Resumo
Objetivo: apresentar o processo de atualização de 2020 da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT) do Brasil.
Métodos: entre 2019 e 2020, foi conduzido plano de trabalho em cinco etapas para produzir versão atualizada da LDRT.
Resultados: na Etapa 1, a LDRT de 1999 foi comparada a outras listas internacionais e estrangeiras e foram consultados profissionais que fazem uso da lista brasileira. Na Etapa 2, organizou-se uma oficina de trabalho para discutir sobre a primeira versão da atualização. A Etapa 3 envolveu a análise das discussões da oficina de trabalho, a elaboração da segunda versão da atualização e a disponibilização para consulta pública. Na Etapa 4, após a análise das contribuições da consulta pública, elaborou-se a terceira versão, que foi encaminhada para análise governamental. A Etapa 5 consistiu na publicação da legislação com a atualização de 2020 da LDRT.
Conclusão: a atualização da LDRT propiciou o aumento do número de códigos diagnósticos de 182 para 347. O capítulo com maior crescimento foi o relativo aos Transtornos Mentais e Comportamentais. Após intervalo de 21 anos, o processo amplamente participativo utilizado proporcionou a atualização, cumprindo a legislação sanitária nacional e contribuindo para o aprimoramento da integralidade na atenção à saúde dos trabalhadores.
Palavras-chave: doenças ocupacionais; vigilância em saúde publica; lista; política de saúde; saúde do trabalhador
Abstract
Objective: to present the Brazilian List of Work-Related Diseases (LWRD) 2020 update process.
Methods: a five-step work plan to update the LWRD was carried out between 2019 and 2020.
Results: in step 1, the 1999 LWRD was compared to internacional lists, and professionals who make use of the Brazilian list were consulted. In step 2, a workshop was organized to discuss the first updated version. Step 3 involved analyzing the workshop discussions, drafting the list second version, and making it available for public consultation. After analysis of the public contributions, in step 4, the third version was drafted, and submitted for government analysis. Step 5 consisted of publishing the 2020 LWRD legislation.
Conclusion: the LWRD updating raised the number of diagnostic codes from 182 to 347. The Mental and Behavioral Disorders chapter had the greatest growth. After a 21 years gap, the widely participatory process provided the necessary update, complying with the national healthcare legislation and contributing to improve the workers’ health integrality.
Keywords: occupational diseases; public health surveillance; list; health policy; occupational health
Introdução
O trabalho pode produzir saúde, bem-estar e sensação de pertencimento a um grupo social, mas, com frequência, representa um fator de risco, ocasionando o adoecimento e a morte antecipada dos trabalhadores. As doenças e os agravos à saúde relacionados ao trabalho (Dart) são danos à integridade física ou mental do indivíduo em consequência ao exercício profissional ou às condições adversas em que o trabalho foi realizado. A morbimortalidade desses quadros tem altos custos sociais, decorrentes do sofrimento individual, da perda de produtividade e de uma maior utilização dos serviços de saúde e de previdência social1.
As Dart podem ser desencadeadas ou agravadas por diversos processos de adoecimento multifatoriais, tais como: acidentes de trabalho; doenças profissionais clássicas; doenças comuns à população eventualmente modificadas na frequência de sua ocorrência, na precocidade de seu surgimento ou na maior gravidade clínica, conforme as condições de trabalho; e doenças comuns à população que têm o espectro de sua etiologia ampliado ou tornado mais complexo pelo trabalho2.
Dados globais disponíveis registram cerca de 2,78 milhões de mortes atribuídas ao trabalho em 2017, que representam 5% do total dos eventos ocorridos naquele ano. É estimado que as doenças relacionadas ao trabalho (DRT) representam 86,7% dessa carga de óbitos no mundo, sendo o percentual restante decorrente de acidentes de trabalho3. No Brasil, no mesmo ano, foram registrados 20.995 casos de DRT, conforme o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde. Sabe-se que estes números estão subestimados uma vez que o reconhecimento da relação entre a doença e o trabalho nem sempre é fácil e imediato4, por questões como a dificuldade no estabelecimento da relação entre adoecimento e condições de trabalho e a falta de aderência dos profissionais para fazer a notificação aos sistemas de vigilância.
O diagnóstico de uma DRT é influenciado por fatores que facilitam ou dificultam a identificação dessas relações. Entre os facilitadores destacam-se as Listas de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), que têm raízes históricas desde o clássico livro de Bernardino Ramazzini sobre as doenças dos trabalhadores, publicado no ano de 17005. A compilação e publicação de uma LDRT reflete o contexto sociocultural, tecnológico e ambiental da sua época4, porque reconhece o avanço no conhecimento sobre os fatores de risco ocupacionais. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicou a sua primeira LDRT em 1925, com três doenças, e fez diversas revisões com ampliação6, até a versão atual publicada em 20104), (6.
No Brasil, a produção e revisão (ou atualização) da LDRT é uma prescrição legal, presente na Lei Orgânica da Saúde7, sob responsabilidade do Ministério da Saúde. A finalidade central da LDRT no âmbito da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast) do Sistema Único de Saúde (SUS) é subsidiar a atenção integral aos trabalhadores, abrangendo procedimentos assistenciais de diagnóstico e tratamento adequados, ações de vigilância, proteção da saúde e reabilitação2.
Publicada em 19998), (9, a primeira LDRT oficial do Brasil representou um marco sanitário ao agregar ao sistema uma ferramenta que auxiliou a implantação das diretrizes da Renast e viabilizou a produção de informação sobre as Dart. Desde então, a Lista teve ampla repercussão social e se tornou referência para as ações do sistema judiciário nacional, do Ministério Público, das organizações de trabalhadores e de empregadores. Ademais, tem cumprido um papel pedagógico por permitir que diversos profissionais organizem e ampliem a compreensão sobre a influência do trabalho na determinação do adoecimento, facilitando o estabelecimento da relação causal e a valorização de critérios epidemiológicos2), (10.
A elaboração dessas listas geralmente agrega experiência técnica e científica de profissionais responsáveis pela inspeção do trabalho, médicos do trabalho, equipes de seguro/previdência social, organizações sociais e pesquisadores de institutos de pesquisa1. Considerando as mudanças no trabalho decorrentes da reestruturação dos modos e processos de produção ao longo dos últimos 20 anos, houve a introdução e/ou agravamento de perigos e riscos para a saúde, originando novas formas de adoecimento relacionadas ao trabalho. Além disso, a incorporação de experiências sociais, como mudanças nas relações trabalhistas e aspectos de compensação previdenciária, bem como os avanços do conhecimento técnico-científico sobre as DRT no contexto brasileiro, justificam a atualização da lista de 1999.
Este artigo tem o objetivo de apresentar o processo desenvolvido pela Coordenação Geral de Saúde do Trabalhador, do Departamento de Saúde Ambiental, do Trabalhador e Vigilância das Emergências em Saúde Pública, da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde (CGSAT/DSASTE/SVS/MS) para a atualização de 2020 da LDRT do Brasil publicada na Portaria GM/MS nº 2.309, de 28 de agosto de 202011.
Métodos
A atualização da LDRT foi pautada pela CGSAT/SVS/MS ao Comitê Técnico Assessor (CTA) de Vigilância em Saúde do Trabalhador desde 2018. Com a dissolução do CTA pela Portaria SVS/MS nº 33/2019, houve a Constituição do Grupo Técnico de Trabalho para atualização da LDRT, em julho de 2019. O Grupo considerou como referência para o processo a atualização de 2010 da LDRT da OIT4), (6 e definiu premissas a serem observadas durante o desenvolvimento do projeto:
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Utilizar a LDRT/1999 como base para os trabalhos;
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Trabalhar em uma construção coletiva e participativa com a colaboração das entidades sindicais de trabalhadores e empregadores, e do controle social;
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Incorporar saberes e práticas acumuladas pelos serviços de saúde, em especial dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) e de outros serviços de saúde do SUS, das sociedades médicas de especialidades afins e de outras organizações profissionais da saúde e das instituições de ensino e pesquisa na área de Saúde do Trabalhador;
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Considerar o conhecimento atualizado disponível na literatura técnico-científica sobre os temas em discussão;
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Manter como referência para as doenças a 10ª versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10), uma vez que a 11ª versão (CID-11) será adotada integralmente apenas em 202212; e
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Ter como referência a taxonomia adotada no Brasil em 1999, a partir da proposta de Schilling13 sobre as possíveis relações entre o adoecimento e o trabalho, que sistematiza o impacto do trabalho sobre a saúde em três categorias: no Grupo I estão as doenças para as quais o Trabalho é causa necessária, tipificadas pelas “doenças profissionais” clássicas e pelas intoxicações profissionais agudas (exemplo: intoxicação por chumbo, silicose); no Grupo II, doenças para as quais o Trabalho pode ser um fator contributivo, mas não necessário, exemplificadas pelas doenças “comuns” mais frequentes ou precoces em determinados grupos ocupacionais, cujo nexo causal é de natureza clínico-epidemiológica (doenças como hipertensão arterial e neoplasias malignas em determinadas ocupações); pertencem ao Grupo III os casos que o trabalhador apresenta um distúrbio latente ou uma doença preexistente agravados ou desencadeados pelo Trabalho, ou seja, este atua como concausa dessas doenças (exemplo: doenças alérgicas de pele ou respiratória e transtornos mentais em determinadas ocupações).
Entre agosto de 2019 e setembro de 2020 o processo de atualização foi desenvolvido em cinco etapas (Figura 1):
Fluxo das etapas de atualização 2020 da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT) do Brasil
Na Etapa 1, elaborou-se a primeira versão da atualização da LDRT, processo que compreendeu: a) estudo da LDRT brasileira publicada em 1999; b) levantamento de listas oficiais recentemente atualizadas, sendo consideradas três listas internacionais (OIT, União Europeia e Agência Internacional de Pesquisa em Câncer da Organização Mundial da Saúde - IARC/OMS); 18 listas estrangeiras (África do Sul, Argentina, Austrália, Canadá - Alberta, Canadá - Ontário, Canadá - Quebec, Chile, Colômbia, Costa Rica, Espanha, Filipinas, França, Índia, Itália, Japão, México, Nova Zelândia, Portugal); e uma lista nacional (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário - NTEP); c) consulta dirigida a profissionais que fazem uso da lista brasileira em pesquisa, vigilância e assistência aos trabalhadores; d) análise da versão de 1999 para manutenção, edição, inclusão ou exclusão de itens, e elaboração da primeira versão, considerando as contribuições dos itens b e c.
Na Etapa 2, apresentou-se a primeira versão da atualização. A apresentação ocorreu em uma oficina de trabalho presencial e promoveu a análise e discussão da versão com um grupo de especialistas do campo da Saúde Pública/Saúde do Trabalhador.
Na Etapa 3, após as contribuições da oficina de trabalho, elaborou-se a segunda versão da atualização da LDRT, que, durante 60 dias, esteve disponível para consulta pública por meio de um formulário eletrônico (FormSUS).
A Etapa 4 consistiu na análise das contribuições da consulta pública e na elaboração da terceira versão da atualização da LDRT, com encaminhamento para revisão técnica da equipe da CGSAT/DSASTE/SVS/MS.
Na Etapa 5, foi feita a Revisão da LDRT pela Consultoria Jurídica (Conjur) do Ministério da Saúde. Em agosto de 2020, a Portaria de atualização foi publicada.
Resultados
Etapa 1 - Elaboração da primeira versão da atualização da lista brasileira
LDRT/1999
A LDRT publicada em 1999 está organizada por dupla entrada, isto é, por agente/fator de risco versus doenças (Lista A) e por doença versus agentes/fatores de risco (Lista B) (7), (8, utilizando a taxonomia e codificação da CID-10. Pretendia-se que a Lista B auxiliasse os médicos e outros profissionais do sistema de saúde que provêm assistência aos trabalhadores a possibilidade de estabelecer a relação entre a doença diagnosticada e situações de exposição a agentes ou fatores de risco presentes no trabalho, atual ou pregresso. A Lista A facilitaria a identificação dos agentes ou fatores de risco presentes no trabalho para orientar as estratégias de proteção para prevenção. O Grupo Técnico optou pela manutenção da dupla entrada para a lista atualizada.
Levantamento de listas oficiais internacionais e estrangeiras
A versão mais recente da lista da OIT foi publicada em 2010, após um processo de revisão que durou oito anos e teve duas oficinas com especialistas. As discussões envolveram representantes governamentais, representações dos empregadores e dos trabalhadores. Naquela ocasião, foram analisadas e discutidas as listas de 30 países de quatro continentes4), (6. Informações obtidas em agosto de 2019 no sítio eletrônico da OIT relacionavam 99 países indicando marcos legais em Segurança e Saúde no Trabalho, incluindo uma LDRT oficial14) (Quadro 1).
Outra lista internacional utilizada no processo foi aquela publicada pela União Europeia em 2003, validada por 29 países integrantes do bloco15.
Considerando países que participaram da elaboração da lista europeia e da OIT, que representa menos de um terço dos países com listas, buscou-se ampliar a abrangência geográfica ao estudar listas de outros países. Da Europa, foram consideradas as listas de países com rol mais abrangente de doenças: Portugal, Espanha, França e Itália. Quanto à Ásia, a questão linguística limitou o estudo das LDRT, tendo sido possível consultar apenas as listas do Japão e das Filipinas, que oferecem tradução oficial da sua legislação, e da Índia, cujo inglês é uma das línguas oficiais. Para suprir a ausência da Oceania na lista da OIT, foram incluídas as referências da Austrália e da Nova Zelândia. Do continente africano foi incluída a África do Sul pelas semelhanças socioeconômicas com o Brasil.
Nas Américas, foram considerados países com sistemas de saúde pública universal similares ao Brasil, como o Canadá. A busca pelo referencial canadense revelou a ausência de uma lista nacional. Portanto, optou-se por utilizar as referências das principais províncias: Alberta, Ontário e Quebec. Foi incluída a lista do México pela similaridade socioeconômica com a realidade brasileira. Na América Central incluímos a versão da Costa Rica. Na América do Sul, foram incluídas as listas da Argentina, do Chile e da Colômbia.
A lista da IARC/OMS foi considerada na análise em virtude da contribuição especializada para discussão quanto aos tipos de câncer com evidência suficiente ou limitada em humanos e os fatores de risco relacionados ao trabalho, baseada nas monografias divulgadas até julho de 2019.
O levantamento incluiu ainda a Lista C do Decreto nº 3.048/1999, referente ao NTEP, por ser reconhecida como uma lista oficial brasileira que estabelece a relação entre doença e características de trabalho, por meio da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) dos empregadores. Essa lista orienta a perícia médica federal na configuração da espécie acidentária de benefícios previdenciários, ou seja, o reconhecimento da relação entre doença incapacitante e características do ambiente ou das condições do trabalho do requerente (trabalhador) em avaliação16.
Consulta dirigida
Durante o mês de agosto de 2019, a CGSAT/DSASTE/SVS/MS conduziu uma consulta eletrônica com profissionais que utilizam a lista brasileira em ações de pesquisa, vigilância e assistência aos trabalhadores. O sistema recebeu 1.914 contribuições de abrangência nacional (92,6% dos estados da federação), encaminhadas por representantes dos Ministérios da Saúde e da Economia; de Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde; da Renast; conselhos e associações de profissionais de saúde; entidades da sociedade civil; serviços públicos e privados de atendimento em saúde do trabalhador; confederações e sindicatos patronais e de trabalhadores; universidades públicas e privadas, centros de pesquisa e instâncias do sistema judiciário, entre outros. Considerando o motivo, a maior quantidade de comentários foi referente ao Capítulo I (Algumas doenças infecciosas e parasitárias) (14,2%) e ao Capítulo X (Doenças do aparelho respiratório) (13,2%) da CID-10.
Elaboração da primeira versão da atualização
Tendo por base a LDRT 1999, foi proposta a manutenção, edição ou exclusão de itens, considerando os comentários da consulta dirigida e as informações das listas revisadas. A indicação de inclusão de itens dependeu da existência de citação da doença ou código da categoria na CID-10 em duas ou mais referências consultadas.
A Tabela 1 apresenta a evolução comparativa entre a versão de 1999 e a primeira versão da atualização da lista. Partiu-se de um total de 182 categorias (letra e dois números) da CID-10, e houve um aumento para 287 categorias, principalmente referente ao Capítulo II (Neoplasias [tumores]) e ao Capítulo V (Transtornos Mentais e Comportamentais).
Etapa 2 - Oficina de trabalho com grupo de especialistas para análise e discussão da proposta da primeira versão da lista atualizada
A primeira versão da atualização da LDRT foi apresentada para análise e discussão presencial em uma oficina de trabalho, integrada por um grupo de especialistas no campo da Saúde Pública/Saúde do Trabalhador, realizada em Brasília-DF em outubro de 2019.
Participaram da oficina 35 representantes de diversos segmentos da sociedade, incluindo entidades governamentais do âmbito da Saúde, Trabalho e Previdência Social; universidades e centros de pesquisa; profissionais da assistência e vigilância em saúde do trabalhador; representantes de associações profissionais, sindicatos patronais e de trabalhadores. Foram discutidas as sugestões referentes à LDRT vigente, assim como as incorporações. Devido à especificidade e complexidade, os participantes da oficina decidiram que os códigos referentes ao Capítulo II (Neoplasias [tumores]) e ao Capítulo V (Transtornos Mentais e Comportamentais) deveriam ser discutidos por Grupos Temáticos compostos por profissionais especializados no campo de pesquisa sobre tais doenças.
Etapa 3 - Elaboração da segunda versão da atualização da LDRT a partir das contribuições do grupo que fez parte da oficina da Etapa 2 e solicitação de contribuições por meio de consulta pública
Considerando as contribuições da oficina de trabalho e dos Grupos Temáticos, a segunda versão da atualização da lista foi apresentada com 348 categorias de diagnósticos, sendo que o maior número de doenças incluídas foi referente ao Capítulo I (Algumas doenças infecciosas e parasitárias) (Tabela 1).
Esta segunda versão da LDRT foi disponibilizada para consulta pública por 60 dias com acesso universal para encaminhamento de sugestões por meio de formulário eletrônico do SUS (FormSUS). Houve divulgação oficial pelo Ministério da Saúde, por outros órgãos do setor público e por outras instâncias que permitiram à sociedade o amplo conhecimento da consulta.
O sistema recebeu 114 contribuições para a Lista A e 337 para a Lista B, que vieram de 92,6% dos estados da federação, semelhante ao resultado da consulta dirigida. O maior quantitativo de comentários foi relativo ao Capítulo XIII (Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo) (24,9%) e ao Capítulo II (Neoplasias [tumores]) (17,2%).
Essa etapa contou com a participação de profissionais do Ministério da Saúde; autarquias e empresas públicas; Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde; da Renast; conselhos e associações de profissionais de saúde; entidades da sociedade civil; serviços públicos e privados de atendimento em saúde do trabalhador; confederações e sindicatos patronal e do trabalhador; universidades públicas e privadas e centros de pesquisa; forças armadas; instituições religiosas e contribuições individuais.
Etapa 4 - Elaboração da terceira versão da atualização da LDRT
As contribuições recebidas da consulta pública foram analisadas tecnicamente, à luz das recomendações da oficina de trabalho, da literatura científica atualizada e das listas incluídas como referências no processo. A terceira e última versão da atualização da LDRT considerou reduzir de 348 categorias para 347 categorias, sendo que o maior número de doenças excluídas se refere ao Capítulo IX (Doenças do aparelho circulatório) (Tabela 1). Essa versão foi encaminhada para revisão da CGSAT/DSASTE/SVS/MS.
Etapa 5 - Publicação da LDRT atualizada
A terceira e última versão da atualização de 2020 da LDRT tramitou nas diversas instâncias do Ministério da Saúde, e em 1 de setembro de 2020 foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria nº 2.309/GM/MS, que alterou a Portaria de Consolidação nº 5/2017 e atualizou a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), “a ser adotada como referência das doenças e agravos oriundos do processo de trabalho” (11.
Discussão
A LDRT brasileira para uso clínico e epidemiológico nos serviços de saúde públicos e privados visa aprimorar e qualificar as ações de atenção à saúde dos trabalhadores em todos os níveis de complexidade. No processo de atualização de 2020 foram utilizadas estratégias validadas internacionalmente, considerou a experiência nacional acumulada sobre o tema, estimulou a participação de diversos atores sociais e propôs relações baseadas no conhecimento técnico-científico mais atualizado.
Segundo Dembe17, o reconhecimento da relação entre o adoecimento e o trabalho é um processo social, que ultrapassa a dimensão técnica e as evidências científicas. Esse posicionamento fundamenta a elaboração das Listas de Doenças Relacionadas ao Trabalho, chancela o entendimento dessa questão para a sociedade e orienta documentos de agências internacionais, como OIT e OMS. No processo de construção social das listas, é necessário considerar as mudanças no mundo do trabalho, cada vez mais rápidas e radicais, que implicam a necessidade de revisão periódica dos critérios de compreensão e atualização quanto aos contextos da interface saúde-doença-trabalho. O objetivo principal é orientar as políticas de atenção e prevenção das DRT4.
Considerando que tais adoecimentos são frequentemente evitáveis, a detecção precoce é prioritária para a vigilância em saúde, sendo a notificação oficial o meio para mapear as situações de risco. Reduzir as subnotificações dos agravos ocupacionais é uma preocupação nacional18 e internacional19), (20, pois a identificação de DRT pauta as ações do SUS de vigilância de ambientes e processos de trabalho, a fim de definir estratégias eficazes para prevenção21.
Como os diversos processos de produção estão distribuídos globalmente, e as mesmas condições de risco estão presentes em territórios diversos, é recomendável que existam critérios comuns para os registros de DRT, a fim de estabelecer comparações22. Por isso o interesse no uso de listas internacionais e estrangeiras para a atualização de 2020 da LDRT.
No Brasil, além do rol oficial de doenças em nível nacional, há outros instrumentos vigentes para se alcançar o objetivo de mapear o panorama das enfermidades ocupacionais, como as normativas quanto aos agravos de notificação compulsória e regramentos tanto estaduais como municipais. Como exemplo, a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia publicou a Resolução CES nº 23/2020 aprovando a atualização de 2020 da Lista para uso no estado (LDRT-BA).
A padronização das estratégias de avaliação da relação entre problemas de saúde e fatores de risco no trabalho e a disseminação de informações sobre a obrigatoriedade de reportar aos sistemas de informação podem auxiliar na acurácia diagnóstica, ampliar a notificação e melhorar o contexto epidemiológico das DRT. O diagnóstico correto e o estabelecimento da relação da doença com o trabalho permitem o desenvolvimento de um plano de assistência adequado no SUS e nos serviços privados, além de contribuir com informação de melhor qualidade a ser utilizada no planejamento das ações de vigilância e promoção da Saúde do Trabalhador20), (23. Falhas nesse processo têm repercussões negativas sobre a qualidade da integralidade na atenção prestada nos serviços de saúde. O Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio da Resolução nº 2.297/2021, regulamenta o exercício profissional dos médicos que atendem o trabalhador em questões como diagnósticos e estudo da relação doença-trabalho, orientação ao trabalhador sobre a natureza da sua doença e notificação notificação das Dart aos sistemas de informação nacional24.
Em cumprimento à recomendação da legislação sanitária, que indica a inclusão das entidades sindicais na revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho10, a atualização de 2020 teve como uma das suas premissas a ampla participação social em todas as etapas de discussão. Essa estratégia buscou integrar os saberes desenvolvidos a partir das observações empíricas de práticas nos serviços de saúde e nos fóruns de discussão de trabalhadores, que foram objeto de discussão à luz do conhecimento acumulado na literatura científica e nas listas consultadas.
Além de cumprir a determinação legal de revisão periódica, a atualização da Lista A da LDRT deve possibilitar o acompanhamento das transformações nos processos produtivos em curso no país e a vigilância daquelas que produzam situações de risco com consequências negativas para a saúde dos trabalhadores. Ademais, oportuniza a análise da experiência acumulada nos serviços e a incorporação dos avanços do conhecimento técnico-científico no período de vigência. Portanto, as LDRT devem ser dinâmicas, mutáveis, e, portanto, atualizadas com frequência. O Ministério da Saúde reconhece essa necessidade e atualizou a normativa sanitária estabelecendo o prazo máximo de cinco anos para atualização da lista, conforme o contexto epidemiológico nacional e internacional11.Também devem ser consideradas questões técnicas, como a mudança de codificação das doenças, que ocorrerá em 2022 com o advento da CID-1112.
Convém relembrar que a lista não é exaustiva, isto é, enfermidades que não façam parte do seu rol podem ser reconhecidas como relacionadas ao trabalho se houver histórico de exposição ocupacional que justifique o estabelecimento da relação de risco. Mas a existência de uma LDRT auxilia na padronização e consolidação dos dados oriundos dos diversos sistemas de informação nacionais, reduzindo a dispersão de elementos fundamentais para a compreensão e estruturação de estratégias para mapear as morbidades e mortes relacionadas ao trabalho.
O reconhecimento da relação entre doenças e condições laborais pode ser gatilho para as ações sanitárias sobre os ambientes laborais insalubres9), (24. A articulação das ações de prevenção e vigilância epidemiológica de Dart, de promoção e proteção da saúde dos trabalhadores e de intervenção sobre os processos e ambientes laborais insalubres deve ser prioridade do Estado, para a plena implementação da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora25.
Contudo, no dia 2 de setembro de 2020 foi publicada a Portaria nº 2.345/GM/MS, que tornou sem efeito a portaria que atualizou a LDRT em 2020. Em 8 de setembro de 2020 foi publicada a Portaria nº 2.384/GM/MS, que retomou a vigência da versão 1999 da LDRT. Tais decisões governamentais provocaram mobilização de setores da sociedade contrários à revogação da LDRT-2020. O Conselho Nacional da Saúde recomendou a adoção da atualização nas práticas do SUS e, como citado neste texto, a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia incorporou-a à legislação estadual. A revogação ministerial da LDRT-2020 e a republicação da LDRT-1999 não invalida o trabalho metodológico descrito neste artigo ou a importância do reconhecimento e notificação das doenças relacionadas ao trabalho elencadas na atualização.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
29 Abr 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
08 Out 2020 -
Revisado
16 Dez 2021 -
Aceito
03 Fev 2021