Resumos
O penfigoide bolhoso é uma dermatose bolhosa autoimune subepidérmica, mais comumente observada na população idosa (acima dos 70 anos). Autoanticorpos são formados contra antígenos específicos da zona de membrana basal: BP180 e BP230 (proteínas do hemidesmossomo). Apresentamos três casos de penfigoide bolhoso, em adultos com menos de 50 anos de idade, destacan do as peculiaridades clínicas na faixa etária mais jovem.
Adulto jovem; Dermatopatias vesiculobolhosas; Penfigoide bolhoso
Bullous pemphigoid is an autoimmune subepidermal bullous dermatosis more commonly observed in the elderly (over 70 years old). Autoantibodies are produced for specific antigens of the epidermal basement membrane zone: BP 180 and BP 230 (hemidesmosome proteins). We report three cases of bullous pemphigoid in adults younger than 50 years old, discussing the clinical characteristics of the disease in younger patients.
Pemphigoid, bullous; Skin diseases; vesiculobullous; Young adult
CASO CLÍNICO
Penfigoide bolhoso no adulto mais jovem: relato de três casos* * Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos - Guarulhos (SP), Brasil.
Roberta Richter ZanellaI; Tamar Alencar XavierI; Antônio José TebcheraniII; Valéria AokiIII; Ana Paula Galli SanchezIV
IPós-graduação - Médica Especializanda em Dermatologia do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos - Guarulhos (SP), Brasil
IIMestre em Anatomia Patológica pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - Médico Patologista do Serviço de Dermatologia do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos - Guarulhos (SP), Brasil
IIIDoutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) - Professora Doutora do Departamento de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC - FMUSP) - São Paulo (SP), Brasil
IVMestre em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) - Médica Assistente do Serviço de Dermatologia do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos - Guarulhos (SP), Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Roberta Richter Zanella Av. Borges Lagoa 710, apto 71, Vila Clementino CEP 04038-001 São Paulo-SP E-mail: rrzkrz@yahoo.com.br
RESUMO
O penfigoide bolhoso é uma dermatose bolhosa autoimune subepidérmica, mais comumente observada na população idosa (acima dos 70 anos). Autoanticorpos são formados contra antígenos específicos da zona de membrana basal: BP180 e BP230 (proteínas do hemidesmossomo). Apresentamos três casos de penfigoide bolhoso, em adultos com menos de 50 anos de idade, destacan do as peculiaridades clínicas na faixa etária mais jovem.
Palavras-chave: Adulto jovem; Dermatopatias vesiculobolhosas; Penfigoide bolhoso
INTRODUÇÃO
O penfigoide bolhoso (PB) é dermatose autoimune subepidérmica, acometendo, geralmente, idosos, com mais de 70 anos, sem predileção étnica, racial ou sexual.1, 2, 3 As lesões ocorrem, sobretudo, nas grandes dobras e abdome, podendo surgir inicialmente lesões urticadas e pruriginosas e, posteriormente, as bolhas. Estas se localizam sobre a pele, aparentemente, sã, eritematosa ou eritematoedematosa. São tensas e de conteúdo serohemorrágico. O acometimento das mucosas ocorre em 10 a 35% dos casos. 2, 3
São descritas as seguintes variantes clínicas: clássica (acima descrita), localizada, nodular, vegetante, erosiva, eritrodérmica, juvenil e induzida por medicamentos. 1, 2, 3
Os casos relatados de PB, em doentes com menos de 60 anos, são raros. 1, 4 Relatamos três casos de PB no adulto, com menos de 50 anos, com características e evolução clínicas distintas.
RELATO DOS CASOS
Caso 1
Doente feminina, 37 anos, parda. Apresentando, há vinte dias, prurido associado ao aparecimento de bolhas e lesões urticadas. As bolhas, de conteúdo seroso, localizavam-se sobre pele, aparentemente, sã ou eritematosa no pescoço, tronco e membros, com predileção pelas grandes dobras (Figura 1). Nas mucosas, não havia lesões, nem comprometimento do estado geral. A paciente negava uso de medicação. Hemograma com eosinofilia de 64% e IgE elevada. O exame anatomopatológico (AP) de lesão bolhosa revelou clivagem subepidérmica, com infiltrado inflamatório misto (polimorfonucleares e linfócitos) (Figura 2). Na imunofluorescência direta (IFD) da pele perilesional, havia depósito de C3 linear, contínuo e intenso na zona de membrana basal (ZMB) (Figura 3). Diante do diagnóstico de PB, foi iniciado tratamento com dapsona (100mg/dia) e prednisona (0,5mg/Kg), ocorrendo resolução do quadro cutâneo em três semanas.
Caso 2
Doente feminina, 49 anos, branca. Há sessenta dias, referia-se a um intenso prurido e, há quinze dias, o aparecimento de placas eritematosas disseminadas, com posterior evolução para bolhas grandes, tensas, de conteúdo sero-hemorrágico, sobre base eritematosa, na cabeça, pescoço, tronco e membros (Figuras 4 e 5). Na mucosa nasal, oral e genital, apresentava úlceras e comprometimento do estado geral, sendo prontamente internada. Antecedentes pessoais relevantes: hipertensão arterial sistêmica, insuficiência cardíaca e valvuloplastia mitral. Fazia uso de losartana potássica. Hemograma com eosinofilia de 32% e IgE elevada. O AP de lesão bolhosa revelou clivagem subepidérmica, com infiltrado inflamatório rico, em eosinófilos e neutrófilos no assoalho da bolha. A IFD de pele perilesional mostrou depósito de IgG e C3 linear, contínuo e intenso na ZMB. Diante do diagnóstico de PB, foi suspensa a losartana e introduzidas dapsona (100mg/dia) e prednisona (0,5mg/Kg/dia). A paciente evoluiu, com piora do quadro cutâneo e do estado geral, na primeira semana de tratamento, sendo aumentada a prednisona para 1mg/Kg/dia. Foi transferida para a unidade de terapia intensiva, onde recebeu gamaglobulina endovenosa. Apesar da melhora do quadro cutâneo, evoluiu para óbito por sepse, um mês após o início da terapêutica.
Caso 3
Doente feminina, 43 anos, parda. Há seis meses, referia-se a prurido intenso, associado ao aparecimento de placas urticadas, bolhas, lesões papulosas e nodulares. As bolhas, de conteúdo seroso e hemorrágico, localizavam-se sobre a pele, aparentemente, sã ou eritematosa no pescoço, tronco e membros. Nos membros, apresentava também lesões papulosas, nodulares e placas liquenificadas (Figura 6). Sobre algumas destas lesões, observavamse bolhas. Não apresentava lesões nas mucosas, nem comprometimento do estado geral. Referia-se à hipertensão arterial sistêmica, em tratamento com captopril. O AP de lesão bolhosa revelou clivagem subepidérmica, com infiltrado inflamatório rico em polimorfonucleares. O AP de lesão papulosa mostrou hiperqueratose, acantose, fibrose dérmica e infiltrado mononuclear perivascular superficial. Na IFD da pele perilesional (bolha) e da pele lesada (nódulo), havia depósito de C3 linear, contínuo e intenso na ZMB. Diante do diagnóstico de PB (variante nodular/ induzida por medicamento) foram introduzidas dapsona (100mg/dia) e prednisona (0,5mg/Kg) e suspenso o captopril, com melhora do quadro clínico em três meses.
DISCUSSÃO
No PB, há produção de autoanticorpos (auto-Ac), direcionados contra proteínas transmembrânicas (BP180) e da placa (BP230) dos hemidesmossomos, com subsequente ativação do sistema complemento, recrutamento de células inflamatórias (sobretudo eosinófilos e neutrófilos) e formação da bolha subepidérmica. O antígeno (Ag) mais importante do hemidesmossoma é o domínio extracelular NC16A da BP180, localizado próximo à membrana plasmática do queratinócito basal, ocorrendo a clivagem na lâmina lúcida (LL) superior. 1, 2, 3, 5
Os auto-Ac são da classe IgE e IgG, sobretudo IgG4. 2, 4
A IFD revela depósito de C3 (em praticamente todos os pacientes) e IgG (na maioria dos casos) linear na ZMB. A IFI é positiva, em 80% dos casos. O Salt Split Skin indireto (SSS indireto) revela depósito dos auto-Ac, no lado epidérmico (teto) da clivagem (já que os principais Ag alvos situam-se na porção superior da LL). Este método é importante para diferenciar o PB da epidermólise bolhosa, adquirida e do lúpus eritematoso sistêmico bolhoso. Nestas dermatoses, o depósito dos auto-Ac ocorre no lado dérmico (assoalho) da clivagem, pois o autoAg é o colágeno VII, que se situa na sublâmina densa. 2
Na população com idade inferior a 70 anos, o PB é afecção rara e com algumas peculiaridades. Há estudos demonstrando maior expressão de autoanticorpos antiBP180 nestes doentes. São comuns os quadros mais disseminados, com acometimento da região cervical e da cabeça. Destacase também a refratariedade ao tratamento. 6, 7, 8, 9
É comum eosinofilia periférica e IgE sérica total elevada.4
Nos três casos relatados, em função do infiltrado inflamatório rico em polimorfonucleares no AP, optamos pela associação da dapsona à corticoterapia sistêmica, tendo a primeira doente respondido surpreendentemente bem. No entanto, obedecendo às evidências de refratariedade ao tratamento, a segunda paciente não respondeu ao tratamento e a terceira doente evoluiu com melhora lenta e progressiva.
A terceira paciente apresentava além das bolhas, lesões papulosas, nodulares e placas liquenificadas, com depósito de C3 na ZMB dessas lesões. O PB nodular caracteriza-se por lesões pápulonodulares pruriginosas que podem preceder o aparecimento das bolhas, ocorrer isoladamente ou podem surgir junto com as lesões bolhosas. Para o diagnóstico desta variante, a demonstração do depósito dos imunorreagentes é necessária, na ZMB, pela IFD, nas lesões pápulo-nodulares (o que diferencia o PB nodular do prurido simples, quando a variante nodular ocorre na ausência de bolhas).10, 11
O tratamento do PB localizado pode ser feito com corticoide (clobetasol) tópico. Para casos disseminados, em geral, em baixas doses (0,5 mg/ kg), utiliza-se prednisona bem como dapsona, tetraciclina, eritromicina, minociclina, nicotinamida, azatioprina, metotrexate e micofenolato mofetil. A pulsoterapia endovenosa com corticoide e a gamaglobulina endovenosa são reservadas para os casos mais graves e refratários.1, 2, 3, 9
O PB pode ser desencadeado por medicamentos, tais como: captopril; enalapril; furosemida; espironolactona; amiodarona; losartana; beta-bloqueador; ibuprofeno; fluoxetina; sulfassalazina; cloroquina; d-penicilamina; ampicilina; cefalexina, ciprofloxacino; ácido nalidíxico; gabapentina e PUVA).2, 3, 12 Na anamnese de todos os pacientes, deve-se questionar o uso de medicamentos. Nos casos dois e três, as pacientes usavam respectivamente, losartana potássica e captopril, que foram substituídas.
Ressaltamos a importância de se atentar para a possibilidade do diagnóstico de PB, em pacientes mais jovens do que a faixa etária habitualmente acometida por esta dermatose, sendo fundamental a realização da IFD, e eventualmente do SSS indireto, para o diagnóstico diferencial, com outras dermatoses subepidérmicas, como: a dermatose por IgA linear, dermatite herpetiforme, epidermólise bolhosa adquirida inflamatória e lúpus eritematoso sistêmico bolhoso.
Recebido em 11.02.2010.
Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 28.03.2010.
Conflito de interesse: Nenhum
Suporte financeiro: Nenhum
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Maio 2011 -
Data do Fascículo
Abr 2011
Histórico
-
Recebido
11 Fev 2010 -
Aceito
28 Mar 2010