que associados aos campos de tensões residuais pré-existentes podem levar à ruptura inesperada. Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo estudar o nível das tensões residuais geradas em juntas soldadas, pelo processo arame tubular (FCAW - Flux Cored Arc Welding), de aço ASTM A 131 Grau A, usadas na construção naval, por difração de raios-X, usando a técnica do sen2ψ. Foi realizado um estudo comparativo das mudanças nos campos de tensões quando adotadas restrições para manter a geometria de projeto da junta, bem como uma análise numérica computacional pelo método de elementos finitos, com os resultados obtidos pelo método experimental. A maioria dos resultados das tensões residuais mostrou que houve similaridade qualitativa, na sua natureza, entre o modelo e os experimentos nas regiões da zona termicamente afetada e do metal de solda. As análises de microdureza Vickers e a caracterização microestrutural por microscopia óptica das juntas soldadas complementaram o presente estudo.

Palavras-chave: Soldagem; Tensões residuais; Graus de restrição; Difração de raios-X; Método dos elementos finitos

Abstract

The knowledge of the residual stresses generated on the welding processes implies special relevancy in welded structures and components, because during his service life they will be working at several loading conditions that associated to the pre-existing residual stresses fields they can lead to a catastrophic failure. In this context, the present work has the purpose to study the residual stresses field generated in joints welded by the FCAW (Flux Cored Arc Welding) process, of ASTM A 131 grade A steel, used in ship construction, by X-ray diffraction, using the sin2ψ technique. It was realized a comparative study of the changes in the stress fields when adopted restrictions in order to maintain the design of the joint, as such a numerical computational analysis by the finite element method, with the results of the experimental analysis. The majority of residual stresses results had demonstrated qualitative similarity in their nature between the model and the experimental work in the heat affected region and welded zone. The Vickers microhardness analysis and microstructural characterization by optical microscopy had complemented the present work.

Key-words: Welding; Residual stresses; Constraint grades; X-ray diffraction; Finite element method

1. Introdução

A soldagem é o principal método de união empregado na construção naval e de estruturas offshore. Entretanto, é inevitável que tensões residuais e distorções sejam induzidas durante processo devido à não-uniformidade da expansão e contração do material ao longo do condão de solda (Chen et al., 2015). As construções navais devem apresentar requisitos de confiabilidade que atendam a determinados critérios de projeto, fabricação e montagem e garantam uma longa e bem sucedida vida em serviço, conforme as especificações. Assim sendo, o surgimento, a natureza e o comportamento das tensões residuais, intrínsecas ao processo de soldagem do material, apresentam especial importância no desempenho e na vida útil das estruturas e componentes soldados. Particularmente, na construção naval as tensões residuais podem afetar a resistência estrutural do navio nas situações de flambagem de chapeamentos, trincas de fadiga em cordões de solda e fratura frágil na vizinhança de emendas de topo (Pamnani et al., 2016).

O processo de soldagem é caracterizado pela alta concentração de transiente térmico, causando um campo de temperaturas extremamente desigual e instável. Como resultado, as tensões residuais de soldagem e as distorções ocorrem (Huang et al., 2016). As tensões residuais de soldagem têm três origens: contração das regiões diferentes aquecidas e plastificadas, resfriamento ao longo da espessura e transformação de fases. A contração, no caso da junta de topo, ocorre pela variação de temperaturas entre o cordão de solda e o metal base. O cordão de solda, ao resfriar, tende a se contrair, no entanto o metal base, que estará em temperatura bem diferente, tenderá a resistir parcialmente ao esforço de contração do metal de solda, o leva à geração de tensões residuais de contração. De modo análogo, a variação de temperaturas ao longo da espessura da chapa induzirá tensões residuais. Por fim, devido ao resfriamento não uniforme, ocorrem transformações de fases metalúrgicas levando à nucleação de grãos de novas fases, que demandarão espaço para acomodar o volume necessário do novo arranjo cristalino e a consequente geração de mais tensões residuais. O estado de tensões ao final do processo depende da superposição destas tensões ao longo do cordão de solda (Macherauch e Wohlfahrt, 1977; Zinn e Scholtes, 2002).

A tensometria por difração de raios-X é um método não-destrutivo, confiável e bem estabelecido na determinação das tensões, residuais e aplicadas, em materiais cristalinos (Kandil et al., 2001). Ela permite qualificar e quantificar em magnitude e direção as tensões existentes em dado ponto do material. Os seus princípios básicos foram desenvolvidos há mais de cinquenta anos e são baseados em duas teorias: a teoria da difração de raios-X em materiais cristalinos e a teoria da elasticidade do material sólido, oriunda da mecânica dos sólidos. Através desta técnica é possível determinar o valor das tensões residuais e aplicadas em materiais cristalinos pelo princípio subjacente à lei de Bragg, a qual estabelece que para um dado comprimento de onda (λ) existe apenas um espaçamento (d) entre planos atômicos paralelos, a distância interplanar, e um ângulo θ, ângulo de interferência construtiva, para os quais é satisfeita a seguinte equação: nλ = 2d senθ, sendo n um número inteiro (Lindgren e Lepisto, 2003).

Modelos numéricos têm sido desenvolvidos para representar o efeito da transferência de calor da poça de fusão ao longo da espessura. Goldak et al. (1984) elaboraram um modelo com distribuição gaussiana volumétrica, formado por um quadrante de dois elipsóides. Este modelo tem sido amplamente utilizado para simulação da fonte de calor para soldagem a arco. Fachinotti et al. (2011) desenvolveram uma solução analítica para o campo de temperaturas a partir do modelo de Goldak. Demarque et al. (2015) utilizaram o modelo de Goldak para simulação da fonte de calor na soldagem de vergalhões utilizados na construção civil. Vários autores (Chang e Teng, 2004; Kong et al., 2011; Manurung et al., 2013; Pamnani et al., 2016) desenvolveram modelações em elementos finitos do processo de soldagem a arco utilizando o modelo de Goldak, sempre validadas por métodos experimentais e obtiveram resultados satisfatórios. Nestes trabalhos a análise desacoplada tem sido considerada aceitável para a simulação do processo e o método experimental utilizado na maioria deles tem sido o de difração de raios-X.

No presente trabalho foram estudadas, por difração de raios-X, as tensões residuais decorrentes do processo de soldagem pelo processo arame tubular (FCAW - Flux Cored Arc Welding), com proteção gasosa, de chapas de aço ASTM A131 Gr. A, com e sem restrição. Os resultados experimentais foram comparados aos numéricos obtidos por elementos finitos. Análises de microdureza Vickers e a caracterização microestrutural por microscopia óptica das juntas soldadas complementaram o presente estudo.

2. Materiais e Métodos

Foi estudado o aço ASTM 131 Gr. A, fabricado na forma de chapa laminada a quente com 8 mm de espessura. A composição química está apresentada na Tabela 1 (Norma) e Tabela 2, (Fabricante) respectivamente e as propriedades mecânicas estão apresentadas na Tabela 3.

Tabela 1
Composição química do aço, conforme a Norma ASTM A131 Gr. A (max % em peso).
Tabela 2
Composição química do aço estudado (em % de peso).
Tabela 3
Propriedades mecânicas do aço estudado.

Nas Tabelas 4 e 5 são apresentadas, respectivamente, a composição química e propriedades mecânicas do metal de adição, fornecidas pelo fabricante do arame.

Tabela 4
Composição química do arame E71T-1C/M-H8 (em % de peso).
Tabela 5
Propriedades mecânicas do arame E71T-1C/M-H8.

2.1. Métodos experimentais

Foram soldadas, pelo processo arame tubular (FCAW - Flux Cored Arc Welding), com proteção gasosa de CO2, duas juntas semelhantes com chanfro reto, com 8 mm de espessura e dimensões aproximadas de 250 × 250 mm. Como metal de adição foi usado o arame E71T-1C/M-H8, com 1,1 mm de diâmetro. Todos os parâmetros de soldagem das juntas de topo, com e sem restrição, estão apresentados na Tabela 6.

Tabela 6
Parâmetros de soldagem das juntas.

Na soldagem da junta de topo com restrição foram usados grampos de fixação, conforme mostrado na Figura 1.

Figura 1
Junta de topo com restrições.

A eficiência do arco obtida, de 0,8, foi considerada razoável para o processo FCAW e coerente com a literatura (Kou, 2003). O aporte térmico foi calculado pela Equação 1 (Taniguchi, 1992).

Q = e a 60 V I v (1)

onde:

Q = aporte térmico em J/cm;

V = tensão em Volts;

I = corrente em Amperes;

v = velocidade de passe em cm/min;

ea = eficiência do arco.

A preparação das amostras, para medição das tensões residuais por difração de raios-X, foi realizada por polimento eletrolítico para a remoção da camada de óxidos proveniente da soldagem. O polimento foi obtido com o uso de um pincel embebido em eletrólito à base de solução saturada de cloreto de sódio, com parâmetros de tensão e corrente de cerca de 30 V e 0,25 A, respectivamente. As medidas das tensões residuais foram realizadas pela técnica de difração de raios-X, pelo método do sen2ψ, usando radiação CrΚα, (λ)CrΚα = 2,29092 Å, difratando o plano (211) da ferrita, com tensão de 30 kV e corrente de 6,7 mA. Foi usado um analisador de tensões residuais Stresstech XStress3000. A Figura 2 apresenta as regiões da junta soldada em que foram feitas as medições das tensões residuais, no metal de base (MB), zona termicamente afetada (ZTA) e metal de solda (MS), na direção longitudinal (paralela ao cordão de solda). O equipamento analisador de tensões (Figura 3) fornece, através do software XTronic V1-0 Standard (stresstechgroup.com), o valor da tensão residual no ponto medido.

Figura 2
Esquema da junta soldada e posicionamento dos pontos de medição (cotas em mm).
Figura 3
(a) Analisador de tensões por difração de raios-X; (b) Amostra em posição de análise.

2.2. Análise numérica pelo método dos elementos finitos

A análise por elementos finitos em juntas soldadas de topo, normalmente é feita desacoplada, ou seja, primeiramente é feita a análise térmica, seguida pela análise estrutural. Na análise térmica é aplicado o modelo da fonte de calor que varia em função do tempo e coordenadas e o programa calcula a função campo de temperaturas em função do tempo. O arquivo de saída da análise térmica é utilizado no modelo mecânico, sendo as temperaturas aplicadas nas posições e tempos correspondentes à soldagem das amostras. A análise mecânica, por sua vez, calcula as tensões decorrentes das variações de temperatura e restrições existentes no modelo. As análises térmica e mecânica foram desenvolvidas conforme o fluxograma apresentado na Figura 4.

Figura 4
Fluxograma usado nas análises mecânica e térmica.

Foi gerado um modelo em elementos finitos, utilizando a versão acadêmica do programa Ansys Workbench versão 17.0. O programa trabalha com a resolução discretizada utilizando o método dos resíduos ponderados, modo de Galerkin. No presente trabalho, foi definida a simulação 2D de uma meia seção transversal da junta, considerando que a amostra apresenta simetria em relação à linha da solda e visando diminuir o tempo de processamento computacional (Figura 5).

Figura 5
Região modelada da amostra.

Para a definição dos elementos, em função da geometria do modelo, foi usada uma malha com elementos quadriláteros, sendo que na análise térmica foi utilizado o PLANE77 e na análise mecânica o PLANE183. O PLANE77 é um elemento térmico 2D, de segunda ordem, com oito nós e com um grau de liberdade em cada nó, que é a temperatura. Esse elemento também é aplicado em análises térmicas transientes, como o caso estudado no presente trabalho. O PLANE183 é um elemento mecânico 2D, de segunda ordem, com 8 nós e com 2 graus de liberdade em cada nó, que seriam translações nas direções x e y. O elemento PLANE183 pode ser usado em análise de estado de tensões planas, estado de deformações planas e deformação plana generalizada. O elemento também pode ser aplicado em plasticidade, hiperelasticidade, fluência, grandes deslocamentos e deformações. Além das cargas mecânicas passíveis de serem aplicadas, o elemento é suscetível também à carga térmica. Após sucessivos refinamentos de malha, chegou-se à malha utilizada para a análise numérica (Figura 6) com ampliação da área de interesse apresentada na Figura 7.

Figura 6
Aspecto da malha em elementos finitos.
Figura 7
Detalhe da região soldada.

As propriedades do material, nas quais foi considerada a variação de temperatura, foram o coeficiente de expansão térmica, a condutividade térmica, o calor específico e o módulo de Young, cujas curvas foram obtidas por Jeyakumar e Christopher (2013) e estão mostradas na Figura 8. A densidade e o coeficiente de expansão térmica são as propriedades que não sofrem variação significativa com a temperatura, assim sendo, foram considerados constantes.

Figura 8
Propriedades do material: (a) Coeficiente de expansão térmica; (b) Condutividade térmica; (c) Calor específico; (d) Módulo de Young. Fonte: Jeyakumar e Christopher (2013).

Sabendo que o processo de soldagem é um problema termomecânico transiente, os quatro parâmetros utilizados na resolução da equação da condução do calor (Figura 8), que variam com a temperatura, assumem um valor diferente para cada intervalo infinitesimal de cálculo. Este valor é obtido de acordo com a temperatura em que está sendo realizado o processamento da solução.

Na curva do calor específico 8(c) foi desconsiderado o efeito do calor latente na faixa de mudança de fase A1/A3, pois conforme Malik et al. (2007), o efeito do calor latente é mais perceptível no metal base, enquanto na zona termicamente afetada o comportamento é mais regular.

A resolução do problema por elementos finitos consistiu na solução discretizada da equação de condução do calor (Equação 2):

ρ c T t = q + Q . (2)

onde:

ρ= densidade (g/mm3);

c = calor específico (J/g°C);

T = função temperatura de x,y,z,t (°C);

q = função vetorial do fluxo de calor (W/mm2);

Q. = taxa de geração interna de calor (W/mm3);

= operador gradiente.

Foi necessária também a definição das condições iniciais e de contorno. Para a modelação térmica, foi considerado um fluxo de calor na superfície (que no modelo2D corresponderá às bordas do mesmo), com a utilização de um coeficiente de convecção combinado com radiação, conforme Equações 3 e 4:

h = 24,1 × 10 4 ξ T 1,61 (3)
q c r = h ( T T 0 ) (4)

onde:

qcr= fluxo de calor na superfície (W/m2);

h =coeficiente combinado de convecção e radiação (W/m2°C^4);

ξ = emissividade;

T0 = Temperatura ambiente (°C).

Além disso, foi necessário estabelecer a temperatura inicial, que foi considerada 27 °C. Como foi modelada uma meia seção transversal da junta, o centro da mesma foi considerado adiabático. Através da programação de rotinas contendo os comandos EKILL e ELIVE, que correspondem à desativação e ativação das propriedades de um elemento, foi possível simular a deposição dos passes de solda. A convecção existente após a aplicação do primeiro e do segundo passe também foi considerada (Figura 9).

Figura 9
Regiões de convecção no modelo térmico.

Na região da raiz da junta, um trecho foi considerado com troca de calor nula, devido ao cobre-junta de cerâmica utilizado, sendo que o programa já considera automaticamente a convecção e a radiação como nulas, quando não é especificada nenhuma condição de contorno. Para atender às condições de simetria na análise estrutural, foi considerada a restrição de deslocamento na direção x (borda B da Figura 10), sendo também necessário o engastamento de um nó (ponto A da Figura 11). A simulação da restrição ao movimento para baixo, correspondente à mesa de soldagem, foi feita utilizando a função Compressed Only Support, (borda C da Figura 11).

Figura 10
Condições de contorno no modelo estrutural, junta sem restrição.
Figura 11
Condições de contorno no modelo estrutural (detalhe na região da solda).

Na junta com restrição, além das condições de contorno aplicadas na junta sem restrição, foi aplicado um engastamento na borda da junta, de modo a configurar a restrição ao deslocamento vertical, no extremo da mesma (Figuras 12 e 13). Embora a condição de engastamento não corresponda exatamente àquela empregada no experimento, ela foi considerada no modelo numérico para que a análise fosse executada.

Figura 12
Condições de contorno no modelo estrutural, junta com restrição.
Figura 13
Condições de contorno no modelo estrutural, junta com restrição (detalhe na borda).

2.3. Análises macro e microestrutural e de microdureza Vickers

A análise microestrutural das juntas soldadas foi realizada por microscopia óptica. A amostra da seção transversal da junta foi retirada abrangendo as regiões do MB, ZTA e MS e preparada por lixamento com lixas de granulação 220, 320, 400, 600 e 1200 mesh. A fim de revelar a microestrutura, a amostra foi atacada com reagente Nital 3% e analisada no microscópio óptico, para identificação das fases presentes no material. As análises macro e microestruturais foram realizadas com estereoscópio e microscópio óptico, ambos da Opton.

As análises de microdureza Vickers foram realizadas em um microdurômetro da marca Time Group Inc modelo HVS-1000, com carga de 0,49 N, em duas linhas horizontais na seção transversal da junta soldada, uma próxima à raiz e outra próxima à face da junta.

3. Resultados e Discussão

3.1. Ciclos térmicos na análise numérica

A soldagem das juntas foi feita em dois passes. O perfil das temperaturas máximas nas juntas em função do tempo na região do cordão de solda, na seção transversal analisada, está apresentado na Figura 14. Os tempos em que ocorreram os picos de temperatura estão de acordo com os tempos medidos na soldagem das amostras, assim como a temperatura de interpasse, que está abaixo de 220 °C.

Figura 14
Perfil de temperaturas máximas nas juntas.

Embora no conceito de tensões residuais não exista variação de temperatura, foi decidido terminar a análise numérica quando o resfriamento atingiu cerca de 60 °C, considerando que a variação de temperatura por convecção, que poderia ainda existir até a temperatura ambiente, não teria efeito significativo nas deformações e tensões residuais. As temperaturas máximas atingidas pela seção da junta, em cada passe, são mostradas nas Figuras 15 e 16.

Figura 15
Distribuição de temperaturas no 1º passe, no tempo do pico.
Figura 16
Distribuição de temperaturas no 2º passe, no tempo do pico.

A Figura 17 apresenta a superposição da distribuição de temperaturas das Figuras 15 e 16, com o foco na demonstração da região que sofreu austenitização.

Figura 17
Região austenitizada da junta.

Analisando as regiões hachuradas da Figura 17, é possível perceber o início da ZTA, que está situada a cerca de 8 mm do centro do cordão de solda.

3.2. Comparação dos resultados das tensões: junta sem restrição (SR) vs junta com restrição (CR)

Foi feita uma comparação gráfica entre os resultados das tensões residuais longitudinais para as juntas sem e com restrição, conforme as Figuras 18 a 21.

Figura 18
Tensões residuais longitudinais experimentais: (a) na face e (b) raiz.
Figura 19
Tensões residuais longitudinais, MEF na face SR vs CR (a) região da face (b) região da raiz.
Figura 20
Tensões residuais longitudinais, MEF vs Experimental, sem restrição: (a) na face e (b) raiz.
Figura 21
Tensões residuais longitudinais, MEF vs Experimental, com restrição: (a) na face e (b) raiz.

Analisando a Figura 18, é possível notar um comportamento qualitativo similar das tensões residuais, que apresentam a mesma natureza, com tensões trativas nas regiões do MS e na ZTA com tendência à compressão à medida que se distancia do centro do cordão de solda, tanto na face (Figura 18a) quanto na raiz (Figura 18b). A restrição não provocou aumento nos valores das tensões residuais trativas. Tal comportamento era esperado, pois está coerente com os resultados apresentados por Kou (2003) e Masubuchi (1980), que obtiveram valores de tensões residuais similares para as juntas de topo soldadas com e sem restrição. Os resultados das tensões residuais calculadas pelo MEF estão apresentados na Figura 19. Entende-se que as diferenças observadas nos valores encontrados entre as medições experimentais e os resultados do modelo em elementos finitos no metal de base são devidas à desconsideração do calor latente de mudança de fase sólida na faixa A1/A3, pois conforme Malik et al. (2007), o efeito do calor latente é mais perceptível no metal de base.

Pela análise da Figura 19 é possível perceber que a aplicação de restrição no modelo numérico praticamente não alterou o nível das tensões residuais. Uma comparação gráfica entre os resultados das tensões residuais obtidas pelo MEF e por difração de raios-X é mostrada nas Figuras 20 e 21.

As tensões residuais medidas experimentalmente apresentaram boa correlação com as tensões obtidas pela simulação numérica na região do MS (Figura 20), porém, houve uma tendência à divergência crescente conforme aumentou o afastamento do centro do cordão de solda, tanto na face quanto na raiz. Os resultados experimentais apresentaram padrão semelhante ao obtido por Macherauch e Wohlfahrt (1977). A divergência entre os valores de tensões residuais na região do MB calculadas pelo MEF e pela tensometria por difração de raios-X, provavelmente se deve a uma das simplificações feitas no modelo numérico, como a desconsideração do calor latente de mudança de fase no estado sólido. A Figura 21 apresenta o comparativo entre os resultados obtidos pelo MEF e por difração de raios-X, para a junta com restrição. Houve, neste caso, comportamento similar para as regiões do MS e da ZTA e as divergências notadas podem ser explicadas pelas tensões residuais pré-existentes no metal base, e também devido ao fato da simulação numérica não considerar o relaxamento elástico devido à remoção das restrições, pois as tensões residuais foram medidas por difração de raios-X nas amostras, após a retirada da restrição.

Nas Figuras 22 e 23 estão apresentadas as microestruturas obtidas por microscopia óptica no centro de cada amostra. Considerando que o aço estudado é de composição hipoeutetóide, conforme esperado, a microestrutura do metal base é composta por uma matriz ferrítica de grãos equiaxiais com algumas colônias de perlita. A Figura 22 apresenta as regiões de grãos finos e de grãos grosseiros que compõem a microestrutura da ZTA.

Figura 22
Microestrutura da ZTA: (a) de grãos finos e (b) grãos grosseiros.
Figura 23
Microestrutura do metal de solda: (a) na raiz e (b) no segundo passe.

A Figura 23 apresenta as microestruturas do metal de solda, no passe de raiz e no segundo passe subsequente. As micrografias mostram grãos de ferrita acicular (AF), ferrita primária (PF), ferrita com segunda fase (FS) e agregados ferrita-carbeto (FC), conforme Thewlis (2004).

A heterogeneidade das morfologias da microestrutura do MS também pode contribuir para a composição das tensões residuais, pois no metal de solda ocorre a presença de produtos da austenita, tanto displacivos quanto reconstrutivos, formados em instantes diferentes (Bhadeshia, 2002).

Nas Figuras 24a e b são apresentados os perfis de microdureza Vickers obtidos nas juntas sem e com restrição, respectivamente.

Figura 24
Microdureza Vickers nas juntas: (a) sem restrição e (b) com restrição.

Analisando a Figura 24 é possível perceber que os valores de microdureza Vickers da junta sem restrição apresentaram um pico de cerca de 270 HV em uma das ZTAs, na região próxima à face da junta. Já nas outras regiões a microdureza mostrou um padrão mais coerente com o do metal de base, oscilando na faixa de 140 a 180 HV. O metal base apresentou valores de microdureza que oscilaram na faixa de 120 a 150 HV, o que está coerente com a resistência mecânica do material.

Com relação à extensão da ZTA com relação ao centro do cordão de solda, na junta sem restrição foi de cerca de 9 mm, enquanto que na junta com restrição foi de cerca de 11 mm. Estes valores estão próximos ao obtido pela simulação numérica (cerca de 8 mm).

4. Conclusões

O presente trabalho, que teve como objetivo estudar, por difração de raios-X e pelo método dos elementos finitos, as tensões residuais geradas na soldagem pelo processo arame tubular de chapas de aço ASTM A131 Gr. A, com e sem restrição, além de analisar a microdureza Vickers e a microestrutura das juntas soldadas, permite as seguintes conclusões:

  1. 1

    As tensões residuais obtidas experimentalmente por difração de raios-X são trativas e estão coerentes em natureza e magnitude com aquelas calculadas numericamente no metal de solda das juntas soldadas;

  2. 2

    Na zona termicamente afetada as tensões residuais trativas obtidas por difração de raios-X estão coerentes em natureza com as calculadas numericamente, enquanto que no metal de base as tensões tendem para compressão à medida que a distância do centro da junta aumenta;

  3. 3

    A restrição imposta a uma das juntas não provocou aumento significativo das tensões residuais trativas, quando comparado com os resultados da junta sem restrição;

  4. 4

    Os perfis de microdureza Vickers obtidos em ambas as juntas apresentaram um padrão bastante coerente com o do metal de base, oscilando na faixa de 140 a 200 HV, tendo ligeiro aumento nos centros das juntas.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq, à CAPES e à FAPERJ pelo suporte financeiro, que permitiu a realização do presente trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2017
  • Aceito
    21 Jun 2017
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